ENTENDA HISTÓRICAMENTE COMO PUTIN RESTAUROU O STATUS DA RÚSSIA COMO POTÊNCIA GLOBAL, APÓS O COLAPSO ACONTECDO HÁ 30 ANOS
Reuters
Como Putin restaurou o status da Rússia como
potência global após o colapso da URSS, há 30 anos
Trinta anos atrás, em 25 de dezembro de 1991, Mikhail Gorbachev, o líder da então União Soviética (URSS), renunciou ao cargo e entregou seus poderes presidenciais a Boris Yeltsin, o recém-nomeado presidente da Federação Russa.
Naquela noite, a bandeira vermelha soviética com os símbolos do martelo e da foice foi arriada do Kremlin e substituída pela bandeira tricolor russa.
No dia seguinte, o Soviete Supremo reconheceu a independência das repúblicas soviéticas e dissolveu formalmente a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
O súbito colapso da URSS, um império gigante que controlou mais de uma dezena de Estados aliados por 70 anos e espalhou sua influência geopolítica por meio mundo, foi um evento sísmico que mudou o mundo.
E deixou a recém-criada Federação Russa atolada em uma crise de identidade.
"A Rússia nunca foi um Estado-nação como entendemos esse conceito no Ocidente. A Rússia foi um império, mas nunca um Estado-nação", diz Mira Milosevich, analista para Rússia e Eurásia do Real Instituto Elcano da Espanha, à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.
"Então, com a desintegração da União Soviética, a Rússia tentou criar uma identidade nacional russa, mas é um processo muito complexo porque a Rússia é um país multiétnico, multinacional, com grandes tradições e muito marcado pelo seu passado imperial", acrescenta.
Durante a década de 1990, a Rússia procurou definir não apenas essa identidade nacional, mas também sua relação com o Ocidente.
Mas após a queda da URSS, no período pós-Guerra Fria, os Estados Unidos e seus aliados ocidentais pararam de tratar a Rússia como uma "grande potência", como a URSS havia sido.
E a manifestação mais importante dessa degradação foi a expansão da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) no Leste Europeu, região até então sob influência de Moscou.
Na opinião de observadores, o presidente russo, Vladimir Putin, se referia a isso quando disse que o colapso da União Soviética foi "a maior catástrofe geopolítica do século 20".
"Foi a desintegração da Rússia histórica sob o nome de União Soviética", disse Putin.
"Nós nos tornamos um país completamente diferente. E o que havia sido construído em mais de 1 mil anos foi em grande parte perdido."
Mas após a queda da URSS, no período pós-Guerra Fria, os Estados Unidos e seus aliados ocidentais pararam de tratar a Rússia como uma "grande potência", como a URSS havia sido.
E a manifestação mais importante dessa degradação foi a expansão da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) no Leste Europeu, região até então sob influência de Moscou.
Na opinião de observadores, o presidente russo, Vladimir Putin, se referia a isso quando disse que o colapso da União Soviética foi "a maior catástrofe geopolítica do século 20".
"Foi a desintegração da Rússia histórica sob o nome de União Soviética", disse Putin.
"Nós nos tornamos um país completamente diferente. E o que havia sido construído em mais de 1 mil anos foi em grande parte perdido."

Assim, desde que assumiu o poder em 2000, Putin não escondeu sua determinação em restaurar o status da Rússia como potência global após anos de suposta humilhação pelos Estados Unidos e seus aliados da Otan.
E, como Mira Milosevich aponta, Putin teve sucesso em devolver à Rússia seu papel estratégico como potência mundial.
"Putin se vê como o salvador da Rússia", diz a analista. "Porque a tentativa da Rússia de fazer a transição democrática na década de 1990 falhou; houve um colapso completo e falência do país."
"Putin salvou a Rússia e devolveu à Rússia (seu papel) como ator estratégico no cenário internacional", acrescenta.
De fato, depois do que foi considerada a "década perdida" dos anos 1990 na Rússia, Putin fez questão de que o país fosse novamente ouvido no cenário internacional.
Ascensão meteórica
Putin trabalhou como espião da KGB (agência de inteligência soviética) por 16 anos quando, em 1991, decidiu se lançar na política.
Após a renúncia de Yeltsin em 1999, Putin tornou-se presidente interino e, menos de quatro meses depois, foi eleito para seu primeiro mandato como presidente da Rússia.
Ele ostenta o título de líder mais longevo no Kremlin desde o líder soviético Joseph Stalin, falecido em 1953.
Uma polêmica votação nacional sobre as reformas constitucionais em abril deste ano deu-lhe a chance de permanecer no poder além de seu atual quarto mandato, que termina em 2024.
Assim, Putin, de 69 anos, poderia permanecer no Kremlin até 2036.
Os que o criticam afirmam que o presidente adquiriu durante a era soviética os traços que moldaram sua visão de mundo.
"É claro que a Rússia voltou à agenda internacional, mas não por razões positivas", diz à BBC News Mundo Natasha Kuhrt, professora do Departamento de Estudos de Guerra da universidade King's College London, no Reino Unido, e especialista em questões de segurança e política externa da Rússia e da Eurásia.
"É interessante notar que há dez anos (no Kremlin) falava-se sobre como a Rússia precisava se tornar mais atraente. Que precisava usar o chamado 'soft power'".
"Agora, o tom mudou totalmente. Ninguém (em Moscou) está interessado em tornar a Rússia mais atraente. Tudo o que eles querem é tornar a Rússia um ator, para que a Rússia consiga um lugar à mesa, para que o mundo reconheça a Rússia."
"Se era isso que Putin queria, acho que ele conseguiu, se pensarmos apenas em cálculos estratégicos", diz a especialista.

Poder global da Rússia
- É o maior país do mundo em extensão com mais de 17 milhões de km² de território.
- É o segundo maior produtor de petróleo do mundo (depois dos EUA) com 10,27 milhões de barris por dia.
- Possui o segundo maior arsenal nuclear do mundo (depois dos EUA), com 6.375 ogivas.
- Seu gasto com defesa é o quarto maior do mundo, com aumentos sustentados nos últimos anos: em 2020 chegou a US$ 66,84 bilhões.
- É membro permanente do Conselho de Segurança da ONU e com poder de veto.
Fonte: BP World Energy Statistics, SIPRI

Como ressaltam os especialistas, a principal prioridade de Putin ao reverter o declínio pós-URSS era impedir o avanço de potências estrangeiras na ex-região soviética.
Em 2008, o Exército russo invadiu a Geórgia para impedir que o presidente pró-Ocidente Mikheil Saakashvili realizasse uma reconquista militar do território separatista georgiano da Ossétia do Sul, um protetorado russo.
Se tivesse conseguido reunificar seu país dividido, Saakashvili poderia ter chegado muito mais perto de seu objetivo declarado de tornar a Geórgia um candidato viável para ingressar na Otan.

Da mesma forma, em 2014 na Ucrânia, depois que protestos pró-Ocidente derrubaram o presidente aliado de Moscou, Viktor Yanukovych, a Rússia interveio militarmente, primeiro para anexar a península da Crimeia e depois para apoiar os rebeldes anti-Kiev em Donbass, a região de língua russa no leste da Ucrânia.
Como Mira Milosevich explica, esses ataques não faziam parte do esforço de Putin para restabelecer a União Soviética. Foi, diz ela, um "princípio histórico da segurança nacional russa".
"Esse impulso de conservar as zonas de influência vem do conceito de segurança nacional da Rússia, de proteger o que considera seu interesse nacional e é muito marcado pela experiência histórica de o país ter sido invadido", assinala.
"O que a Rússia quer são espaços entre a Rússia e o inimigo potencial. E a Rússia vê a Otan como a maior ameaça à sua segurança nacional e não quer ter a Otan em suas próprias fronteiras", acrescenta Milosevich.
Poder armado
Após o colapso da União Soviética, a Rússia herdou grande parte do arsenal nuclear soviético.
Embora o país tenha reduzido substancialmente suas reservas, ainda é a segunda maior força nuclear do mundo.
Em 2018, em seu discurso anual sobre o estado da nação, Putin se gabou de novas e poderosas armas nucleares.
Diante de centenas de funcionários do alto escalão e legisladores dias antes de uma eleição que lhe concedeu um novo mandato de seis anos, Putin estabeleceu metas internas ambiciosas e emitiu advertências desafiadoras ao Ocidente, a quem acusou de "tentar reprimir a Rússia".
Putin disse que a Rússia testou um novo míssil balístico intercontinental (ICBM, na sigla em inglês), chamado Sarmat, e argumentou que o país foi forçado a atualizar seu arsenal nuclear depois que os Estados Unidos se retiraram do Tratado sobre Mísseis Antibalísticos (Tratado ABM) em 2002.
Putin disse que em 2004 advertiu o Ocidente de que tomaria tal atitude, mas que as potências ocidentais "não queriam falar com a Rússia".
"Ninguém realmente queria falar conosco naquela época. Ninguém nos ouviu naquela época. Portanto, ouçam-nos agora", declarou Putin sob estrondosos aplausos no discurso transmitido ao vivo por todo o país.
Desde então, a Rússia continuou a modernizar seu arsenal nuclear.
Segundo o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (SIPRI), em 2021, a Rússia tinha cerca de 50 ogivas nucleares a mais em implantação operacional do que no ano anterior.
A Rússia também aumentou seu arsenal nuclear militar geral em cerca de 180 ogivas, principalmente devido ao lançamento de mais ICBMs com várias ogivas e mísseis balísticos lançados pelo mar.
Assim, hoje o mundo não só ouve a Rússia, mas também a teme.
Em sua corrida para restaurar o poder global da Rússia, Putin também assumiu a responsabilidade de estreitar laços em regiões que já eram estratégicas para a URSS, como a América Latina.
"Todas as representações em nível diplomático e em instituições internacionais antes exercidas pela União Soviética agora são exercidas pela Rússia", diz Milosevich.
"E sem dúvida a Rússia aproveitou e continuou com as tradicionais relações históricas que a União Soviética teve, por exemplo, na América Latina".
Como aponta a especialista, a presença da Rússia na América Latina faz parte de uma estratégia internacional mais ampla, cujo principal objetivo é "minar a liderança dos Estados Unidos na região" e "competir com a outra grande potência emergente, a China".
"Putin é um estrategista fantástico, como ele demonstrou", diz a analista do Real Instituto Elcano da Espanha.
"Conseguiu, por exemplo, colocar a Rússia no conselho do Oriente Médio com muito menos poder econômico, militar ou político do que os Estados Unidos."
"Hoje a Rússia é um ator indispensável, o único ator estratégico no Oriente Médio que dialoga com todos, desde o Hezbollah ao rei da Arábia Saudita", acrescenta Milosevich.
Além disso, a Rússia é um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU — assento que também herdou da União Soviética — o que lhe confere poder de veto.

Fraquezas
Mas os sucessos diplomáticos, militares e estratégicos de Putin não conseguiram ocultar as principais fraquezas internas da Rússia: uma economia excessivamente dependente das receitas de exportação de energia (a Rússia é a 11ª maior economia do mundo em PIB), corrupção extensa, infraestrutura e provisão social deficiente e crescente descontentamento político e social.
Como Natasha Kuhrt aponta, Putin definiu amplamente sua política externa com sua oposição aos Estados Unidos e à União Europeia, apoiando regimes "atípicos" e vendendo armas a quem pode.
"Como a União Soviética, que vendeu aviões e armas para países africanos com vencimento em cinco anos, isso não significa necessariamente ter influência", diz Kuhrt. "Isso não significa que esses países serão seus aliados leais."
"A Rússia vende muitas armas e isso por si só não o torna influente. Você pode construir uma usina nuclear para um país, mas isso não significa que ele será leal a você. Portanto, é preciso ter cuidado quando falamos de influência global e poder. "
"Porque, em termos de influência, (a Rússia) não está fazendo o que a China está fazendo, por exemplo, na África, onde está colhendo enormes recompensas de longo prazo em termos de investimento."

Mais tensões
Hoje, as tensões da Rússia com o Ocidente estão em um de seus pontos mais altos.
O Ocidente acusou a Rússia de destacar dezenas de milhares de soldados para perto da Ucrânia em preparação a um possível ataque.
O G7 (grupo das sete economias mais ricas do mundo, formado por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido) alertou Moscou sobre "consequências massivas" se atacar a Ucrânia.
O Kremlin disse que a Rússia não tem planos de lançar um novo ataque à Ucrânia e que o Ocidente parece ter se convencido das intenções agressivas de Moscou com base no que chama de "fake news" da mídia ocidental.
Por enquanto, é improvável que os atritos entre a Rússia e o Ocidente sejam resolvidos tão cedo.
Putin pode já ter alcançado sua meta de tornar a Rússia um ator respeitado — e temido — no mundo, mas como assinala Kuhrt, o presidente dificilmente encontrará um lugar sustentável para o país na nova ordem mundial, um lugar onde seja tratado como um parceiro igual.
"Penso que a Rússia ainda está tentando se posicionar no mundo. E agora com a ascensão da China isso não será tão fácil", diz.
"Talvez Putin pense que sabe fazer isso, mas isso não significa que ele será capaz de fazê-lo", conclui.
Fonte:https://www.bbc.com/portuguese/internacional-59801385
5 razões pelas quais a União Soviética entrou em colapso há 30 anos

- Kateryna Khinkulova e Olga Ivshina
- BBC Rússia
Em 25 de dezembro de 1991, Mikhail Gorbachev renunciou formalmente ao cargo de presidente da União Soviética (URSS). No dia seguinte, em 26 de dezembro, o Parlamento do país — o Soviete Supremo — reconheceu formalmente a independência de 15 novos Estados, encerrando assim a existência da União Soviética.
Gorbachev havia chegado ao poder em 1985, aos 54 anos. Ele iniciou uma série de reformas para dar um novo fôlego ao país, que estava estagnado.
Muitos argumentam que essas reformas, conhecidas como Perestroika (reconstrução e reestruturação) e Glasnost (abertura e liberdade de expressão), provocaram o fim do bloco soviético. Outros dizem que não havia salvação para a União Soviética, dada sua estrutura rígida.
Neste texto, a BBC examina as razões subjacentes a um colapso que teve efeitos profundos sobre como a Rússia hoje enxerga a si mesma e interage com o resto do mundo.

1 - Economia
Uma economia em colapso era o maior de todos os problemas da União Soviética. O país tinha uma economia planificada, ao contrário da economia de mercado da maioria dos outros países.
Na URSS, o estado decidia quanto iria produzir em cada setor (quantos carros ou pares de sapatos ou pães, por exemplo).
Também decidia o quanto desses produtos cada cidadão precisava, quanto tudo deveria custar e quanto deveria ser pago às pessoas.
A teoria era que esse sistema seria eficiente e justo, mas na realidade ele teve dificuldades para funcionar.
A oferta sempre ficou atrás da demanda, e o dinheiro não rendia na mão da população.
Muitas pessoas na União Soviética não eram exatamente pobres, mas simplesmente não conseguiam comprar itens básicos porque nunca havia dinheiro o suficiente.
Para comprar um carro, era preciso ficar anos na lista de espera. Para comprar um casaco ou um par de botas de inverno, muitas vezes era preciso ficar por horas na frente das lojas.
Na União Soviética, as pessoas não falavam em comprar algo (kupit), mas em conseguir (dostat).
O que piorou a situação foram os gastos com a exploração espacial e a corrida armamentista entre a União Soviética e os Estados Unidos, que começou no final dos anos 1950.
A URSS foi o primeiro país do mundo a colocar um homem em órbita e possuía um arsenal de armas nucleares e mísseis balísticos altamente avançados, mas produzir tudo isso custou muito caro ao país.
A União Soviética dependia de seus recursos naturais, como petróleo e gás, para pagar por essa corrida, mas, no início da década de 1980, os preços do petróleo despencaram, atingindo duramente a economia já debilitada do bloco.
A política da Perestroika de Gorbachev introduziu alguns princípios de mercado, mas a gigantesca economia soviética era pesada demais para ser reformada rapidamente.
Os bens de consumo permaneceram escassos, e a inflação disparou.
Em 1990, as autoridades introduziram uma reforma monetária que eliminou as poupanças, por mais parcas que fossem, de milhões de pessoas.
A frustração com o governo cresceu.
Por que isso importa hoje?
A escassez de bens de consumo teve um efeito duradouro no pensamento da população depois da queda do bloco soviético.
Mesmo agora — uma geração depois —, o medo de ficar sem produtos básicos ainda persiste.
Esse é um temor poderoso que pode ser facilmente manipulado durante as campanhas eleitorais.

2 - Ideologia
A política de Glasnost de Gorbachev visava permitir maior liberdade de expressão em um país que passou décadas sob um regime opressor, onde as pessoas tinham muito medo de dizer o que pensavam, fazer perguntas ou reclamar.
Gorbachev começou a abrir arquivos históricos que mostravam a verdadeira escala da repressão sob Joseph Stalin (líder soviético entre 1924 e 1953), que resultou na morte de milhões de pessoas.
Ele encorajou um debate sobre o futuro da União Soviética e suas estruturas de poder, sobre como elas deveriam ser reformadas para seguir em frente.
O político até contemplou a ideia de um sistema multipartidário, desafiando o domínio do Partido Comunista.
Em vez de apenas ajustar a ideia soviética, essas revelações levaram muitos na URSS a acreditar que o sistema governado pelo Partido Comunista — onde todos os funcionários do governo eram nomeados ou eleitos por meio de eleições não contestadas — era ineficaz, repressivo e aberto à corrupção.
O governo de Gorbachev tentou apressadamente introduzir alguns elementos de liberdade e justiça no processo eleitoral, mas era tarde demais.
Por que isso importa hoje?
O atual presidente da Rússia, Vladimir Putin, percebeu desde cedo a importância da ideia de uma nação forte, especialmente para um governo que não é totalmente transparente e democrático.
Ele utilizou um ideário de várias épocas do passado russo e soviético para promover um sentimento nacional de reverência ao seu governo: a riqueza e o glamour da Rússia Imperial, o heroísmo e o sacrifício da vitória na Segunda Guerra Mundial sob Stalin e a calma estabilidade dos anos 1970. A era soviética é ecleticamente misturada para inspirar orgulho e patriotismo, deixando em segundo plano os numerosos problemas da Rússia atual.

3 - Nacionalismo
A União Soviética era um estado multinacional, sucessor do Império Russo.
Consistia em 15 repúblicas, cada uma teoricamente igual em seus direitos como nações irmãs.
Na realidade, a Rússia era de longe a maior e mais poderosa, e a língua e a cultura russas dominavam muitas áreas.
A Glasnost alertou muitas pessoas em outras repúblicas sobre a opressão étnica do passado, incluindo a fome ucraniana na década de 1930, a aquisição dos Estados Bálticos e da Ucrânia ocidental sob o pacto de amizade entre nazistas e soviéticos, além das deportações forçadas de vários grupos étnicos durante a Segunda Guerra Mundial.
Esses e muitos outros eventos trouxeram um surto de nacionalismo e demandas por libertação do bloco.
A ideia da União Soviética como uma família feliz de nações foi fatalmente minada e as tentativas precipitadas de reformá-la, oferecendo mais autonomia às repúblicas, foram vistas como atrasadas.
Por que isso importa hoje?
A tensão entre a Rússia, lutando para manter seu papel central e esfera de influência, e muitos países que faziam parte do bloco socialista permanece.
As relações tensas entre Moscou e os Estados Bálticos, a Geórgia e, mais recentemente, a Ucrânia (com trágicas consequências), continuam a moldar a paisagem geopolítica da Europa.

4 - Perdendo corações e mentes
Durante anos, o povo soviético foi informado de que o Ocidente estava "apodrecendo" e seu povo estava sofrendo com a pobreza e degradação sob governos capitalistas.
Essa ideia foi cada vez mais questionada a partir do final dos anos 1980, quando as viagens ao exterior e o contato direto com estrangeiros aumentaram.
Os cidadãos soviéticos puderam ver que em muitos outros países havia um padrão de vida melhor, mais liberdade individual e estado de bem-estar.
A população também conseguiu ver o que suas autoridades tentaram esconder durante anos, com a proibição de viagens internacionais, de estações de rádio estrangeiras (como o Serviço Mundial da BBC) e qualquer literatura e filmes estrangeiros.
Gorbachev é creditado por encerrar a Guerra Fria e impedir a ameaça de um confronto nuclear ao melhorar as relações com o Ocidente, mas um resultado não intencional dessa estratégia foi que o povo soviético percebeu como a vida no país era precária em comparação com outros lugares.
Gorbachev tornou-se cada vez mais popular no exterior, enquanto enfrentava cada vez mais críticas em casa.
Por que isso é importante hoje?
O governo russo se tornou adepto da manipulação de informações divulgadas pela mídia em seu benefício.
Para evitar comparações desfavoráveis com o resto do mundo, a Rússia é frequentemente apresentada como uma nação única, cultural e historicamente — uma espécie de "guerreiro solitário, cercado por malfeitores".
Realizações científicas, vitória na Segunda Guerra Mundial e herança cultural são continuamente usados em narrativas da mídia para transmitir uma mensagem de excepcionalismo nacional e desviar a atenção dos problemas diários.

5 - Liderança
Gorbachev sabia que uma mudança radical era necessária para impedir uma maior deterioração da economia soviética e da moral pública, mas sua visão de como conseguir isso talvez carecesse de clareza.
Com o fim da Guerra Fria, ele se tornou um herói para o mundo exterior, mas em casa foi criticado por reformadores que achavam que ele não estava tomando a iniciativa. Também virou alvo de conservadores que o acusavam de ir longe demais.
Como resultado, ele perdeu ambos os campos.
Os conservadores lançaram um golpe de Estado fracassado em agosto de 1991 para tentar remover Gorbachev do poder.
Em vez de salvar a URSS, a tentativa malfadada precipitou seu fim. Menos de três dias depois, os líderes do golpe tentaram fugir do país, e Gorbachev voltou ao poder, mas por um breve período.
Boris Yeltsin na Rússia e líderes locais no restante da URSS vieram à baila.
Nos meses seguintes, muitas das repúblicas realizaram seus referendos de independência e, em dezembro, o destino final da URSS foi selado.
Por que isso é importante hoje?
Vladimir Putin é um dos governantes mais antigos da Rússia.
Um dos segredos de sua longevidade é colocar o país em primeiro lugar, ou pelo menos parecer fazê-lo.
Enquanto Mikhail Gorbachev foi criticado por desistir unilateralmente de muitas das posições de força duramente conquistadas pela União Soviética, como a retirada às pressas das tropas soviéticas da Alemanha Oriental, Vladimir Putin luta com unhas e dentes pelo que acredita serem interesses russos.
Putin havia sido oficial da KGB (serviço secreto soviético) na Alemanha Oriental quando o Muro de Berlim caiu, em 1989, e testemunhou em primeira mão o caos da retirada soviética.
Trinta anos depois, ele se opõe categoricamente à aproximação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) das fronteiras russas e está preparado para agir com força, como indica o recente aumento de tropas russas perto da Ucrânia.
Fonte:https://www.bbc.com/portuguese/internacional-59794568
Como foram as últimas horas antes da dissolução da poderosa União Soviética há 30 anos

- Norberto Paredes @norbertparedes
- BBC News Mundo
Foi durante décadas a única potência que poderia rivalizar com os Estados Unidos, até que na noite de 25 de dezembro de 1991, deixou de existir.
"Com isso interrompo minhas atividades como presidente da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS)", anunciou Mikhail Gorbachev, do Kremlin, em discurso que deu a volta ao mundo.
Para muitos, aquele momento marcou o fim do poder comunista e da Guerra Fria, mas para outros a União Soviética (URSS) já havia morrido semanas antes com o Tratado de Belavezha.
No entanto, a grande maioria concorda que, após o golpe de agosto daquele ano, a União estava com os dias contados.
Desde a primavera, Gorbachev e seus aliados no governo federal vinham negociando o Novo Tratado da União, que buscava manter a maioria das repúblicas dentro de uma federação muito mais flexível. Eles consideraram que era a única maneira de salvar a URSS.
"Eles queriam manter algum tipo de união, mas com o tempo essa ideia se tornou cada vez menos atraente para os líderes das repúblicas, especialmente para Boris Yeltsin (presidente da Rússia)", diz o jornalista e escritor Conor O'Clery, autor de "Moscou, 25 de dezembro de 1991: O Último Dia da União Soviética", à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.
A proposta também foi rejeitada pelos comunistas conservadores, o Exército e a KGB (a agência de inteligência soviética) e então Gorbachev foi colocado em prisão domiciliar em sua casa de férias na Crimeia.
Mas os conspiradores do golpe foram mal organizados e fracassaram depois de uma campanha de resistência civil liderada em Moscou por Boris Yeltsin, que era aliado e crítico de Gorbachev.
O golpe falhou, mas como resultado disso Gorbachev perdeu sua influência, enquanto Yeltsin emergiu como o líder preferido dos russos.
"Gorbachev havia planejado a assinatura do Novo Tratado de União para 20 de agosto. Mas o exército e a KGB consideraram que esse pacto destruiria a URSS como um Estado, e eu concordo", diz à BBC News Mundo Vladislav Zubok, professor de História na London School of Economics (LSE) e especialista em União Soviética.

"O golpe foi uma surpresa , porque aconteceu quando todos estavam de férias. As pessoas esperavam que algo assim acontecesse, mas não em agosto", acrescenta Zubok, autor do livro "Um império falido: a União Soviética na Guerra Fria de Stalin a Gorbachev".
"Show televisionado"
Zubok, que nasceu e morou em Moscou durante a era soviética, lembra que muitas vezes as pessoas acreditam na narrativa de que 25 de dezembro foi uma data muito importante, mas em sua opinião não era.
"Quando Gorbachev anunciou sua renúncia, ele não tinha mais nenhum tipo de poder. O que aconteceu foi um programa de televisão", diz ele.
Os conspiradores do golpe impediram que o Novo Tratado da União fosse assinado em agosto, mas não puderam evitar a iminente dissolução da União Soviética, que vinha fermentando há anos.
Na verdade, eles lhe deram um impulso.
Depois do golpe, muitos entenderam que a União Soviética havia chegado ao fim, mas outros, incluindo Gorbachev, acreditavam que ela ainda poderia ser salva sob outro tipo de união de Estados soberanos.

"A ideia da União permaneceu atraente para milhões de pessoas que estavam acostumadas a viver em um grande país. Eles esperavam preservá-la talvez sob outro nome ou regime", diz Zubok.
Mas Yeltsin tinha outro plano.
O golpe final
Em 8 de dezembro de 1991, o presidente russo se reuniu com três outros líderes das 15 repúblicas soviéticas, o presidente ucraniano Leonid M. Kravchuk e o líder bielorrusso Stanislav Shushkevich, e juntos eles emitiram uma declaração conhecida como Tratado de Belavezha.
Este pacto estipulou que a União Soviética seria dissolvida e substituída pela Comunidade de Estados Independentes (CIS), uma confederação de antigos estados soviéticos.
Para o jornalista Conor O'Clery, o evento marcou o fim da União Soviética: "Não havia como voltar atrás".

"Gorbachev não podia aceitar e por duas ou três semanas continuou insistindo que tinham que manter alguma forma de União da qual ele seria presidente", acrescenta.
Mas em 21 de dezembro, oito das 12 repúblicas soviéticas restantes aderiram à CEI com a assinatura do Protocolo de Alma-Ata, desferindo assim o golpe final na URSS.
O'Clery diz que foi quando Gorbachev finalmente percebeu o fim de uma era e decidiu que renunciaria em 25 de dezembro com um discurso.
"Yeltsin permitiu que ele ficasse no Kremlin por mais alguns dias e concordou que a remoção da bandeira vermelha do Kremlin seria feita em 31 de dezembro", disse O'Clery.
O historiador Vladislav Zubok destaca que o Protocolo de Alma-Ata foi assinado de forma "extraconstitucional".
"Eles não tinham nenhum poder constitucional para dissolver a União Soviética, mas escaparam impunes. Não os prenderam nem nada", insiste.
"A verdade é que a essa altura já estava claro que o governo central estava completamente disfuncional e o Exército já havia tirado sua lealdade de Gorbachev para dá-la a Yeltsin."
O último dia da URSS
Os dias se passaram sem muitas novidades, até que chegou o dia em que era esperada a renúncia do homem responsável pela perestroika (reconstrução e reestruturação).
Em 25 de dezembro, a maioria dos salões do Kremlin estava calma, exceto por algumas, pois Yeltsin já controlava o complexo presidencial.

Ele nomeou seu próprio comando do Regimento do Kremlin, uma unidade especial que garante a segurança do local, de modo que todos os guardas nas entradas e ao redor dele fossem leais.
Gorbachev mal controlava seu escritório e algumas salas ao redor, usadas por equipes das emissoras americanas CNN e ABC, que se preparavam para transmitir a renúncia.
O'Clery diz que, pouco antes do discurso, Gorbachev teve uma conversa por telefone com o primeiro-ministro do Reino Unido, John Major, que o deixou chateado, então ele mais tarde se retirou para descansar sozinho em um quarto do Kremlin.
"Ele estava muito emocionado e havia bebido alguns drinques quando seu assistente, Alexander Yakovlev, o encontrou chorando na sala", disse ele.
"Foi o momento mais triste de Gorbachev, um momento de angústia. Mas ele se recuperou rapidamente desse episódio e se preparou para fazer um discurso com grande dignidade."
Conforme o planejado, o último líder da União Soviética iniciou às 19h locais um pronunciamento que duraria 10 minutos.
Gorbachev renunciou a seu cargo em um país que não existia mais.
"Agora vivemos em um novo mundo", disse Gorbachev justificando sua decisão.
Zubok insiste que se tratou de um "show televisionado". A CNN traduziu e transmitiu o discurso para todo o mundo via satélite.
De acordo com especialistas, as palavras de Gorbachev tiveram mais ressonância no exterior (onde ele ainda gozava de grande popularidade) do que em casa.

"Na televisão soviética, o discurso foi visto muito pouco. Gorbachev já era extremamente impopular na União e quase ninguém estava interessado. A essa altura todos sabiam que a União Soviética havia morrido", diz Zubok.
O historiador concorda que foi um pronunciamento "digno", mas ressalta que ele causou descontentamento até dentro das fileiras do Partido Comunista.
"Ele defendeu seu mandato, nunca reconhecendo nenhum erro. Até algumas pessoas ao seu redor ficaram surpresas. Esperavam que ele dissesse algo sobre por que a perestroika deu tão errado, por que não havia nada nas lojas ou por que a economia estava despencando. Mas não", acrescenta Zubok.
"Ele continuou a ver a perestroika como sempre, como uma missão global. E encerrou sua presidência com a moral elevada. Ele não queria mostrar fraqueza a Yeltsin e é por isso que Yeltsin ficou extremamente chateado depois daquele discurso e se recusou a se encontrar com Gorbachev."
O'Clery diz que Gorbachev poderia ter mostrado mais generosidade e apreço por Yeltsin em seu discurso.
"Yeltsin o salvou após o golpe. Se não fosse por ele, Gorbachev teria acabado na prisão ou pior", diz.
A ira de Yeltsin
O'Clery observa que Yeltsin ficou tão zangado que Gorbachev não mencionou em seu discurso que ordenou que a bandeira vermelha fosse removida imediatamente, embora tivesse planejado retirá-la no final do ano.
Yeltsin também redigiu um decreto na mesma noite ordenando que todos os pertences pessoais de Gorbachev e de sua esposa fossem removidos do complexo presidencial, apesar de ele já ter dito que o casal poderia permanecer no local por mais alguns dias.

Às 19h32, a bandeira soviética foi substituída pela da Federação Russa.
"Gorbachev voltou para casa e encontrou sua esposa em meio a livros e fotos que os subordinados de Yeltsin haviam jogado no chão", conta O'Clery.
Yeltsin e Gorbachev não se viram novamente depois daquele discurso.
Um sinal da baixa popularidade de Gorbachev na Rússia pôde ser visto no momento em que a bandeira da URSS foi retirada do Kremlin: a Praça Vermelha de Moscou estava praticamente deserta.
Às 19h32 daquela noite histórica, a bandeira soviética foi substituída pela da Federação Russa, sob o comando do que por acaso foi seu primeiro presidente, Boris Yeltsin.
E naquele exato momento, o que havia sido por décadas o maior Estado comunista da história foi oficialmente dividido em 15 repúblicas independentes: Armênia, Azerbaijão, Bielo-Rússia, Estônia, Geórgia, Cazaquistão, Quirguistão, Letônia, Lituânia, Moldávia, Rússia, Tadjiquistão, Turcomenistão, Ucrânia e Uzbequistão.
Ao mesmo tempo, do outro lado do mundo, os Estados Unidos acabaram se consolidando como a única superpotência global.
Fonte:https://www.bbc.com/portuguese/internacional-59794677
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