POR QUE OS GATOS SÃO MAIS INDEPENDENTES QUE OS CÃES? ELES FORAM DOMESTICADOS HÁ MENOS TEMPO; REVELA NOVO ESTUDO
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Por que os
gatos são mais independentes que os cães? Eles foram domesticados há
menos tempo; revela novo estudo
A domesticação dos gatos pode ter
ocorrido há 2 mil anos – a dos cachorros data de ao
menos 15 mil anos
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— Rio de Janeiro
18/12/2025 04h27 Atualizado há 3 dias
Se a história da convivência de pessoas e gatos fosse uma novela, esta seria cheia de idas e vindas, longas viagens, instintos selvagens e um final de mistério inacabado. E essa novela da vida real está sendo escrita com tintas de DNA. Pois, dois novos estudos, baseados na investigação do genoma, sugerem que os gatos se tornaram companheiros do ser humano há menos tempo do que se supunha.
A domesticação dos gatos pode ter ocorrido há não mais que dois mil anos _ a dos cães, por exemplo, data de ao menos 15 mil anos. E seria um processo lento, não linear e ainda em curso, o que ajudaria a explicar o comportamento independente e o forte instinto caçador dos pets felinos.
A saga de pessoas e gatos começa na África, se desenrola pela Ásia e a Europa até chegar a capítulos em que os felinos se espalham por todo o planeta, sempre sem se render completamente à dominação humana.
O primeiro estudo foi publicado este mês na Science. Nele, cientistas apresentam o resultado da análise do DNA de gatos selvagens antigos e domésticos do Norte da África, do Oriente Médio e da Europa. Já o outro estudo está na Cell Genomics e se atém à história dos gatos da antiga China.
Um selvagem no sofá
Um gato doméstico não difere em quase nada de um selvagem. Há pouquíssimos traços de distinção, como o tamanho do cérebro (ligeiramente menor no doméstico), alterações comportamentais e nos intestinos.
O cão é geneticamente idêntico ao lobo, mas um pinscher, um buldogue e poodle, por exemplo, estão longe de parecer lupinos. Em comum, os cães domésticos têm um comportamento moldado pelo ser humano e totalmente distinto de seu ancestral lobo-cinzento euroasiático.
Não à toa, segundo a Science, por mais que goste de um sofá o gato pode ser considerado semidomesticado, podendo facilmente voltar a um estado puramente selvagem, diferente dos cães ferais, que ainda preservam algumas características comportamentais da domesticação.
No estudo da Science, Marco De Martino, um paleogeneticista da Universidade de Roma Tor Vergata, e seus colegas defendem a hipótese de que os gatos domésticos se originaram no Norte da África e de lá se espalharam para a Europa e a Ásia.
O estudo de De Martino integra o Felix, um projeto internacional sobre a domesticação de gatos. Assim como o número limitado de mudanças na aparência (fenotípicas), poucos genes evoluíram devido à seleção durante a transição de gato selvagem para gato doméstico. Na verdade, somente cerca de um terço dos que distinguem cães de lobos. Porém, não se sabe se essas mudanças ocorreram em um intervalo curto ou foram adquiridas sequencialmente ao longo de um período prolongado.
A aparência engana
De Matino e os colegas estudaram amostras de DNA nuclear antigo e contemporâneo. Para esse grupo de pesquisadores, os gatos retratados em pinturas do antigo Egito, como as da tumba do faraó Tutmés III (cerca de 3.500 anos atrás), não eram ancestrais do gato doméstico atual, o Felis catus, mas sim gatos em estado semi selvagem que toleravam a presença humana.
Existem ossos de gatos ainda mais antigos, encontrados em Chipre e em Israel que sugerem que a domesticação poderia ter ocorrido há dez mil e oito mil anos, respectivamente.
Avaliar esses achados arqueológicos sempre foi difícil, se não impossível, porque os esqueletos de gatos domésticos e gatos selvagens (Felis silvestris) são indistinguíveis. Além disso, lembram os pesquisadores na Science, os filhotes de alguns gatos selvagens são facilmente domesticáveis.
Ou seja, um gato encontrado num cenário arqueológico doméstico não era necessariamente um gato doméstico.
Estudos anteriores haviam proposto que os gatos domésticos descendiam de gatos selvagens do Oriente Próximo (Felis silvestris lybica ou, na opinião de alguns taxonomistas, Felis lybica lybica). Mas não tinha sido possível distinguir geneticamente o F. s. lybica moderno do F. catus, tornando impossível identificar onde a domesticação ocorreu dentro da ampla faixa dessa subespécie, que se estende por grande parte do Norte da África e até a Ásia Sudoeste.
De Martino e seus colegas adotaram duas abordagens para mapear a diáspora do gato doméstico. Primeiro, usaram DNA de amostras modernas para determinar as afinidades evolutivas dos gatos domésticos com relação aos gatos selvagens do Oriente Próximo da África do Norte e Ásia. Nesse capítulo, concluíram que o gato foi domesticado na África. Mas era preciso ter certeza de que os gatos achados em diferentes momentos da história eram descendentes dos primeiros gatos africanos domesticados.
Castelos e esquartejamento
Os cientistas então recorreram a amostras de DNA extraídas de todo tipo que osso de gato antigo que tiveram acesso. Animais atirados em fosso de castelo medieval, jogados num poço de um teatro romano, em acampamentos militares e portos.
No estudo entraram amostras de DNA de gatos esquartejados e provavelmente comidos, outros achados em urnas religiosas e ainda um com lesões curadas em ambos os fêmures, um sinal de que deve ter sido tratado como um animal de estimação em sua convalescença. No total foram 225 amostras de gatos de nove mil anos até o século XIX, além de gatos atuais.
O exame do DNA antigo apoiou a tese de que os gatos domésticos derivam de populações de gatos selvagens do Norte da África. E indicou que a domesticação pode ter ocorrido apenas nos últimos dois milhares de anos.
Segundo o estudo na Science, todos os gatos antigos da Europa com mais de dois mil anos foram identificáveis geneticamente como gatos selvagens europeus (F. s. silvestris), incluindo espécimes da Turquia.
Os gatos antigos com genomas de gatos selvagens do Norte da África não apareceram na Europa e Turquia até dois mil anos atrás. Além disso, esses gatos eram geneticamente mais semelhantes aos gatos domésticos modernos do que aos gatos selvagens modernos do Norte da África.
Uma hipótese é que os gatos tenham se espalhado pela Europa acompanhando os exércitos romanos.
Mistério da esfinge
De Martino disse à Science que os dados sugerem uma origem relativamente recente do gato doméstico, ou pelo menos que gatos domésticos não estavam presentes na Europa ou Ásia Sudoeste antes de dois mil anos atrás. O mais provável é que o selvagem F. s. lybica gerou F. catus no Norte da África em algum momento há cerca de dois milênios.
Ele destaca, porém, que essa história ainda guarda muitos mistérios e pode ter reviravoltas. Um ponto de interrogação é a origem dos gatos do tempo dos faraós. Existem muitas múmias de gatos, mas nunca se conseguiu extrair DNA delas. Se um dia isso for possível, De Martino acredita que a história poderá mudar.
Mas ele observa que o Egito antigo pode ter sido apenas um dos lugares onde o gato primeiro se curvou ao ser humano. Para ele, um berço mais provável seria o Noroeste da África, na vizinhança de Marrocos e Tunísia, onde os felinos eram ainda mais abundantes.
Gatinhos terríveis
A novela felina também se desenrola na China. No artigo de Cell Genomics, os pesquisadores procuraram distinguir antigos possíveis gatos domesticados de gatos selvagens asiáticos, também conhecidos como gatos-leopardo. Eles se parecem em tamanho, cor e forma. Mas são absolutamente diferentes em temperamento. Não à toa, os cientistas chamaram os selvagens de “gatinhos terríveis”, lindos, pequenos e hostis.
Há vestígios arqueológicos de que na China, há 3.500 anos, esses gatinhos terríveis viveram lado a lado com pessoas.
Mas a convivência esteve longe ser “pacífica”. Foi uma “domesticação fracassada”, disse o co-autor do estudo Luo Shu-Jin, um biólogo do Centro de Ciências da Vida de Pequim.
Segundo ele, os gatos-leopardo retornaram aos seus habitats naturais, vivendo hoje distantes do ser humano. O estudo propõe que os gatos domesticados surgiram na China por meio da Rota da Seda, há cerca de 1.400 anos.
Claudio Ottoni, um paleogeneticista da Universidade de Roma Tor Vergata e outro coautor do estudo de Science, frisa que o gato é uma espécie complexa e ainda há muito a descobrir, por mais que nos façam companhia. E o gato, como a esfinge egípcia, parece preferir manter o mistério.
Fonte:https://oglobo.globo.com/saude/coluna/2025/12/por-que-os-gatos-sao-mais-independentes-que-os-caeseles-foram-domesticados-ha-menos-tempo-revela-novo-estudo.ghtml
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