Elaine com o filho mais velho, Rafael. — Foto: Arquivo pessoal
Fé, cultura ou rejeição: por que há quem não
celebre o Natal
Enquanto milhões de famílias organizam ceias e
trocam presentes no dia 24 de dezembro, há quem passe pelo Natal sem árvore,
peru ou Papai Noel. Motivos religiosos, culturais ou mesmo para evitar
comentários desagradáveis dos familiares estão entre as explicações de quem não
celebra a data.
Por Nayara
Felizardo
24/12/2025 11h44 Atualizado há 18
horas
Para grande parte dos brasileiros, o fim de
dezembro é sinônimo de mesa farta, reencontros familiares e troca de presentes.
Mas há quem passe pelo dia 24 como qualquer outra
data do calendário. As razões são diversas: religião, culturas distintas ou até
experiências pessoais marcadas por conflitos e rejeição na família.
No caso da médica Flávia Raquel Teodoro Rotiroti,
da Congregação Cristã no Brasil, e da babá Elaine Cristina dos Santos Barboza,
Testemunha de Jeová, o principal motivo para a falta de clima natalino é
religioso.
“Algumas denominações evangélicas não
comemoram o Natal. Não existe em nenhum lugar da Bíblia dizendo que o dia 25 de
dezembro é o nascimento de Jesus. Historicamente também não seria essa data. É
uma celebração comercial, cheia de questões simbólicas, como o Papai Noel”,
disse Flávia.
A médica nunca comemorou o Natal, porque desde
criança sua família já era evangélica. Já Elaine não comemora há 28 anos, desde
que começou os estudos bíblicos.
“Antes, eu sempre comemorava com os
familiares. Quando comecei a estudar a Bíblia, aprendi que essa festa não tem a
ver com o nascimento de Jesus Cristo. Ele nos mandou comemorar sua morte, não
seu nascimento”, disse a babá.
O sociólogo Clemir Fernandes, diretor adjunto do
Instituto de Estudos da Religião (Iser), explica que o Natal nem sempre ocupou
o lugar central que tem hoje no cristianismo. Enquanto a Páscoa, ligada à
Paixão de Cristo, é celebrada desde o primeiro século, o Natal só tem registros
históricos a partir do quarto século, segundo ele.
Como qualquer tradição, a celebração foi se
desenvolvendo e ganhou força no longo período medieval. Portanto, não é
estranho que alguns grupos cristãos não celebrem oficialmente o Natal, o que
não significa que não façam festejos em família", afirma Fernandes.
Famílias
reinventam o Natal para as crianças
Para as famílias que não celebram datas
tradicionais, o desafio costuma ser explicar essa escolha às crianças. Elaine
conta que seus filhos, hoje adultos, cresceram sem sentir falta do Natal,
porque já cresceram dentro da religião. Já a neta, costuma celebrar com os
outros avós.
“E a
gente celebra muito no decorrer do ano. Nos reunimos para fazer brincadeiras,
festas, alugamos salão, chácaras. E todas as crianças acabam se divertindo
muito. Então, não tem nem como sentir falta disso”, comentou Elaine.
Flavia também não isola os filhos, que se encantam
com as luzes e árvores espalhadas pela cidade e na casa de vizinhos.
“Se eles perguntarem, eu explico que nossa
religião não comemora o Natal. Mas não vejo problema nenhum em fazer uma
decoração. Eu senti falta disso quando era criança. Já os presentes de fim de
ano estão comprados. Se eles começarem a questionar mais, a gente decide. O
importante é explicar", conta a mãe.
Flavia
não isola os filhos, que se encantam com as luzes e árvores de Natal. — Foto:
Arquivo pessoal
Para Elaine, o mais divertido é dar presentes sem
ter uma data comercial determinada. “É tão gostoso ganhar um presente quando
você não espera. A surpresa é mais divertida”, afirmou.
‘Não gosto da
data’
Nem sempre o desinteresse pelo Natal passa pela
religião. A enfermeira Nathalia Bastos diz que simplesmente não gosta da data.
“Não vejo sinceridade em comemorar o nascimento de uma pessoa que foi
crucificada e continua sendo crucificada todos os dias”, desabafa.
Para Nathalia, que lembra de comentários cruéis
ouvidos de familiares, o Natal expõe algumas hipocrisias. “Muitas vezes eu era
a crucificada. Poderiam começar vivendo o que o aniversariante ensinou: amar o
próximo, sem julgamentos”, afirmou.
O sociólogo Fernandes observa que, cada vez mais, o
Natal tem se afastado de seu sentido religioso. “Mesmo entre cristãos, virou
uma celebração de comida, bebida, presentes e encontros familiares, com
alegrias e também conflitos”, disse.
Çuriçawara:
para povos indígenas, Natal é o dia da felicidade
Entre povos indígenas, o fim do ano também pode
ganhar outros significados. Em uma publicação nas redes sociais, o professor e
escritor indígena Yaguarê Yamã explica que, em algumas tradições, existe o
Çuriçawara, que significa “o dia da felicidade”, na língua geral.
Segundo ele, trata-se de uma data ancestral que
celebra alegria, amizade e comunhão entre humanos e espíritos da floresta. “Os
velhos dizem que não se sabe quando tudo começou. Só se sabe que os espíritos
da felicidade se unem para festejar com os humanos”, escreveu no Instagram.
Segundo o mito indígena, não há apenas um bom
velhinho, mas dois: a vovó Hary e seu esposo Karimã. “Salve o dia da
felicidade, o Çuriçawara!”, disse Yamã.
Culturas
orientais não têm tradição de Natal
O Natal também não ocupa espaço central fora do
cristianismo. Em países islâmicos como Indonésia, Paquistão, Turquia e Egito,
Jesus é reconhecido como profeta, mas não como figura divina. Os muçulmanos
celebram principalmente o Eid al-Fitr, após o Ramadã, e o Eid al-Adha, ligado à
história do profeta Abraão.
No budismo, predominante em países como China,
Japão, Tailândia e Vietnã, Jesus é visto como um ser de grande sabedoria, um
bodhisattva, mas o nascimento dele não é celebrado. A principal data é o Vesak,
que marca nascimento, iluminação e morte de Buda.
Já para os judeus, Jesus existiu, mas não é o
Messias. A principal festa do período é o Hanukah, a Festa das Luzes, que
relembra a resistência religiosa e cultural do povo judeu.
No hinduísmo, presente sobretudo na Índia, o
calendário é marcado por festas ligadas a diferentes divindades e energias,
como Diwali, Holi e Krishna Janmashtami. O Natal não faz parte dessa tradição,
assim como no taoismo e no xintoísmo, em que o dia 25 de dezembro tem, no
máximo, caráter comercial.
Para Clemir Fernandes, esse panorama mostra que,
embora o cristianismo tenha grande peso cultural, ele está longe de ser
universal. “Existem muitas tradições religiosas com calendários próprios. Para
algumas delas, o Natal é totalmente estranho ou desconhecido”, conclui.
Fé, cultura ou rejeição: por que há quem não celebre o
Natal
Fonte: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2025/12/24/fe-cultura-ou-rejeicao-por-que-ha-quem-nao-celebre-o-natal.ghtml
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