DO QAnon À ANTIVACINA: UM MAPEAMENTO DO CONSPIRACIONISMO NA EUROPA E SUA ATUAÇÃO NOS EUA PRÓ TRUMP E SUA BASE EXTREMISTA
- Gerar link
- X
- Outros aplicativos

Do QAnon à antivacina: um mapeamento do conspiracionismo na Europa
PARIS - "Não é um vírus", diz Monique Lustig segurando um guarda-chuva cheio de mensagens contra a vacinação em holandês. Na Alemanha, Hellmuth acrescenta: "Covid é uma fábula da máfia financeira internacional". "E se estivéssemos realmente num filme?", pergunta o francês Christophe Charret.
De Haia a Stuttgart, passando por Paris, todos eles afirmam estar lutando contra o "controle de mentes", contra as redes "pedófilas", contra a "plandemia" inventada por uma elite governante com planos sombrios.
Eles se consideram defensores de um "discurso alternativo" às verdades oficiais e seguem o exemplo do movimento de teoria da conspiração QAnon americano para expressar a sua visão conspiracionista dos assuntos candentes nas redes sociais.
Expulsos do Twitter e do Youtube, eles se sentem perseguidos . Optaram por plataformas secundárias para trocar informações — na sua maioria falsas — que, segundo eles, são ocultadas pelos meios de comunicação tradicionais.
Acompanhamos durante meses estes viveiros conspiratórios na Europa.
Entre eles há membros do QAnon, fundamentalistas protestantes , antivacinas, populistas de direita, terapeutas alternativos, homens de negócios, artesãos, desempregados e até médicos.
Um grupo heterogêneo que está em plena ascensão preocupa os serviços de inteligência, que temem uma desestabilização da democracia.
— A conspiração está florescendo nas redes sociais, vemos que está também organizando células clandestinas. É obviamente uma ameaça — adverte o coordenador nacional dos serviços secretos franceses, Laurent Nunez, que reconhece que as teorias QAnon chegaram à França.
Nas redes sociais, os grupos europeus QAnon, ou ligados a eles, surgem e se juntam. Os Décodeurs da França têm mais de 30 mil assinantes no aplicativo de mensagens Telegram. Defensores alemães de teorias conspiratórias, como Attila Hildmann e Xavier Naidoo, têm mais de 100 mil seguidores; e o britânico Charlie Ward, que difunde propagandas pró-Trump a cada 15 minutos, atingiu quase 150 mil.
— Há um coquetel molotov em marcha: o enfraquecimento do tecido socioeconômico, um forte movimento em plataformas digitais, onde é fácil transmitir discursos conspiratórios, e o calendário eleitoral — afirmou uma funcionária dos serviços secretos da França, referindo-se às eleições regionais deste ano e presidenciais do próximo.
— Estes são movimentos que surgiram há mais ou menos 10 ou 15 anos. São alimentados por uma conspiração antissistema. Há uma porosidade com grupos de extrema direita — diz um alto funcionário dos serviços secretos franceses que reconhece que o que é novo é a inclusão de "pessoas de origens bastante variadas".
Esses pensamentos podem destruir famílias que se sentem impotentes perante a adesão dos seus entes queridos. Foi isso que aconteceu a Paulo (o nome foi mudado), que contou sobre a lenta passagem da sua mãe "para o outro lado".
— Ela vivia em reclusão, passava um tempo incrível na internet à procura de respostas para sua raiva contra a injustiça do mundo. Ela consumia vídeos do YouTube 24 horas por dia, os canais de conspiração eram a sua única janela para o mundo — diz o livreiro de 48 anos. — O confinamento foi a cereja no bolo. A Covid foi a confirmação de todas as suas teorias sobre o fim do mundo — acrescenta ele.
Obsessão com Bill Gates
Estamos em meados de março, no pacato vilarejo de Uithoorn, ao sul de Amsterdã. Lange Frans nos convida a entrar no seu estúdio de gravação.
— Aqui não há máscara — solta, sarcasticamente, o rapper que chegou a ser conhecido nos anos 1990.
Entre duas metáforas musicais, conta, orgulhosamente, do "show clandestino", sem medidas de distanciamento social, do qual participou no dia anterior.
Já há alguns anos, seus podcasts têm sido um sucesso na Holanda. Durante duas horas, o cantor conversa com uma personalidade para dar uma visão "alternativa" sobre assuntos correntes: Covid, acidente do avião MH-370, pedofilia, OVNIs... Tem espaço para tudo.
— Siga o rastro do dinheiro — diz Lange Frans entre cartazes de Bob Dylan e guitarras.
— Tomemos o caso de Bill Gates. As pessoas devem descobrir sobre ele, que não tem nenhum diploma médico nem experiência em vacinas. A única razão pela qual recebe tanta atenção é porque tem dinheiro — diz o cantor em inglês impecável.

Para este jovem de 40 anos, cujo canal do YouTube é frequentemente suspenso, a Covid é uma "novela" e uma "gripe exagerada" de que os meios de comunicação social não param de falar.
Ceticismo
Naquele mesmo domingo, véspera das eleições parlamentares holandesas, 3 mil pessoas reuniram-se na cidade de Haia contra as restrições anti-Covid. Um carnaval vigiado de perto pela polícia.
Semanas antes, a Holanda sofreu várias noites de tumultos violentos após impor toque de recolher obrigatório.
Participaram das manifestações ativistas da direita populista, pessoas que denunciam um governo mundial e defensores dos medicamentos naturais.
Estavam unidos por um denominador comum: ceticismo em relação ao discurso oficial sobre a pandemia da Covid-19.
— Não é um vírus, é uma ferramenta para uso do poder. A elite mundial se organizou. Muitos pensam que é muita loucura para ser verdade, mas trabalharam nisso por mais de 20 anos — diz a restauradora Monique Lustig.
Um pouco mais longe, Jeffrey, um estudante de 21 anos, distribui folhetos denunciando o "Grande Reset" (grande recomeço), projeto do Fórum Econômico Mundial para relançar a economia depois do Covid-19, que esconde, segundo ele, o controle da liberdade e a subjugação da população.

Quem criou a pandemia? Cada um dá uma resposta diferente, mas geralmente citam dois avatares do capitalismo global: o organizador do Fórum Económico Mundial, Klaus Schwab, e Bill Gates.
— A elite global está se aproveitando da situação para criar uma nova sociedade. Somos milhares aqui convencidos de que não é uma pandemia — acrescenta Ard Pisa, um antigo banqueiro que se tornou defensor da medicina alternativa para curar o câncer.
— Oito milhões de crianças desaparecem todos os anos. Isto faz parte do nosso mundo, não devemos fechar os olhos, há muitos casos de pederastia que passam despercebidos — continua, abordando um dos temas favoritos dos apoiadores da QAnon.
Este número, frequentemente reportado pelas ONGs de proteção da criança, inclui. na realidade, todos os desaparecimentos denunciados, dentre os quais estão as que fogem, que na grande maioria dos casos são encontrados.
Estado profundo
A manifestação em Haia não é uma exceção na Europa. Os protestos contra as restrições antipandemia incluem sistematicamente muitos seguidores de teorias conspiratórias.
Na Dinamarca, membros do grupo "Homens de Preto" afirmam que o coronavírus é um "esquema". Em Berlim, as bandeiras da QAnon são vistas com frequência nestes comícios, que podem reunir até 10 mil pessoas. Um punhado deles até tentou forçar entrada no Parlamento em agosto passado.
De acordo com um inquérito publicado em setembro de 2020, um terço dos alemães acredita que as "potências secretas" controlam o mundo.
Os tópicos favoritos da QAnon são ingredientes básicos dessa salada de conspiração.
— A QAnon é um ponto de encontro para grupos de extrema direita, pessoas que acreditam em OVNIs, pessoas que pensam que o 5G será usado para controlar pessoas — explica Tom de Smedt, um investigador belga que foi autor de vários estudos sobre a ascensão do movimento na Europa.
A opinião pública tomou consciência da existência deste movimento, nascido nos Estados Unidos, durante a invasão do Capitólio em janeiro.
O seu nome vem de mensagens crípticas postadas por um certo "Q", supostamente um alto funcionário americano próximo de Trump. Muito ativo nos Estados Unidos desde 2017, ele defende a ideia de que um "Estado profundo", pilotado pelas elites, governa a ordem mundial.
O falso escândalo Pizzagate, em que os democratas foram acusados de estarem à frente de uma rede de pederastia, é um dos fundamentos da sua luta.
Inclusive agora, uma das suas últimas falsas notícias circulando se refere ao mesmo assunto: mais de mil crianças foram libertadas dos porões do navio "Ever given" que bloqueou o Canal do Suez, como parte de um rede de tráfico internacional encorajada por Hillary Clinton.
'Ponto de inflexão'
— As mensagens de Q são a bíblia do conspirador — diz Christophe Charret.
Este homem de negócios afável e atlético que recebe a reportagem na sua casa moderna nos subúrbios de Paris define-se como um "conspirador moderado".
São quase 20h e o primeiro-ministro Jean Castex acaba de anunciar que o confinamento será prorrogado em parte da França. Mas na sala de estar de Charret, a televisão foi desligada.
Tudo está acontecendo no seu pequeno escritório, na sótão, onde se prepara para falar sobre as notícias da Aliança Humana, uma associação com 12 mil assinantes na rede Telegram que decifra assuntos correntes por um viés conspiratório.

Ao som de música digna dos filmes de Hollywood, as imagens seguem uma após a outra de modo bem acelerado: assassinato de Kennedy, 11 de Setembro, 5G, vacina, Donald Trump, o epidemiologista francês Didier Raoult, e, claro, Bill Gates.
— O mundo é gerido por um conglomerado financeiro-tecnológico que controla a soberania do povo. A tecnologia torna possível fazer coisas preocupantes, o controle da consciência, particularmente, não é um mito — diz Charret, que tem atrás de si um "Q" feito de luzes.
Nessa noite, em um vídeo com cerca de 30 mil visualizações, ele interveio para falar sobre as vacinas, Joe Biden, e os esforços da associação para angariar fundos para os estudantes necessitados.
— Estamos em um ponto de inflexão no mundo, dois lados estão guerreando e aqueles que seguram as rédeas não são nossos amigos. E farão tudo o que estiver ao seu alcance para não as largarem, mas há forças trabalhando para um futuro Dia D — conclui, insistindo em que isso não ocorrerá por meio da violência.
Replicagem no Telegram
Na Europa, os chamados QAnon são bastante discretos e escassos. A administração do movimento permanece profundamente americana. Mas os seus herdeiros no Velho Continente assumiram sua base ideológica.
— Todos os QAnon europeus apoiam a narrativa oficial, sobretudo o apoio a Trump e às ideias de extrema direita, porém cada grupo adapta estas mensagens aos interesses locais — aponta o diretor de estratégia da empresa israelense de cibersegurança ActiveFence, Nitzan Tamari. — Entre os tópicos sobre os quais existe consenso entre os diferentes grupos encontramos a Covid-19 e as conspirações sobre vacinas que constituem a maior parte das mensagens trocadas, mas também há menções ao Estado profundo e à pedofilia — explica o israelense.
— A QAnon é como um caranguejo ferido que se retira para dentro da sua carapaça. O Twitter fez um tremendo trabalho apagando contas — recorda o investigador Tom de Smedt.
Mas esta varredura digital não atingiu as raízes do sucesso de suas teorias.
— Há um sentimento de raiva que não é de esquerda ou de direita, mas antielite. E esse sentimento não desapareceu — acrescenta Tom de Smedt.
Contaminação do debate público
Os rumores que se difundem nos grupos de Telegram espalham-se frequentemente a partir deste "núcleo duro" e acabam chegando à opinião pública.
Em janeiro, na Alemanha, em um formidável estudo de caso de propagação de fake news, milhares de mensagens denunciaram subitamente em várias redes a intenção de criar "salas de masturbação" para menores num jardim de infância de Teltow, ao sul de Berlim.

A informação, divulgada por centenas de funcionários eleitos do partido de extrema direita AfD (Alternativa para a Alemanha), levou um deputado governista a criticar a iniciativa. Na realidade, tudo foi resultado de uma notícia de um jornal local mal interpretada.
Na França, o documentário Hold-Up — uma confusão de quase três horas com relatos conspiratórios de médicos, deputados, pesquisadores e sociólogos — tem sido visto por vários milhões de pessoas.
Denominada por muitos deputados como "propaganda de complô", o documentário tornou-se uma referência para todos os céticos, independentemente da sua orientação política.
Em 2019, um estudo da Fundação Jean Jaurès mostrou que o eleitorado de Marine Le Pen , líder da extrema direita francesa, é de longe o mais permeável às teorias da conspiração.
A bênção dos populistas
Na Holanda, após uma campanha centrada na hostilidade, a formação populista Fórum para a Democracia quadruplicou o seu número de cadeiras no Parlamento.
Em Urk, uma pequena cidade no ultraprotestante "Cinturão bíblico", onde houve um surto de sarampo em 2019, o Fórum chegou ao terceiro lugar nas eleições.
Tal como o Fórum, alguns partidos populistas europeus não abraçam oficialmente a retórica do complô, mas mantêm um discurso ambíguo e apelativo o suficiente para esse eleitorado frequentemente enojado da política.
— As pessoas aqui têm dúvidas sobre a vacina. Há razões médicas — os seus efeitos são desconhecidos — mas também religiosas. Acreditam em Deus ou na vacina? Podemos interferir nos planos de Deus? — pergunta o reverendo Alwin Uitslag, que dá as boas-vindas à reportagem na sua casa localizada perto de uma das muitas igrejas do vilarejo.

Longe do mar, a 500 km de Urk, Christina Baum está fazendo campanha à luz do sol no estado de Baden-Württemberg, o bastião alemão de protesto contra as medidas sanitárias.
Alguns dias antes das eleições nessa região, a porta-voz regional de saúde da AfD fala aos seus apoiadores sobre o coronavírus sem máscaras ou tabus.
Um deles, Hellmuth, ataca, dizendo que a pandemia é uma "fábula da máfia financeira criminosa internacional".
Baum recusa-se a contradizer este discurso: na AfD, todas as opiniões são bem-vindas.
Calendário eleitoral
— Com a Covid, teorias de que nunca tinha ouvido falar vieram à luz. E eu acho isso impressionante. O que quer fazer com essas pessoas? Quer dizer que as isolamos completamente da sociedade? Isso não é possível. Temos de procurar o diálogo com todos — diz Baum.
Aqueles que votam em partidos de extrema direita têm uma maior tendência a acreditar em teorias de conspiração ligadas à Covid. Este é o caso de um em cada cinco eleitores da AfD, afirma um relatório de fevereiro de 2021 encomendado por várias ONGs, incluindo a Fundação Amadeu Antonio.
Discursos que encontram eco na França, especialmente entre os "Patriots", um pequeno partido soberanista cujo líder, Florian Philippot, denuncia todos os sábados em manifestações pelo país o "coronaloucura".
Embora esteja limitado a algumas formações políticas populistas e manifestações esporádicas, este coquetel de múltiplos discursos conspiratórios preocupa os serviços secretos europeus.
Na Alemanha, o movimento Querdenken, que se opõe às medidas anti-Covid, está sob crescente vigilância em várias regiões devido às suas ligações com movimentos próximos da extrema direita, cujo discurso desafia a Constituição.
— Estamos trabalhando com um grupo de pessoas claramente definido que, constatamos, têm contato com extremistas. As teorias conspiratórias podem atuar como um catalisador para a radicalização e uma porta de entrada para o extremismo — explica um oficial de inteligência em Baden-Württemberg.
Poderiam as teorias da conspiração, que se infiltraram no debate público e nas redes sociais, abrir a porta à desestabilização das nossas democracias?
— Tememos que esses indivíduos recorram a atos violentos — diz um alto funcionário dos serviços secretos franceses, que também aponta para teses divulgadas por veículos russos como Russia Today e Sputnik.
Telegram e VK, duas das principais redes sociais onde os conspiradores se refugiaram, têm os mesmos criadores: os irmãos russos Durov.
— Na Alemanha, recentemente, a atmosfera nas manifestações tornou-se muito mais agressiva — diz o responsável pela segurança pública de Stuttgart.
— Para mim, o mais perigoso não são alguns radicais, mas esse tipo de onda de desconfiança crescente em relação às instituições — teme o pesquisador francês Sylvain Delouvée.
— O desafio é saber se a eleição (presidencial) canalizará ou não esta vontade de expressar protesto — conclui a fonte dos serviços secretos franceses.
A França e a Alemanha, onde há eleições em setembro, irão oferecer uma primeira resposta nos próximos meses.
Fonte:https://oglobo.globo.com/mundo/do-qanon-antivacina-um-mapeamento-do-conspiracionismo-na-europa-25021999

Documentário da HBO sugere ter descoberto a verdadeira identidade de Q, o líder do QAnon
A identidade de Q, o suposto agente secreto americano que escreve as mensagens enigmáticas da teoria da conspiração QAnon, pode ter sido revelada na noite deste domingo por um documentário transmitido pela HBO.
A resposta para o mistério veio à tona por meio de um ato falho, e acabou por ser a suspeita mais óbvia: há indícios fortes de que Q é Ron Watkins, o administrador do fórum 8kun, lar na internet do movimento conspiratório e abrigo virtual de supremacistas brancos.
Os principais pesquisadores do movimento, surgido em outubro de 2017 no 4chan — um fórum concorrente do 8kun —, há muito suspeitavam que Watkins tivesse escrito muitas das mensagens de Q.
A teoria da conspiração, compartilhada por muitos dos invasores do Capitólio no dia 6 de janeiro , alega, de modo absurdo, que o governo americano e as principais instituições do país são controladas por pedófilos satanistas.
Watkins sempre negou o seu envolvimento, afirmando ser apenas um administrador do site, onde mais de 4 mil mensagens de Q foram postadas a partir de janeiro de 2018. O dono do site — antes chamado 8chan — é o pai de Ron, Jim Watkins.
Na conclusão da série de 6 horas “Q: No olho da Tempestade” (“Q: Into the Storm”), que demorou 3 anos para ser produzida, o documentarista Cullen Hoback afirma que Ron Watkins mentiu sobre seu papel na teoria conspiratória.
Na cena, Watkins conta como disseminou teorias da conspiração no Twitter após a derrota eleitoral de Trump nas eleições de 2020. Ele então compara a tática de desinformação ao que ele já fazia “há três anos”, em referência a uma suposta atividade anterior. Para Hoback, esta atividade anterior era a publicação de mensagens como Q.
—Passei três anos basicamente dedicados a treinamento em inteligência, ensinando pessoas normais a fazerem trabalho de inteligência. Era basicamente o que eu fazia anonimamente antes... Mas nunca como Q — disse Watkins, antes de sorrir, ficar em silêncio e completar. — Nunca como Q. Eu prometo. Eu não sou Q.
Para Hoback, a declaração foi uma confissão desatenta de que Watkins é na verdade Q. Há muito os estilos de escrita das duas figuras são comparados, entre outras pistas. Watkins foi banido do Twitter após a invasão do Capitólio.
No domingo, antes do documentário ir ao ar, Watkins escreveu em seu canal no Telegram, onde tem mais de 150 mil seguidores: “Lembrem-se: eu não sou Q”. Em uma transmissão na noite de domingo, Watkins afirmou, sem provas, que “Steve Bannon é Q”.
Para os principais pesquisadores do movimento, no entanto, Watkins ser Q é a solução mais óbvia ao mistério.
“Alguns dos indícios já existem há muito tempo, e alguns foram descobertos ou reunidos por Hoback. Mas tudo isso nos leva de volta ao mesmo lugar: que há muito poucas outras pessoas que poderiam fazer os textos de Q, a não ser a pessoa que dirigia o local onde foram postados. O QAnon não pode existir sem Watkins, e o 8kun não pode existir sem os devotos de Q”, escreveu Mike Rothschild, jornalista que prepara um livro sobre o assunto.
Shayan Sardarizadeh, que pesquisa desinformação para a BBC, disse que “Hoback finalmente extraiu de Ron, após três anos de investigação, que Ron e seu pai Jim basicamente estão no controle do Q no 8chan e no 8kun, provavelmente desde janeiro de 2018. Ainda não sabemos quem começou a postar como Q no 4chan em outubro de 2017”.
Ron Watkins vivia com seu pai em Manila, nas Filipinas, até 2020. Em janeiro, ele havia se mudado para o Japão.
Fonte:https://oglobo.globo.com/mundo/documentario-da-hbo-sugere-ter-descoberto-verdadeira-identidade-de-o-lider-do-qanon-24956633

À espera do 'grande despertar', seguidores da QAnon se dividem após posse de Biden
Mas quando o presidente Joe Biden assumiu o cargo e Trump desembarcou na Flórida, sem nenhuma prisão em massa à vista, alguns seguidores da teoria conspiratórioa lutaram para harmonizar essas mentiras com a posse que assistiam pela TV.
Alguns tentaram refazer suas teorias para acomodar uma transferência de poder para Biden. Vários grandes grupos QAnon discutiram na quarta-feira a possibilidade de que eles estivessem errados sobre Biden e que o novo presidente fosse, na verdade, parte do esforço de Trump para derrubar a cabala global. “Quanto mais penso sobre isso, acho que é muito possível que Biden seja quem puxa o gatilho”, escreveu uma conta em um canal QAnon no aplicativo de mensagens Telegram.
Outros expressaram raiva em relação aos influenciadores da QAnon, que disseram aos seguidores para esperar um desfecho dramático no dia da posse. “Muitos jornalistas do YouTube perderam muita credibilidade”, escreveu um participante em uma sala de bate-papo de QAnon.
Outros ainda tentaram mudar a baliza e simplesmente disseram a seus colegas “anons” (de "anônimos", em português) para aguentar e esperar por desenvolvimentos futuros não especificados."Não se preocupe com o que acontecerá às 12h”, escreveu um influenciador do QAnon. “Veja o que acontece depois disso.”
E alguns pareceram perceber que foram enganados. “Acabou”, escreveu um participante da sala de bate-papo da QAnon, logo após a posse de Biden. “Acorde”, escreveu outro. "Nós fomos enganados."
Seguidores que esperavam a orientação de “Q”, pseudônimo de um usuário do grupo de mensagens cujas postagens impulsionam o movimento, certamente ficarão desapontados. A conta do líder conspirador ficou em silêncio por semanas e não havia postado nada nesta quarta-feira.
Ron Watkins, um importante impulsionador da QAnon que alguns suspeitavam ser o próprio "Q", postou uma nota de demissão em seu canal do Telegram na tarde de quarta. “Temos um novo presidente empossado e é nossa responsabilidade como cidadãos respeitar a Constituição”, escreveu ele. “Ao entrarmos no próximo governo, por favor lembre-se de todos os amigos e lembranças felizes do que fizemos juntos nos últimos anos.”
Fonte:https://oglobo.globo.com/mundo/a-espera-do-grande-despertar-seguidores-da-qanon-se-dividem-apos-posse-de-biden-24847792

Como brancos evangélicos dos EUA se juntaram a grupos extremistas no apoio a Donald Trump
WASHINGTON — Antes que os integrantes do grupo de extrema direita conhecido como Proud Boys marchassem até o Capitólio na quarta-feira, 6 de janeiro , eles pararam para se ajoelhar na rua e rezar em nome de Jesus.
O grupo, cujos participantes defendem visões misóginas e anti-imigração, pediu a Deus que trouxesse “reforma e reavivamento”. Deu graças pela “maravilhosa nação na qual têm a bênção de viver”. Pediu a recuperação dos seus “sistemas de valores” e a “coragem de representá-lo e representar sua cultura”. E invocou a proteção divina para o que estava por vir.
Então eles se levantaram. Seu líder gritou em um berrante que a imprensa deveria “sair de sua frente”. Depois seguiram para o Capitólio.
A presença de ritos, símbolos e linguagem cristã se destacava no dia 6 em Washington. Havia um cartaz dizendo “Jesus 2020”, em azul e vermelho; um adesivo “armadura de Deus” preso nas roupas de um homem; uma cruz branca declarando que “Trump venceu” em letras maiúsculas. Tudo isso misturado a alusões às teorias da conspiração QAnon, bandeiras confederadas, dos estados que se insurgiram contra o fim da escravidão na Guerra Civil Americana do século XIX, e camisetas com dizeres antissemitas.
A junção de referências culturais e as pessoas que as levaram deixaram claro o fenômeno que vem fermentando há anos: os mais extremos polos de apoio a Donald Trump se tornaram parte intrínseca de setores do poder evangélico branco nos EUA. Ao invés de demonstrar suas visões pró-Trump de forma separada, esses grupos acabaram se unindo.
Essa união de ressentimento e fervor religioso turbinou o apoio entre uma ampla parcela dos que são leais a Trump, muitos dos quais se veem como participantes de uma espécie de guerra santa, de acordo com entrevistas. E muitos dos que nadam em mentiras sobre as eleições e a invasão em si disseram na quarta-feira que o ataque apenas exacerbou um sentimento de vitimização e incompreensão.
'Escuridão contra a Luz'
Lindsay French, de 40 anos, cristã evangélica do Texas, voou até Washington depois que recebeu o que chamou de “sinal divino” para participar, depois que seu pastor incentivou seus fiéis a “parar o roubo”, como os trumpistas se referem às falsas alegações de fraude eleitoral.
— Estamos em uma luta do bem contra o mal, escuridão contra a luz — afirmou ela, comparando-se ainda àrainha Ester, heroína da Bíblia que salvou seu povo da morte.
Ela reconheceu que houve alguma violência, mas insistiu na mentira de que os ativistas antifascistas conhecidos como antifas estavam por trás da invasão.
— Estamos cansados de sermos comparados àquelas pessoas horríveis — disse.
Como muitos republicanos no Congresso, alguns líderes evangélicos que têm sido os maiores apoiadores de Trump se afastaram, assim como sua religião, dos invasores. Robert Jeffress, pastor da Primeira Igreja Batista de Dallas, chamou os atos de “anarquia”. O cerco ao Capitólio “não teve nada a ver com o cristianismo”, disse.
— Nosso apoio ao presidente Trump é baseado em suas políticas.
Mas críticos dizem que era muito tarde para tentar separar a cultura branca, conservadora e cristã que ajudou a impulsionar Trump da violência do dia 6 de janeiro em Washington.
— Você não entenderá o que aconteceu hoje sem enfrentar o nacionalismo cristão — disse Andrew Whitehead, sociólogo na Universidade de Indiana / Universidade Purdue de Indianápolis, completando que os movimentos evangélicos brancos há muito tempo toleram o extremismo de direita, mesmo antes de Trump. — Eles forneceram as bases políticas e teológicas dessa situação, e isso permitiu que a anarquia reinasse.
Em um vídeo gravado no dia 4, o pastor do Tennessee Greg Locke se disse parte do “regimento dos mantos negros”, referência aos cléricos que agiram ativamente na Revolução Americana, que levou à independência dos EUA do Reino Unido no século XVIII. Em um discurso no dia seguinte, ele pregou a uma multidão de apoiadores do presidente na Freedom Plaza, prevendo que “não é apenas um grande despertar, mas o maior despertar que já vimos”.
Divisão
O ataque na quarta-feira, levado adiante por pessoas majoritariamente brancas, também ilustrou a divisão racial no cristianismo nos EUA.
Horas antes do ataque no Capitólio, o reverendo Raphael Warnock, da Igreja Batista Ebenezer, em Atlanta, foi eleito para o Senado depois que muitos cristãos conservadores brancos tentaram enquadrá-lo como um radical perigoso, mesmo que sua campanha tenha fincado as raízes na visão tradicional da igreja negra. Por muitos anos, cristãos negros alertaram os fiéis brancos de que a retórica racial de Trump ia acabar mal.
— Nossos alertas foram ignorados — disse Jemar Tisby, presidente de um coletivo cristão negro chamado Testemunha. — Isso (ataque ao Capitólio) é o cristianismo branco à mostra. O desafio dos EUA brancos e cristãos é examinar o que eles fizeram religiosamente.
No Capitólio, os senadores que apresentaram objeções à vitória de Joe Biden estão entre os mais proeminentes cristãos conservadores em seu partido, incluindo Ted Cruz, Josh Hawley e Cindy Hyde-Smith.
Os frutos da aliança entre grupos de extrema direita — cristãos e de outros tipos — ficaram claros no dia 6, antes da confusão começar, quando milhares de apoiadores de Trump se juntaram para contestar a certificação pelo Congresso dos resultados da eleição presidencial, com Joe Biden vencendo Trump, mesmo depois de tentativas para desacreditar a votação. Muitos na manifestação em que Trump discursou eram evangélicos brancos que se sentiram impelidos a viajar centenas de quilômetros até Washington.
Crenças apocalípticas
As mentiras sobre a integridade da eleição — e agora sobre as raízes da violência do dia 6 — se infiltraram profundamente nos círculos cristãos. Crenças apocalípticas evangélicas sobre o fim do mundo e sobre o julgamento divino se mesclam com as teorias da conspiração QAnon que falsamente dizem que o país está dominado por burocratas do “Estado profundo” e pedófilos.
Abigail Spaulding, dona de casa e mãe de 15 filhos que viajou para o protesto com amigos da sua igreja na Carolina do Sul, desabou em lágrimas ao falar sobre seus medos relacionados aos filhos em um governo Biden. Disse que seu marido explicou às crianças que, assim que Biden for empossado, eles “podem pegar a Bíblia, dizer que é discurso de ódio e jogar fora”. Ela tem ainda outras preocupações sobre Biden, retiradas da Facebook e Twitter — todas falsas.
Em Kalamazoo, no Michigan, Laura Kloosterman foi à missa na quarta-feira e rezou para que o Congresso não certificasse a vitória de Biden. Ela leu relatos on-line sobre máquinas de votação ignorando alguns votos de Trump — não há provas dessas alegações, que Trump e vozes de extrema direita vêm promovendo.
Kloosterman acompanha o autor e radialista evangélico Eric Metaxas, que afirmou de maneira constante que os resultados foram fraudulentos. Metaxas, que bateu em um manifestante do lado de fora da Casa Branca no ano passado, disse a Trump em uma entrevista em novembro que “ficaria feliz em morrer por essa luta”. A conversa era sobre as tentativas de derrubar os resultados das urnas. “Deus está conosco”, declarou.
Desde os tumultos muitos dos que eram simpáticos à causa se disseram enraivecidos com a remoção de Trump e aliados de redes sociais , como o Twitter, e a saída do ar da plataforma conservadora Parler. Eles veem os movimentos como parte de uma conspiração ampla para silenciar o cristianismo. E estão olhando adiante para garantir que serão ouvidos.
Adam Phillips, da Carolina do Norte, teve que trabalhar e não foi a Washington no dia 6 de janeiro. “Deus não viu como possível”, disse, mas ele compareceu a duas marchas desde novembro na capital americana.
— Parece óbvio há algum tempo que os cristãos estão sendo oprimidos, estão sob a lupa de todos — declarou. — Todas as coisas sobre as quais este país foi fundado estão sob ataque, tentam tirar o nome de Deus de tudo, especialmente o nome de Jesus.
Fonte:https://oglobo.globo.com/mundo/como-brancos-evangelicos-dos-eua-se-juntaram-grupos-extremistas-no-apoio-donald-trump-24837201

Donald Trump e a primeira-dama, Melania, deixam a Casa Branca pela última vez Foto: MANDEL NGAN / AFP
Trump deixa Casa Branca com base extremista, Judiciário conservador e democracia fragilizada
WASHINGTON — Desde os tempos em que Donald Trump apresentava o programa "O Aprendiz", ficou clara sua ojeriza à palavra “perdedor”. Eleito em 2016 como um outsider da política, o republicano resistiu a aceitar o rótulo até o último dia de mandato, e deixou a Casa Branca pela última vez nesta quarta sem jamais reconhecer explicitamente a vitória eleitoral de Joe Biden, que o superou em votos populares e no Colégio Eleitoral.
Isolado nos últimos dias na residência oficial, bloqueado no Twitter e em outras redes sociais por incitação à violência depois de insuflar seus apoiadores a invadirem o Congresso, repudiado por doadores e pelos aliados de mais alta posição no Congresso e com a popularidade em seu nível mais baixo (34%), Trump lega no entanto uma base radicalizada, um Judiciário dominado por conservadores e uma mancha no sistema democrático dos Estados Unidos.
— Seu principal legado será a Grande Mentira: que ele ganhou a eleição — disse ao GLOBO o historiador Timothy Snyder, professor da Universidade Yale. — A questão crucial para a democracia americana é se nós conseguiremos aprender a viver junto com a verdade.
Miriam Leitão: As mudanças radicais de Biden e o isolamento do Brasil
Negacionista da pandemia do coronavírus, que transformou em uma batalha geopolítica contra o “vírus chinês”, Trump deixa também uma economia em recuperação lenta e uma crise sanitária que até agora resultou em 400 mil mortos nos EUA.
— Ele será conhecido como o presidente que falhou na questão da pandemia, dividiu as alianças ocidentais e viu sua fortuna política crescer e cair com a economia global — disse o cientista político David Schultz, da Universidade Hamline. — Trump será visto como a pessoa que ajudou a plantar as sementes da dúvida em relação aos governos democráticos em um momento em que a democracia estava sob ataque em todo o mundo.
Ao assumir o governo em 20 de janeiro de 2017 — depois de derrotar Hillary Clinton no Colégio Eleitoral, mas não no voto popular —Trump pegou a economia americana decolando em um período de recuperação pós-crise de 2008 iniciada na era Obama. No início de 2020, o desemprego chegou ao patamar mais baixo em 50 anos, 3,5%, enquanto a bolsa de valores batia recordes.
Pandemia de Covid-19
A pandemia do coronavírus, no entanto, atingiu o país em cheio. O desemprego chegou a 14,7%, o maior da História desde a Grande Depressão dos anos 1930. Hoje, último dia de seu mandato, está em 6,7%, mas a retomada tem patinado. A chamada “recuperação em V” não veio.
Foi no Judiciário que Trump cumpriu com mais efetividade uma de suas principais promessas de campanha. Com apoio do diligente Mitch McConnell, líder republicano no Senado — o mesmo que agora o repudiou —, ele foi o presidente que mais nomeou juízes para os tribunais federais e a Suprema Corte desde o democrata Jimmy Carter, nos anos 1970 (que assumiu em meio a uma reforma que ampliou o Judiciário federal). Esses juízes de perfil conservador, que agora ocupam seis das nove cadeiras do tribunal máximo do país, têm em suas mãos o poder de levar adiante suas pautas mesmo depois que ele deixar o poder.
Em temas ambientais, Trump conseguiu cumprir a promessa de desfazer uma série de legislações da era Obama. Retirou os EUA do Acordo de Paris, autorizou a construção de oleodutos em áreas indígenas e reviu uma série de regulamentações que tinham como objetivo diminuir a emissão de gases de efeito estufa, entre elas a que obrigava os carros a serem mais eficientes.
Na política externa, sob o lema “Estados Unidos primeiro”, Trump tirou o foco do terrorismo e pôs na China, com quem travou uma guerra comercial sem grandes resultados concretos — empregos industriais não voltaram, as exportações de produtos agrícolas não aumentaram no ritmo esperado e o deficit comercial cresceu. No entanto, a alienação dos aliados europeus e a recusa ao multilateralismo — incluindo na busca de soluções coletivas para a pandemia — abalaram o prestígio dos EUA no mundo. O país perdeu parte de seu “poder brando” e ficou associado à liderança informal do movimento nacional-populista da direita global.
Trump, no entanto, cumpriu uma promessa, a de não levar o país a uma nova guerra, ainda que não tenha trazido de volta para casa todos os militares americanos em conflitos no exterior. No que, do seu ponto de vista, foi sua maior construção na diplomacia, ele promoveu e remodelação da política para o Oriente Médio, ignorando a causa da independência palestina e ajudando a construir alianças entre Israel e as monarquias sunitas do Golfo Pérsico, numa frente anti-Irã. Já a complexa relação de Trump com o líder norte-coreano Kim Jong-un elevou o status do ditador sem garantir aos Estados Unidos que a Coreia do Norte pusesse fim ao desenvolvimento de seu programa nuclear militar.
— O presidente mudou a política externa americana se afastando de instituições multilaterais e alianças que eram parte central dessa política por 70 anos — disse em outubro ao GLOBO o professor de Harvard Joseph Nye, criador do conceito de “poder brando”. — Sua política de EUA primeiro e sua definição restrita e transacional do interesse nacional prejudicaram o poder brando americano. Mas acho que os EUA têm a capacidade de recuperá-lo.
O muro
Uma de suas principais promessas, a construção do muro na fronteira sul do país, foi cumprida apenas em parte, com 600 quilômetros completados, mas não pagos pelo México — um dos principais pontos que Trump usava para animar sua plateia durante os comícios de 2016. Ele tampouco conseguiu acabar com o Daca, o programa do governo Obama que permite a permanência nos EUA de jovens imigrantes trazidos ao país quando crianças pelos pais. Porém, implementou uma dura política de separação das famílias nas fronteiras e reduziu a concessão de refúgios, freando o crescimento da imigração.
A invasão do Capitólio, em 6 de janeiro, para impedir a homologação da vitória de Joe Biden pelo Congresso — capitaneada por milícias e grupos extremistas de direita como os Proud Boys e os Oath Keepers, além de adeptos da teoria da conspiração QAnon — fez a popularidade do presidente cair cinco pontos, de acordo com pesquisa do instituto Gallup, para 34%. A média de aprovação ao longo de todo o seu governo foi de 41%, quatro pontos abaixo de qualquer outro presidente na História.
Ainda assim, de acordo com o instituto de pesquisas Pew, 57% dos republicanos acreditam que o presidente deveria continuar sendo uma figura política importante, sinal de que a polarização no país continua forte mesmo após a eleição de Joe Biden, candidato que trouxe a união nacional como um dos pilares de sua plataforma.
O futuro político de Trump, que em vídeo de despedida afirmou que seu movimento “está só começando”, vai depender da conclusão do processo de impeachment. Se for condenado pelo Senado — para que o serão necessários 17 votos de republicanos —, ele pode perder seus direitos políticos. O republicano também corre o risco de enfrentar processos criminais decorrentes de negócios de sua empresa, a Organização Trump, e de ações no governo, como a acusação de ter obstruído a Justiça durante a investigação da interferência russa na eleição de 2016.
Fonte:https://oglobo.globo.com/mundo/trump-deixa-casa-branca-com-base-extremista-judiciario-conservador-democracia-fragilizada-24846823

Em vídeo de despedida, Trump afirma que seu movimento político 'está apenas no começo'
Em um vídeo gravado na Casa Branca na véspera de sua saída do poder, o presidente Donald Trump reafirmou sua intenção de continuar na vida pública, embora esteja sob ameaça de perder os direitos políticos, e disse que o movimento liderado por ele “está apenas no começo”. No vídeo de 19 minutos divulgado no canal da Casa Branca no YouTube — e não no Twitter, seu veículo preferencial durante os quatro anos de mandato, de onde foi banido há duas semanas — ele afirma que vai “rezar pelo sucesso” do novo governo, sem mencionar o nome de Joe Biden, que toma posse nesta quarta .
— Nesta semana, nós damos início a um novo governo e rezamos por seu sucesso na tarefa de manter os EUA a salvo e prósperos — disse Trump, que contestou a vitória do adversário com falsas alegações de fraude, tentou impedir que ela fosse homologada pelo Congresso e nunca cumprimentou o democrata. — Enquanto nos preparamos para transmitir o cargo ao novo governo, quero que saibam que o movimento que iniciamos está apenas no começo.
Aparentemente falando a seus apoiadores, ele não admitiu qualquer responsabilidade na invasão do Capitólio, em 6 de janeiro — que lhe valeu o segundo processo de impeachment, sob a acusação de incitar uma insurreição contra a ordem democrática, e a possibilidade de ter seu direito de disputar eleições cassado, caso seja condenado no Senado.
— Todos os americanos ficaram horrorizados com o ataque ao nosso Capitólio. Violência política é um ataque a tudo que celebramos como americanos. Nunca pode ser tolerada — afirmou, antes de apontar que a maior ameaça aos EUA hoje é a "perda de confiança".
Mais cedo, o líder republicano no Senado, Mitch McConnell, um agora ex-aliado, foi mais claro do que nunca havia sido ao se demarcar de Trump. McConnell, que já fez vazar a possibilidade de votar pela condenação do republicano no impeachment, afirmou que os invasores do Capitólio responderam às provocações do presidente em fim de mandato.
— A multidão foi alimentada com mentiras — declarou McConnell, em seu último dia como líder da maioria no Senado, já que a Casa terá maioria democrata quando assumirem os dois senadores eleitos em segundo turno na Geórgia, no início do mês. — Eles foram provocados pelo presidente e outras pessoas poderosas. Eles tentaram usar a violência para impedir um procedimento específico em um dos Poderes do governo com o qual não concordavam. Mas nós continuamos — completou, referindo-se à homologação da vitória de Biden.
Trump dedicou boa parte da fala à política externa, afirmando que "restaurou a força americana em casa, e a liderança americana no exterior”, uma visão que não encontra respado fora dos círculos trumpistas. Também celebrou os recentes acordos de normalização de relações no Oriente Médio, envolvendo Israel, Bahrein e Emirados Árabes, e lembrou que foi o “primeiro presidente em décadas que não começou guerras”. Ele usou a expressão "vírus chinês" ao se referir ao novo coronavírus.
Pós-Trump
Trump será o primeiro presidente em 152 anos que não vai à posse do sucessor. O último foi Andrew Johnson, em 1869. Assim como Trump, ele foi um dos poucos líderes americanos a sofrer um processo de impeachment.
O republicano terá nesta quarta-feira uma cerimônia de despedida na Base Aérea Andrews, nos arredores de Washington. Pelos planos, militares farão uma homenagem ao agora ex-comandante.
No domingo, o ex-secretário de Imprensa de Trump, Anthony Scaramucci, hoje um crítico do presidente, revelou ter sido chamado para a cerimônia. Ele disse que não estará entre os presentes, e levantou a hipótese de que a Casa Branca está desesperada em busca de público para o evento, que ocorrerá quatro horas antes da posse de Biden. O Wall Street Journal reportou ainda que o convite permite até cinco convidados adicionais, algo incomum em atos oficiais. Seu vice, Mike Pence, que irá à posse de Biden, não confirmou presença.
Fonte:Em seguida, Trump entrará pela última vez no Força Aérea Um em direção ao seu resort em Mar-a-Lago, na Flórida. A decisão de deixar a capital americana antes do fim do mandato pode ter uma explicação burocrática, com um fundo de ressentimento: caso o avião fosse usado depois da posse, Trump teria que pedir uma autorização à Casa Branca. Às 12h01, horário local, 14h01 hora de Brasília, ele deixará de ser presidente — entre as medidas imediatas, seus códigos usados para o lançamento de um ataque nuclear serão desativados.
O protocolo também será quebrado na recepção a Joe e Jill Biden na Casa Branca. Tradicionalmente, o novo casal presidencial é apresentado à residência pelos antecessores, o que ocorreu com o próprio Trump e o ex-presidente Barack Obama, em 2017. A esperada xícara de chá e a reunião entre os líderes não acontecerá — assim como o reconhecimento oficial de que Biden venceu a eleição, algo que Trump nunca fez. Agora, a apresentação caberá ao atual administrador do local, Timothy Harleth. A essa altura, ele já terá concluído a mudança e estará longe de Washington.
Fonte:https://oglobo.globo.com/mundo/em-video-de-despedida-trump-afirma-que-seu-movimento-politico-esta-apenas-no-comeco-24845787
'Eu atendi ao chamado do presidente': em depoimentos, invasores do Capitólio presos responsabilizam Trump diretamente

No entanto, um grupo de pessoas já implicou
diretamente Trump: alguns de seus próprios apoiadores que foram presos enquanto
participavam da invasão. Em documentos judiciais e entrevistas, pelo menos
quatro manifestantes pró-Trump disseram que aderiram ao episódio em parte
porque o presidente os encorajou a fazê-lo.
Nos últimos dias, um bombeiro aposentado acusado de agredir membros da força
policial do Capitólio disse a um amigo que foi ao prédio
seguindo "as instruções do presidente", de acordo com uma denúncia
criminal. Já uma corretora de imóveis do Texas acusada de invadir o prédio
disse a um repórter que, ao protestar em Washington, ela "atendeu ao
chamado do meu presidente".
Um homem da Virgínia disse ao FBI que ele e seu
primo marcharam para o Capitólio porque Trump disse “algo sobre pegar a Avenida
Pensilvânia” — que liga a Casa Branca ao Capitólio. E um advogado de um
seguidor da teoria da conspiração QAnon que vestia um chapéu de pele com
chifres durante a invasão disse que Trump era culpado e
planejava pedir o perdão da Casa Branca.
— O nosso presidente tem responsabilidade? —
questionou o advogado, Al Watkins. — Sim, claro que ele tem.
Ainda não se sabe a verdadeira extensão da
investigação sobre a invasão do Capitólio, já que as buscas aos invasores
está nos estágios iniciais e é provável que leve semanas até que todo o escopo
do caso sejam conhecido. Mas com dezenas de pessoas sob custódia e começando a
comparecer a tribunais, os relatos feitos sobre Trump podem acabar não apenas
sendo usado em processos criminais, mas também em um julgamento de impeachment ,
reforçando as acusações de que o presidente incitou a invasão.
Na semana passada, a Câmara autorizou o início do
segundo processo de impeachment contra Trump, citando sua incitação à invasão
do Capitólio em 6 de janeiro após um comício em que ele e seus aliados
repetiram as afirmações infundadas de que a eleição foi fraudada. Trump agora
vai enfrentar um julgamento no Senado que pode torná-lo inelegível no futuro.
Apesar de ser improvável que algum dos acusados do
ataque ao Capitólio seja chamado como testemunha no julgamento do impeachment,
é possível que os democratas citem declarações sobre Trump que esses réus
fizeram em público ou para investigadores.
À medida que os processos criminais relacionados à
invasão avançam na Justiça, isso pode fazer com que alguns dos seguidores mais
fervorosos de Trump tenham que culpar publicamente o homem que eles apoiam. Com
isso, advogados podem tentar argumentar que seus clientes não são culpados
porque um funcionário do governo permitiu que eles cometessem os crimes.
Especialistas questionam a viabilidade dessa
estratégia, pontuando que qualquer pessoa que procurar culpar Trump por sua
participação na invasão teria que provar não apenas que acreditava que ele
havia autorizado suas ações, mas também que tal crença era razoável.
Mesmo que tentar jogar a responsabilidade em Trump
possa não ser eficaz em um julgamento, isso pode ajudar a aliviar a punição
para qualquer pessoa condenada por algum crime relacionado ao ataque, afirmou
Judith P. Miller, professora de direito da Universidade de Chicago.
— O fato de que o maior líder do nosso país está
promovendo essa grande mentira e dando a milhões de pessoas uma espécie de
justificativa pode ser uma forte evidência atenuante — disse Miller.
Trump começou a promover seu evento em Washington
bem antes dele acontecer, dizendo para seus aliados que se juntassem a ele para
um discurso fora da Casa Branca. Durante o discurso, com milhares de pessoas,
ele disse à multidão “que caminhasse até o Capitólio”, onde o Congresso, sob a
presidência de Pence, estava homologando os resultados do Colégio Eleitoral.
— Vocês nunca vão tomar de volta o nosso país com
fraqueza — disse à multidão. — Vocês tem que mostrar força e precisam ser
fortes.
Pouco depois de Robert Sanford, um bombeiro
aposentado de Boothwyn, na Pensilvânia, ouvir essas palavras, ele se juntou à
multidão crescente que marchava a caminho do Capitólio. Lá, segundo os
promotores federais, Sanford arremesou um extintor de incêndio contra um grupo
de policiais, ferindo três deles.
Quando Sanford voltou para casa, de acordo com uma
denúncia criminal apresentada na semana passada, ele disse a um amigo que tinha
ido a Washington para ouvir Trump, então "seguiu as instruções do
presidente" e foi ao Capitólio. Seu advogado, Enrique Latoison, disse que
ainda estava analisando se culpar Trump pela suposta ação de Sanford no ataque
funcionaria como atenuante.
Quando Jennifer L. Ryan voou do Texas para
Washington em um avião particular com amigos, ela decidiu ir ao Capitólio,
conforme contou depois a um repórter, porque Trump “nos pediu para irmos”.
— Ele disse: "Esteja lá" — explicou Ryan.
— Então, fui e atendi ao chamado do meu presidente.
Pouco depois, dizem os promotores, Ryan, uma
corretora de imóveis de um subúrbio de Dallas, posou para uma foto em frente a
uma janela quebrada no Capitólio e, em seguida, entrou ilegalmente no prédio.
Em um vídeo do Facebook, que foi excluído depois, segundo documentos da
Justiça, ela pode ser ouvida gritando: "Lute pela liberdade!" e “Esta
é a nossa casa!”
No domingo, surgiu outro vídeo da multidão dentro
do prédio enfrentando a polícia do Capitólio, quando um homem gritou com os
policiais que ele e os outros invasores estavam lá porque estavam "ouvindo
Trump, seu chefe".
Em essência, esse foi o argumento que Watkins
planeja usar para defender Jacob Chansley, o seguidor da teoria da conspiração
QAnon que vestia um chapéu de pele com chifres.
Chansley, um ator desempregado que fez seu nome nas
últimas semanas aparecendo em comícios pró-Trump com o rosto pintado, um
capacete de batalha com chifres e uma lança de dois metros, foi acusado de
invadir o plenário do Senado e deixar um bilhete para Pence que dizia: “É
apenas uma questão de tempo, a justiça está chegando”.
Na sexta-feira, um juiz federal do Arizona ordenou
que ele fosse detido enquanto aguardava julgamento, dizendo que ele era
"um participante ativo em uma violenta insurreição para derrubar o governo
dos EUA".
Watkins não negou que Chansley estava dentro do
Capitólio naquele dia, mas sugeriu que seu cliente tinha ido para lá porque,
como outros, ele “se agarrou às palavras do presidente”.
— O que você tem aqui são pessoas como meu cliente
que levam o presidente a sério — acrescentou Watkins. — Elas esperam que ele os
faça se sentirem relevantes em um sistema que os fez se sentirem
negligenciados.
É por isso que Watkins planeja nos próximos dias
pedir a Trump que perdoe Chansley, comparando seu cliente e os outros no
Capitólio a membros de um culto.
— Eles foram traídos por alguém em quem puseram sua
fé — afirmou Watkins. — Eles são como os seguidores de Jim Jones.
Fonte:https://oglobo.globo.com/mundo/eu-atendi-ao-chamado-do-presidente-em-depoimentos-invasores-do-capitolio-presos-responsabilizam-trump-diretamente-24843821
- Gerar link
- X
- Outros aplicativos



















































Comentários
Postar um comentário