Como Jesus realmente se parecia?
- out 19, 2022
Todo mundo sabe como Jesus se parecia. Ele é a figura mais
pintada de toda a arte ocidental,
reconhecida em todos os lugares por ter cabelos compridos e barba, uma túnica comprida
com mangas compridas (muitas vezes brancas) e um manto (muitas vezes azul).
Traduzido por Julio Batista
Original de Joan Taylor para a BBC
News
Todo mundo sabe como Jesus se
parecia. Ele é a figura mais pintada de toda a arte ocidental,
reconhecida em todos os lugares por ter cabelos compridos e barba, uma túnica comprida
com mangas compridas (muitas vezes brancas) e um manto (muitas vezes azul)
Jesus é tão familiar que
pode ser reconhecido em reflexos ou na formação de nuvens, segundo alguns
cristãos.
Mas era
realmente assim que ele se parecia?
Provavelmente
não.
Na verdade,
esta imagem familiar de Jesus na verdade vem da era bizantina, do século 4 em
diante, e as representações bizantinas de Jesus eram simbólicas – eram todas
sobre significado, não precisão histórica.
Elas foram baseados em imagens de
imperadores ocupando o torno, como vemos no mosaico do altar da igreja de Santa
Pudenziana, em Roma.
A auréola também vem da arte
clássica – era originalmente uma característica do Deus Sol (Apollo, ou Sol
Invictus), mas foi adicionado à cabeça de Jesus para mostrar sua natureza
celestial. (Créditos: Alamy)
Jesus está vestido com uma toga
dourada. Ele é o governante celestial de todo o mundo, parecido com a
famosa estátua de Zeus Olímpico de cabelos compridos e barbudo em um trono –
uma estátua tão conhecida que o imperador romano Augusto fez uma cópia de si
mesmo no mesmo estilo (sem o cabelo comprido e a barba divinas).
(Créditos: Alamy/Getty)
Artistas bizantinos, procurando
mostrar o governo celestial de Cristo como Rei cósmico, o inventaram como uma
versão mais jovem de Zeus. O que aconteceu ao longo do tempo é que essa
visualização do Cristo celestial – hoje às vezes refeita em linhas hippies –
tornou-se nosso modelo padrão do Jesus primitivo.
1. Cabelo e barba
Quando os primeiros cristãos não
estavam mostrando Cristo como governante celestial, eles mostravam Jesus como
um homem real como qualquer outro: sem barba e de cabelos curtos.
As primeiras pinturas
sobreviventes de Jesus, da igreja na cidade em ruínas de Dura-Europo no
Eufrates (da primeira metade do século III d.C.). (Créditos: Coleções de
Yale/Domínio Público)
Mas talvez, como uma espécie de sábio
errante, Jesus tivesse barba – e até cabelos um pouco compridos -, pela simples
razão de que não ia ao barbeiro.
Pensava-se que a despreocupação geral
com o visual e a barba diferenciavam um filósofo (que estava pensando em coisas
superiores) de todos os outros. O filósofo estoico Epiteto considerava isso
“apropriado de acordo com a Natureza”.
De qualquer maneira, no
mundo greco-romano do século I, estar barbeado e com cabelos curtos era
considerado absolutamente essencial. Uma grande juba de cabelo luxuriante e
barba era uma característica divina, não replicada na moda masculina. Até um
filósofo mantinha o cabelo bem curto.
Uma barba não
era algo distintivo do judeu na antiguidade. De fato, um dos problemas para os
opressores de judeus em diferentes épocas era identificá-los quando se pareciam
com todos os outros (um ponto levantado no livro dos Macabeus). No entanto,
imagens de homens judeus nas moedas da série Judea Capta, emitidas por Roma
após a captura de Jerusalém em 70 d.C., indicam homens capturados que são
barbudos.
(Créditos: CNG, LLC)
Assim, Jesus, como um filósofo com a
aparência “natural”, poderia muito bem ter uma barba curta, como os homens
retratados nas moedas da série Judea Capta, mas seu cabelo provavelmente não
era muito comprido.
Se ele tivesse um cabelo um pouco
comprido, esperaríamos alguma reação. Homens judeus que tinham barbas
despenteadas e cabelos levemente compridos eram imediatamente identificáveis
como homens que haviam feito um voto de nazireu. Isso significava que eles se
dedicariam a Deus por um período de tempo, não beberiam vinho ou cortariam o
cabelo – e no final desse período eles raspariam a cabeça em uma cerimônia
especial no templo em Jerusalém (conforme descrito em Atos capítulo 21,
versículo 24).
Mas Jesus não manteve um voto de
nazireu, porque muitas vezes ele é descrito bebendo vinho – seus críticos o
acusam de beber muito vinho (Mateus capítulo 11, versículo 19). Se ele tivesse
cabelos compridos e parecesse um nazireu, seria de se esperar algum comentário
sobre a discrepância entre sua aparência e o que estava fazendo – o problema
seria que ele estava bebendo vinho.
2. Vestuário
Na época de Jesus, os homens
ricos vestiam roupas compridas
para ocasiões especiais, para mostrar seu alto status em público. Em um dos
ensinamentos de Jesus, ele disse: “Cuidado com os escribas, que desejam andar
com vestes compridas (stolai), de receber saudações nas praças e de
ocupar os lugares mais importantes nas sinagogas e os lugares de honra nos
banquetes.” (Marcos capítulo 12, versículos 38-39).
Os ditos de Jesus são geralmente
considerados as partes mais precisas dos Evangelhos, então, a partir disso,
podemos supor que Jesus realmente não usava essas vestes.
No geral, um homem no mundo de Jesus
usaria uma túnica na
altura do joelho; as mulheres usariam na altura do tornozelo, e se você mudasse
isso, seria outra reação. Assim, nos Atos de Paulo e Tecla do século II, quando
Tecla, uma mulher, veste uma túnica curta (masculina), isso é visto como uma
atitude chocante. Essas túnicas geralmente
tinham faixas coloridas que iam do ombro à bainha e podiam ser tecidas como uma
peça.
Em cima da túnica você usaria um
manto, uma himation, e sabemos que Jesus usava uma dessas porque
era isso que uma mulher tocava quando queria ser curada por ele (veja, por
exemplo, Marcos capítulo 5, versículo 27). Um manto era um grande pedaço de
material de lã, embora não fosse muito grosso e, para se aquecer, você
geralmente usaria dois.
Uma himation, que poderia
ser usado de várias maneiras, como um xale, pendia até os joelhos e cobria
completamente a túnica curta. (Certos filósofos ascetas até usavam uma
grande himation sem a túnica, deixando o torso superior
direito descoberto, mas isso é outra história.)
Uma himation pode parecer não
muito diferente de uma toga romana, mas as togas eram circulares (dobradas em
um semicírculo para vesti) e as himatia eram retangulares – as celebrações
moderna com o uso de toga, usando lençóis, geralmente mais se assemelham às
himatia. (Créditos: Wiki Commons)
Poder e prestígio eram indicados pela
qualidade, tamanho e cor desses mantos. Roxo e certos tipos de azul
indicavam grandeza e estima. Eram cores reais porque os corantes usados
para fazê-las eram muito raros e caros.
Mas as cores também podem indicar
outra coisa. O historiador Josefo descreve os zelotes (um grupo judeu que
queria expulsar os romanos da Judéia) como um bando de travestis assassinos que
vestiam “mantos tingidos” – chlanidia – indicando que eram
roupas femininas. Isso sugere que “homens de verdade” na época, a menos que
fossem do mais alto status, deveriam usar roupas não tingidas
Jesus não usava branco, no entanto.
Isso seria algo distinto dos demais, exigindo branqueamento ou giz, e na Judéia
estava associado a um grupo chamado essênios – que seguiam uma interpretação
estrita da lei judaica. A diferença entre as roupas de Jesus e as roupas
brancas e brilhantes é descrita em Marcos, capítulo 9, quando três apóstolos
acompanham Jesus a uma montanha para orar e ele começa a irradiar luz. Marcos
relata que as himatia de Jesus (plural de himation,
indicando mais de um manto) ficaram “resplandecentes, extremamente brancas como
a neve, tais como nenhum lavadeiro sobre a terra as poderia branquear.”. Antes
de sua transfiguração, portanto, Jesus é apresentado por Marcos como um homem
comum, vestindo roupas comuns, neste caso lã não tingida, o material que você
usaria no cotidiano.
Somos informados mais sobre as roupas
de Jesus durante sua execução, quando os soldados romanos dividem suas himatia em
quatro partes (ver João capítulo 19, versículo 23). Uma delas era provavelmente
um talith, ou xale de oração judaico. Este manto com borlas (tzitzith)
é especificamente referido por Jesus em Mateus capítulo 23, versículo 5. Este
era uma himation leve, tradicionalmente feita de material de
lã de cor creme não tingido, e provavelmente tinha algum tipo de listra ou
linha índigo.
3. Pés
Nos pés, Jesus teria calçado
sandálias. Todos usavam sandálias. Nas cavernas do deserto perto do Mar Morto e
Massada, sandálias do tempo de Jesus foram descobertas. Eram muito simples, com
as solas feitas de grossos pedaços de couro costurados, e as partes superiores
feitas de tiras de couro passando pelos dedos dos pés.
Sandálias de couro pertencentes a
um sicário – criança, homem e mulher. (Créditos: Horowitz G. The Story of
Masada. Catálogo da exposição 1993. Jerusalém: Universidade Hebraica,
Autoridade de Antiguidades de Israel e Sociedade de Exploração de Israel/Gabi
Laron)
4. Aparência física
E as características faciais de
Jesus? Elas eram judias (no sentido étnico) e semitas. Que Jesus era um judeu é
certo, pois é encontrado várias vezes em diversas literaturas, inclusive nas
cartas de Paulo. E, como afirma a Carta aos Hebreus: “é claro que nosso Senhor
era descendente de Judá”. Então, como imaginamos um judeu nesta época, um homem
“com cerca de 30 anos de idade”, de acordo com Lucas capítulo 3?
(Créditos: Richard Neave/BBC)
Em 2001, o antropólogo forense
Richard Neave criou um modelo de um homem galileu para um documentário da BBC,
Son of God, trabalhando com base em um crânio real encontrado na
região. Ele não afirmou que era o rosto de Jesus. Era simplesmente para
levar as pessoas a considerarem Jesus como um homem de seu tempo e lugar, já
que nunca nos disseram que ele parecia diferente dos outros.
Diferente do que alguns artistas
possam imaginar, como o criador deste afresco em Creta, é improvável que Jesus
tinha olhos azuis. (Créditos: Alamy)
Com tudo o que pode ser feito com
modelagem em ossos antigos, acho que a correspondência mais próxima com o que
Jesus realmente parecia é encontrada na representação de Moisés nas paredes da
sinagoga do século III de Dura-Europo, uma vez que mostra como um sábio judeu
foi imaginado no mundo greco-romano. Moisés é imaginado em roupas não
tingidas e, de fato, seu manto é um talith, pois na imagem de
Moisés dividindo o Mar Vermelho pode-se ver borlas (tzitzith). De
qualquer forma, essa imagem é muito mais correta como base para imaginar o
Jesus histórico do que as adaptações do Jesus bizantino que se tornaram padrão:
ele tem cabelos curtos e uma barba curta, e está vestindo uma túnica curta,
com mangas curtas, e uma himation.
Moisés
parece estar vestindo uma túnica com faixas azuis, além de um talith (como
manto) com decoração azul – em ambos os casos o azul provavelmente teria sido
criado por tingimento com índigo. (Créditos: Alamy)
Fonte:https://universoracionalista.org/como-jesus-realmente-se-parecia/
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