CACHORROS E GATOS ESTÃO EVOLUINDO PARA FICAREM PARECIDOS ENTRE SI, E ISSO ESTÁ SENDO FEITO PELOS HUMANOS
Análise de crânios de diversas raças domesticadas e de lobos,
cães e felinos selvagens encontrou uma convergência de características entre
alguns destes animais de estimação de espécies diferentes provocada pela
predileção humana por determinados traços nos animai — Foto: Freepik
Cachorros e gatos estão evoluindo para ficarem parecidos entre si, e
isso está sendo feito pelos humanos
A moda entre os humanos pode ser tão poderosa
quanto milhões de anos de evolução - e ela está prejudicando nossos animais de
estimação.
Por Grace Carroll*
11/05/2025 04h01 Atualizado há 7
meses
A domesticação tornou os cães e gatos mais diversificados, mas
também curiosamente parecidos entre si - com
sérias implicações para a saúde e o bem-estar deles, aponta uma nova pesquisa.
À primeira vista, os gatos persas e os cães pugs
não parecem ter muito em comum. Um é um gato, o outro é um cachorro, separados
por 50 milhões de anos de evolução. Mas quando a bióloga evolucionária Abby
Grace Drake e seus colegas escanearam 1.810 crânios de gatos, cães e seus
parentes selvagens, eles descobriram algo estranho. Apesar de suas histórias
distantes, muitas raças de cães e gatos apresentam uma semelhança
impressionante no formato do crânio.
Na biologia evolutiva, a divergência é um processo
comum. Em termos simples, divergência é quando dois organismos que compartilham
um ancestral comum tornam-se cada vez mais diferentes ao longo do tempo,
enquanto convergência significa tornar-se mais semelhante.
À medida que as populações de animais se dividem e
se adaptam a ambientes diferentes, elas desenvolvem gradualmente novas
características, um processo conhecido como evolução divergente.
Essa é uma das principais maneiras pelas quais as
novas espécies desenvolvem características diferentes, fazendo com que as
populações evoluam por caminhos separados. Mas, às vezes, a evolução pode tomar
uma direção diferente.
A convergência acontece quando espécies não
relacionadas, moldadas por pressões evolutivas semelhantes, desenvolvem características
semelhantes de forma independente.
No caso de gatos domésticos, cães e muitas outras
espécies domesticadas, a seleção
intencional e não intencional dos seres humanos parece ter criado a
convergência, direcionando acidentalmente espécies diferentes
para características semelhantes.
Apesar de uma longa história de separação
evolutiva, raças de face plana como o gato persa e os pugs compartilham
estruturas cranianas semelhantes.
Para investigar até que ponto a domesticação
remodelou a estrutura do crânio dos animais, Drake e seus colegas analisaram
digitalizações em 3D de crânios de espécimes de museus, escolas de veterinária
e arquivos digitais. Seu conjunto de dados incluía gatos domésticos, de raças
como siameses, Maine Coon e persas, bem como mais de 100 raças de cães, desde
cães de focinho curto, como pugs, até raças de focinho longo, como collies.
Suas descobertas mostraram que a domesticação não
só aumentou a diversidade do formato do crânio para além da diversidade vista
entre lobos e gatos selvagens, mas também levou algumas raças de cães e gatos a
se assemelharem umas às outras, com convergência para faces longas ou planas.
Os canídeos selvagens (o grupo de animais que
inclui cães, lobos, raposas e chacais) tendem a compartilhar um crânio alongado
semelhante, enquanto os felídeos selvagens (o grupo de animais que inclui gatos
domésticos, leões, tigres e onças) apresentam uma variação mais natural.
No entanto, as raças domésticas de ambas as
espécies agora abrangem uma faixa mais extrema em ambas as extremidades da
escala. Essa tendência pode ser observada no surgimento de gatos criados para
se assemelharem a cães da raça XL bully.
A domesticação tem demonstrado há muito tempo que,
quando os seres humanos intervêm, mesmo espécies distantemente relacionadas
podem acabar se parecendo e, às vezes, sofrendo, de maneiras semelhantes.
A reprodução seletiva tem exagerado características
nas espécies. Muitas outras mudanças feitas pelo homem podem levar os animais a
um peso além do que seus corpos podem suportar naturalmente. Por exemplo,
algumas galinhas criadas para consumo de carne carregam 30% de seu peso
corporal em músculo peitoral, o que geralmente resulta em problemas cardíacos e
pulmonares.
A preferência humana por animais de estimação de
cara achatada se baseia em alguns de nossos instintos mais fundamentais. Os
seres humanos são programados para responder a características infantis como
cabeças arredondadas, narizes pequenos e olhos grandes e baixos. Essas
características, que são exageradas em muitas raças de cães e gatos de face
achatada, imitam a aparência de bebês humanos.
De todas as espécies de animais, os seres humanos
estão entre as mais altriciais, o que significa que nascemos indefesos e
dependentes de cuidadores para sobreviver, uma característica que
compartilhamos com cachorros e gatinhos.
Em contrapartida, os animais precociais são capazes
de ver, ouvir, ficar em pé e se mover logo após o nascimento. Como os bebês
humanos dependem tanto dos cuidados dos adultos, a evolução nos moldou para
sermos sensíveis aos seus sinais de vulnerabilidade e necessidade.
Gatos se tornaram mais dóceis com a
convivência com humanos. — Foto: Freepik
As gaivotas-prateadas (um tipo de gaivota) são um
exemplo disso em animais não humanos. Seus filhotes instintivamente bicam uma
mancha vermelha no bico dos pais, o que faz com que o adulto regurgite o
alimento. Essa mancha vermelha funciona como um liberador social, garantindo
que as necessidades do filhote sejam atendidas no momento certo. De maneira
semelhante, animais domesticados efetivamente sequestraram mecanismos antigos
de cuidado desenvolvidos para nossa própria prole.
Essas características podem dar aos animais de
estimação uma vantagem na
solicitação de cuidados e atenção humanos, mas têm um
custo.
O governo do Reino Unido encarrega seu Comitê de
Bem-Estar Animal de fornecer consultoria especializada independente sobre
questões emergentes de bem-estar animal. Em relatórios produzidos em 2024, o
comitê levantou sérias preocupações sobre o efeito da reprodução seletiva tanto
em gatos quanto em cães.
Os relatórios destacaram que a criação de animais
com traços físicos extremos, como rostos achatados e formatos exagerados de
crânio, levou a problemas de saúde generalizados, incluindo dificuldades
respiratórias, condições neurológicas e complicações no nascimento.
O comitê argumenta que os animais com problemas de
saúde hereditários graves não devem mais ser usados para reprodução e pede uma
regulamentação mais rígida para os criadores. Sem essas reformas, muitas raças
populares continuarão a sofrer de doenças que podem ser evitadas e que limitam
sua vida.
A reprodução seletiva demonstrou a facilidade com
que os seres humanos podem moldar a natureza às suas preferências e a rapidez
com que milhões de anos de separação evolutiva podem ser anulados por algumas
décadas de seleção artificial.
Ao escolhermos animais de estimação que imitam os
rostos de nossos próprios bebês, selecionamos, muitas vezes sem querer,
características que prejudicam os animais. Compreender as forças que
impulsionam a convergência entre as espécies é um lembrete de que desempenhamos
um papel poderoso e, às vezes, perigoso em sua formação.
*Grace Carroll é
professora de Comportamento e Bem-Estar Animal na Faculdade de Psicologia da
Queen's University Belfast.
**Este texto foi publicado originalmente no site da The Conversation Brasil.
Fonte: https://g1.globo.com/meio-ambiente/noticia/2025/05/11/cachorros-e-gatos-estao-evoluindo-para-ficarem-parecidos-entre-si-e-isso-esta-sendo-feito-pelos-humanos.ghtml
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