
Sol, radiação e saúde: o equilíbrio delicado entre produzir vitamina D e prevenir o câncer de pele
Pesquisas mostram que a exposição solar é essencial para o metabolismo da vitamina D, mas o excesso continua sendo o principal fator de risco para tumores cutâneos. Médicos explicam o que a ciência já sabe e o que ainda é controverso.
Por Talyta Vespa, g1
Por décadas, a recomendação médica foi clara: evitar o sol.
O avanço dos casos de câncer de pele — o tipo mais frequente no Brasil e no
mundo — reforçou campanhas de fotoproteção que ajudaram a salvar vidas.
Mas, nos últimos anos, uma série de estudos tem mostrado o
outro lado da equação: a falta de luz solar suficiente
está associada à deficiência de vitamina D e a maior risco de fraturas,
depressão e até doenças cardiovasculares, segundo artigos publicados
no American Journal of
Clinical Nutrition e na revista Nutrients.
Como o corpo transforma luz
em vitamina D
A vitamina D é um
hormônio que depende da luz solar para ser ativado.
Quando a radiação ultravioleta do tipo B (UVB) atinge a pele, ela desencadeia
uma reação química que converte o colesterol em pré-vitamina D3.
Essa molécula recém-formada — chamada pré-vitamina
D3 — entra na corrente sanguínea e segue um trajeto de ativação dentro do
corpo.
- Primeiro, ela chega ao fígado, onde é
convertida em calcidiol (ou 25-hidroxivitamina D), a forma de armazenamento da
vitamina no organismo.
- Em
seguida, passa pelos rins, onde se transforma em calcitriol (ou
1,25-diidroxivitamina D), a forma ativa da substância — responsável por regular a absorção
de cálcio e fósforo e manter a saúde dos ossos, músculos e sistema
imunológico.
“É um processo bioquímico complexo, mas essencial.
Sem essa etapa inicial provocada pelo sol, o corpo não consegue usar o cálcio
da alimentação — e os ossos enfraquecem”, explica o oncologista Stephen
Stefani, da Oncoclínicas e da Americas Health Foundation.
A carência de vitamina D tem sido associada a quadros de osteoporose, doenças autoimunes, imunidade baixa e
distúrbios metabólicos. Ainda assim, a relação direta entre níveis
baixos da substância e o surgimento dessas doenças não é completamente
estabelecida.
“A maioria das pesquisas é observacional — ou seja,
mostra associação, mas não prova causa e efeito”, alerta Stefani. “Pessoas que
tomam mais sol geralmente têm estilos de vida mais saudáveis, e isso também
influencia os resultados.”
O risco cumulativo da
radiação ultravioleta
Enquanto pequenas doses de UVB ativam processos
vitais, a exposição
excessiva é a principal causa ambiental do câncer de pele. A radiação ioniza o DNA das células da epiderme e cria mutações
que, ao longo dos anos, podem se transformar em tumores.
“Aquela queimadura que alguém teve jogando bola na
infância continua registrada no corpo. O dano é cumulativo, e cada nova
exposição sem proteção soma-se à anterior”, explica Stefani.
Os três principais tipos de câncer de pele são:
1.
Carcinoma
basocelular: o mais comum e de crescimento lento;
2.
Carcinoma
espinocelular: mais agressivo, com potencial de invasão local;
3.
Melanoma: raro, mas potencialmente letal.
O Brasil registra mais de 220 mil novos diagnósticos por
ano, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA). Cerca de 2% a 3% dos casos são melanomas, mas são eles que
concentram a maioria das mortes.
Existe tempo seguro de
exposição?
A ciência ainda não definiu um tempo universal de
exposição solar que garanta a produção adequada de vitamina D sem aumentar o
risco de câncer de pele.
“O tempo necessário varia de pessoa para pessoa,
conforme o tom de pele, a latitude, o horário e a estação do ano”, explica a
dermatologista Clarice Espindola, da Rede D’Or e da clínica Viver Bem Mais.
Estudos indicam que exposições breves — entre 5 e 30 minutos, antes das 10h e
depois das 16h, podem ser suficientes para a maioria das pessoas,
especialmente quando envolvem braços e pernas. Mesmo assim, sociedades médicas
como a American Academy of
Dermatology orientam que a vitamina D seja obtida
preferencialmente pela alimentação
e suplementação, não pelo sol direto.
“O sol é importante, mas não pode ser usado como
tratamento. É muito difícil controlar a dose exata de radiação. O que é
suficiente para um pode ser perigoso para outro”, reforça Sarah Thé Coelho,
dermatologista e pós-graduada pelo Hospital Israelita Albert Einstein.
O papel do protetor solar
Um dos equívocos mais comuns, explicam os médicos
ouvidos pela reportagem, é acreditar que o uso diário de protetor solar
prejudica a síntese de vitamina D. Na prática, isso não se confirma.
“Mesmo com o filtro aplicado corretamente, uma
quantidade mínima de radiação UVB ainda atravessa a pele e permite a produção
de vitamina D”, explica Sarah Thé.
Ela reforça que não há segurança em “deixar uma parte
do corpo sem filtro” por alguns minutos — medida às
vezes sugerida como forma de compensar a falta de sol.
“Isso só cria dano localizado e aumenta o risco de
lesões. O uso de protetor continua sendo indispensável”, diz.
De acordo com as diretrizes internacionais, o ideal
é:
- Usar filtro solar de amplo espectro (FPS ≥
30).
- Aplicar 15 minutos antes da exposição e
reaplicar a cada duas horas ou após contato com água.
- Proteger rosto, orelhas, pescoço e dorso das
mãos, áreas mais expostas ao longo da vida.
- Evitar
exposição direta entre 10h e 16h, quando a radiação é mais intensa.
O ponto de equilíbrio entre
benefício e risco
Nenhum especialista
recomenda abolir o sol — tampouco buscá-lo como remédio.
O consenso é que a luz solar faz parte da fisiologia humana, mas deve ser
encarada com a mesma cautela que qualquer outra forma de radiação.
“O problema não é o sol, é o exagero”, resume
Stefani. “Se a exposição for moderada, em horários seguros, com proteção e
acompanhamento médico, o benefício é maior que o risco. Mas, sem cuidado, o
dano é inevitável.”
Para quem tem histórico de câncer de pele ou não
consegue se expor com segurança, a suplementação oral é o caminho mais
indicado.
“A molécula é a mesma — seja produzida na pele ou
ingerida em cápsulas. O que muda é o risco envolvido”, completa Sarah Thé.
Comentários
Postar um comentário