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IA 'livre de
viés ideológico': o que Trump pretende com esse plano? Especialistas decifram
Pesquisadores alertam para o risco de
tirar filtros de segurança e de correção de vieses das plataformas de
inteligência artificial, como quer o presidente dos EUA na corrida tecnológica
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— Brasília
24/07/2025 04h00 Atualizado há 3 dias
O novo plano de ação para inteligência artificial (IA) dos Estados Unidos, anunciado nesta quarta-feira pelo presidente Donald Trump, tem dois objetivos: vencer a corrida tecnológica com a China e reforçar sua pauta anti-woke — que se opõe a ideias progressistas, relacionadas a diversidade, inclusão e igualdade social — defendida pelos apoiadores de Trump e governos ligados à extrema direita no mundo.
Essa é a avaliação de especialistas ouvidos pelo GLOBO. Entre as ações previstas no plano está desenvolver uma IA "livre de viés ideológico" e a remoção de conteúdos ligados a diversidade e mudanças climáticas na construção de novos modelos.
Para Yasmin Curzi De Mendonça, professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pesquisadora de pós-doutorado do Karsh Institute of Democracy da University of Virginia (EUA), sob o rótulo de anti-ideológico, o plano promove uma agenda profundamente "conservadora e iliberal".
Risco para grupos sociais
Para ela, chama a atenção, especialmente, o direcionamento de revisão do NIST AI Risk Management Framework, documento com orientações sobre segurança em IA, com a obrigação de eliminação de referências a diversidade, equidade, inclusão, mudanças climáticas e desinformação desse marco regulatório, rejeitando regulações protetivas.
— O documento está condicionando os contratos públicos do governo americano ao uso de sistemas “livres de viés ideológico”, termo que funciona como código para excluir qualquer grau de segurança em IA e combate a vieses que são profundamente perniciosos e podem afetar diretamente grupos sociais diversos das mais diferentes formas — afirma a especialista.
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Ela destaca que a IA possui vieses e afirmar uma suposta neutralidade não é nada mais do que reforçar e amplificar esses vieses.
Professor da Goethe-Universität Frankfurt am Main, da Alemanha, e diretor do Legal Fronts Institute, Ricardo Campos lembra que, durante o governo do ex-presidente Joe Biden, a regulação da inteligência artificial foi marcada por uma abordagem cautelosa, com foco na mitigação de riscos e na imposição de padrões de segurança, diversidade e sustentabilidade.
'Busca pela supremacia tecnológica'
Já o chamado “AI Action Plan”, de Donald Trump, pretende revogar essas diretrizes e estabelecer uma estratégia mais “agressiva” de desregulamentação, com forte influência de executivos do Vale do Silício, priorizando a remoção de barreiras ambientais e ideológicas para impulsionar a competitividade das big techs, hoje majoritariamente sediadas nos EUA, mas sob crescente concorrência de iniciativas como o DeepSeek, plataforma de IA generativa da China.
— Embora as medidas concretas ainda não tenham sido anunciadas, o discurso de Trump e de seus aliados vai no sentido de uma busca pela supremacia tecnológica, com incentivo à exportação de tecnologias, a facilitação de data centers, inclusive com isenções fiscais, e contratos públicos condicionados à neutralidade ideológica das soluções — diz Campos.
Em sua opinião, a iniciativa dos Estados Unidos pode exercer influência direta no plano internacional, em que a disputa pela soberania digital tem mobilizado diferentes estratégias regulatórias, culminando, inclusive, em uma verdadeira “AI race” – a corrida tecnológica pela liderança no desenvolvimento da inteligência artificial e das normas que a regulam.
Campos lembra, ainda, que o Japão adotou uma lei geral sobre IA que propõe um modelo “innovation-first” ("inovação em primeiro lugar"), voltado ao fomento da pesquisa, do desenvolvimento e da adoção de IA como motor de crescimento socioeconômico. Essa abordagem, semelhante à da Coreia do Sul, contrasta com a estrutura mais regulatória e baseada em riscos da União Europeia, que conta com um robusto regulamento sobre a matéria.
— A ação americana pode, portanto, influenciar profundamente esse cenário, não apenas pela centralidade das big techs em seu território, mas também por deslocar os padrões de referência globais em direção a um modelo liberal e pró-inovação — conclui.
Mais um elemento de 'disputas globais"
Diogo Rais, advogado e professor de Direito Digital, também ressalta que medidas concretas sobre o novo plano americano ainda não são conhecidas. Porém, ele avalia que o norte do programa é a disputa com os chineses e ainda acenar para o público com a agenda “anti-woke”.
— Ainda que haja aumento de custos ambientais, humanos e até civilizatórios, sem contar os custos inerentes à intervenção em atuações regulatórias, não apenas diante dos estados que compõem o EUA, mas também parece enviar um recado aos países. Ao que tudo indica a IA será mais um dos motivos das tarifas de Trump e das disputas globais por poder versus soberania — diz Rais.
Tratamento similar ao das armas atômicas
Já o cientista-chefe do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio), Ronaldo Lemos, avalia que o novo plano lembra Atoms for Peace (Átomos para a Paz, em uma tradução livre), lançado pelo então presidente americano Dwight Eisenhower, em 1953. O programa compartilhava a tecnologia nuclear com aliados selecionados dos EUA.
— O plano lançado por Trump faz algo similar agora com a inteligência artificial. Vai criar um círculo de confiança de países com os quais a tecnologia mais avançada poderá ser compartilhada. E ao mesmo tempo, pretende acelerar a liderança dos EUA nessa tecnologia por meio de redução radical da regulação da IA internamente e investimentos massivos em infraestrutura. Na minha visão, com esse plano, os EUA estão dando à IA o mesmo valor estratégico dado às armas atômicas — afirma Lemos.
Cronômetro ligado
Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio) e professor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), considera que o plano de ação da Casa Branca revela, pelo próprio nome (“vencendo a corrida”), que o cronômetro está ligado e que a competição entre EUA e China pela supremacia tecnológica em IA tem uma linha de chegada logo adiante.
— Mais do que nunca, trata-se de uma corrida com dois competidores bem claramente definidos.
Souza afirma que chama atenção o fato de o plano de ação ordenar uma revisão dos padrões de IA nos EUA para remover qualquer referência a termos como desinformação, diversidade, inclusão e mudança climática.
Para além de revelar uma agenda temática por parte do governo Trump, essa medida evidencia como cada vez mais as ferramentas de IA serão usadas como forma de expressão — as pessoas vão usar IAs para se comunicar — e isso faz com que governos ao redor do mundo comecem a olhar para a questão sobre o que pode ser ou não dito por essas ferramentas.
IA com ideologia
Advogado, professor do IBMEC e da Fundação Instituto de Administração, ligada à Universidade de São Paulo (USP) e especialista em assuntos da internet, Marco Sabino acredita que as novas diretrizes atendem aos anseios das empresas de tecnologia dos EUA, área que é um dos pilares da disputa pelo poder comercial e político.
Além disso, tudo é feito a pretexto de pretender tornar o desenvolvimento de IA mais rápido, simplificando procedimentos e retirando travas — sempre com vistas a aumentar seu poder de competitividade, especialmente relativamente à China. Isso pode significar extrair salvaguardas relacionadas a direitos humanos como privacidade, igualdade e não-preconceito e questões ambientais.
— Apenas a ética será a fronteira do desenvolvimento da IA, e, isso, apenas o humano tem, pelo menos, por ora. Enquanto a apreensão do mundo quanto à IA são seus limites e os esforços são empenhados em impô-los, preocupa. Quem controlará a IA defensora de certas ideologias? — pergunta Sabino.
Fonte:https://oglobo.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2025/07/24/ia-livre-de-vies-ideologico-o-que-trump-pretende-com-esse-plano-especialistas-decifram.ghtml
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