'NÃO EXISTE AUMENTO DE TDAH NEM DE AUTISMO NA POPULAÇÃO', DIZ 1º BRASILEIRO A RECEBER O 'OSCAR DA SAÚDE MENTAL'
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Não existe
aumento de TDAH nem de autismo na população’, diz 1º brasileiro a receber o
‘Oscar da saúde mental’
Em entrevista ao GLOBO, o psiquiatra
gaúcho Luis Augusto Rohde fala sobre o que está por trás do crescimento nos
diagnósticos formais e alerta sobre a desinformação nas redes sociais
Por 
 — Rio de Janeiro
29/10/2025 04h31  Atualizado agora
Na última sexta-feira, o psiquiatra brasileiro Luis Augusto Rohde recebeu, em Nova York, o Prêmio Ruane por realização excepcional em pesquisa psiquiátrica infantil e de adolescentes. A láurea, organizada pela Brain & Behavior Research Foundation (BBRF), dos Estados Unidos, é considerada o “Oscar da saúde mental” e reconhece os pesquisadores mais importantes do mundo em quatro áreas. É a primeira vez que o prêmio é concedido a um nome da América Latina.
Rohde é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde dirige o Programa de Déficit de Atenção/Hiperatividade do Hospital de Clínicas, e atua como vice-coordenador do Centro de Pesquisa e Inovação em Saúde Mental (CISM). Além disso, já liderou a Federação Mundial de TDAH e é o atual presidente da Associação Internacional de Psiquiatria da Criança e do Adolescente e Profissões Afins (IACAPAP, da sigla em inglês).
— Em nenhuma das quatro categorias do prêmio, que existem há mais de 25 anos, algum pesquisador trabalhando na América Latina tinha sido nomeado. A importância é começar a reconhecer a qualidade do que é feito aqui em termos de pesquisa. A olhar para o Sul Global e ver que existe pesquisa de qualidade que é competitiva no mesmo nível em diversas áreas — celebra.
Ao GLOBO, o psiquiatra responde se vivemos de fato um aumento de TDAH, transtorno para o qual dedicou a sua carreira, fala sobre o crescimento dos diagnósticos formais de autismo, alerta sobre os riscos da desinformação nas redes sociais e explica o que deve servir de sinal de alerta para os pais de crianças e adolescentes.
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O prêmio reconhece sua trajetória principalmente na pesquisa sobre o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), que aborda muito a epidemiologia do diagnóstico. Estamos vivendo um aumento de casos?
Quando olhamos a frequência de TDAH na população e controlamos os aspectos metodológicos dos estudos, não há diferença entre a prevalência nos diferentes países. Nós avaliamos mais de 102 estudos em todo o mundo e vimos que o transtorno afeta cerca de 5% das crianças e adolescentes.
Depois, analisamos as mudanças nos últimos 30 anos e vimos claramente que, quando novamente se ajustam as questões metodológicas, não houve aumento do que chamamos de prevalência populacional. Já quando se avalia a prevalência administrativa, que é a procura por serviços de saúde, temos um aumento em diversos locais do mundo.
Por que isso acontece? Porque estamos tendo uma maior conscientização sobre o diagnóstico e começamos a reconhecer mais o TDAH em meninas e em adultos. Até pouco tempo, o transtorno era visto como algo restrito ao sexo masculino, porque era muito associado apenas à hiperatividade. Mas podemos ter uma apresentação com predomínio de desatenção, que é a mais comum em meninas e não era reconhecida por escolas.
E em relação ao transtorno do espectro autista (TEA)?
A questão é um pouco mais complexa. Se olharmos qualquer livro de saúde mental de crianças e adolescentes há 20 anos, ele diria que a prevalência era de 1 a 4 casos para cada 10 mil nascimentos. No último levantamento do CDC, dos Estados Unidos, esse número chegou a 1 para cada 36 nascimentos. Mas nós também não tivemos em 20 anos um aumento de autismo na população.
Acontece que hoje não trabalhamos mais com aquela visão muito restrita, que considera somente a ausência de comunicação verbal. Expandimos para uma noção de espectro, com uma flexibilização dos critérios diagnósticos. Com isso, algumas coisas que antes eram chamadas de traços de autismo ou de apenas características pessoais, hoje são vistas como parte do TEA. Essa flexibilização muito grande em termos do que é o diagnóstico levou ao aumento da prevalência.
Hoje muitas pessoas buscam uma explicação simples que responda a causa do autismo ou de outros diagnósticos psiquiátricos, como vê esse cenário?
É uma tendência nossa, da natureza humana, buscar explicações para determinados fenômenos. Mas o cuidado que precisamos ter é entre o que é uma associação e o que é uma relação de causa e efeito. Existe toda uma preocupação, por exemplo, se o tempo de tela exagerado não leva as crianças a terem mais TDAH e, nos estudos, vemos que há uma associação muito clara entre os dois.
Mas acompanhamos 2,5 mil pessoas num estudo de coorte em São Paulo e Porto Alegre desde que eram crianças e vimos que a direção parece ser inversa. Na verdade, quem tem mais TDAH acaba usando mais telas. Às vezes porque, como o TDAH tem um componente genético, são indivíduos que têm pais que também são mais impulsivos, com menos rotinas, comportamentos que propiciam o uso de telas pelos filhos. Então existem fatores que estão associados, mas a relação entre elas nem sempre é causal, e às vezes é o inverso.
E em relação à desinformação nas redes sociais?
Um estudo muito interessante avaliou os 100 vídeos mais vistos no TikTok sobre TDAH, que representavam meio bilhão de visualizações. Especialistas na área avaliaram a qualidade do que era colocado neles. A pergunta era a seguinte: o que está sendo apresentado como sintoma ou característica de TDAH faz mesmo parte do que é TDAH? Mais de 50% das supostas manifestações descritas nesses vídeos não correspondiam ao transtorno.
Esse é um problema importante hoje. É natural que as pessoas busquem informação nas redes sociais, mas, muitas vezes, a qualidade da informação encontrada não é cientificamente adequada. Há uma preocupação em qualificar essa informação melhor. Na IACAPAP, temos desenvolvido um trabalho, junto com o Child Mind Institute, em Nova Iorque, de treinamento de influenciadores em aspectos de saúde mental de crianças e adolescentes.
O que sabemos hoje sobre o TDAH?
Sabemos que é uma alteração do neurodesenvolvimento, ou seja, da maturação de determinadas áreas cerebrais, e que isso leva aos sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade. Principalmente de uma região que fica na frente do nosso cérebro, chamada córtex pré-frontal, responsável pelo controle inibitório. Se ela está mais imatura, a pessoa fica mais agitada, impulsiva. E isso afeta a atenção também porque, quando focamos em algo, precisamos isolar o barulho do ambiente, os pensamentos que vão surgindo, dezenas de estímulos que são inibidos.
Essas alterações têm uma forte participação da genética. Quando começamos a avaliar uma criança, é comum que os pais logo digam “isso que você está perguntando eu também era quando criança” ou “também sou assim”. Então temos história familiar e sabemos por estudos de gêmeos que essa transmissão ocorre muito através da genética.
Mas o TDAH não é um diagnóstico categórico em medicina, como uma infecção, em que você tem ou não. A capacidade atencional, o controle inibitório, a impulsividade e a hiperatividade são fatores que se distribuem dimensionalmente na população, como a altura, em que temos diferentes níveis do mais baixo ao mais alto. Precisamos ter muito cuidado porque em situações de estresse, em que estou sob uma demanda maior, é natural que a pessoa fique mais hiperativa, mais desatenta.
Qual o sinal de alerta aos pais?
Os pais têm de prestar atenção quando esses sintomas de desatenção, hiperatividade, impulsividade vêm acontecendo de forma marcada, com muita frequência, e de uma maneira que causa prejuízo social, seja em termos de aprendizagem, seja em termos das relações com os pares sociais, com os familiares. O sinal de alerta é a frequência intensa dos sintomas e o prejuízo funcional associado a eles.
O quanto a agressividade é algo comum do processo de crescimento, uma birra normal, e o quanto isso pode ser um dos sinais de alerta?
A raiva, a agressividade, fazem parte do desenvolvimento. A criança poder expressá-las de uma forma adequada, como por esportes ou outras vias, é algo extremamente importante. Começamos a nos preocupar também quando aquilo começa a ser uma conduta frequente. Em vez de ser um episódio de birra uma vez a cada 15, 20 dias, começa a ter um padrão de duas, três vezes por semana. A intensidade deles e a duração, quando passa de meia hora, por exemplo, são fatores importantes de se avaliar, junto a quanto aquilo está afetando a criança e a vida familiar. Isso pode ser um reflexo de uma disfuncionalidade familiar, mas também de uma característica biológica da criança.
Outros diagnósticos psiquiátricos são categóricos?
Não. Não temos nenhum com um marcador biológico. Todos, como autismo, depressão, ansiedade, são clínicos. Hoje compreendemos eles dentro desse aspecto dimensional, por isso precisamos avaliar a frequência e o prejuízo associado.
Fala-se muito sobre ansiedade e depressão, com grupos orientando inclusive triagem já de crianças para os transtornos. Qual o impacto desses diagnósticos entre os mais jovens?
Um estudo que participei avaliou a prevalência de transtornos mentais em crianças e adolescentes e, mais do que isso, a carga da doença, que são os anos vividos com ela associado a mais mortalidade. Vemos claramente que, em jovens de 5 a 24 anos, a principal carga é dos transtornos mentais. E dentre eles, de ansiedade e depressão. Então temos colocado uma ênfase em programas de reconhecimento e de intervenção para trabalharmos aspectos desses dois diagnósticos.
O que sabemos hoje sobre a melhor forma de tratamento?
É importante, na saúde mental, que pensemos sempre em tratamento multimodal. Combinar intervenções psicoterápicas baseadas em evidência científica com intervenções de psicoeducação e, nos casos em que se faz necessário, o uso de medicações.
A psicoeducação é importante pois precisamos tirar estigmas relacionados aos transtornos mentais, muitas crianças com TDAH são vistas como mal criadas, preguiçosas, o que não é verdade. E estarmos abertos às novas evidências. Hoje, temos uma literatura científica muito clara mostrando a importância do exercício físico aeróbico tanto para a melhora de função executiva e da atenção, como de depressão em crianças e adolescentes.
Fonte:https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2025/10/29/nao-existe-aumento-de-tdah-nem-de-autismo-na-populacao-diz-1o-brasileiro-a-receber-o-oscar-da-saude-mental.ghtml
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