Floresta
preservada por indígenas ajuda a prevenir de malária a pneumonia na Amazônia
Estudo mapeou correlação entre extensão
de terras de povos tradicionais com incidência de doenças em todos os países
que abrigam o bioma
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— São Paulo
12/09/2025 03h00 Atualizado há 4 dias
O serviço que comunidades indígenas prestam ao proteger a floresta amazônica tem impacto positivo na saúde, e ajuda a diminuir a incidência de diversas doenças, dentro e fora das terras desses povos tradicionais. Essa é a conclusão de um estudo que avaliou a correlação entre a existência dessas áreas e 27 problemas de saúde diferentes ao longo de um período de 20 anos.
O trabalho, liderado pela ecóloga Júlia Rodrigues Barreto, da Universidade de São Paulo (USP), conseguiu estabelecer uma correlação entre a presença de terras indígenas (TIs) em todos os países que abrigam a Amazônia e os casos das enfermidades analisadas.
Descrito em estudo na revista Communications Earth and Environment, do grupo Nature, o trabalho cobre duas frentes: a de doenças de natureza respiratória ou cardiorespiratória (ligadas à inalação de poluentes de queimada) e a de doenças infecciosas (ligadas ao desmatamento e à interação com animais silvestres).
Segundo os cientistas, no caso das primeiras doenças, que incluem pneumonia, asma, AVC e outras condições, a relação entre a presença de TIs numa determinada região se estabeleceu de maneira mais direta. Isso se dá principalmente pela prevenção da emissão de fumaça com partículas menores de 2,5 micrômetros (PM2.5), que são muito nocivas quando inaladas.
"Incêndios florestais causaram um aumento de 38% nas internações hospitalares por doenças respiratórias e de 27% nas circulatórias entre 2008 e 2018, e a prevenção desses incêndios poderia ter evitado 16.800 mortes prematuras na América do Sul", escrevem os cientistas. "De fato, a poluição foi responsável por 9 milhões de mortes prematuras em 2015 em todo o mundo, sendo o maior risco ambiental para doenças."
As florestas em terras indígenas, que estão mais bem preservadas em outros tipos de áreas na amazônia, ajudam a prevenir essas doenças tanto por sofrerem menos incêndios quanto por ajudarem a absorver parte da fumaça emitida em outros lugares, por meio de um processo de deposição a seco das partículas.
Segundo Barreto, o trabalho dá uma dimensão nova à discussão sobre validação de terras indígenas.
— Existe muita evidência científica do benefícios que os povos indígenas trazem em termos redução de perda de biodiversidade, de melhoria da qualidade dessas florestas, de redução do desmatamento e de outros serviços ecossistêmicos — diz a pesquisadora. — O nosso trabalho ajuda a trazer mais um argumento a favor da proteção, um argumento que coloca agora na mesa também uma questão de saúde pública.
Para complementar e expandir o trabalho que o grupo já vinha fazendo sobre doenças respiratórias e cardiovasculares, Barreto buscou coautores de todos os países da região Amazônica para compilar e alinhar também informações sobre doenças infecciosas.
Foram incluídas no estudo informações sobre malária, doença de Chagas, leishmaniose e outras zoonoses doenças transmitidas por insetos vetores. Nesses casos, porém, a relação entre a presença de terras indígenas e a ocorrência dessas enfermidades foi menos linear.
O trabalho mostrou que, em regiões com mais de 45% de cobertura florestal contendo uma TI, houve uma redução no número de casos dessas enfermidades. No entanto, para regiões com baixa cobertura florestal ou florestas altamente fragmentadas, o efeito foi atenuado ou até mesmo revertido.
Essa complexidade de interpretação dos dados surge por diversos fatores, como o da fragmentação das áreas remanescentes de floresta. Em áreas onde a mata está fragmentada em pequenos pedaços de terra, a interação entre populações humanas e o ambiente silvestre é maior, elevando o risco de doenças como febre amarela, por exemplo. A ocorrência de malária é um problema histórico em grandes frentes de desmatamento na região.
Um aspecto interessante do estudo coordenado por Barreto é que o status jurídico das terras indígenas em questão teve influência nos resultados da pesquisa. Em territórios que já foram demarcadas e homologados, os povos tradicionais encontraram condições melhor de defender suas áreas e isso se manifestou também nos dados de saúde.
— Para os casos em que as terras indígenas não são reconhecidas, o efeito benéfico na saúde se perde — diz Barreto. — É bom lembrar que, quando a gente fala em terras indígenas e florestas com presença de povos indígenas, essas pessoas também são suscetíveis a pegar essas doenças.
Os pesquisadores manifestam a esperança de que o estudo contribua para o debate de políticas públicas na área, em que o impacto de problemas ambientais nem sempre é lido do ponto de vista da saúde.
Fonte:https://oglobo.globo.com/saude/ciencia/noticia/2025/09/12/floresta-preservada-por-indigenas-ajuda-a-prevenir-de-malaria-a-pneumonia-na-amazonia.ghtml
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