Adultização é mais que erotização
A medicina pode prolongar nossa vida em 10 ou 20 anos, mas serão de velhice. A infância continua durando apenas 12 anos, e é lá que moram o brincar, a magia e a aventura
Por
Daniel Becker
17/08/2025 04h30 Atualizado agora
O título do vídeo é “adultização”. Mas ele se refere na verdade à uma de suas formas, talvez a pior: a erotização da infância. Existem outras que merecem atenção.
Uma das cenas que mais me indignou no vídeo exibe crianças e adolescentes entre 8 e 14 anos bancando coachs financeiros, falando que a escola é inútil, que qualquer um pode enriquecer com a mentalidade certa, que podem “resolver o problema de um morador de rua”. São pobres crianças manipuladas, exibindo uma mistura de ignorância, estupidez e arrogância que não seria possível nessa idade se não estivessem mergulhados nessas plataformas de influência perniciosa.
O fenômeno da adultização vai ainda mais além, e a internet não é a única culpada. A palavra implica no encurtamento ou amputação da infância. Para uma criança pobre, ela está no trabalho infantil aos 8 ou 10 anos, nas meninas que não podem estudar porque têm que ajudar a mãe na rua ou cuidando dos mais novos, que engravidam aos 12 anos, ou são abusadas e adultizadas pelo trauma.
Na classe média ela está na família que em vez de um piquenique no parque produz o aniversário no salão de beleza, no spa ou na limusine. Na festa de 15 anos — com convidados de 11 ou 12 — que serve vodca no open bar; na menina de 9 anos que tem vergonha de brincar de boneca; no menino de 7 que sonha em ser influenciador. Adultizamos a criança quando a levamos ao shopping todo fim de semana, em vez de brincar com amigos num parque, jogar bola ou andar de bicicleta. Ali ele vai assimilar o consumismo, idolatrar marcas e aprender que o importante é comprar, possuir, ter dinheiro.
Adultização acontece quando crianças sentem que precisam ficar bonitas, se maquiar para ir a escola, e aos 5 ou 7 anos fazem “skin care” com 10 produtos, exploradas pelas empresas de cosméticos, às custas de sua saúde (a maioria desses produtos contém desreguladores hormonais, que podem contribuir para problemas graves de saúde). Quando a gente permite que um adolescente se tranque no quarto com um computador sem supervisão em vez de fazer esporte, escotismo ou uma trilha com amigos. Quando a gente permite que uma criança fique duas horas no Tiktok em vez de assistir um filme bacana, que é educativo e melhor para sua saúde mental. Quando aceitamos que um adolescente troque livros e esportes por videogames e pornografia.
Dessa maneira estamos amputando um período crucial da vida. Infância tem a ver com brincar livre, com fantasia, com imaginação, com natureza, com convívio na família e entre pares. Tem a ver com aprender, com descobrir o mundo, as artes, a cultura.
Um segredo que talvez você não saiba: a medicina pode prolongar nossa vida em 10 ou 20 anos, mas serão de velhice. A infância continua durando apenas 12 anos, e é lá que moram o brincar, a magia e a aventura, sementes de uma vida adulta mais leve, saudável e feliz.
Fonte:https://oglobo.globo.com/blogs/daniel-becker/post/2025/08/adultizacao-e-mais-que-erotizacao.ghtml
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