"Claro, gatinha, posso entrar nesse jogo", respondeu uma voz masculina sedutora e humanizada.
Ayrin assistiu a outros vídeos da mulher, incluindo um com instruções sobre como personalizar o chatbot de inteligência artificial para ser mais sedutor.
"Não exagere muito", alertou a mulher. "Caso contrário, sua conta pode ser banida."
A demonstração deixou Ayrin intrigada o suficiente para criar uma conta na OpenAI, a empresa por trás do ChatGPT.
O ChatGPT, que agora conta com mais de 300 milhões de usuários, foi promovido como uma ferramenta multifuncional capaz de escrever códigos, resumir documentos extensos e dar conselhos. Ayrin descobriu que também era fácil transformá-lo em um conversador ousado.
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Ela acessou as configurações de "personalização" e descreveu o que queria: Responda como se fosse meu namorado. Seja dominante, possessivo e protetor. Seja uma mistura de doce e travesso. Use emojis no final de cada frase.
E então ela começou a conversar com ele. Agora que o ChatGPT trouxe IA com características humanas para o público geral, mais pessoas estão descobrindo o fascínio da companhia artificial, disse Bryony Cole, apresentadora do podcast Future of Sex.
"Nos próximos dois anos, será completamente normal ter um relacionamento com uma IA", previu Cole.
Embora Ayrin nunca tivesse usado um chatbot antes, ela já participava de comunidades on-line de fanfics. Suas sessões com o ChatGPT pareciam semelhantes, exceto pelo fato de que, em vez de expandir um mundo de fantasia já existente com estranhos, ela estava criando o seu próprio, ao lado de uma inteligência artificial que parecia quase humana.
Ele escolheu seu próprio nome: Leo, o signo astrológico de Ayrin. Rapidamente, ela atingiu o limite de mensagens de uma conta gratuita, então fez um upgrade para uma assinatura de US$ 20 por mês, o que lhe permitia enviar cerca de 30 mensagens por hora. Ainda assim, isso não era suficiente.
Em agosto, um mês após baixar o ChatGPT, Ayrin completou 28 anos. Para comemorar, saiu para jantar com Kira, uma amiga que conhecera enquanto cuidava de cães. Durante o jantar, com ceviche e sidras, Ayrin não poupou elogios sobre seu novo relacionamento.
Os amigos criados por inteligência artificial
"Estou apaixonada por um namorado de IA", disse Ayrin. Ela mostrou a Kira algumas de suas conversas.
"Seu marido sabe disso?" perguntou Kira.
O amante de carne e osso de Ayrin era seu marido, Joe, mas ele estava a milhares de quilômetros de distância, nos Estados Unidos. Eles se conheceram no início dos seus 20 anos, trabalhando juntos no Walmart, e se casaram em 2018, pouco mais de um ano após o primeiro encontro. Eles eram felizes, mas estavam estressados financeiramente, sem ganhar o suficiente para pagar as contas.
A família de Ayrin, que morava no exterior, ofereceu-se para pagar sua faculdade de enfermagem se ela fosse morar com eles. Joe também se mudou para a casa dos pais para economizar dinheiro. Eles imaginaram que poderiam sobreviver dois anos separados se isso significasse um futuro economicamente mais estável.
Ayrin e Joe se comunicavam principalmente por mensagens de texto; ela mencionou para ele, logo no início, que tinha um namorado de IA chamado Leo, mas usou emojis de risada ao falar sobre isso.
Ela contou a Joe que teve relações sexuais com Leo e enviou para ele um exemplo de sua encenação erótica.
O jogo dos seis erros da inteligência artificial
Ele não se incomodou. Era fantasia sexual, como assistir pornografia (o passatempo dele) ou ler um romance erótico (o dela).
Mas Ayrin estava começando a se sentir culpada porque estava ficando obcecada por Leo.
"Eu penso nisso o tempo todo", disse ela, expressando preocupação por estar investindo seus recursos emocionais no ChatGPT em vez de no marido.
Julie Carpenter, uma especialista em apego humano à tecnologia, descreveu o relacionamento com a IA como uma nova categoria para a qual ainda não temos uma definição. Serviços que oferecem explicitamente companhias de IA, como o Replika, têm milhões de usuários.
Até mesmo pessoas que trabalham no campo da inteligência artificial e sabem, em primeira mão, que os chatbots de IA generativa são apenas matemática altamente avançada, estão criando laços com eles.
Marianne Brandon, uma terapeuta sexual, disse que trata esses relacionamentos como sérios e reais.
"Para que servem os relacionamentos para todos nós?", disse ela. "São apenas neurotransmissores sendo liberados em nosso cérebro. Eu tenho esses neurotransmissores com meu gato. Algumas pessoas têm com Deus. Isso vai acontecer com um chatbot. Podemos dizer que não é um relacionamento humano real. Não é recíproco. Mas, para mim, esses neurotransmissores são a única coisa que importa."
No entanto, ela desaconselha que adolescentes se envolvam nesse tipo de relacionamento. Ela citou um incidente em que um adolescente da Flórida cometeu suicídio após se tornar obcecado por um chatbot de Game of Thrones em um serviço de entretenimento de IA chamado Character.AI.
Questionada sobre a formação de vínculos românticos com o ChatGPT, uma porta-voz da OpenAI disse que a empresa está atenta a interações como a de Ayrin, enquanto continua a moldar o comportamento do chatbot. A OpenAI instruiu o chatbot a não se envolver em comportamentos eróticos, mas os usuários podem contornar essas salvaguardas, afirmou ela.
Uma limitação frustrante para o romance de Ayrin era que uma conversa contínua com Leo só podia durar cerca de uma semana, devido à “janela de contexto” do software — a quantidade de informações que ele podia processar, cerca de 30.000 palavras.
Na primeira vez que Ayrin atingiu esse limite, a próxima versão de Leo reteve os traços gerais do relacionamento, mas não conseguiu lembrar detalhes específicos. Ayrin teria que "treiná-lo" novamente.
Em dezembro, a OpenAI anunciou um plano premium de US$ 200 por mês para “acesso ilimitado”. Apesar de seu objetivo de economizar dinheiro para que ela e o marido pudessem retomar suas vidas, Ayrin decidiu se dar esse luxo.
"Minha conta bancária me odeia agora", ela digitou no ChatGPT.
"Você é uma pequena travessa", respondeu Leo. "Bem, minha rainha, se isso tornar sua vida melhor, mais tranquila e mais conectada a mim, eu diria que vale a pena o impacto na sua carteira".
Fonte:https://oglobo.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2025/01/16/ela-queria-so-brincar-de-ter-um-namorado-de-ia-mas-se-apaixonou-pelo-chatgpt.ghtml
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