Precisamos falar sobre saúde mental no ambiente de
trabalho
Jornadas de trabalho infinitas, vida
profissional que invade a pessoal, falta de ócio... Se identificou?
Por Flávia Bezerra
17/07/2018 06h11 Atualizado há 5 anos
Era junho de 2014 quando a oftalmologista Renata Côrrea, de 37 anos, chegava às 7h na clínica médica em que trabalhava em Uberlândia, MG. Seria apenas mais um dia normal de trabalho, se não fosse por um acontecimento: às 9h, ao ver a lista interminável de pessoas para serem atendidas, Rê teve um surto. Foi invadida por uma angústia tão, tão grande, que começou a chorar incontrolavelmente. Foi para casa e dias depois, já na terapia, era diagnosticada com Síndrome de Burnout, distúrbio psíquico (leia-se colapso físico e mental) provocado por condições de trabalho megadesgastantes.
O caso da Renata não é isolado ou coisa de médica workaholic que vira a noite. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil tem os níveis mais altos de pessoas com depressão e transtorno de ansiedade de toda a América Latina: hoje, 9.3% dos brasileiros lidam diariamente com a ansiedade, enquanto 12% sofrem com a depressão.
Para Ana Maria Rossi, presidente da ISMA-BR, associação internacional e sem fins lucrativos voltada à pesquisa e ao tratamento de estresse no mundo, ambos os transtornos são intensificados pela jornada de trabalho infinita, que se estende com viagens de negócios aos fins de semana e conversas de WhatsApp à noite em casa.
É real: o trabalho está bagunçando a nossa saúde mental como nunca antes. E o motivo é aquele do qual você se queixa nos corredores do escritório – atualmente, o esperado de um profissional é executar o trabalho que três pessoas faziam há 15 anos. “Já vi executivas poderosas, que passaram a viajar frequentemente, desenvolverem fobia de avião pelo esgotamento; e gestoras que, ao esbarrarem com algum problema no desenvolvimento do projeto, ficaram tão ansiosas que tiveram uma crise de pânico em casa”, conta Ana.
Tem chefe que ainda vai achar mimimi, mas outro fator que contribui para o aumento dos desequilíbrios mentais é a falta de reconhecimento no trabalho. “Este é o maior questionamento dos meus pacientes”, conta o psiquiatra e pesquisador do Hospital das Clínicas da USP-SP, Diego Tavares. “Muitos se sentem desvalorizados pelos superiores, se questionam e sofrem com a diferenciação que os gestores fazem de um funcionário para outro”.
Uma chance para você adivinhar quem são os mais afetados pelo estresse do trabalho. Sim, as mulheres! “Além de se esforçarem mais para garantirem destaque no escritório, elas, normalmente, são mais exigentes consigo mesmas e querem provar que são capazes de aguentar tudo”, explica o psiquiatra.
Falta de reconhecimento, cargas horárias cada vez maiores, broncas pelo WhatsApp a qualquer hora do dia... Quem tem coragem de compartilhar com o gestor que não está rendendo ou feliz profissionalmente por não estar “bem da cabeça”? Seria um suicídio profissional...? “É que ainda existe muito preconceito com relação ao tema e muita gente exclui o doente mental dos convívios social e profissional”, defende Ana Maria. O preconceito é um problema tão grave que tramita no Senado o projeto de lei nº 236/2012, que pretende transformar a psicofobia em crime.
Esse tal de Burnout
Assim como Renata, 32% dos brasileiros sofrem de Burnout, conforme dados da ISMA-BR. Nunca tinha ouvido falar? Saiba que o transtorno tem três características principais: 1) o cansaço devastador, que não passa nem com férias ou fim de semana; 2) a alienação, que deixa o doente completamente sem esperanças de melhorar; e 3) a ineficácia, quando a pessoa fica tão distante, que mesmo indo ao escritório, ela não consegue trabalhar e entregar resultados.
Mas, calma: não é porque você está se sentindo pressionada, ou trabalha em um ambiente com pessoas que sofrem de transtornos psicológicos, que você também vai desenvolvê-los. “A predisposição biológica conta muito! A presença de algum familiar com doença mental, desde uma tia com pânico ou uma avó com depressão, aumenta o seu risco de ter algum transtorno”, explica o psiquiatra Diego Tavares.
DESEQUILÍBRIO, ATENÇÃO!
Segundo outra pesquisa da ISMA-BR, 72% dos brasileiros economicamente ativos (ou seja, que têm um trabalho) estão insatisfeitos com suas vidas profissionais. As consequências desse quadro lastimoso se sente no corpo: insônia, dores de cabeça e musculares, batimentos acelerados, falta de ar ou de apetite. “Ao notar a intensidade ou frequência de um desses sintomas, é sinal de que o desiquilíbrio emocional aumentou. Pise no freio e reveja seu estilo de vida, antes que os sinais agravem”, alerta Ana.
Renata sofreu com os sintomas de ansiedade e depressão de 2011, ano em que terminou a residência e começou a trabalhar, até 2014, quando atingiu o ápice do estresse e foi diagnosticada com a Síndrome de Burnout. “Caí no senso comum de que era jovem e, por isso, tinha que me ‘matar’ de trabalhar. Quando menos vi, estava entrando às 7h da manhã, saindo às 21h, e não fazendo horário de almoço”, relembra. “Eu tinha dificuldades de dizer não, era perfeccionista, queria mostrar que dava conta e não decepcionaria as pessoas.”
Porém, sem perceber, seus sintomas foram ficando cada vez mais intensos. “Já acordava com vontade de chorar. A angústia era enorme, passei a não sorrir e tudo aquilo que fazia sentido na minha vida, começou a não fazer mais”, relembra.
Cuide da cabeça como você cuida do corpo
Anda se sentindo para baixo, desmotivada, indo trabalhar praticamente arrastada? É hora de procurar um par de ouvidos. “Além do cuidado com o estilo de vida, como manter uma alimentação saudável, uma rotina de exercícios físicos e relaxamentos diários, tipo meditação, massagem ou acupuntura, ter alguém para ouvir seus problemas é importantíssimo”, indica Ana.
E olhos atentos ao calendário – depois de uma crise de ansiedade, angústia, medo ou tristeza profunda, o sistema nervoso demora até duas semanas para estabilizar. Contudo, se os sintomas não passarem ou, pior, se intensificarem neste período, é hora de procurar um médico. “E não tem que ter vergonha de procurar um psiquiatra ou tomar uma medicação, como antidepressivo ou ansiolítico. É preciso ajudar sua mente e seu sistema nervoso a se recuperarem”, diz Diego.
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Renata passou um ano fazendo terapia. Porém, mais importante que as sessões, foi a mudança do seu estilo de vida. “Larguei meu emprego e, nossa, como sofri com a decisão... Cheguei até a pensar em nunca mais atender, acredita? Mas, meses depois, consegui abrir meu próprio consultório, me policiando, é claro, para trabalhar em um ritmo bem diferente”, conta. “Também fiz aulas de violão e voltei a escrever, um hobby da adolescência”.
O passatempo, aliás, deu tão certo, que a médica se encontrou em uma nova profissão e já publicou cinco livros, um deles sobre o Burnout. “Se eu puder dar um conselho para quem está passando por uma fase complicada é arranjar tempo para si mesma. Vale, também, se perguntar: ‘A maneira com que estou me tratando é realmente saudável? Preciso, mesmo, desta rotina para ser feliz?’. O trabalho é uma das coisas que mais dão significado à nossa vida, mas temos que tomar cuidado para que a forma como o exercemos não elimine nossa felicidade”, diz, com razão.
Fonte:https://glamour.globo.com/lifestyle/carreira-dinheiro/noticia/2018/07/precisamos-falar-sobre-saude-mental-no-ambiente-de-trabalho.ghtml
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