ESPECIALISTAS APONTAM RISCOS NO EXCESSO DO AUTOCUIDADO COM CRIANÇAS E PÚBERES



 Além de produtos de skin care, as adolescentes fazem vídeos com a maquiagem do dia

crédito: Freepik

Especialistas apontam riscos no excesso do autocuidado para crianças e púberes

Faixa etária de oito a 15 anos se arrisca utilizando produtos para a pele que encontram nas redes sociais


Larissa Figueiredo*

NFNara Ferreira*

 05/06/2024 18:40 - atualizado 05/06/2024 18:51

A indústria de produtos para cuidados com a pele cresceu 40,8% no Brasil entre 2016 a 2021, de acordo com dados da Euromonitor International. A expectativa é que o mercado da beleza tenha um crescimento médio anual de 5,7% até 2025. A mesma pesquisa aponta que o país assumiu o posto de quarto maior mercado nesse segmento, ficando atrás de Estados Unidos, China e Japão. 

 

As métricas representam um novo e rentável segmento no mercado: o Skincare, que nada mais é que manter a pele saudável, limpa e com a aparência em dia. Dentre os cuidados, estão o uso de sabonetes com ácidos, tônicos e ativos para reduzir manchas e linhas de expressão. O cuidado vai além caso haja uso de maquiagem. No entanto, o hábito se detinha àqueles interessados em manter uma pele jovial, agora, adolescentes entre oito e 15 anos fazem parte do público que fomenta este mercado. 

 

Liz Macedo, de 14 anos; Sofia Schaadt, de 13 anos; e Antonela Braga, de 14 anos, são algumas das influencers mirins que fazem sucesso mostrando sua rotina de preparativos para sair. Dos cuidados matinais a maquiagem - o chamado “Get Ready With Me (GRWM)” - arrume-se comigo, torna-se a maioria na grade de vídeos das adolescentes. 

Maythê Quintairos de Barros, de 12, é apenas uma dentre as mais de oito milhões de seguidoras que as produtoras de conteúdo reúnem, juntas, em suas redes sociais. “Essas três influencers estão em destaque nas redes. Elas compram muitas coisas na Sephora, como os produtos da Drunk Elephant. A maioria dos produtos são importados, pois não vendem aqui no Brasil. Então elas viajam e compram ou as marcas mandam para elas como recebido. Mas elas usam produtos brasileiros também, como a Creamy”, explica. 

 

Recentemente, Liz Macedo ganhou os produtos da marca Creamy. Na caixa, continha protetor solar, emulsão de limpeza, calming cream (hidratante), ácido mandélico e ácido salicílico. Além dos ‘mimos’, resultado de uma parceria com a marca, a adolescente também ganhou um cupom para distribuir entre os seus seguidores. Já em um de seus vídeos, Sofia Schaadt, faz o GRWM para ir à escola e usa água termal da La Roche Posay, tônico facial, hidratante da Cremy, o qual ela também tem cupom de desconto, primer, base, corretivo, blush, pó compacto, fixador, gloss etc.  

 

Elisete Crocco, coordenadora do departamento de Cosmiatria da Sociedade Brasileira de Dermatologia, destaca que  as crianças e adolescentes vêm sendo bombardeadas com informações nas redes sociais. Muitas vezes em perfis de venda sedutores desses produtos. “A grande questão que nos preocupa é o fato das meninas utilizarem esses produtos por orientação de garotas mais velhas ou blogueiras que divulgam nomes de produtos , que muitas vezes elas estão sendo pagas para isso.”

 

Sofia Botelho, de 13 anos, destoa deste cenário, a mineira de Montes Claros compartilha sua paixão por moda, maquiagem e estilo no seu perfil do Instagram - o qual tem mais de 12 mil seguidores e é administrado pela mãe, Michelle Botelho.  A adolescente diz ser apaixonada por maquiagem e Michelle explica que nunca houve incentivo para que ela se maquiasse, mas que com o tempo passou a respeitar o interesse da filha e passou a assumir a missão de instruir e conversar sobre a importância dos cuidados com a pele.

 

“Todos os produtos que ela utiliza, seja comprado ou recebido, passa por minha avaliação primeiro e dependendo, até peço orientação dermatológica. Prezamos muito pela procedência do produto, além de priorizarmos os produtos que são referência para a idade dela”, destaca Michelle. 

 

Seguidora de blogueiras, como Lelé Burnier, Ju Leme, Mari Maria, Yster Santos, Jordana Vucetic e Fran Ehlke, Sofia deixa claro que gosta de tudo que envolva moda. “ Amo, me produzir e me cuidar. Na pandemia, comecei a produzir material para as redes sociais, até tentei começar com outros conteúdos, mas não teve jeito, maquiar é minha grande paixão”, pontua. 



'Decidi incentivar para fazer o melhor, mas é essencial dedicar-se ao que ama e respeitar o tempo, sem atropelar as fases da vida', diz Michelle Botelho

Arquivo pessoal

 

“Maquiagem e moda sempre ganharam a minha admiração. Desde muito novinha, amava ver a minha mãe se arrumando”. - Sofia Botelho

 

A enfermeira Juliana é mãe de Luísa, de 10 anos, e acompanha de perto a paixão da filha pelo autocuidado. “Eu dou preferência para marcas infantis e peço sempre recomendação médica para escolher os produtos. Ela ainda não tem acne, [o uso]  é mais para prevenção e higiene mesmo.” 

 

Da mesma forma, monitora o acesso da filha nas redes sociais. “Em período letivo ela só usa o celular nos fins de semana. Nas férias eu deixo mais livre, mas monitoro.” 

 

Para além das blogueiras, o acesso a esses produtos é fácil e por vezes barato. O Estado de Minas encontrou anúncios de kits voltados para o público infantil contendo oito produtos no valor de 109,99 (foto abaixo). “Não tem condições, em hipótese alguma, que esse público faça uso de produtos para envelhecimento que contenham ácidos, como retinóico, salicílico, glicólico, pois é uma pele sensível”, ressalta Elisete.

 

No entanto, a responsabilidade não deve recair apenas nas crianças, sendo responsabilidade dos pais ou responsáveis participar e fiscalizar  o interesse e hábito nesses produtos. Adriana Pereira Quintairos, de 54 anos, é mãe de Maythê e conta a luta para controlar o consumo e fascínio da filha pelos produtos cada vez mais atrativos. “Eu acho que a mãe tem que ter um cuidado. Por exemplo, ela já pediu esfoliante, um produto que pode tirar uma barreira natural e gerar uma consequência, mesmo importado, em que o valor é menor, eu não acredito que isso seja focado para pele infantil”, destaca. 

 

O caso não é incomum, Elisete relata que as jovens já chegam aos consultórios com os nomes das marcas citadas pelas blogueiras. Por isso, diante do comportamento cada vez mais comum, a orientação de um especialista é essencial, bem como o entendimento dos pais para a situação. “Nossa recomendação é para produtos de perfis de hidratação e de marcas reconhecidas que há evidências de segurança. A prescrição deve partir de um dermatologista, pois algumas já apresentam sintomas das acnes de adolescência, então conseguimos orientar a skincare correta pensando nisso”. diz a dermatologista que enfatiza: “se a menina tem essa vontade, leve ao dermatologista, receba as orientações corretas para que não tenhamos danos, como eczema ou manchas”. 

 

“ O mais importante é que os pais não permitam que essas crianças façam uso indiscriminado pelo simples fato de ‘querer’ ou que façam uso dos produtos de adultos”. - Elisete Crocco, coordenadora do departamento de Cosmiatria da Sociedade Brasileira de Dermatologia

 

Desejo de pertencimento 

 

O psicólogo clínico João Víctor de Pádua afirma que os pais devem se mostrar abertos ao diálogo, ouvindo as preocupações de seus filhos sem julgamentos. “É importante ensiná-los a serem críticos com o que veem nas redes sociais, ajudando-os a entender que muitas vezes essas imagens são editadas e não refletem a realidade. As crianças também precisam ser ensinadas a desenvolver sua autoestima em características intrínsecas, como habilidades e conquistas, em vez de dependerem somente da aparência física para se sentirem valorizadas”, pontuou. 

 

 

“Os pré-adolescentes e jovens, impulsionados pela necessidade de se encaixar nos padrões de beleza das redes sociais, podem sentir uma pressão ainda maior para adotar rotinas de cuidados com a pele cada vez mais elaboradas e arriscadas.” - João Vitor de Pádua, psicólogo clínico 



'A maioria dos produtos são importados, pois não vendem aqui no Brasil. Então elas viajam e compram ou as marcas mandam para elas como recebido', conta Maythê Quintairos

Arquivo pessoal

O especialista chamou a febre do skincare entre crianças e adolescentes de “uma fase de maior vulnerabilidade em relação à sua autoimagem”, considerando os efeitos do isolamento social durante a pandemia para a faixa etária. “A socialização e a identificação com outros jovens desempenham um papel fundamental na formação da identidade dos pré-adolescentes. Durante a pandemia, com as restrições à socialização presencial, os pré-adolescentes tiveram que depender ainda mais das redes sociais para se conectar com seus pares, aumentando sua exposição aos efeitos colaterais já conhecidos do uso excessivo dessas plataforma”, explicou.  

 

O Estado de Minas entrou em contato com a marca Creamy afim de esclarecer o uso de produtos de skincare por adolescentes. Confira as respostas do head de Marketing da marca, Felipe Cercal: 

 

Qual é o perfil de público-alvo da Creamy e como vocês identificam as necessidades específicas desse público?


O público-alvo da Creamy é composto majoritariamente por pessoas que buscam uma rotina de skincare personalizada e eficaz, com foco em dermocosméticos tecnológicos e inovadores. Nosso principal público são mulheres de 18- 40 anos, mas com uma ênfase especial em adultos jovens que estão em busca de soluções para problemas específicos de pele, como acne, manchas, prevenção ao envelhecimento e oleosidade. Identificamos as necessidades desse público através de pesquisas de mercado, feedbacks diretos de clientes, análises de tendências de skincare e colaborações com dermatologistas e especialistas em cuidados com a pele. Além disso, monitoramos constantemente as redes sociais e plataformas de avaliação para entender melhor as expectativas e experiências dos nossos consumidores.

 

A Creamy desenvolve produtos especificamente para crianças e adolescentes? Se sim, a partir de qual idade esses produtos são recomendados?


Atualmente, a Creamy não desenvolve produtos especificamente voltados para crianças e adolescentes. No entanto, temos produtos que podem ser utilizados já a partir dos 6 meses de idade, como os hidratantes Calming Cream, Calming Body Cream e Intensive Repair - todos com testes de aceitabilidade pediátrica. Recomendamos que adolescentes a partir dos 14 anos que tenham interesse em começar a tratar a pele estejam sempre acompanhados por seus responsáveis e sob orientação de um dermatologista em suas decisões. Sempre focando na saúde da pele e não apenas em questões meramente estéticas.

Quais são os principais ingredientes e processos utilizados na formulação dos produtos destinados a crianças e adolescentes?


Categorias em nosso portfólio, como limpadores faciais, hidratantes e protetores solares, geralmente apresentam fórmulas mais adequadas para peles mais jovens. No entanto, é imprescindível o acompanhamento de um médico dermatologista e uma avaliação detalhada de cada tipo de pele e seus objetivos dermatológicos.

Quais medidas a Creamy toma para garantir que seus produtos não causem danos à pele sensível de crianças e adolescentes?


Para garantir que nossos produtos não causem danos à pele sensível, adotamos várias medidas:


1. Orientação Profissional: recomendamos que adolescentes só utilizem nossos produtos sob a orientação de um dermatologista e acompanhamento dos pais, especialmente ao iniciar o uso de ácidos e outros ativos potentes.


2. Fórmulas Minimalistas: nossas fórmulas são desenvolvidas para serem minimalistas, contendo apenas os ingredientes essenciais para maximizar a eficácia e minimizar o risco de irritação. Nenhuma fórmula de tratamento possui fragrância, por exemplo. Evitando possibilidades de irritação da pele.

3. Testes Dermatológicos: todos os nossos produtos passam por rigorosos testes dermatológicos para garantir sua segurança e eficácia.


4. Ingredientes Calmantes: incorporamos ingredientes como a alantoína, alfa-bisabolol, hypskin que ajudam a acalmar e hidratar a pele, proporcionando conforto e minimizando a vermelhidão.


Essas medidas refletem nosso compromisso em oferecer dermocosméticos de alta qualidade, seguros e eficazes para todos os nossos consumidores, incluindo os mais jovens.

 

* Estagiárias sob supervisão da editora Ellen Cristie 

Fonte: https://www.em.com.br/saude/2024/06/6871780-especialistas-apontam-riscos-no-excesso-do-autocuidado-para-criancas.html

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