A NOVA LÍNGUA DO TIK TOK: USUÁRIOS DA REDE SOCIAL CRIAM IDIOMA PRÓPRIO PARA BURLAR A MODERAÇÃO

 Jovens na Arena TikTok, montada no Rock in Rio deste ano

A nova língua do TikTok: usuários da rede social criam idioma próprio para burlar moderação

Troca-troca de letras e neologismos viram tendência na rede social

Por Melina Delkic, The New York Times

26/11/2022 00h30  Atualizado há um ano

Se você é um recém-chegado ao TikTok, pode até achar que a rede social do momento tem um idioma próprio — e meio que é isso mesmo. Nela, os criadores, no caso os que falam inglês, adquiriram o hábito de criar substitutos para palavras que, segundo eles, podem afetar a forma como seus vídeos são promovidos no site ou até violar regras de moderação.


Assim, para evitar o medo (talvez exagerado) de ser marcado por desinformação em relação à Covid-19, muitos usam “panoramic” no lugar de “pandemic” ao falarem, por exemplo, de um “hobby pandêmico”. Da mesma forma, o medo de que temas sexuais tragam problemas levou alguns criadores a usar “leg booty” para LGBTQ e “cornucopia” em vez de “homofobia”. O sexo tornou-se “seggs”.


As diretrizes do TikTok não listam palavras proibidas, mas os criadores percebem punições consistentes o bastante e compartilham listas de termos que parecem ter acionado o sistema. Então, eles se referem aos mamilos (nipples, em inglês) como “nip nops” e às profissionais do sexo como “accountants”. Agressão sexual é simplesmente “S.A.”. E quando Roe v. Wade foi anulado, muitos começaram a se referir ao aborto como “camping”. O TikTok diz que o tema do aborto não é proibido, mas que o aplicativo removeria desinformação médica e violações das diretrizes da comunidade.

De olho

Para os críticos, o uso desses neologismos evasivos é um sinal de que o TikToké muito agressivo em sua moderação. A plataforma se defende, alegando que uma mão firme é necessária numa comunidade on-line livre, em que muitos usuários tentam postar vídeos nocivos.

Quem infringe as regras pode ser impedido de postar e o vídeo em questão pode ser removido ou ficar oculto na página “Para você” — essa área de sugestão é a principal forma de os TikToks obterem ampla distribuição. Pesquisas e hashtags que violam as políticas também podem ser redirecionadas, informa o aplicativo.

O novo vocabulário às vezes é chamado de “algospeak” (de “algorithm” e “speak”) e não existe apenas no TikTok. É uma maneira de os criadores imaginarem que podem contornar as regras de moderação digitando incorretamente, substituindo letras ou encontrando outras maneiras de significar palavras. Elas podem ser inventadas, como “unalive” para “morto” ou “matar”. Ou podem envolver novas grafias — “le$bian” com um cifrão, por exemplo, que o recurso de conversão de texto em fala do TikTok pronuncia “le dollar bean”.

Em alguns casos, pode ser mais uma brincadeira do que preocupação com banimento de vídeos. Para uma porta-voz do TikTok, os usuários podem estar exagerando. Ela argumenta que a rede tem “muitos vídeos populares que apresentam sexo” e mandou links de uma esquete do “Comedy Central” e vídeos para pais sobre como falar sobre sexo com crianças.

A moderação funciona assim. O app tem um processo de duas fases, com uma rede que varre o conteúdo em busca de referências violentas, odiosas, sexualmente explícitas ou que espalham desinformação. Os vídeos são verificados, e os usuários podem marcá-los. Aqueles que violam as regras podem ser removidos automaticamente ou encaminhados para revisão por um moderador humano. Cerca de 113 milhões de vídeos foram retirados da plataforma entre abril e junho deste ano, 48 milhões dos quais de forma automática, segundo a empresa.

Embora grande parte do conteúdo removido tenha a ver com violência, atos ilegais ou nudez, as violações relacionadas a linguagem ficam numa área mais duvidosa.

Kahlil Greene, conhecido no TikTok como o historiador da Geração Z, disse que teve que alterar uma citação da “Carta da prisão de Birmingham” de Martin Luther King Jr. Ele mudou “Ku Klux Klanner” para “Ku K1ux K1ann3r” e “white moderate” (branco moderado) para “wh1t3 moderate”. Em parte por causa de frustrações com o TikTok, Greene começou a postar seus vídeos no Instagram.

— Não consigo nem citar Martin Luther King Jr. sem ter que tomar tantos cuidados — disse ele, acrescentando que era “muito comum” o TikTok sinalizar ou retirar um vídeo educativo sobre racismo ou história negra, desperdiçando o trabalho de pesquisa e construção do roteiro.

Alessandro Bogliari, CEO da Influencer Marketing Factory, diz que os sistemas de moderação são inteligentes, mas podem cometer erros, e é por isso que muitos dos influenciadores que sua empresa contrata para campanhas de marketing usam “algospeak”.

Deslizes

Alguns criadores consideram o TikTok desnecessariamente rígido com conteúdo sobre gênero, sexualidade e raça. Em abril, a conta do grupo Human Rights Campaign postou um vídeo afirmando que havia sido temporariamente banido após usar a palavra “gay” num comentário. A proibição foi logo revertida, e o comentário foi republicado. O TikTok chamou isso de erro de um moderador que não revisou cuidadosamente o comentário após uma denúncia.

Mas essas palavras vieram para ficar? A maioria delas provavelmente não, dizem os especialistas. Assim que as pessoas mais velhas começam a usar gírias popularizadas por jovens no TikTok, os termos “se tornam obsoletos”, diz Nicole Holliday, professora assistente de linguística no Pomona College:

— Uma vez que os pais entendem, você precisa passar para outra.


Fonte:https://oglobo.globo.com/cultura/noticia/2022/11/a-nova-lingua-do-tiktok-usuarios-da-rede-social-criam-idioma-proprio-para-burlar-moderacao.ghtml

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