BUDISMO E SEXO: UMA ANÁLISE SOBRE A DIVERSIDADE SEXUAL NO BUDISMO

 

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Sexualidade e Budismo

O budismo não valoriza o sexo como algo imoral ou prejudicial ao homem, mas como um elemento que serve de equilíbrio entre o corpo e a mente.

Todas aquelas práticas sexuais que foram consensuais e aceitas pelos homens nunca podem ser consideradas negativas, em nenhum dos seus aspectos, como a homossexualidade, a prostituição......

A concepção que o Budismo tem do sexo é bastante aberta, embora seja necessário diferenciar dentro dela a corrente existente entre os fiéis e os monges, cujas práticas são muito mais restritivas. Os monges acreditam que para alcançar o nirvana é necessário eliminar todo desejo. Por esta razão, também podemos constatar a existência de correntes budistas mais restritivas sobre o tema da sexualidade.

O Budismo diferencia claramente entre monges e adoradores. Estes fiéis só devem seguir cinco grandes preceitos. No entanto, no mundo dos monges existe uma clara diferenciação de género.

  • Os monges estão sujeitos a cerca de duzentas e cinquenta regras de disciplina.
  • As freiras possuem mais normas, chegando a 348 normas ou regras disciplinares.

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Todas estas normas e regras são encontradas no Vinaya. Tanto os monges quanto as freiras budistas estão sujeitos ao código Vinaya, que é uma das três seções principais do Cânon Pil.

 O descumprimento delas é punido em função do delito cometido, que vai desde a confissão pública até o mais grave, o que significa a expulsão do convento.

O budismo quanto à ética e moral sexual mantém duas concepções, uma muito mais aberta voltada para seus fiéis seguidores e outra muito mais restritiva para seus monges e freiras .

O monaquismo budista significa levar uma vida rigorosa e disciplinada, muito parecida com a levada pelas ordens contemplativas cristãs. Buda exige que seus monges evitem violações da castidade.

Existem duas exceções no clero budista, a primeira está no Budismo Tântrico, que inclui a sublimação do desejo sexual como parte ativa do caminho para a iluminação. A segunda exceção ocorre no budismo japonês, onde os monges são integrados à sociedade, permitindo-lhes casar, mas tendo que cumprir certas regras. As funções desses monges são o cuidado do templo e a atenção à comunidade.

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Para os fiéis budistas , Buda propôs três caminhos:

  • Abstenha-se de tirar a vida dos seres e viva com compaixão por eles.
  • Abandonar o roubo, a apropriação daquilo que não nos foi dado.
  • Não se envolver sexualmente com alguém prejudica o sentimento de proteção de um terceiro em relação a essa pessoa.

Os cinco preceitos que constituem o guia ético pelo qual os fiéis budistas devem ser guiados são:

1º O preceito de respeitar a vida.

2º O preceito de não aceitar o que não me é dado.

3º O preceito de ter uma conduta sexual correta e que não seja prejudicial aos outros ou a mim mesmo

4º O preceito de não falar de forma prejudicial, mentir, grosseria na linguagem, ostentação, fofoca ou conversa vã.

5º O preceito de não tomar intoxicantes que possam alterar a mente e colocar em risco a violação dos demais preceitos.

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RELIGIÃO E SEXUALIDADE

O budismo não vê o sexo como algo sujo ou prejudicial. No entanto, o apego ao sexo e o vício sexual são muito prejudiciais para as pessoas e, consequentemente, o Budismo pede aos seus seguidores que os evitem tanto quanto possível.

No mundo chinês, o sexo é parte fundamental do futuro do ser humano, proporcionando melhor saúde física e mental. Podemos afirmar que “a arte sexual é considerada um ato natural e, portanto, não está associada a nenhum conceito de culpa moral”. ”. Consequentemente, o ato sexual é um dever sagrado tanto para homens como para mulheres, sendo a abstinência considerada uma atitude não positiva.

Como podemos perceber, o sexo é valorizado como uma função necessária no ser humano para manter o equilíbrio entre corpo e mente. Exceto no caso dos monges, o sexo no Budismo desenvolve o caminho de evitar os extremos da adição ou da repressão.

Monges que seguem Theravada e Mahayana têm atividade sexual completamente proibida pelo código Vinaya. No Budismo Vajrayam do Himalaia, os lamas que não foram ordenados monges podem se casar e ter filhos.

A HOMOSSEXUALIDADE

Sempre foi aceito, até mesmo pelo próprio Gautama Buda. Ao contrário de outras religiões, o Budismo não condena a homossexualidade, dando liberdade aos seus seguidores e exigindo o máximo respeito.

Foi permitida a existência de monges homossexuais, com exceção dos que chamam de PANDAKAS. São aqueles considerados eunucos ou hermafroditas, ou seja, aqueles que não possuem testículos. Este termo também se refere a quem apresenta certo tipo de desvio mental. Ou seja, foi proibido o acesso a travestis e transexuais.

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Atualmente na Tailândia, alguns abades têm permitido a sua ordenação como monges, valorizando mais o seu estado mental do que a aparência externa da pessoa.

Se observarmos o que aconteceu no Japão com a homossexualidade no passado, vemos a homossexualidade como algo natural e vemos como aparece em textos históricos que algumas gueixas eram meninos que cantavam, dançavam... e foram aceitos como amantes dos senhores feudais. Podemos contemplar isso também no mundo samurai, onde os jovens se dedicavam aos seus professores, e nos lembrando do que aconteceu no mundo grego com a pedofilia.

Antes do século XVII, nenhuma escola budista considerava a homossexualidade uma má conduta sexual. No entanto, com a chegada ao Oriente do pensamento ocidental e do cristianismo, tudo isto juntamente com as grandes transformações sociais que estavam a ocorrer, fizeram com que no mundo budista não existisse um pensamento único, podendo encontrar-se opiniões favoráveis ​​e contrárias.

O MATRIMÓNIO

Ao contrário de outras religiões, não existe cerimônia de casamento no Budismo. Porém, vemos que com a chegada do pensamento ocidental, quando acontecem as celebrações de casamento, um monge é convidado a abençoar de alguma forma a união. É curioso que no Japão os casamentos sejam celebrados seguindo ritos xintoístas.

Porém, um grande debate ocorre quando o casamento é entre duas pessoas do mesmo sexo. Buda sabia que existia homossexualidade na sociedade, mas nunca se opôs a tais uniões, como provado no Cânon Pali. Isto não impede que existam atualmente setores budistas que questionam este tipo de união.

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PROSTITUIÇÃO

O budismo nunca rejeitou as prostitutas. Ele os considera pessoas dignas e respeitáveis, assim como o resto dos seres humanos.

Se seguirmos Shravasti Dhammika diz que quem pratica a prostituição para ter dinheiro e sair da pobreza e da miséria a considera válida. Ele valoriza ser diferente daqueles que o praticam por ganância, considerando que é uma forma mais fácil de ganhar dinheiro do que em outras profissões, embora estas sejam mais difíceis e exijam menos benefícios monetários. Portanto, este segundo aspecto da prostituição acumula um Carma negativo.

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Shravasti Dhammika expressa completamente que as prostitutas nunca devem ser desprezadas pela sociedade, nem humilhadas ou maltratadas dentro do Budismo.

Esta consideração só se aplica quando a prostituição é realizada voluntariamente. Não é a mesma coisa quando uma pessoa é forçada à prostituição ou é vítima de exploração sexual.

Sempre houve um debate profundo dentro das diferentes correntes budistas em relação à prostituição, uma vez que um setor considera que esta traz muitos males e vícios ao ser humano e consequentemente deve ser rejeitada. Outro setor do Budismo considera que a prostituição não é má, desde que não prejudique ninguém. No entanto, estas duas correntes coincidem no sentido de que as pessoas que praticam a prostituição são tão dignas como o resto dos seres humanos e devem ser bem-vindas entre os fiéis budistas.

BUDISMO E OUTROS COMPORTAMENTOS SEXUAIS

O budismo rejeita qualquer comportamento sexual que prejudique a si mesmo ou a outras pessoas. Desta forma, a violação, a pedofilia, o abuso sexual, o adultério e, muito explicitamente, a zoofilia são consideradas relações sexuais não naturais.

O budismo considera uma aberração sexual quando alguém não consegue responder devido aos seus limites mentais e intelectuais.

O Budismo deixa claro que o adultério é uma forma antinatural de sexo, com mulheres que estão sob os cuidados dos pais, marido ou irmãos, nem com mulheres presas, casadas ou noivas. O budismo considera o adultério muito prejudicial, pois causa dor na pessoa enganada e envolve mentira.

O sexo com mulheres presas é considerado de forma muito negativa, pois as mulheres não têm liberdade de decisão e consequentemente significa formas de extorsão, violência e abuso sexual.

Quando o budismo fala em não fazer sexo com familiares, significa que é totalmente contra qualquer tipo de incesto e também é especialmente negativo quando ocorre com menores, pois não são capazes de exercer a liberdade.

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Devemos deixar claro que o Budismo é muito claro sobre a igualdade entre homens e mulheres.

Em diversos atos sexuais como o sadomasoquismo e o BDSM, não proíbe essas práticas, desde que haja aquiescência a essas formas sexuais das pessoas que as praticam.

TANTRISMO

É um conjunto de ensinamentos que inclui a mudança do impulso sexual para alcançar o nirvana. No passado, o Tantrismo era praticado tanto entre casais quanto individualmente, porém, atualmente é utilizado principalmente para meditação e visualização.

O Tantrismo Budista nada tem a ver com a ideia de cercar a vida de prazer sexual, nem nada a ver com a sociedade de consumo. O Tantrismo é muito pouco conhecido e há até setores do Budismo que o rejeitam. Porém, dentro do trantismo existiram grandes mestres. O professor budista Vajrayana ensina práticas onde o contato físico não é necessário.

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ABORTO E CONTRACEPTIVOS

O Budismo não mantém uma posição clara sobre o aborto. As posições mais tradicionais dizem-nos que o aborto deve ser evitado. Este debate baseia-se em interpretações sobre a mente e a reencarnação, o que nos leva a compreender os diferentes tipos de visão. Quando este debate ocorre, os monges geralmente falam a favor ou contra, mas o que é certo é que o código Vinaya proíbe os monges de sugerirem o aborto às mulheres.

Algumas comunidades, como as do Japão, realizam cerimónias rituais de reparação para as mulheres que sofreram aborto e o exigem. Busca-se sempre a origem da referida decisão e dependendo das causas que dão origem ao aborto, considera-se a gravidade do aborto, por exemplo, se for por forte desejo carnal, o aborto é altamente condenado.

Apesar disso, não existe uma regra geral no Budismo que proíba ou aceite o aborto, mas sim, tende a ser observada e estudada caso a caso. O aborto é aceito desde que ocorra antes de seis semanas após a concepção.

O budismo nunca rejeitou o uso de contraceptivos.

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Para o Budismo, o sexo não deve ser reprimido porque é pecaminoso ou morbidamente exagerado. Isto deve estar sob o controle da vontade, como acontece quando visto de maneira saudável e colocado na perspectiva adequada. Como podemos ver, está muito longe das concepções das três religiões monoteístas.

Buddhismo e Sexo


O Buddha ensinou que existem dois objetivos na vida religiosa, que podem ser definidos como um objetivo principal e outro secundário. O objetivo primário e maior do Buddhismo é atingir a paz e a liberdade do Nirvāna.  Embora isso possa ser feito na vida presente, o Buddha estava bem consciente do fato de que muitas pessoas – provavelmente a grande maioria – levarão tempo para se libertarem dos desejos e buscas humanos. A prática espiritual buddhista é “um fazer gradual, um treinamento gradual, uma prática gradual” [1]. Enquanto pedia aos seus discípulos para ficarem de olho no objetivo principal, o Buddha também ensinou uma gama de objetivos secundários para a maioria; ser bom, gentil e honesto, um esposo ou um pai carinhoso, um doador generoso, um anfitrião hospitaleiro, um cidadão responsável e por aí adiante.

Para aqueles que estabelecem seu curso para o Nirvāna na vida presente, o Buddha incentivou a contenção sexual ou mesmo o celibato. Para os outros, ele ensinou responsabilidade sexual, conforme descrita no terceiro dos cinco preceitos. Para aqueles com a intenção de seguir a primeira opção, ele destacou o que chamou de “os perigos” nas indulgências sensuais e para a segunda, ele reconheceu “a satisfação” neles [2]. Tendo sido casado durante perto de duas décadas, o Buddha estava bem consciente do lado positivo do sexo e do casamento. Contudo, como psicólogo perceptivo, também viu que a indulgência sensual pode tornar-se facilmente numa preocupação que leva ao apego, ao egoísmo, ao aborrecimento e à desconsideração pela vida dos outros. Tendo dito isso, também é verdade que alguns dos discípulos do Buddha atingiram alguns estados mais elevados enquanto levaram vidas felizes de casados, sendo Isidatta um bom exemplo disso [3].

O Buddha requeria que seus monges e monjas fossem celibatários (brahmacariya). Ao dirigir-se a eles, muitas vezes ele se referiu ao sexo como “uma prática dos comuns” (gāma dhamma) [4], algo adequado a brutos e de pouca sofisticação. Tão seriamente ele considerava a violação da regra do celibato que a relação sexual (methuna) é uma das únicas quatro infrações pelas quais se é expulso da ordem monástica [5]. Um monge ou monja serão sumariamente expulsos da ordem monástica caso se envolvam em relações sexuais. De modo a não haver qualquer ambiguidade sobre o que constitui exatamente a relação sexual, isso tem que ser definido com exatidão – e é. De acordo com o Vinaya, a relação sexual é considerada como tendo ocorrido se o pênis entra em qualquer orifício de qualquer ser, de qualquer sexo, vivo ou morto [6]. Outros tipos de comportamento sexual, enquanto infrações graves com punições específicas, não implicam em expulsão da Sangha.

No entanto, nem todos os discípulos de Buddha eram monges ou monjas. Na verdade, a maioria não era e nunca foi. Então, o que o Buddha disse sobre sexo que é relevante aos leigos? O treinamento ético básico aos leigos está nos Cinco Preceitos, cujo terceiro item é “abster-se de má conduta sexual” (kāmesu micchācārā). O que torna o comportamento (cārā) sexual (kāma) errado (micchā)?

Certa vez, ao dirigir-se a uma audiência de brāhmanas, o Buddha disse que ter relações sexuais com cinco tipos de pessoas, presumivelmente com ou sem o seu consentimento, seria antiético. Estes cinco tipos são:

(1) as mulheres sob a guarda de seus pais (māturakkhitāpiturakkhitā); isso significaria filhos menores de idade;

(2). Aquelas protegidas pelo Dhamma (dhammarakkhitā), que provavelmente se refere àquelas que fizeram voto de celibato, como monjas. Ter relações sexuais com tais pessoas é incitá-las a quebrar uma promessa solene que fizeram;

(3) Uma mulher já casada (sassāmikā), isto é, a cometer adultério;

(4) Aqueles que cumprem uma punição (saparidaṇḍā). Uma pessoa encarcerada pode ser fisicamente forçada ou coagida a fazer algo que não queira fazer e, portanto, não pode fazer uma escolha verdadeiramente livre;

(5) Os enfeitados com grinaldas (mālāguṇaparikkhittā), isto é, alguém já comprometido para casar [7].

 Em todos esses casos, o Buddha se refere a parceiras sexuais femininas. Se ele estivesse falando para mulheres, é claro que ele falaria de parceiros masculinos. Sexo com alguém do mesmo gênero não foi mencionado nessa lista.

Outro tipo de sexualidade discutido em outra parte pelo Buddha é a masturbação. Buddha fez disso uma ofensa, exigindo a confissão de monges e monjas que se masturbassem. Isto não era porque ele considerasse a masturbação “suja” ou “impura”, como algumas religiões afirmam, ou porque o desejo sexual só é legitimado quando ele leva à procriação, como outras sustentam, mas porque ela reforça o desejo sensual, uma coisa que os monásticos são encorajados a diminuir e eventualmente a transcender. Buddha não diz nada sobre a masturbação para as pessoas leigas, provavelmente porque, como os psicólogos modernos, ele a aceitasse como  uma natural e inofensiva expressão da libido.

Um tipo de comportamento sexual condenado pelo Buddha nos termos mais fortes é o incesto, agammagamana, literalmente, “ir para o que não se deve ir”, ou adhamma raga, “desejo errado”. Durante a vida de Buddha houve um incidente em que uma monja apaixonou-se por seu filho, um monge, e os dois fizeram sexo [9]. Quando informado sobre isso, o Buddha disse: “Este tolo não sabe que uma mãe não deve desejar seu filho, nem um filho desejar sua mãe?” [10]. Talvez referindo-se a esse incidente, o Buddha disse em outra ocasião: “Vergonha e medo da culpa são os dois estados que protegem o mundo. Se não fosse isso, não seria claro quem é a mãe ou a irmã da mãe, a esposa do tio, e o mundo cairia em confusão. Essa promiscuidade vista entre cabras e ovelhas, galinhas e porcos, cães e chacais, prevaleceria” [11].

No caso de incesto, o Buddha parece ter desaprovado por causa de suas consequências sociais negativas. Ele considerou como antiéticos outros tipos de comportamento sexual quando envolvem tanto a desonestidade, a quebra de acordos ou a coerção de uma forma ou de outra. Em nenhum lugar do Sutta Pitaka, a enorme coleção de discursos do Buddha, foi mencionada a homossexualidade, embora, como veremos, ele estava ciente de sua existência.

Além dessas práticas sexuais o Buddha também criticou o costume, aparentemente ainda prevalente nas partes mais selvagens da Índia, de raptar garotas e mulheres no intuito de mantê-las como concubinas ou esposas. Ele elogiou os licchavis por terem abandonado esse costume [12].

Embora o Buddha nunca recomende casais casados a serem celibatários, alguns de seus mais sérios discípulos leigos escolheram ser [13]. Para aqueles que não o fizeram, ele os encorajou a aderir ao terceiro preceito e abster-se de toda a atividade sexual, pelo menos nos dias de lua cheia e nos dias de meia-lua de cada mês. Essas regras e práticas decorrem da compreensão do Buddha de que o desejo, incluindo o desejo sexual, é problemático e quanto menos atenção é dada a ele, melhor.

O Cristianismo Antigo adotou uma posição semelhante e por uma razão semelhante. “Eu desejo que você esteja livre de preocupações. Aquele que não é casado está preocupado com as coisas do Senhor, em como ele poderia agradar ao Senhor; mas aquele que é casado está preocupado com as coisas do mundo, em como ele poderia agradar sua esposa” [14].

Notas:

  1. Udana 54
  2. assādañ ca ādīnava, ex. M.I,85
  3. Anguttara Nikaya III,348
  4. Anguttara Nikaya I,211
  5. Sendo os outros os seguintes: assassinar, roubar e afirmar falsamente ter conquistas espirituais.
  6. Vinaya III, 28
  7. Anguttara Nikaya V, 264
  8. Vinaya III,111
  9. Vinaya III,35
  10. Anguttara Nikaya III,67-8
  11. Anguttara Nikaya I,51
  12. Digha Nikaya II, 74
  13. Majjhima Nikaya I 490
  14. 1 Corinthians 7,1-35

Traduzido pelo Grupo de Tradução do Centro Nalanda
em acordo com o autor
Para Distribuição Gratuita
© 2015 Edições Nalanda

Nota: Este artigo é parte de uma série que está sendo traduzida e cujas partes serão publicadas aqui no site.

Fonte:https://nalanda.org.br/sdhammika/buddhismo-e-sexo

Sexo, pecado e budismo

Neste texto, o Bhikkhu Cintita Dinsmore discorre sobre o papel do celibato monástico e da manutenção da instituição monástica, discorrendo sobre como o sexo e o desejo sensual são encarados no budismo.

11/06/2018

De Bhikkhu Cintita Dinsmore

Um complemento a Sex, Sin and Zen, de Brad Warner

Brad Warner escreve perto do começo do seu livro recente, Sex, Sin and Zen (Sexo, Pecado e Zen): “Pessoalmente, conheço apenas o zen, então é somente dele que falarei aqui”, o que parece correto, mas acrescenta: “Nós, zen budistas, tendemos a ser tão arrogantes que chamamos aquilo no que acreditamos de ‘budismo’ sem especificar a escola. Também farei um pouco disso. Lidem com isso”. O que se segue é minha tentativa de lidar com isso.

Fiquei preocupado com algumas afirmações feitas pelo Sensei Warner sobre o budismo geral ou “primitivo” que são enganosas ou simplesmente erradas, e outras afirmações que são verdadeiras para o Soto Zen japonês em específico, mas que o leitor pode facilmente se enganar se aplicar a todas tradições em todo país budista. Não acho que ele leve em conta o quão peculiarmente único o budismo japonês se tornou em meio ao budismo asiático, mesmo em comparação a, digamos, o zen chinês ou vietnamita. Eu mesmo fui um sacerdote zen e me confundi a esse respeito por muitos anos, então sei que o Sensei Warner não é o único a ter essa dificuldade. A distinção importante que deve ser feita aqui é entre o budismo japonês contemporâneo e o resto do budismo, contemporâneo e pré-contemporâneo. Ao escrever ‘budismo’ sem maior qualificação, quero dizer “quase todo o budismo fora do Japão contemporâneo”.

Meu propósito aqui é deixar claro o que é verdadeiro a respeito do budismo. Isso vem com um extra: num sentido real a sexualidade é um tópico muito mais interessante no budismo do que no budismo japonês contemporâneo, por causa de um aparente paradoxo: por um lado o budismo – e isso também se aplica ao budismo japonês contemporâneo – tem uma atitude muito liberal a respeito da sexualidade. Como Sensei Warner observa, não há pecado no budismo! Muitos ocidentais consideram isso muito estimulante e esse é um tema importante no livro do Sensei Warner. Por outro lado, o budismo – mas isso não se aplica ao budismo japonês contemporâneo – tem uma forte tradição de celibato monástico, que persiste desde o tempo do Buda até os dias de hoje. Então a questão que realmente interessa é: por que o budismo é tão liberal a respeito da sexualidade para os leigos e apesar disso a nega totalmente aos monges e monjas? Quase todos os budistas ocidentais ficam desconcertados com isso. Enquanto na Ásia isso é aceito como parte da natureza do budismo. A resposta nos diz muito não somente a respeito do budismo, mas também a respeito do entendimento budista da sexualidade humana. Infelizmente, essa questão fascinante se encontra bastante fora do escopo do livro do Sensei Warner ou de sua experiência.

Não há pecado no budismo. Sensei Warner faz essa afirmação acertadamente. Pecado é geralmente considerado nas religiões abraâmicas (judaísmo, cristianismo e islã) como um tipo de insulto a Deus, uma violação daquilo que Deus exige de nós. Como tal, um pecado encerra em si gravidade bem maior do que simplesmente fazer algo que prejudica outra pessoa ou algo de que possamos nos arrepender por ter feito. De fato, pecados podem ou não corresponder a ações que causem malefício em si, de modo geral. Atos homossexuais, masturbação, fazer para si um ídolo ou não manter o Sabá são ações que, em geral, não prejudicam outros, mas são por vezes consideradas pecados de todo modo. Mesmo alguns pensamentos são pecado, como cobiçar a casa, a vaca ou a esposa de seu vizinho. O budismo não tem nenhum conceito remotamente semelhante ao do Pecado; não poderia, dado que não faz referência a um Deus cujas exigências poderíamos violar. Ainda sim, o budismo tem uma base de princípios éticos claros e fortes e estes precisam ser esclarecidos para entender a relação entre o budismo e o Sexo.

A ética budista, grosso modo, é baseada em dois conceitos chave e seus opostos: não-malefício habilidade. Algumas ações trazem malefício no sentido de causar sofrimento ou desarmonia, algumas outras não trazem malefício, são benéficas, no sentido de que trazem coisas boas como alegria e paz. A habilidade se fixa nos nível intencional, no nível de nossos pensamentos. Por exemplo, a ira é considerada inábil, enquanto a equanimidade é considerada hábil. Enquanto o não-malefício se trata do externo, a habilidade se trata do interno. Sim, a ética budista também se estende ao que pensamos; aliás, a ética budista se trata principalmente a respeito disso. Isso pode parecer invasivo e evocar imagens de uma polícia do pensamento em marcha, mas continue aqui e verá porque isso é importante.

Um terceiro conceito complementar também deve ser mencionado: preceitos são parâmetros para nos ajudar a reconhecer o que é prejudicial ou inábil, sobretudo quando não se consegue tirar uma conclusão e auferir o possível malefício ou habilidade de uma dada ação. Eis uma lista curta dos Preceitos mais frequentemente seguidos, reconhecíveis em todos os países budistas:

  1. Abstenção de matar seres vivos. (Isso inclui insetos, etc. além de humanos.)
  2. Abstenção de tomar o que não foi dado.
  3. Abstenção da má conduta sexual
  4. Abstenção de linguagem falsa.
  5. Abstenção do consumo de álcool e drogas que causam negligência.

No Dhammapada, o Buddha diz:

Evitar todo mal,

Fazer o bem,

Purificar a mente,

Esse é o ensinamento de todos os budas.

 

Evitar todo mal se refere a seguir os preceitos; fazer o bem, a beneficiar outros e purificar a mente, ao aprendizado do pensamento hábil. Esse pequeno verso nos lembra dessas três características da ética budista.

 

Young Novice Monks First Walk for Alms in  Rural Nakhon Nayok, Thailand. © Lee Craker
Monges noviços pedem esmolas em Nakhon Nayok, Tailândia.

Uma consequência imediata desse modo tão aterrado de pensar sobre a ética é que o budismo não tem proibições arbitrárias ao que chamaremos de “crimes sem vítima”, tais como fazer curtimento com couro de porco, homossexualidade ou atos sexuais “antinaturais”, porque não causam prejuízo em si e não são necessariamente inábeis. Má conduta sexual na terceira regra aqui apresentada se refere, por exemplo, a coisas como atos de adultério e sexo com uma criança, atitudes que violam as relações humanas estabelecidas, ou seja, circunstâncias nas quais a sexualidade quase sempre leva a resultados prejudiciais. Não se refere a aspectos do sexo em si, como normas sociais sobre a forma correta de se praticar o sexo, desde que esses aspectos não vitimem ninguém. No budismo o ato sexual em si nunca é considerado como um malefício ou algo inábil; o problema está, mais propriamente, no fato de haverem modos que causam malefício ao se fazer sexo, e também nas muitas camadas de pensamento inábil nas quais o sexo está envolvido, como você, leitor, deve provavelmente já estar ciente, se já teve alguma experiência. O budismo nos ajuda a entender de onde surgem os reais problemas para que possamos evita-los no futuro. É nisso que reside a ética budista.

A Ética Budista tem por Base a Escolha Pessoal. Muitas pessoas, nas fés abraâmicas, assumem que sem Deus não pode haver moralidade. Se não tem um Deus olhando, argumentam, que incentivo teríamos para seguir a ética para começo de conversa? Em contraste, foi observado que países budistas da Ásia, onde Deus é em grande parte desconhecido, tendem a ter as menores taxas de criminalidade do mundo! Eu certamente pude observar que o Mianmar, que é um país majoritariamente budista, apesar de empobrecido por anos de governo militar é ainda sim um país com bem pouco crime, bem diferente dos meus Estados Unidos.

A verdade é que as pessoas em toda parte tem um desejo inato de fazer o bem! Ao ensinar budismo e meditação em prisões, descobri a vontade de fazer o bem nos mais ignóbeis rufiões; o problema com eles é que seu pensamento se desviou, quase sempre de modo previsível, dadas as circunstâncias nas quais cresceram. O budismo expõe a sabedoria, não precisa fornecer a motivação. O comportamento ético no budismo vem da escolha pessoal, ou seja, do voto pessoal. Sendo um budista, você faz o voto de seguir os preceitos, ou não; você faz o voto de beneficiar a outros ser um alicerce de sua vida, ou não; você faz o voto de desenvolver habilidade em pensamento e ação, ou não. Acontece que o grau do voto depende bastante de sua sabedoria, apoiada pelos ensinamentos budistas ou outras fontes, mas também depende das obrigações conflitantes de sua vida e de alguns valores pessoais muito humanos. Até onde vai seu entendimento, as pessoas invariavelmente querem fazer a coisa certa, que é o que é benéfico e não o mal.

Outra coisa é que a ideia de que há pessoas boas vs. pessoas más é estranha ao budismo. Se há uma luta entre o bem e o mal, está apenas dentro de nossos próprios corações, onde o hábil e o inábil competem. Somos diferentes segundo o malefício e benefício que fazemos, segundo a inabilidade ou habilidade de nossos pensamentos e segundo o esforço que colocamos no aperfeiçoamento de nosso caráter, incluindo a força de nossos votos, mas todo mundo, no fim, está na mesma estrada; estamos fazendo o melhor que podemos, e como em todas as coisas nessa vida, alguns de nós estão à frente dos outros por conta de talento ou oportunidade. Aquele cara logo atrás de mim no caminho provavelmente causa mais mal no mundo do que eu, mas para mim não é a coisa hábil dar meia volta e brigar com esse delinquente, mas sim auxiliar esse companheiro de viagem ao longo do caminho. O cara na minha frente no caminho provavelmente traz mais benefício que eu, mas para mim o hábil a se fazer não é puxar o tapete desse bom moço, que está sem dúvida tentando ganhar o Prêmio Nobel da Paz, mas me regozijar no sucesso de alguém que pode ser uma inspiração para mim.

Devido ao fato de que as pessoas diferem nos votos que desejam assumir, há opções. Por exemplo, algumas pessoas seguem os cinco preceitos a maior parte do tempo, e um conjunto maior de oito ou nove ou dez preceitos em outros momentos, às vezes um dia por semana. Eu sou um monge Theravada, e os monges Theravada assumem um conjunto de 227 preceitos, o tempo todo, pra sempre! De modo semelhante pode ser que alguns, para desenvolver a habilidade em suas vidas, meditem religiosamente e estudem ensinamentos budistas, enquanto outros simplesmente vão tentar ser mais ponderados e atentos em suas atividades diárias. É por isso que existem monges e monjas no budismo; eles escolheram se imergir completamente na profundidade total da prática. Essa é uma escolha incomum no budismo ocidental, mas muito comum de fato em alguns países como o Mianmar.

Resumindo, o budismo não é uma religião uniforme, na qual se espera que todos tenham o mesmo comportamento, entendimento ou prática. Ela fornece escolhas, mas acima de tudo os meios para investigar completamente essas escolhas, para que sejam tomadas com a devida ponderação na base da sabedoria budista.

Pensamentos e Ações Hábeis e Inábeis. Eu ainda não escrevi muito sobre a definição de habilidade. O budismo, no fundo, fala a respeito da perfeição de caráter. O humano perfeito é, resumidamente, virtuoso por excelência, alegremente imperturbável, e de uma sabedoria penetrante e sem nenhuma noção de ser uma pessoa separada, mas ainda sim é confiante em todas as atividades. Ainda, não são muitos os que se sentem assim, mas o budismo consegue ao menos levar as pessoas nessa direção, aliás, de modo mais resoluto e mais intenso quanto mais cresce sua convicção na sabedoria do budismo. Todas essas características do caráter humano aperfeiçoado surgem com a maestria na habilidade em viver, nos pensamentos e, com isso, nas ações. É por essa razão que o budismo gosta de falar tanto sobre o que é hábil e o que é inábil, e sobre Karma, que no budismo significa “Ação Intencional” (realmente o oposto de destino).

É fácil reconhecer a necessidade da Habilidade em nossas vidas. Se temos o hábito de beber até cair e acordar com uma ressaca dia após dias, provavelmente não estamos sendo muito hábeis. Se comemos junk food com frequência e pesamos 140 quilos, provavelmente não estamos sendo muito hábeis. Se acabamos noivando quatro pessoas diferentes para casar, provavelmente não estamos sendo muito hábeis, a menos que sejamos mórmons. Se estamos sempre de mau humor, se afastamos as pessoas por ficar com o rosto muito vermelho e já tivemos dois ataques cardíacos, provavelmente não estamos sendo muito hábeis. Se apoiamos uma guerra distante por uma razão ideológica abstrata, uma guerra que não tem nenhum benefício claro e que causa a perda de centenas de milhares de vidas inocentes, não estamos sendo muito hábeis. O budismo pega essa ideia de Habilidade e refina ao ponto de ser capaz de aconselhar como princípio quase todos nossos pensamentos e atividades, mesmo os menores, se assim permitirmos.

Pensamentos Inábeis, em resumo, são reconhecíveis do seguinte modo:

  1. Causam estresse. (Eis o famoso dukkha, ou sofrimento).
  2. Distorcem a realidade.
  3. Tem por base a cobiça, a aversão ou a ilusão.
  4. Quando ocasionam ações, essas ações normalmente causam algum nível de malefício.
  5. Subvertem o desenvolvimento de um caráter perfeito.

Um pensamento hábil não tem nenhuma dessas propriedades. Como dá pra ver, habilidade (e com isso, ética) é entendida de modo bastante refinado e psicológico. Não tem relação com a imposição de julgamentos arbitrários nem mesmo normas sociais aos seus comportamentos ou ao de outros. Também não tem relação com culpar você por seus pensamentos e ações inábeis; na verdade, a culpa em si é reconhecida no budismo como um tipo de pensamento inábil, uma forma de aversão. Livre-se dela. Habilidade tem mais a ver com uma base para a compreensão de sua própria mente e como ela encontra percalços, e com essa compreensão fazer escolhas mais racionais para o bem de todos.

Na verdade, o significado da prática budista vai bastante na direção de se tornar profundamente e continuamente ciente de quando cada uma dessas cinco propriedades está presente e quando está ausente. A prática de meditação é de valor incalculável para esse fim. Ela serena sua mente até que seja tal como o cristalino lago de uma cachoeira na floresta, no qual se pode ver cada ondulação da água, cada peixinho ou pedrinha. Conforme sua prática, e com isso sua sabedoria, se aprofundam, você começa a entender que o que liga esses aparentemente desconexos fatores do pensamento inábil é o ego, a ilusão persistente de que você é um “eu” separado. Em nosso egocentrismo subjaz nossa ansiedade, o modo que percebemos incorretamente as coisas ao buscar por vantagem pessoal e como ficamos confusos, o surgimento de cobiça e aversão a serviço do ego, as ações danosas que, a partir disso, causamos, e nossa insistência em todos esses fatores presentes em nosso caráter ao nutrir tais pensamentos e agir com base neles repetidamente.

Olhar para sua própria mente é como conhecer aquele cara que veio morar com você no seu apartamento, que pode se apresentar como uma cara legal de início, mas que acaba se provando um babaca. Depois de um mês você pode listar todos os seus defeitos em detalhes, dos quais ele invariavelmente não tem a mínima ideia. Depois de dois meses você está querendo expulsar o cara. A diferença é que, ao olhar pra sua própria mente, o cara é você! Você só não tinha notado seus defeitos antes, ainda que você tenha morado consigo mesmo toda sua vida. Você agora vai entender a razão de ter sofrido tanto e porque todos os outros pensam que você é um babaca: é que você mora com um cara babaca, você mesmo. Então você se expulsa. Esse é o cerne da prática budista: expulsar você do seu apartamento.

Então, quais pensamentos em específico são hábeis e quais são inábeis? Há uma longa lista dos dois tipos que você pode consultar na literatura budista. Por exemplo, entre os inábeis temos: ansiedade, agitação, orgulho, ciúmes, culpa, orgulho, ganância, avareza, pensamentos vingativos, inveja, mau humor, raiva, ódio, fúria, tristeza, medo, tendenciosidade, ilusão, teimosia, pobreza de espírito, torpor, complacência, afeto, desejo sensual, e a lista segue. Habilidade segue na linha oposta: generosidade, renúncia, amor-bondade, compaixão, equanimidade, flexibilidade, estabilidade mental, atenção plena, e por aí vai. No entanto, seu trabalho aqui não é decorar listas, mas aprender a reconhecer habilidade e inabilidade a partir de sua própria experiência. Todas essas coisas podem ser postas em teste, na verdade devem, do contrário você jamais entenderá em detalhe o papel da habilidade e inabilidade em sua própria mente: vai ser arrastado por forças que não compreende, e não encontrará satisfação em sua vida. Por isso essas coisas são importantes.

Sexo e Budismo. Já falamos a respeito do pecado e como o budismo fornece uma ética sem ele. Também falamos de não-malefício e habilidade. De fato, expus os fundamentos da ética budista em umas poucas páginas para chegar aqui o mais rápido possível. Ufa! Agora podemos começar a falar de sexo, e é provavelmente por isso que a maioria de vocês está lendo o texto.

Se você deu uma olhada na lista de pensamentos inábeis, pelo menos dois dos itens provavelmente vão te surpreender: afeto desejo sensual. “Como assim?”, você me pergunta, “Essas não são coisas boas? Eu não ia querer viver sem afeto e desejo, que chato”!

O dilema surge porque temos uma variedade de padrões para definir Bom e Mal dentro e fora do budismo. Por exemplo, temos preferências pessoais, tal como agitação é bomtranquilidade e calma são ruins, ou o exato oposto. Temos normas sociais: ficar rico é bomtrabalho duro é ruimprogramas televisivos de perguntas e respostas que estimulam a ganância são bonspornografia que estimula o desejo é ruim. Nossos padrões muitas vezes mudam se pensamos nisso. Por exemplo: é realmente bom ser bonito, talentoso e famoso? É certo que não foi tão bom assim para Marilyn Monroe ou Elvis Presley no final das contas. Hábil e inábil podem ser os padrões budistas para bom e mal, e endossados pelo Buda, mas lembre-se que não são ordenamentos divinos. Eles devem concorrer no conjunto de seus valores com outros padrões. É sua escolha.

Então vamos considerar afeto e desejo sensual no contexto das cinco marcas da inabilidade listadas acima e, em seguida, considerar seus padrões concorrentes.

afeto, por exemplo, para com um parceiro sexual, uma criança ou amigo, é apenas um pouco inábil.

Afeto.

  1. Causa estresse. O afeto é uma fonte de estresse se você sente que não recebe o suficiente ou sente certa perda ao não conseguir expressá-lo.
  2. Distorce a Realidade.afeto tem uma dimensão egocêntrica: é garantido para aqueles que vão corresponder seu afeto, ou a quem vá te trazer algum benefício, ainda que muitas vezes vejamos o afeto como algo altruísta.
  3. Baseado em:  Cobiça.
  4. Causa malefícios.afeto dilata o limite do interesse próprio. Assim como você prejudicaria outros por seu próprio bem, você pode prejudicar outros pelo bem daqueles por quem tem afeto ou amizade.
  5. Subverte o desenvolvimento.afeto é confundido facilmente com amor-bondade, que no budismo é como os raios do sol: se aplica universalmente e igualmente a todos, sem parcialidade (amigo ou inimigo) e não causa estresse. O afeto é parcial e essa parcialidade pode inibir o desenvolvimento do amor-bondade, ou ser um trampolim para o desenvolvimento do amor-bondade.

desejo sensual é a cobiça por prazer sensual, por exemplo, por sexo, por salgadinhos, por massagens, banhos demorados, ou sono, por dançar, música, álcool, fumar, drogas, filmes de ação, esportes perigosos, ou videogames, por bater papo e fofocar, e assim por diante. É importante distinguir desejo do prazer, que é o objeto do desejo.

Desejo sensual:

  1. Causa estresse. desejo é doloroso, às vezes tão doloroso que você mal consegue suportar. É como uma febre. O alívio é possível se o objeto do desejo é realizado, mas de outro modo leva tipicamente à decepção amarga, um tipo de aversão.
  2. Distorce a Realidade.“O amor dá um jeito”, dizemos. De modo semelhante: “biscoitos dão um jeito”, “a cerveja dá um jeito” e assim por diante.  Interpretamos desejo como uma necessidade e muitas vezes deixamos de lado toda sabedoria para obter o objeto de nosso desejo. Carreiras, casamentos e saúde são negligenciados e descartados por conta do desejo.
  3. Baseado em: Cobiça.
  4. Causa malefício.É claro que o roubo é frequentemente o produto do desejo, incluindo o roubo do homem ou mulher de alguém. Uma característica surpreendente do desejo é quão conscientemente autodestrutivo ele pode ser. As pessoas sacrificam saúde física pelo desejo por comida, bebida, cigarros e assim por diante, e a saúde mental pelo desejo por entretenimento eletrônico, drogas e assim por diante. Muitas vezes as pessoas são levadas pela força do desejo a vivenciar um relacionamento danoso e infeliz atrás do outro. Quando o objeto do desejo não pode ser obtido ou é perdido, depressão, suicídio e assassinato podem ser o resultado.
  5. Subverte o desenvolvimento.desejo sensual agita a mente, obstruindo a quietude e outros fatores hábeis. Facilmente desperta outros pensamentos inábeis tais como raiva, ciúmes, e cobiça pelos diversos instrumentos necessários para a satisfação do desejo, como aquelas roupas elegantes ou aquele carro esporte sexy. Pode facilmente se enraizar na forma de padrões habituais inábeis, ou seja, vícios.

O prazer, que é aquilo que o desejo sensual busca alcançar, na verdade não é em si problemático. Porém, desejo e prazer tendem a condicionar um ao outro. O desejo busca o prazer. O prazer muitas vezes evoca o desejo por mais do mesmo, ou por um aumento da dose de prazer, ou algum outro tipo de prazer diferente. Juntos eles formam um ciclo. Por causa de sua associação íntima nesse ciclo é que se confundem um com o outro. A incapacidade em compreender adequadamente o ciclo de desejo e prazer e reconhecer qual é qual danificou a história de muitas vidas, e mesmo de nações.

A maior parte das pessoas não lida muito bem com o prazer, mesmo quando está bem ao nosso alcance. Se eu não puder estar presente, perderei totalmente um momento prazeroso. Mesmo sendo presenteado com um por do céu magnífico refletido sobre o cintilante oceano, me consumo em pensamentos sobre os negócios ou no desejo sensual por uma mulher magnífica num cintilante vestido.  Desse modo o prazer facilmente se torna uma abstração, algo que imagino ter experimentado no passado e que desejo experimentar no futuro. Ainda sim, o desejo por essa abstração de prazer continuará insaciado. O resultado é simplesmente desejo mal conduzido, uma vida de mais dor que prazer.

O desejo sensual nos leva a traçar grandes planos. Se eu tiver desejo sensual por natureza, pela sombra de folhas sussurrantes contra o sol, posso me decidir por mudar para o campo, assim dificultando minha vida com longas viagens de ida e vinda ao trabalho. Contudo, no final das contas nunca consigo, de fato, trazer minha mente à quietude, nem ter tempo de aproveitar o sol lançando sombra nas folhas sussurrantes. Apenas gastei meu tempo e energia em busca de prazeres imaginários, mas o que vou fazer agora? Provavelmente decidirei mudar mais para o interior onde posso realmente aproveitar essas coisas. De fato, experimentamos tipicamente o desejo sensual, ou seja, dor, bem mais que o prazer, mas confundimos os dois. Não é de se surpreender que soframos tanto. Porém, a prática budista aprimora tanto a habilidade de experimentar o prazer quanto a sabedoria de moderar o desejo sensual.

Identificar o que é hábil e o que é inábil é uma boa base para diferenciar o bom do mal. Padrões concorrentes e não budistas estão à disposição. Por exemplo, tendemos a pensar em nossa sociedade que estar apaixonado é bom. É certamente uma experiência eufórica, vívida, animadora. Na verdade é uma mistura única e particularmente poderosa de prazer e dor, ou ainda bem-aventurança e angústia, de composição volátil, saindo facilmente de controle e se transformando em desespero, raiva, depressão ou algo pior; apesar disso, se for cultivada por tempo o suficiente pode cimentar numa parceria sólida para toda a vida e o fundamento para uma família feliz e harmoniosa, até que outros pensamentos inábeis interfiram. Também costuma-se pensar em nossa sociedade que diversão e agitação são bons. Frequentemente é possível considerá-los dentro do mesmo ciclo descontrolado de desejo e prazer, e com isso descobrir que, na verdade, há muito estresse envolvido; às vezes até mesmo desespero, escondidos sob a fachada da diversão e da agitação. Sempre falhamos em perceber isso.

Certamente pensamos em nossa sociedade que o afeto no seio de uma família harmoniosa ou entre amigos é bom. Eu mesmo sou o pai de jovens na faixa dos vinte (uma realização pré-monástica) e posso dizer que ser pai foi e continua sendo uma das partes mais significativas de minha vida. Contudo, fiquei preso por anos em pressão financeira; preocupações sobre saúde, sucesso acadêmico e outras questões de desenvolvimento; responsabilidades como cuidador e provedor, e assim por diante. Foi minha escolha na ocasião, e não me arrependo. O que você considera bom para si é sua escolha.

 

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Celibato e Monasticismo. Para recapitular, o budismo não é uma religião que funciona de modo igual para todos; ele organiza as questões éticas para você de modo a relacionar seus valores e motivações, escolhas, chances de causar malefício e o caminho para a perfeição de caráter, e a partir disso te permite tomar uma decisão bem informada baseada em seus valores pessoais, compromissos existentes e motivações a respeito de como moldar sua vida. Envolve uma grande variedade de escolhas de vida, permitindo até mesmo a opção pelo mais perverso e antinatural do comportamento sexual desviante: … o celibato.

Uma monja ou monge, pelo menos uma monja ou monge ideal, é alguém que tenta ser hábil em todas as coisas, ou seja, renunciar de todo ao interesse próprio, cobiça, aversão e ilusão, eliminando qualquer outro valor pessoal que possa entrar em conflito com essa intenção, de modo a entrar no mais direto caminho de aperfeiçoamento do caráter. Isso significa abrir mão daquilo que, para outros, são valores e comportamentos normalmente atraentes, sempre que estes possam encorajar pensamentos e atos inábeis. Esse caminho é frequentemente chamado de Caminho da Renúncia. Que Dogen, o fundador do Soto Zen no Japão do século XIII, descreva para nós:

Se você tiver um lar, deixe seu lar. Se tiver pessoas amadas, deixe-as. Se tiver fama, abandone-a. Se tiver renda, fuja dela. Se tiver campos, livre-se deles. Se tiver parentes, separe-se deles.

A ideia é abrir mão de qualquer coisa na sua vida que ameace evocar ou envolver em cobiça, desejo, aversão, medo, ansiedade. Uma monja ou monge simplesmente não participa no mundo com interesse próprio, não tem nada no mundo em seu nome que possa evocar o inábil. O sexo, apesar de ser em si mesmo puro, inevitavelmente se envolve em desejo, ciúmes, apego, possessividade, perda, raiva e gravidez. Isso faz com que seja um objeto chave para a renúncia, de fato sua renúncia é a marca da vida monástica. A renúncia física, do tipo não fazer sexo, é a parte fácil. A renúncia mental, do tipo não ficar constantemente obcecado por sexo a despeito de seus votos é a parte difícil, mas necessária para se manter no caminho da renúncia sem enlouquecer.

Como isso dá certo para a monja ou monge? Soa como uma coisa bem austera. Uma das funções da monja ou monge na comunidade budista geral, um dos modos principais nos quais eles servem aos leigos é ser um “experimento científico de manto”. Se você colocar essa combinação de ingredientes no tubo de testes humano o que acontece? Se o experimento for um sucesso, então os leigos, se não se tornarem eles mesmos monjas e monges, vão começar a olhar para suas vidas e se perguntar de que modo podem simplifica-las. Pode ser que queiram manter o sexo e a família, mas fica a questão: é mesmo necessário ter a casa na praia, o último aparelho eletrônico, a última moda? Se o experimento falhar, os leigos continuarão, reassegurados, com seu hedonismo. Monges e monjas são uma comprovação da realidade e sua presença manteve a chama do budismo acesa todos esses anos.

O fato é que monges e monjas são, em geral, as pessoas mais positivas que você vai conhecer na vida. Exemplos modernos incluem Dalai Lama, Thich Nhat Hahn, Cheng Yen, Bhikkhu Bodhi e Pema Chrodron, ah, e eu, além de alguns milhões de outros. O experimento é, em geral, um grande sucesso, diferente do que o senso comum prevê, mas dentro da previsão da psicologia budista. As coisas não são o que parecem; vivemos no País das Maravilhas. Personificando os princípios budistas, a presença tradicional de monges e monjas na comunidade budista geral serviu ao longo da história para incentivar todo mundo a procurar mais e mais a pureza da mente, um ensinamento de valor incalculável e que vem antes das palavras. Além disso, fatores hábeis baseados em generosidade, bondade e sabedoria substituem pensamentos inábeis de cobiça, ódio e ilusão. Livres de preocupações consigo mesmos e de problemas pessoais, monges e monjas tem uma valiosa reserva de energia disponível para beneficiar outros, tradicionalmente educando-os e provendo bem-estar social, além de ensinar o Dharma.

Por outro lado, a vida monástica exige determinação. Se a mente não entra nos trilhos é muito fácil cometer um deslize e recair nos encantos no mundo. Não é nenhuma surpresa que o maior tipo de deslize é o sexo, um testemunho da primazia dos impulsos sexuais. Por isso, permanecer na vida monástica exige bastante apoio da comunidade, do mesmo modo que ficar sóbrio exige apoio de uma comunidade como Alcóolicos Anônimos. Exige também clareza a respeito dos limites que podem ser perigosos para a monja ou monge, causando facilmente sua queda num pântano de impulsos inábeis, dos quais os leigos devem também estar cientes. Também é importante que um monástico seja renunciante antes de mais nada, não como uma condição para cumprir algum papel. Essa é a diferença entre a Sangha monástica budista e o sacerdócio católico: monásticos não são sacerdotes; se não quiserem mais praticar a renúncia, simplesmente voltam para a vida leiga. Sacerdotes católicos são muitas vezes sacerdotes, mas, no fundo de seus corações, não são renunciantes.

Parece ser muito trabalhoso, porém se há determinação, é uma condição sem problemas pessoais, uma condição esvaziada de egoísmo e de completa tranquilidade. É um estado de liberdade absoluta, céu azul, nada para atravancar a mente, apenas quietude, não ter obrigação nenhuma senão praticar o caminho budista e descobrir meios de beneficiar o mundo. Esses valores fazem todos os outros parecerem pequenos.

Budismo japonês. Permita-me concluir com algumas palavras a respeito do zen japonês, já que comecei com o contraste entre o budismo japonês contemporâneo e outras formas de budismo. A Sangha monástica, que se desenvolveu como o zen que conhecemos na China e então foi levado ao Japão, Coréia e Vietnã, começou a entrar em colapso no Japão em 1872, não porque o budismo japonês tenha encontrado um caminho melhor, mas por decreto de um governo hostil ao budismo e ávido por se ocidentalizar. O governo Meiji decidiu reformar o budismo para se assemelhar a igrejas protestantes ocidentais, e por isso forçosamente acabou com a exigência do celibato, da abstenção do álcool e do uso dos mantos em público para o clero budista, transformando a Sangha monástica através do tempo num sacerdócio. Isso afetou a tradição na Coréia também durante a ocupação colonial japonesa (1910-1945).  Especulo que essa mudança para uma forma institucional mais reconhecível no ocidente foi inadvertidamente responsável pelo rápido crescimento do zen aqui. Existe, contudo, um movimento pequeno no Japão e no ocidente para a restauração da ordem monástica no Soto Zen que, no ocidente, é mais notoriamente representado pela Abadia de Shasta na Califórnia.

O Soto Zen japonês, no qual Sensei Warner foi extensivamente treinado e teve a oportunidade de verificar como fonte, continua, a despeito dessas mudanças, uma tradição poderosa. Seu fundador Dogen (século XIII) é, sem dúvida, um dos maiores pensadores da história do budismo. Espero que o zen continue a florescer aqui, e considero que professores como o Sensei Warner tem um papel crítico em assegurar que ele seja compreendido corretamente, e é minha opinião que esta seja uma preocupação sincera dele. O zen é sutil, mas tem um fio penetrante; foi tradicionalmente ensinado pelo exemplo mais do que por palavras. Por isso, quero me desculpar a leitores zen desse artigo por minha linguagem um tanto analítica, que está mais no espírito do budismo indiano do que do zen. (Deveria me desculpar também aos leitores que esperavam um linguajar mais atrevido. Mas você pode recorrer ao livro do Sensei Warner, e se é isso que você estava esperando encontrar aqui, provavelmente não leu até aqui de todo modo). O fato é que as pessoas normalmente entendem o monasticismo rapidamente quando se deparam com ele, simplesmente pelo exemplo, mas para a maioria dos leitores sem essa oportunidade, sua lógica precisa que ser descrita. Espero que esse relato possa ter servido para esse fim.

Traduzido por Luiz Fernando Rodriguez

Revisado por Tiago da Silva Ferreira

Texto original em inglês: https://bhikkhucintita.wordpress.com/home/topics-in-the-dharma/sex-sin-and-buddhism/

Fonte:https://budismoesociedade.com/2018/06/11/sexo-pecado-e-budismo/


Uma análise sobre diversidade sexual no Budismo

 

Por Ícaro Matias

O texto abaixo foi fruto de uma discussão em um grupo no grupo de whatsapp da Rainbow Sangha Brasil – Budismo LGBT+, a partir do compartilhamento do texto [Sexo e gênero fluido no Budismo Tibetano, Alexander Gardner, revista Tricycle]. O comentário ao texto buscou preencher algumas lacunas existentes no texto citado e também ampliar o debate levantado pelo texto com adição de outras informações importantes para entender os contextos do Budismo da Índia Antiga da época do Buda Histórico. Nem sempre no Budismo dá pra simplificar alguns assuntos e determinadas questões históricas, porém devido à linguagem simples que uma revista precisa ter para atingir um público mais amplo e tornar o debate mais acessível, alguns tópicos do textos acabaram ficando generalizados e apressadamente explicados. Para melhor entendimento e não generalização de alguns fatos, vamos então recorrer ao diálogo que se sucedeu no grupo virtual: 

A primeira coisa que chama nossa atenção no texto, é quando o autor fala: 

“Histórias de identidades sexuais fluidas são abundantes na literatura budista. Em tratados médicos, escrituras e biografias, pode-se ler descrições detalhadas de indivíduos que fizeram a transição de um sexo para outro e uma ampla gama de teorias sobre por que e como isso acontece.  Histórias que retratam a fluidez do sexo (características físicas), gênero (como se apresenta) e sexualidade (o objeto de desejo em relação ao sexo do indivíduo) geralmente tendem ao fantástico, usando eventos sobrenaturais para ensinar a não dualidade, como no  Vimalakirti Sutra, ou em direção ao didático, em que as transformações são punição pelo pecado (sic) ou recompensas por atos meritórios.

Estas histórias sobre transição de sexo no Budismo não são tão abundantes assim, o autor quis dar um peso grande ao assunto, mas acabou citando uma única história do cânone Budista e outras situações específicas da tradição Budista Tibetana, algumas delas que se misturam com a tradição Bon, que é algo muito peculiar do Budismo Tibetano. O Budismo TIbetano é tido muitas vezes como um terceiro veículo Budista, o Veículo do Diamante, ou Vajrayana. É preciso sempre ter em mente uma pluralidade interna no Budismo, algo que fez com que muitos autores passassem a se direcionar a esta tradição religiosa no plural, chamando-a de Budismos, tal o enorme conjunto de peculiaridades existentes em uma determinada região ou cultura por onde a religião passou. O Budismo Tibetano se encaixa muito nestas especificidades, tendo manifestações praticamente exclusivas entre seus praticantes.

No Caso do Sutra de Vimalakirti citado no texto, é muito importante ter em mente o contexto em que ele foi escrito e a real interpretação que sempre se fez dele versus a que se é possível fazer dele hoje, em um “outro mundo, outra cultura, com outros referenciais e categorias de conceito”. O contexto do sutra de Vimalakirti abre uma discussão que por muito tempo foi exclusivamente sobre a prática das mulheres e é tratado dentro de uma binaridade de sexo, homem cis hetero, mulher cis hetero, sendo a história um meio hábil para falar sobre o ensinamento da não dualidade e foi usado por muito tempo, sumariamente como uma via didática para dizer que as mulheres poderiam atingir a iluminação ou serem Budas. Jamais foi interpretado dentro de um contexto de identidade de gênero, fluidez de gênero, queerness, etc. Isso é uma interpretação muito moderna, muito recente, e exclusiva do ocidente. É possível fazer novas associações, ressignificar, reinterpretar e dar novos sentidos aos textos budistas? Super! Claro que é possível, mas é preciso ter pelo menos os contextos corretos do texto, para não parecer que estas interpretações sempre existiram dentro da história do Budismo. Importante lembrar também que esse sutra em especial é um texto mahayana tardio, está dentro de um contexto político que procura mostrar uma supremacia mahayana e de valorização dos leigos dentro da comunidade budista, versus a supremacia monástica theravadista. Alguns dos tópicos levantados neste texto estão dentro de uma reorganização do pensamento budista para ampliar a doutrina e desqualificar certos ensinamentos exclusivista de antigas escolas.

A mesma coisa serve para o que acontece em torno de Kannon (Avalokiteshvara), que representa a compaixão do Buda. O Sutra do Lótus dá margem para que este bodhisattva se apresente em diversas formas, sejam elas humanas ou não humanas, macho ou fêmea, a depender do praticante com quem o bodhisattva quer se comunicar. A transição do bodhisattva em termos de representação do masculino pro feminino foi algo que durou muitos séculos e aconteceu exclusivamente na China (outros países como Japão e Coreia herdaram essa simbologia muito posteriormente). Importante dizer que esta mudança do bodhisattva tem a ver com mudanças de certos valores culturais entre Índia e China, onde na Índia a compaixão era um valor masculino e a sabedoria era feminino, na China a compaixão era um valor feminino, e a sabedoria masculino. Então através de uma leitura do Sutra do Lótus e de uma série de outros sutras apócrifos, além de lendas que surgiram ao longo do tempo, Avalokiteshvara se tornou mulher na China. Este não foi um processo simples e fácil, tampouco foi exatamente aceito entre a comunidade budista monástica acostumada com a representação masculina do bodhisattva, foi um movimento que veio dos leigos e houve um certo período na China que inclusive tentaram resgatar a masculinidade de Avalokiteshvara colocando bigodes nas imagens que surgiram, sendo esta a principal razão em  que vemos imagens tidas hoje como andróginas do bodhisattva, uma leitura também nossa. KuanYin/Kannon/Avalokiteshvara sempre foi visto como homem ou mulher, porém sumariamente homem pro Budismo monástico. O Culto feminino de KuanYin já é uma mistura do budismo com religiosidades populares da china que transformaram o bodhisattva em uma deusa e onde há quase uma espiritualidade à parte do Budismo. Hoje em dia, nós budistas modernos, ressignificamos essas simbologias para cruzar com conceitos modernos feministas e dos estudos de gênero, que para nós, população LGBT, são muito importantes e que de certa forma também são releituras completamente adequadas aos ensinamentos budistas. Porém são leituras que nunca foram feitas na história do Budismo até então.

Histórias de pessoas que mudam de sexo dentro do sangha existem desde a época do Buda. O Buda previu essa mudança dando instruções exatas do que deveria acontecer caso isso ocorresse dentro da comunidade. Porém o Buda nunca deu explicações sobre como isso ocorreu Explicações sobre a transição em si não existem entre os textos dos discursos do Buda. Entretanto, comentários feitos ao Abhidharma (que por si já é um trabalho de comentários dos discursos do Buda) trazem algumas explicações, mas isso é algo bem tardio, coisa do século 3,4 e 5 da Era Comum. Ou seja, temos aqui comentários do comentário da doutrina, e que são interpretações de monges, em sua maioria homens, se talvez não for possível dizer que 100% autores homens. 

O Buda foi definindo e desenvolvendo o Vinaya (como o autor rapidamente explica) ao longo do tempo. As regras iam surgindo conforme a comunidade ia crescendo e certas situações aconteciam. Os primeiros monges não passaram por nenhuma cerimônia de ordenação, como o autor bem coloca. Somente depois é criado um rito e um processo de ordenação, e com o tempo esse processo foi ficando cada vez mais complexo ainda na época do Buda. O Buda evitou ordenar uma série de pessoas por causa da reputação da comunidade que precisava mesmo sobreviver do dâna dos leigos. Havia uma série de questões sociais que ele não podia ultrapassar, do contrário o sangha não iria sobreviver e essa questão da reputação da comunidade é muito importante pro Budismo, e foi este valor que fez com que a religião chegasse até os nossos dias. É importante ter em mente que o modelo de sangha estabelecido pelo Buda é essencialmente binário e cisgênero. Os casos de transição de sexo são excessões e imagina-se que não era algo tão comum assim, mas aconteceu e está registrado no Vinaya. Sobre a transição dentro da comunidade, o Buda dizia que caso um homem passasse a apresentar características de uma mulher, ela deveria passar a frequentar a comunidade de monjas. E caso uma mulher apresentasse características de um homem, ele deveria passar a frequentar a comunidade de homens.  Ou seja, aparentemente, um homem trans estaria portanto sob o código dos monges e uma mulher trans agora estaria sob o código de regras monásticas das monjas. 

Segundo a tradição, a ordenação de pessoas trans só acontecia para homens trans. mulheres trans não eram permitidas, apenas se já estivessem ordenadas antes da transição. Então já vemos aqui alguns indícios de uma tendência misógina do budismo. Lembrando que o Buda especificou que a partir do momento que mulheres foram ordenadas, a degeneração do Dharma iria ser antecipada em 500 anos, além disso aplicou outras regras específicas para as mulheres, chamadas de garudhamma. Este é um assunto que foi muito discutido entre praticantes e pesquisadoras feministas, porque os textos certamente foram compilados e organizados por homens, e por isso sempre se discute o que é de fato palavra do Buda ou não. Não é possível provar cientificamente nada sobre isso, nem mesmo se os sutras contém exatamente o que o Buda falou. Sendo assim, ao avaliar diversos textos de diversas tradições, é tomado como certo que conceitualmente os textos trazem o que o Buda disse, mas impossível que seja literalmente.

Voltando aos conceitos utilizados pelo autor, na época do Buda não existia “se identificar como homem” ou “se identificar como mulher”, esses conceitos de identidade são alheios ao Buda e à historicidade do Budismo. Tão pouco conceitos como gênero ou homossexualidade. No texto do Vinaya a expressão utilizada é que um homem apresentaria características femininas, ou seja, é dada como certa uma transição, sem explicar o que e como. 

Dentro do Sangha era proibido o sexo, então o Vinaya é recheado de regras que detalha tudo que não se pode fazer. Relação sexual entre pessoas do mesmo sexo era algo comum na Índia e no mundo antigo. Isso não quer dizer homossexualidade. Não existiam homossexuais. Existiam pessoas que faziam sexo com pessoas do mesmo sexo.  O Buda vetou essa possibilidade da mesma forma que vetou sexo entre pessoas de diferentes sexo. Ou seja, tratou do mesmo jeito, sem nenhum julgamento. Todas as questões relacionadas a pessoas que fazem sexo com alguém do mesmo sexo são elaborações póstumas, vindas de monges comentaristas tardios, séculos após a morte do Buda. O que de certa forma pode mostrar uma tendência cultural de uma certa região, seja já na própria Índia, no Sri Lanka ou no Tibete. Alguns outros países eram mais acolhedores à relações sexuais entre pessoas de mesmo sexo, como China e Japão. No Japão medieval, sexo entre monges era algo completamente naturalizado, até mesmo entre os samurais.

O Autor fala que o sistema de ordenação previa categorizar o que era homem e o que era mulher, prevendo uma possível fluidez de sexo. Isso não é verdade. Na Índia antiga já existia o que se chamava de terceiro sexo: o que o autor acabou chamando de hemafrodita e que hoje nós chamamos de Intersexo, uma vez que já se comprovou a impossibilidade de haver hermafroditismo entre seres humanos. Cabezon, autor citado no texto analisado, ainda na década de 90 usava, junto com outros autores, o termo hemafrodita, mas já no livro citado também no texto, que é de 2017, Cabezon utiliza o termo intersexo para se referir aos Ubhatobyanjanaka, pessoas que apresentam características de ambos os sexos e possivelmente ambas as genitálias. A explicação que o autor dá de que nascer intersexo teria a ver com condições karmicas ou relações karmicas vindas dos pais, são explicações bem tardias, do século 4/5 da Era Comum. O Buda jamais deu qualquer explicação para isso, apenas não permitiu a ordenação destas pessoas. E a explicação do Buda é diferente da dada pelo autor. A não ordenação de intersexos tem a ver com o fato da possibilidade de fazer sexo tanto com homens quanto com mulheres e que estas pessoas não saberiam controlar sua sexualidade. Não tem a ver com deixar a comunidade leiga confusa se determinado monge ou monja era homem ou mulher de verdade. Além disso, nenhum texto do cânone aponta que os Ubhatobyanjanaka eram as pessoas que transicionavam. Não há explicações sobre isso, o que no fim pareceu ser pura especulação do autor. 

Já sobre os pandakas, o autor cita apenas um dos cinco tipos possíveis que existiam na Índia antiga. Pandaka é uma categoria difícil de explicar, mas em geral, diz-se que os pandakas eram homens desprovidos das capacidades de cumprir o papel social de um homem e de reproduzir (conseguir inseminar ou ejacular), alguns autores apontam para uma origem etimológica da raiz de um termo vedanta que apontaria para uma tradução próxima do que costumamos chamar hoje em dia de travesti, mas que neste contexto seriam homens afeminados que não tinham qualquer interesse por mulheres (o que não quer dizer que eles se identificavam como mulheres ou se identificavam como algo que chamamos como homossexuais). Algumas categorias de pandaka apontam para uma questão morfológica do órgão sexual ou mesmo castração. Outras categorias podem ser interpretadas como o que hoje chamamos de bisexualidade, como o autor aponta. O Buda também não permitiu a ordenação destas pessoas pelo mesmo motivo, uma possível impossibilidade de conter o desejo sexual. Existiam pandakas mulheres também, as itthipandakas, mas não era tão comum e aparecem raramente nos textos. A discussão em torno dos pandakas é de que já eram marginalizados socialmente e para que o Buda garantisse a reputação da comunidade, ficou inimaginável e inaceitável a ordenação deles/las. Além disso, o Buda foi bem enfático de não permitir que nenhum monge ou monja sequer estivesse perto sozinhos de algumas destas pessoas. Porém é interessante colocar que, um monge ter alguma relação com pandaka era menos grave que com uma mulher. A aproximação de monges e monjas dos pandakas feria muito a reputação do sangha, o que marginalizava ainda mais estas pessoas. Posteriormente monges budistas apontaram para uma incapacidade mental dos pandakas de praticarem o dharma. Os comentários budistas chegam a ser muito crueis em relação a certas expressões sexuais e a relações sexuais entre pessoas de mesmo sexo. Na época do Buda, o inferno budista não era tão elaborado como costumamos conhecê-lo hoje em dia, e o Buda não apontou para relações karmicas que explicassem o desejo ou expressão sexual que hoje chamamos de homossexualidade. É apenas depois que  monges comentaristas da doutrina deram diversas explicações sobre o assunto e relacionaram com a produção de mal karma e a probabilidade de péssimos renascimentos por praticar sexo com alguém do mesmo sexo. Com o tempo, o inferno Budista se tornou vasto e as descrições tão detalhadas que é possível estabelecer praticamente uma geografia infernal, com regiões específicas para castigos e torturas extremamente pesadas e miseráveis para quem fazia tais ações sexuais. Estas elaborações tardias apontam para uma moralização cultural da sexualidade no Budismo

Enfim, a intenção deste presente texto era dar mais alguns contextos e separar um pouco o que foi discurso do Buda, o que é relacionado com um Budismo geral, e o que é específico de algumas tradições, neste caso do autor, sobre o Budismo Tibetano.

Icaro Matias é praticante budista da escola Jodo Shin, Ordem Otani do Templo Higashi Honganji de SP e mestrando em Ciências da Religião pela PUC/SP sobre o tema budismo e diversidade sexual.

Fonte:https://budismosemfronteiras.com/2022/04/24/uma-analise-sobre-diversidade-sexual-no-budismo/

Budismo e Sexo

BY ADMIN09/02/2018

 1 comentárioem Budismo e Sexo

As tradições religiosas nos ajudam a encontrar orientações básicas em muitos aspectos das nossas vidas. Entre outras coisas, as religiões em geral têm muito a dizer sobre a ética sexual. Que ética sexual é defendida pelo Budismo?


4 textos relacionados com o budismo e a sexualidade.

1. A Ética Sexual Budista

Autor: Winton Higgins
Tradução: Marcos A. Piani
Palestra proferida no Unibuds, Queer Dharma
The Macquarie University Buddhist Society

As tradições religiosas nos ajudam a encontrar orientações básicas em muitos aspectos das nossas vidas. Aspecto dos mais importantes de nossa existência é a maneira como nos relacionamos com os outros. Entre outras coisas, as religiões em geral tem muito a dizer sobre a ética sexual. Que ética sexual é defendida pelo Budismo? Nessa área, sua tradição é mais silenciosa que outras, o que pode deixar os novatos se questionando, pois ela sequer trata do assunto. Na verdade a voz do Budismo sobre essa matéria é bem firme.

Para iniciar, vou focar aquelas questões levantadas por vários movimentos de liberação – pelo movimento feminista, pelos homossexuais, e por outras minorias sexuais. Acho que não estarei errando muito se disser que mesmo que eles carreguem outras bandeiras, esses grupos estarão certamente também engajados em várias formas de luta contra preconceitos, violência e violações ocasionadas por esses preconceitos.

Os preconceitos contra as mulheres e contra as minorias sexuais são normalmente reforçados por certas características padrões da psicologia social, como a intolerância e insegurança profundas daqueles que se consideram “normais” mas não tem muita certeza disso. Um ingrediente importante desse amargo coquetel, entretanto, são as formas de preconceito, inibição e repressão associadas ao fundamentalismo religioso teísta.

Como todas as religiões, O Budismo tem uma posição ética bem definida nos assuntos humanos e no comportamento sexual em particular. A formulação mais comum da ética Budista são os cinco preceitos:
Eu tomo o preceito de treinamento de:

1.     Abstenção de fazer mal aos seres vivos / Praticar gentileza compassiva

2.     Abstenção de tomar o que não for dado / Praticar generosidade

3.     Abstenção de conduta sexual imprópria / Praticar contentamento

4.     Abstenção de fala falsa / Praticar comunicação verdadeira

5.     Abstenção de tomar intoxicantes / Praticar plena atenção

Esses preceitos tomam a forma de compromissos pessoais voluntários. Eles não são mandamentos; não há um deus no Budismo, portanto os preceitos não poderiam ser sido ditados por um deus.

Os preceitos expressam princípios básicos, e não regras fixas e draconianas às quais uma determinada ação se enquadra ou escapa. Como qualquer sistema ético não fundamentalista, o Budismo nos oferece princípios orientadores gerais, mas de maneira alguma nos exime da obrigação de fazer julgamentos morais apropriados em cada situação moralmente significante que encontrarmos. Julgamento moral implica em jamais aplicar qualquer regra cegamente.

Os cinco preceitos constituem uma seqüência integrada – cada preceito se apoia nos outros. Para saber o que significa “má conduta sexual” olha-se os outros preceitos. “Má-conduta sexual”, dentro espírito dos diversos preceitos, significa qualquer conduta envolvendo violência, manipulação ou engodo – conduta que portanto conduz ao sofrimento e a problemas. Inversamente, boa conduta sexual é baseada em gentileza amorosa, generosidade, honestidade e clareza mental e emocional – conduta esta que produz bons resultados.

A rigor, o terceiro preceito, que versa sobre má-conduta sexual é supérfluo – se nas nossas vidas sexuais agirmos sem violencia, não tomarmos o que não nos seja dado livremente, não ludibriarmos os outros e não agirmos a partir de estados mentais iludidos ou irresponsáveis, seria mesmo difícil ferir o terceiro preceito. A ética sexual Budista, embora seja muito firme, estaria completa mesmo sem o terceiro preceito. Na verdade, ele existe apenas como ênfase. Mas, sendo a sexualidade uma energia tão forte, foco de muitos apegos, vaidades e ilusões, ela pede seu próprio preceito!

Se costumamos ser insensatos, se agimos estúpida e destrutivamente – e todo mundo tem essa tendência – então é provável que isso apareça nas nossas vidas sexuais. Por outro lado, cada um de nós também tem a tendência oposta de agir amistosamente, com generosidade e sabedoria. Com treinamento moral e meditativo, nossas vidas sexuais também podem expressar essa inclinação com bastante força. Por isso, o terceiro preceito expressa uma ética sexual desafiadora e difícil. Tanto mais para qualquer homem heterossexual que tenha crescido em uma sociedade como a nossa, com todo o treinamento em atitudes reificadoras e predatórias em relação às mulheres, e medos profundos dos assim chamados desviantes da norma sexual!

Vamos dar uma olhada no espírito do conjunto dos preceitos antes de voltar à sexualidade. A promessa máxima da prática budista é a Liberdade – do treinamento moral e dos outros grandes treinamentos, o da meditação e o da sabedoria. Liberdade significa abrir mão das obsessões, compulsões e inibições do nosso condicionamento psicológico, e assim nos libertar para responder apropriadamente a toda e qualquer situação. Freqüentemente, liberdade toma a forma do auto-controle, de habilidade de dizer não a uma compulsão habitual, a um anseio, a uma moda ou hábito. Algumas vezes a liberdade toma a forma de dizer sim, um sim que suplanta inibições, medos habituais ou preconceitos herdados.

Podemos tanto tratar as outras pessoas e elementos do nosso ambiente de maneira fria e calculista, objetos de nossa exploração e consumo, quanto podemos vê-las como vemos a nós próprios. Todas as grandes religiões, em maior ou menor grau, corporificam essa última ética (por exemplo, a regra de ouro cristã: “Faça aos outros o que você gostaria que os outros fizessem a você”). O Budismo faz isso de uma forma pura. Os preceitos destinam-se a treinamento para amar a si próprio e aos outros, expressos na intenção de motivar-nos a agir habilmente para libertar a todos nós. Livres de que, e para que fim? Nos termos do Budismo tradicional, livres de escravidão, sofrimento, dano e perigo, mas também livres para aceitar responsabilidades que contribuam para o nosso próprio bem estar e ao dos outros.

Portanto, voltando ao terceiro preceito: na Índia antiga, em sua forma negativa, ele era interpretado convencionalmente como uma injunção contra o seqüestro, o rapto e o adultério. Sempre carregou também a implicação de que devemos honrar nossos compromissos sexuais. Se tivermos feito um voto de celibato, devemos nos abster de sexo enquanto nosso voto vigorar. Se tivermos contraído uma relação monogamica, devemos nos restringir a sexo no contexto daquela relação. Qualquer outra alternativa seria enganosa.

Mas o âmbito do preceito, principalmente hoje, é obviamente muito mais amplo e cobre a violação de comportamentos que o movimento das mulheres, entre outros, tem corretamente politizado. Um exemplo importante é o do assedio sexual, tão prevalente hoje em dia onde mulheres e homens dividem espaços públicos – nos lugares de trabalho, nas universidades, etc. Onde relações de poder ocorrem, elas podem ter um componente desse gênero, e as oportunidades e o estímulo cultural para abuso são onipresentes. Entre outras coisas, o assédio sexual é danoso e envolve tomar o que não é dado, baseado na enraizada presunção – e ilusão – a do condicionamento masculino sobre a constante disponibilidade sexual feminina.

O estupro no casamento é muito parecido. Além disso há a pornografia violenta e misógina que cria um ambiente hostil e inseguro para as mulheres e que induz a estados mentais imbecilizados e malévolos, incluindo aí ilusões sobre a natureza das mulheres e o que elas desejam. Assim, ambos os sexos são prejudicados. A publicação ou uso de pornografia que erotiza a subordinação feminina contraria diretamente o terceiro preceito. Mas certamente nem toda a pornografia é assim, e outros materiais sexualmente explícitos podem ser até inocentes.

Religião Étnica e Engenharia Social

Até este ponto da análise não considero que o Budismo, na prática, chegue a conclusões diferentes sobre a conduta sexual das versões mais equilibradas das outras grandes religiões. Mas as outras religiões também tem listas de “não pode”, de práticas sexuais proibidas. Algumas se opõe à nudez parcial ou total, à masturbação, ao travestismo, ao sado- masoquismo, à homossexualidade, aos fetiches, ao sexo antes do casamento, ao sexo oral, anal, ou grupal, ou então à contracepção. O Budismo é notório pelo hábito de fazer listas dos seus pontos de prática e doutrinas. Então, onde estão as listas do Budismo para as práticas mais “ousadas”? A resposta objetiva é: o Budismo, felizmente, neste caso (enfim!) não tem uma lista. O motivo disso é significativo. Há dois “tipos puros” de religião – as religiões étnicas e as religiões universais. As religiões étnicas procuram regular vários aspectos civis de um povo ou tribo em particular, principalmente a reprodução biológica e cultural da tribo. Assim, ela estipula toda sorte de regras que tenham a ver com o casamento, família, papéis sexuais, criação de crianças, etc. O Judaísmo pode ser citado como um exemplo sofisticado de religião étnica. Uma religião universal, ao contrário, é indiferente à vida cívica, transcende particularidades culturais e permanece indiferente às questões relativas à reprodução da tribo. Uma pessoa pode nascer dentro de uma religião étnica, mas a única maneira verdadeira de entrar numa religião universal como o Budismo é através da conversão pessoal. Você pode se converter a uma religião universal partindo de qualquer origem étnico.

Qualquer religião étnica contém o que podemos chamar – na nossa maneira secular moderna – de um elemento de engenharia social. Engenheiros sociais, tanto os religiosos quanto os seculares, se ocupam em regular as relações entre os sexos de modo que nasçam muitos bebês para que a tribo cresça e se expanda, e assegure também que as crianças sejam bem cuidadas e devidamente entronizadas na cultura do seu povo e nos papéis (sexuais e outros) tradicionais da tribo. Os engenheiros sociais buscam manipular as pessoas de modo que suas energias sejam canalizadas para a produção de bebês, e não desperdiçadas em atividade sexuais não procriativas (aquilo que a mídia de hoje chama de “sexo recreativo”). Um deus, ou o Estado de engenharia social, tendem a promulgar leis que criminalizem, estigmatizem ou patologizem sexo não-procriativo.

O cristianismo, por exemplo, é uma religião universal do novo testamento, mas lhe foram adicionados muitos elementos de engenharia social de uma religião étnica contida no velho testamento, que abomina (no meu entendimento) tais atividades não-procriativas como o adultério, a masturbação, a sodomia e assim por diante. Assim, o cristianismo oferece uma perspectiva dividida. Alguns partidários do velho testamento fazem carreira proferindo libelos contra todo o sexo que não produza bebês, e contra os prazeres dos praticantes. Ao mesmo tempo, outros líderes cristãos vivem abertamente relacionamentos homossexuais e empunham corajosamente a bandeira da tolerância. O budismo é um caso puro de religião universal, sem elementos de engenharia social. Tanto é assim que ele nem mesmo tem uma cerimônia de casamento. Nos países budistas, a união é uma questão civil, que não tem nada a ver com a prática espiritual propriamente dita. Além disso, o cânone budista não contém ‘uma sagrada família’ com papéis sexuais pré-estabelecidos aos quais as mulheres estejam subordinadas.

Se você quiser se casar em um país budista, as autoridades civis colocarão à disposição a celebração oficial apropriada. Mais tarde o casal nubente pode, como muitos fazem, ir a um monge e pedir sua benção, que geralmente consiste em um relaxado conselho sobre como fazer a união realmente dar certo. Ajahn Chah, o grande mestre budista de meditação da Tailândia moderna recebe montes de casais recém casados no seu mosteiro para esse aconselhamento. Ele lhes diz: “Você deu sua mão em união. Sua mão tem cinco dedos. Pense neles como os cinco preceitos. Pratique os preceitos no seu casamento e será feliz. Isso é tudo que você precisa.”

O Buda era de fato o pior pesadelo de um engenheiro social. Não somente ele não desperdiçou uma palavra de condenação ao sexo não-procriativo (não há uma lista de proibições), como inspirou milhares para que se ordenassem dentro no celibato monástico e assim simplesmente abandonassem completamente a idéia de ter bebês. Isto não foi assim porque ele desaprovasse o sexo ou bebês, mas sim porque um não-celibatário geralmente acabava com muitas crianças a seus pés para alimentar, vestir e abrigar, e assim lhe sobrava pouca liberdade e tempo para buscas espirituais. O celibato fazia muito sentido prático para pessoas com algum anseio espiritual. É desnecessário dizer que hoje a escolha não é tão radical nos países desenvolvidos, onde a contracepção está disponível e ganhar vida é muito mais fácil.

Budismo e Tolerância

O budismo não tem nada contra o sexo em si mesmo. Praticado habilmente dentro do espírito dos preceitos, ele pode trazer muita felicidade. Como resume um de meus professores de meditação favoritos, não há nada de errado em bailar com seus desejos, desde que ambos os participantes estejam ouvindo a mesma música e seus corações estejam abertos. Na verdade, acho até que o budismo melhore nossa vida sexual através do treinamento da meditação, onde aprendemos a habilidade fundamental da atenção plena – isto é, manter coração, mente e corpo ao mesmo tempo no mesmo lugar. Assim quando seu corpo estiver passando deliciosos momentos com uma pessoa carinhosa, sua mente não estará sofrendo, obcecada, por exemplo, com os detalhes de seu imposto de renda – sua mente também estará livre para participar da festa.

Ao longo dos anos conheci vários centros de Dharma de língua inglesa em países ocidentais, onde é freqüente a presença de gays e lésbicas, fato que não causa problema algum. Mantendo a tradição, a sexualidade deles não é um problema e esse aspecto de sua identidade é tratado da mesma maneira que a de qualquer outra pessoa. A estrutura de desejo sexual de cada um é única, e quando deixamos considerações de engenharia social para atrás, não há razão alguma para se privilegiar uma em detrimento a outra, desde que todas possam ser vividas dentro do espírito dos preceitos.

A atitude budista apropriada em relação às outras minorias sexuais é exatamente a mesma. Eu testei isso visitando a página do “Salon Kitty”, um estabelecimento local muito meticuloso que se descreve como uma das principais casas de BDSM* do mundo. BDSM quer dizer servidão, disciplina e sado-masoquismo. No menu principal do “Salão Kitty” há uma declaração ética que enfatiza a obrigação do cuidado que o “dominante” deve ter sobre o submisso e a responsabilidade total que o “dominante” deve ao submisso, principalmente, mas não apenas na questão óbvia do consentimento. Em certa parte, a declaração de ética afirma: Está implícito no consentimento a responsabilidade do parceiro dominante em toda a cena de BDSM de monitorar o bem estar do submisso para assegurar-se de que o este esteja bem e que seu consentimento ainda esteja vigorando.

É também responsabilidade do dominante assegurar-se de que o submisso não esteja consentindo em um ato que não seja do seu melhor interesse no futuro. Nenhuma das partes deve consumir bebidas alcoólicas em exagero ou drogas, pois isso poderia prejudicar seu julgamento…

Segue-se uma descrição do mecanismo para imediatamente remover o consentimento – expressar uma palavra segura pré-combinada ‘ – o que imediatamente faz com que o procedimento em questão se encerre. Então, o código de ética retorna: para aproveitar as possibilidades que o mundo do BDSM oferece, primeiro é preciso descobrir respeito e confiança em si próprio e nas outras pessoas. Os elementos dos cinco preceitos estão lá, incluído o último. Baseado nesta declaração, podemos concluir que o “Salão Kitty” está mais perto do Dharma do que os estraga-prazeres fundamentalistas e engenheiros sociais de vários persuasões religiosas!

Conclusão

O Budismo tem uma ética sexual forte, mas não uma ética sexual repressiva. O ponto principal desta ética é não fazer mal em uma área da vida onde poderíamos gerar muitos danos agindo violentamente, manipulando ou enganando. Este, e a quebra dos outros preceitos – prejudicar, tomar o que não for dado, mentir e estupefação – são a placa de “fique fora” budistas na prática sexual. Por causa de seu caráter universalista, o budismo propriamente dito certamente não aceita os preconceitos e inibições associados à engenharia social, a reprodução da tribo.

Naturalmente, pode-se encontrar budistas tradicionais que têm problemas com o sexo não- procriativo tal como o homossexualidade, por exemplo, assim como outros que não aceitam a igualdade entre os sexos. Mas este tipo de inibição ou de preconceito vem tão somente de uma determinada cultura étnica ou de uma tradição nacional.

Você pode dizer a qualquer um que expresse este tipo de atitude com toda a certeza de que isso não faz parte do Dharma propriamente dito.

Ao mesmo tempo, cada um de nós deve exercer um julgamento pessoal sobre quanta energia e tempo deve devotar ao sexo, por mais hábil que seja nossa prática sexual. Onde ele se encaixa na ordem de prioridades inevitavelmente apertada das nossas vidas corridas, quando a maioria de nós está se esforçando para encontrar tempo para sentar em meditar diariamente, freqüentar um grupo semanal de meditação ou ir a um retiro? Parte dessa resposta dependerá da significância moral de nosso compromisso aos nossos assim chamados parceiros(as) sexuais. Muitas pessoas procuram fazer desses compromissos e relacionamentos o foco central de importância moral de suas vidas, como nos sugere Ajahn Chah. Esta parece ser a melhor maneira de conduzir uma vida integrada, na condição de praticante espiritual e ser sexual.

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Winton Higgins
 é professor de meditação, escritor, académico e membro fundador da Sydney Insight Meditators. Começou a liderar retiros na Wat Buddha Dhamma em 1995.


2. Buddhismo e Sexo

Autor: Ven. S. Dhammika
Trecho do artigo publicado no C. E. B. Nalanda, veja aqui o artigo completo com as notas associadas.

O Buddha ensinou que existem dois objetivos na vida religiosa, que podem ser definidos como um objetivo principal e outro secundário. O objetivo primário e maior do Buddhismo é atingir a paz e a liberdade do Nirvāna. Embora isso possa ser feito na vida presente, o Buddha estava bem consciente do fato de que muitas pessoas – provavelmente a grande maioria – levarão tempo para se libertarem dos desejos e buscas humanos. A prática espiritual buddhista é “um fazer gradual, um treinamento gradual, uma prática gradual”. Enquanto pedia aos seus discípulos para ficarem de olho no objetivo principal, o Buddha também ensinou uma gama de objetivos secundários para a maioria; ser bom, gentil e honesto, um esposo ou um pai carinhoso, um doador generoso, um anfitrião hospitaleiro, um cidadão responsável e por aí adiante.

Para aqueles que estabelecem seu curso para o Nirvāna na vida presente, o Buddha incentivou a contenção sexual ou mesmo o celibato. Para os outros, ele ensinou responsabilidade sexual, conforme descrita no terceiro dos cinco preceitos. Para aqueles com a intenção de seguir a primeira opção, ele destacou o que chamou de “os perigos” nas indulgências sensuais e para a segunda, ele reconheceu “a satisfação” neles. Tendo sido casado durante perto de duas décadas, o Buddha estava bem consciente do lado positivo do sexo e do casamento. Contudo, como psicólogo perceptivo, também viu que a indulgência sensual pode tornar-se facilmente numa preocupação que leva ao apego, ao egoísmo, ao aborrecimento e à desconsideração pela vida dos outros. Tendo dito isso, também é verdade que alguns dos discípulos do Buddha atingiram alguns estados mais elevados enquanto levaram vidas felizes de casados, sendo Isidatta um bom exemplo disso.

O Buddha requeria que seus monges e monjas fossem celibatários (brahmacariya). (…)

No entanto, nem todos os discípulos de Buddha eram monges ou monjas. Na verdade, a maioria não era e nunca foi. Então, o que o Buddha disse sobre sexo que é relevante aos leigos? O treinamento ético básico aos leigos está nos Cinco Preceitos, cujo terceiro item é “abster-se de má conduta sexual” (kāmesu micchācārā). O que torna o comportamento (cārā) sexual (kāma) errado (micchā)?

Certa vez, ao dirigir-se a uma audiência de brāhmanas, o Buddha disse que ter relações sexuais com cinco tipos de pessoas, presumivelmente com ou sem o seu consentimento, seria antiético. Estes cinco tipos são:

1.     As mulheres sob a guarda de seus pais (māturakkhitā, piturakkhitā); isso significaria filhos menores de idade;

2.     Aquelas protegidas pelo Dhamma (dhammarakkhitā), que provavelmente se refere àquelas que fizeram voto de celibato, como monjas. Ter relações sexuais com tais pessoas é incitá-las a quebrar uma promessa solene que fizeram;

3.     Uma mulher já casada (sassāmikā), isto é, a cometer adultério;

4.     Aqueles que cumprem uma punição (saparidaṇḍā). Uma pessoa encarcerada pode ser fisicamente forçada ou coagida a fazer algo que não queira fazer e, portanto, não pode fazer uma escolha verdadeiramente livre;

5.     Os enfeitados com grinaldas (mālāguṇaparikkhittā), isto é, alguém já comprometido para casar.

Em todos esses casos, o Buddha se refere a parceiras sexuais femininas. Se ele estivesse falando para mulheres, é claro que ele falaria de parceiros masculinos. Sexo com alguém do mesmo gênero não foi mencionado nessa lista.

Outro tipo de sexualidade discutido em outra parte pelo Buddha é a masturbação. Buddha fez disso uma ofensa, exigindo a confissão de monges e monjas que se masturbassem. Isto não era porque ele considerasse a masturbação “suja” ou “impura”, como algumas religiões afirmam, ou porque o desejo sexual só é legitimado quando ele leva à procriação, como outras sustentam, mas porque ela reforça o desejo sensual, uma coisa que os monásticos são encorajados a diminuir e eventualmente a transcender. Buddha não diz nada sobre a masturbação para as pessoas leigas, provavelmente porque, como os psicólogos modernos, ele a aceitasse como uma natural e inofensiva expressão da libido. (…)

No caso de incesto, o Buddha parece ter desaprovado por causa de suas consequências sociais negativas. Ele considerou como antiéticos outros tipos de comportamento sexual quando envolvem tanto a desonestidade, a quebra de acordos ou a coerção de uma forma ou de outra. Em nenhum lugar do Sutta Pitaka, a enorme coleção de discursos do Buddha, foi mencionada a homossexualidade, embora, como veremos, ele estava ciente de sua existência. Continue a ler…


3. A Bodhisattva Mais-dum-Milhão

Histórica curiosa contada pelo Mestre Zen Seung Sahn

Há uma história muito famosa sobre uma mulher que realmente usou o sexo apenas para salvar outras pessoas. O Avatamsaka-sutra ensina sobre cinquenta e três grandes mestres de meios hábeis. A trigésima sexta mestra era chamada Mais-dum-Milhão. Ela era uma prostituta que viveu durante a vida do Buda. Ela era muito, muito bonita, e muitas pessoas acreditavam que ela tinha obtido a iluminação. Todos os dias, muitos homens se aproximavam dela para fazer sexo. Às vezes ela pedia dinheiro, e às vezes não o fazia. Mas todo homem que tinha relações sexuais com ela não tinha nenhum desejo sexual quando saia. Muitos, muitos de seus amantes tornaram-se eventualmente monges, obtiveram a iluminação, e transformaram-se em grandes professores de outros.

Mais-dum-Milhão nunca usou sexo para seu próprio prazer. Pelo contrário, ela só usou esse corpo para servir outras pessoas. Ela mantinha uma mente clara, e estava simplesmente usando o sexo para tirar o desejo de sexo desses homens, então ela os ajudou a obter a iluminação. Esta história famosa mostra que mesmo o sexo às vezes pode ser usado para ajudar outras pessoas, se a direção é clara. Há muitas outras histórias sobre o uso de tais meios hábeis. Em si, o sexo não é bom ou ruim: a coisa mais importante é, por que você faz alguma coisa? É só para você ou para todos os seres? Mais-dum-Milhão era uma grande bodhisattva que agia sem entrave, de modo que seu sexo não era para ela, só para seu prazer. Seu sexo era o sexo de salvar-todos-seres. Esta história pode ser encontrada no Avatamsaka-sutra.


4. Prazer e Sexo

Trecho do Adhyardhasatika Prajnaparamita Sutra

(…) Assim eu ouvi. Uma vez, o Bem-Aventurado Senhor Mahavairocana alcançou a profunda, inquebrantável e suprema Realização de todos os Perfeitos. (…)

I – A Doutrina do Grande Prazer

Seu ensinamento é a pureza de todos os fenômenos:

1.     O êxtase supremo da união entre o homem e a mulher é um puro estado de Bodhisattva.

2.     A excitação dos sentidos, comparável ao rápido vôo de uma flecha, é um puro estado de Bodhisattva.

3.     As carícias trocadas entre homem e mulher são um puro estado de Bodhisattva.

4.     Os laços firmes do amplexo amoroso são um puro estado de Bodhisattva.

5.     O pleno gozo experimentado pelo homem e pela mulher, que lhes dá a sensação de serem senhores de tudo, dotados com a liberdade total, é um puro estado de Bodhisattva.

6.     Contemplar o sexo oposto com olhar de desejo é um puro estado de Bodhisattva.

7.     A sensação de prazer que o homem e a mulher experimentam quando unidos, é um puro estado de Bodhisattva.

8.     O amor entre o homem e a mulher é um puro estado de Bodhisattva.

9.     A plena satisfação é um puro estado de Bodhisattva.

10.                       Ornamentar-se é um puro estado de Bodhisattva.

11.                       Alegrar-se é um puro estado de Bodhisattva.

12.                       O brilho da satisfação é um puro estado de Bodhisattva.

13.                       O prazer físico é um puro estado de Bodhisattva.

14.                       As formas deste mundo são um puro estado de Bodhisattva.

15.                       Os sons deste mundo são um puro estado de Bodhisattva.

16.                       Os odores deste mundo são um puro estado de Bodhisattva.

17.                       Os sabores deste mundo são um puro estado de Bodhisattva.

Por que? Porque todos os fenômenos são puros na sua essência, como pura é a Perfeição da Sabedoria que permite contemplar a pureza de todos os fenômenos, que está no fato de não terem eles substância própria.

O’ Vajrapani! Se uma pessoa ouvir a respeito do Caminho da Perfeição da Sabedoria, matriz deste estado de pureza, todos os impedimentos desaparecerão imediatamente e ela ingressará no luminoso santuário do Pleno Despertar. (…)


«Tempos atrás eu estava em Maringá e um rapaz perguntou numa palestra: “Monge, e o sexo? como budismo vê o desejo sexual?”, então perguntei a ele: “o que você faz quando tem fome?”. Ele disse: “como”. Naturalmente ele come. Então qual é o problema com o sexo? Funciona da mesma maneira, não existe problema, nós é que inventamos problemas ou colocamos pecado nas coisas. A definição de budismo para “erro” é causar sofrimento. Se você causa sofrimento, então pare, não cause sofrimento de nenhuma forma. Se você causa felicidade, estima, coisas positivas então está bem. É claro que alguém que resolve seguir um caminho ascético pode seguir um caminho de abstinência, tanto em alimentação, quanto em sexualidade, mas mortificar-se, por exemplo, não existe no budismo.»*
– Genshô Sensei

Veja também:

·         Sexualidade | Monge Genshô (Youtube)

·         Yab-yum (Wikipédia-eng)

 Fonte:https://olharbudista.com/2018/02/09/budismo-e-sexo/

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