COMO O EFEITO DO CO2 DA PLANTAS AFETA O AQUECIMENTO GLOBAL
Pesquisadores correm para
entender o comportamento da vegetação brasileira frente às mudanças ambientais,que
afetará o futuro da segurança alimentar e da prevenção de desastres naturais no
mundo
19-09-23
Texto Ivan Conterno* Arte
Joyce Tenório**
Nos últimos 270 anos, a humanidade liberou 1,5 trilhão de toneladas de gás carbônico (CO₂) na atmosfera, de acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). O gás funciona como um cobertor que segura o calor do planeta. A aceleração do aquecimento global causa enormes desastres ambientais, pois altera o movimento das correntes de vento, das correntes oceânicas e os padrões de chuva.
Ao capturar carbono, as plantas têm papel fundamental na redução destes danos. Ao mesmo tempo, elas também são afetadas por mudanças na quantidade de CO₂ atmosférico. Jogando luz sobre essa questão, pesquisadores da USP e da Unifesp reuniram em uma análise estatística os dados de experimentos de mais de 2 mil trabalhos, incluindo teses, de universidades brasileiras. Os resultados vão ajudar a construir modelos mais precisos para prever a resposta de plantações e florestas aos futuros níveis de CO₂.
A análise realizada no Instituto de Biociências (IB) da USP foi publicada no artigo Meta-analysis of the responses of Brazilian trees and herbs to elevated CO₂, na revista Scientific Reports. Essa informação será essencial para futuros relatórios ambientais, uma vez que a América do Sul possui cerca de 43% de todas as espécies de árvores da Terra.
Emissões cumulativas de CO2 por região mundial
Emissões cumulativas de dióxido de carbono (CO2) por região a partir de 1750. O gráfico mede as emissões de CO2 de combustíveis fósseis e indústrias¹ – a mudança pelo uso da terra não está incluída
¹Emissões fósseis: medem a quantidade de dióxido de carbono (CO2) emitida pela queima de combustíveis fósseis e por processos industriais, como a produção de cimento ou aço. CO2 fóssil inclui emissões de carvão, óleo, gás, chamas, cimento, aço e outros processos industriais. Emissões fósseis não incluem mudanças causadas pelo uso da terra, desmatamento florestal, solos ou vegetação.
Segurança alimentar
Uma das grandes preocupações mundiais é a qualidade dos produtos agrícolas brasileiros. Como o Brasil é um dos maiores exportadores mundiais de alimentos, o aumento na concentração de CO₂, que altera a fotossíntese das plantas, poderá afetar diretamente a segurança alimentar mundial.
Pesquisadores do Laboratório de Fisiologia Ecológica de Plantas (Lafieco) já observaram que, sob altas concentrações de CO₂, as plantas cultivadas tendem a produzir menos proteínas e lipídeos e mais açúcares, alterando a qualidade de produtos como a soja, o sorgo e a cana-de-açúcar.
A curto prazo, isso pode trazer benefícios, como a melhora na qualidade do óleo de soja para a produção de biodiesel e o aumento da produção de açúcar da cana. No entanto, a previsão é que os efeitos serão benéficos para a vegetação como um todo apenas até a metade do século. O grupo do Lafieco verificou que, com o aumento de temperatura nos trópicos acima de 24,5 graus Celsius, as plantas das regiões tropicais já estão perdendo longevidade. Nessa etapa, as respostas ao CO₂ elevado tendem a acelerar os efeitos negativos das altas temperaturas.
Estocando carbono
As plantas utilizam o dióxido de carbono para formar carboidratos, como açúcares solúveis, amido e as fibras que são chamadas de paredes celulares (celulose).
A parede celular é a forma mais eficiente nas plantas de armazenar o carbono por um longo período de tempo, removendo-o da atmosfera.
O amido é um carboidrato de reserva transitório, que é estocado em folhas e troncos na limitação da planta em crescer. Ele é usado posteriormente quando a planta precisa de energia. Diante da elevação do CO₂, muitas dessas plantas estocam grandes quantidades de amido.
Nos seres humanos e em
outros animais, esse estoque é feito com glicogênio e gordura, como explica
ao Jornal da USP Adriana Grandis, pesquisadora
envolvida no projeto. “Se gastamos menos e comemos mais, nós engordamos. Da
mesma forma, quando a planta não está crescendo ou não tem nutrientes e água
suficientes para crescer, ela guarda carbono em amido para quando puder usar
para crescer ou para outros processos do metabolismo.”
Os dados mostram que as árvores jovens capturam o dobro de CO₂ se comparadas às mais velhas. Sendo assim, estima-se que o reflorestamento pode aumentar o estoque de carbono total das florestas maduras em aproximadamente 10%.
Entretanto, a viabilidade
dessa estratégia é uma corrida contra o tempo, pois a vegetação tropical pode
diminuir drasticamente diante das mudanças climáticas previstas para até o
final deste século. “Eventos extremos com períodos de muita chuva ou de muita
seca em grandes períodos podem dizimar muitas árvores”, conta Adriana.
Diferenças entre árvores
e plantas herbáceas
Em geral, a alta
concentração de CO₂ aumenta as taxas de fotossíntese, o processo de captura do
carbono disperso no ar. Há, porém, uma variação significativa entre as
respostas das árvores e das herbáceas (ervas, gramíneas e outras plantas sem
tronco lenhoso, como o tomate, o milho, a cana-de-açúcar e a soja).
Por terem ciclos de vida extremamente curtos, o crescimento das herbáceas é mais rápido do que o das árvores. Essas plantas priorizam a reprodução em curto espaço de tempo, usando o CO₂ extra para guardar mais amido nas sementes.
Em altas concentrações de
gás carbônico, os estômatos (poros responsáveis pelas trocas gasosas) das
herbáceas se fecham, reduzindo também a transpiração. Consequentemente, elas
precisam de menos água para crescer. A otimização no uso de água é, em média,
de 117%. Segundo Marcos Buckeridge, professor do IB e orientador da análise, é
possível observar um ajuste estrutural. “Conforme o CO₂ vai aumentando, a folha
desenvolve menos estômatos.”
Já as árvores, que têm uma
expectativa de vida mais longa do que as herbáceas, podem usar o CO₂ adicional
para armazenar mais recursos em seus troncos.
A madeira de árvores jovens
tem capacidade maior de estoque, segundo Janaina Fortirer. “Nas árvores, há um
aumento médio de 230% na biomassa. Elas fazem uma assimilação 40% maior do que
na concentração de CO₂ no ambiente atual.”
Isso não significa que a
vegetação vá crescer na mesma proporção que o aumento de CO₂ na atmosfera, pois
há outros limitadores, como a disponibilidade de nutrientes no solo, a água e a
competição entre as próprias plantas por recursos. No entanto, o trabalho é o
primeiro passo para investigar como essa dinâmica se manifesta nas florestas.
Algumas dessas adequações
às mudanças atmosféricas já são percebidos nas plantas atualmente. “Podemos
dizer que as plantas podem se aclimatar a essa condição”, conta Janaina
ao Jornal da USP.
O Brasil é o terceiro maior
produtor de alimentos do planeta, de acordo com a Embrapa, e
possui 12% da área florestal do mundo, segundo a Organização das Nações Unidas
para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla em inglês).
Experimentos
em estufas
Todos os experimentos
recolhidos foram feitos em estufas com altas concentrações de CO₂, conhecidas
como câmaras de topo aberto (OTCs, do inglês open-top chambers).
Buckeridge conta ao Jornal da USP que
começou a construir câmaras de topo aberto em 1999 no Instituto de Botânica da
Secretaria de Estado do Meio Ambiente. Em 2005, com sua transferência para a
USP, renovou o desenho e instalou o Lafieco no Departamento de Botânica.
“Considerando que o Brasil
tem a maior floresta tropical do mundo, a Amazônia, e vários biomas importantes
tropicais e subtropicais, não tínhamos praticamente nada feito sobre o que
acontece com a fisiologia das plantas com a elevação do gás carbônico. Então
nós começamos a trabalhar com isso e fomos convencendo colegas em outras
universidades brasileiras a usar câmaras com o mesmo desenho.”
Os primeiros estudos com
plantas de batata em OTCs ocorreram na Universidade Federal de Viçosa, por
Carlos Alberto Martinez y Huaman, hoje professor da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP. Em 1998, Huaman
e Buckeridge uniram esforços e foi realizado o primeiro experimento em câmaras
com árvores jovens de jatobá, ainda em Viçosa.
Embora as universidades
brasileiras já produzam experimentos desse tipo desde 1998, os dados estavam
predominantemente em documentos de difícil acesso. Isso porque alguns trabalhos
não estavam publicados como artigo, outros estavam em língua portuguesa, como
explica Janaina da Silva Fortirer, primeira autora do trabalho. “O IPCC tem
poucos dados sobre regiões tropicais. Com esse trabalho, a organização agora
poderá alimentar melhor os modelos matemáticos que fazem projeções sobre como
poderá ser o comportamento de plantações ou de florestas.”
Ambientes não controlados
Para estudar as árvores no
ambiente natural, um grande enriquecimento de carbono precisa ser testado
diretamente na floresta. Para isso, os pesquisadores do Brasil utilizam o mesmo
desenho de OTCs desenvolvido no Lafieco para avaliar as respostas ao alto CO₂
diretamente em plantas da floresta amazônica em um programa chamado AmazonFace.
Uma questão importante para
as pesquisas em campo será compreender como as árvores mais velhas se comportam
diante de quantidades maiores de CO₂, uma vez que elas não podem ser estudadas
em laboratório. A estratégia de reflorestamento captura rapidamente muito
carbono nos primeiros anos. No entanto, essas taxas diminuem nos períodos
seguintes, quando as árvores já estão grandes.
As árvores mais jovens e menores tendem a alocar mais carbono, pois respiram menos no escuro e ainda precisam crescer em busca dos raios solares. Nesses casos, o gás carbônico extra é usado para aumentar o tamanho das folhas, das raízes e dos caules. Nas árvores maiores, porém, essa captura de carbono talvez não ocorra com tanta intensidade.
Ao fazerem mais trocas
gasosas, as plantas também envelhecem mais rapidamente. Mas o aumento de CO₂ é
apenas um dos fatores das mudanças ambientais que afetam as plantas. Os choques
de temperatura, de disponibilidade de água e de nutrientes também alteram o
comportamento da vegetação.
Catástrofe global
Normalmente, as mudanças
climáticas levam milhões de anos para ocorrer, o que permite que a adaptação
dos seres vivos ocorra sem muitos sobressaltos. Porém, as secas e inundações
repentinas, como ocorrem hoje, podem tornar a vida como conhecemos inviável em
algumas regiões.
Caso os desastres naturais
impeçam a manutenção das florestas e da agricultura atuais, haverá um efeito
dominó. Animais e seres humanos não conseguiriam alimentos, por exemplo.
De acordo com a Administração
Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA, na
sigla em inglês), os níveis de gás carbônico atuais são comparáveis aos de 4
milhões de anos atrás, quando as temperaturas eram em média 4 graus Celsius
mais altas do que nos tempos pré-industriais. Nessa época, o nível do mar era
de 5 a 25 metros mais alto do que hoje, o que seria suficiente para afogar
cidades como Rio de Janeiro, Xangai (China), Cairo (Egito), Bombaim (Índia) e
Nova Iorque (Estados Unidos).
Se os combustíveis fósseis,
como o petróleo, continuarem a ser queimados, as emissões de gás carbônico
poderão atingir 75 bilhões de toneladas por ano até 2100, segundo a Administração Nacional
Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos. Quase metade das emissões
por ação humana ocorreu nos últimos 30 anos e cerca de 20% apenas na década
passada, de acordo com o IPCC.
A concentração de CO₂ na
atmosfera, que hoje é de 425 partes por milhão (ppm), pode dobrar até o final
do século e atingir níveis não vistos na Terra há quase 50 milhões de anos.
Antes da industrialização, os níveis de gás carbônico ficaram em torno de 280
partes por milhão (ppm) ao longo de quase 6.000 anos de civilização humana.
Como alternativa, alguns
países já investem em usinas de captura de CO₂. Embora preocupado, Buckeridge
tem esperanças. “Não subestime a capacidade do Homo
sapiens de produzir tecnologia. Nós já tivemos situações
críticas antes.”
Mais informações: e-mails
psjana@usp.br, com Janaina da Silva Fortirer; agrandis@usp.br, com Adriana
Grandis, e msbuck@usp.br, com Marcos Buckeridge.
*Estagiário, sob orientação de Luiza
Caires.
**Estagiária, sob orientação de Moisés
Dorado.
Fonte:https://jornal.usp.br/ciencias/como-o-efeito-do-co2-nas-plantas-afeta-o-aquecimento-global/
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