DIA MUNDIAL DO CAFÉ: BEBIDA DESCAFEINADA SE SOFISTICA, GANHA PRÊMIOS E JÁ MOVIMENTA R$ 100 BILHÕES POR ANO

 Café descafeinado filtrado: pela primeira vez em 20 anos, bebida sem cafeína foi campeã em competição tradicional

Dia Mundial do Café: Bebida descafeinada se sofistica, ganha prêmios e já movimenta mais de R$ 100 bilhões por ano

Antes alvo de piadas dentro e fora do setor, grão sem cafeína passa a ser cultivado nas áreas mais nobres, recebe notas aromáticas e entra no circuito dos baristas mais disputados

 

Por Bloomberg — Nova York

14/04/2024 11h15  Atualizado há 7 horas


Em uma viagem à Colômbia no ano passado, Weihong Zhang recebeu um "misterioso saco de café" de seu amigo Francesco Sanapo, tricampeão italiano de barismo. Mas não era algo suspeito, como a imagem pode fazer supor.


Weihong é o proprietário da BlendIn Coffee Club, uma torrefação com duas cafeterias em Houston. Sacos misteriosos de café são o tipo de coisa que ele gosta.

Com notas de eucalipto e morango, Weihong presumiu que a saca continha grãos caros, como Geishas ou Sidras fermentados anaerobicamente. Mas seu amigo Sanapo revelou algo muito mais raro para um café dessa qualidade: ele não continha cafeína.


— Isso abriu completamente meus olhos para o descafeinado — lembra Weihong, que decidiu usar os grãos, uma variedade típica básica da Finca Los Nogales, na Colômbia, em sua participação na US Brewers' Cup, em Rancho Cucamonga, uma competição que "destaca a arte da fabricação manual de café filtrado".

Ele venceu o concurso. E foi a primeira vez nos 20 anos de história da competição que um café descafeinado levou o título.

Comparação com o histórico Julgamento de Paris

Uma vitória tão improvável não é exatamente o mesmo que vencer o Tour de France em um monociclo. Mas uma comparação com o chamado Julgamento de Paris em 1976, no qual os vinhos da Califórnia prevaleceram em uma degustação às cegas contra safras francesas consagradas, não está tão distante. O evento mudou as percepções sobre os vinhos americanos e deu início a uma nova era de produção global da bebida.

Há muito tempo o descafeinado tem sido objeto de escárnio e piadas dentro e fora do setor cafeeiro. Mas, discretamente, continuou a crescer tanto em qualidade quanto em popularidade.

A Skyquest Technology prevê que o mercado de descafeinado crescerá de US$ 19,5 bilhões (R$ 99,7 bilhões), em 2022, para US$ 28,86 bilhões (R$ 147,6 bilhões) até o fim da década.

Em 2022, Erin Reed, diretora de marketing da Swiss Water Decaffeinated Coffee, disse à publicação do setor cafeeiro New Ground que "o crescimento do descafeinado tem superado amplamente o crescimento do café regular nos últimos cinco anos".

Em um e-mail, Reed confirmou que "essa tendência de crescimento ainda se mantém. E é ainda mais forte no segmento de especialidades", referindo-se ao café torrado artesanalmente e de maior qualidade do que o típico café de supermercado.

Coquetel sem álcool, hambúrguer sem carne...

As vendas do blend Night Light Decaf, da Blue Bottle Coffee, o colocam entre os "cinco melhores blends em nossas cafeterias e on-line", de acordo com Matthew Longwell, diretor global de café e bebidas da marca.

Com a moda de coquetéis sem álcool e de hambúrgueres sem carne, o descafeinado não parece uma proposta tão estranha, disse Adam Paronto, fundador da Reprise Coffee Roasters, de Chicago.

— As pessoas querem suas drogas sem as drogas. Eu ouço essa frase o tempo todo, e é assim: as pessoas querem manter seus rituais, mas não querem que isso as atrapalhe a ponto de não conseguirem funcionar normalmente, seja no trabalho, na vida social ou em qualquer outro lugar — ressaltou Paronto.

Café descafeinado da Sampling Swiss Water Coffee — Foto: Bloomberg
Café descafeinado da Sampling Swiss Water Coffee — Foto: Bloomberg

Embebido em água do mar

Novas técnicas de remoção de cafeína tiveram um papel fundamental. O processo remonta ao início do século XX em Bremen, na Alemanha, quando Ludwig Roselius notou que os grãos de café acidentalmente embebidos em água do mar haviam perdido a maior parte do conteúdo de cafeína e, ao mesmo tempo, pouco sabor.

Várias técnicas para remoção da cafeína vêm sendo testadas ao longo dos anos — Foto: Arquivo
Várias técnicas para remoção da cafeína vêm sendo testadas ao longo dos anos — Foto: Arquivo

Em 1906, ele patenteou um processo que envolvia a vaporização dos grãos de café para abrir seus poros. Em seguida, passou a usar o benzeno (hoje conhecido por ser cancerígeno) como solvente para remover a cafeína e criou a Kaffee HAG (Kaffee-Handels-Aktiengesellschaft) para vender seu café descafeinado.

Outros solventes, como o cloreto de metileno, também cancerígeno, acabaram substituindo o benzeno e tornaram-se parte integrante do que ficou conhecido como Método Europeu de Descafeinação.

Organizações como o Clean Label Project recentemente solicitaram à Assembleia da Califórnia e à Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos que proibissem o uso da substância, que já foi proibida inclusive em produtos como removedores de tinta. A Associação Nacional do Café rebateu, argumentando que todas as amostras testadas pelo Clean Label Project estavam dentro do nível aceitável pela FDA.

Método patenteado dispensa produtos químicos

Um processo para remover a cafeína do café sem o uso de produtos químicos foi desenvolvido em Schaffhausen, na Suíça, na década de 1930. A Swiss Water Decaffeinated Coffee refinou esse método em um processo patenteado no qual o café verde é imerso no extrato do próprio grão verde e, com isso, 99,9% da cafeína é liberada e filtrada.

Nos EUA, a remoção de 97% da cafeína é suficiente para que um café seja qualificado como descafeinado; na União Europeia, 99,9% devem ser removidos.

Embora geralmente se considere que ele preserva o sabor do café melhor do que outros métodos, este é relativamente caro. Ele acrescenta de US$ 1 a US$ 2 por libra ao custo do café verde, explicou Paronto, sem mencionar o transporte e o tempo do processo, pois a descafeinação é realizada nas instalações da Swiss Water em Delta, British Columbia.

Tonéis de café em instalação de processamento e descafeinização da Swiss Water — Foto: Bloomberg
Tonéis de café em instalação de processamento e descafeinização da Swiss Water — Foto: Bloomberg

Nos últimos anos, outro processo que utiliza acetato de etila vem ganhando popularidade. O produto químico pode ser usado em uma forma sintética ou num derivado natural no que é frequentemente chamado de "método da cana-de-açúcar". Em ambos os casos, os grãos são cozidos no vapor para abrir seus poros e, em seguida, mergulhados em uma solução contendo acetato de etila, que se liga às moléculas de cafeína antes de serem lavados.

Método 'cana-de-açúcar' dá complexidade ao sabor

O café usado por Weihong foi descafeinado por meio de uma versão modificada na qual a polpa, ou mucilagem, do grão de café é adicionada à solução de cana-de-açúcar fermentada.

—É uma maneira inovadora de fazer a descafeinação", disse ele, porque "não só não retira nenhum sabor, como também confere uma complexidade diferenciada à xícara".

Na sexta-feira, Weihong tentará sua sorte no Campeonato Mundial de Café na Specialty Coffee Expo em Chicago. Seja qual for o resultado, as coisas estão mudando rapidamente. Ele achava que tinha um suprimento de seis meses do descafeinado Los Nogales, mas este se esgotou uma semana depois de sua vitória na US Brewers Cup. O próximo lote, uma variedade Castillo, está programado para chegar no fim do mês.


Fonte:https://oglobo.globo.com/economia/negocios/noticia/2024/04/14/dia-mundial-do-cafe-bebida-descafeinada-se-sofistica-ganha-premios-e-ja-movimenta-mais-de-us-20-bilhoes-por-ano.ghtml

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