"VELHOFOBIA", "VELHEUFORIA" E "VELHAUTONOMIA": AS DIFERENTES MANEIRAS DE ENCARAR O ENVELHECIMENTO: POR QUE AS MULHERES BRASILEIRA TÊM PÂNICO DE ENVELHECER
“Velhofobia”, “velheuforia” e “velhautonomia”: as
diferentes maneiras de encarar o envelhecimento
Em sua nova coluna para Vogue, a
antropóloga Mirian Goldenberg discute como a velhice é percebida em uma cultura
que vê a juventude como capital
Por Mirian Goldenberg (@miriangoldenberg)
18/01/2023 15h35 Atualizado há 10 meses
Como enfrentar a velhofobia, o pânico de envelhecer, que existe na cultura brasileira e dentro de mim mesma? Foi essa questão existencial que me motivou a concentrar minhas pesquisas em um campo de estudos que chamei de “envelhecimento e felicidade”.
Em A Invenção de uma Bela Velhice, mostrei que as melhores palavras para expressar as experiências, significados e representações sobre o processo de envelhecimento, especialmente o feminino, são: ambiguidade, ambivalência, contradição, conflito e paradoxo.
No universo de mulheres que eu venho pesquisando, a velhice é percebida como uma fase de medos, perdas e doenças, e, paradoxalmente, como um momento de libertação, florescimento, beleza, felicidade e plenitude.
Um dado interessante que sugere a ambiguidade feminina é o fato de eu ter identificado três tipos diferentes de velhice, que denominei: “velhofobia”, “velheuforia” e “velhautonomia”. A maior parte das mulheres que tenho pesquisado demonstra sentir um verdadeiro pânico de envelhecer, como uma professora de 61 anos que entrevistei. Batizei esse sentimento descrito por ela de “velhofobia”.
“Desde muito jovem eu tenho pânico de envelhecer. Antes dos 30 já sofria com a decadência do meu corpo: ficava procurando rugas, cabelos brancos, manchas na pele. Já morria de medo de ser uma velha ridícula. Sempre tive vergonha do meu corpo flácido, gordo e enrugado. Sempre tive pânico de ficar doente, sozinha e dependente, e pavor de me sentir invisível, ignorada e abandonada. A velhice é uma espécie de morte antecipada. As pessoas têm nojo da feiura e da decrepitude da velhice. Acho que a velhice é repugnante”.
Outras mulheres, o que chamei de “velheuforia”, passaram a fazer “todas as coisas malucas” que não puderam fazer na juventude. Elas querem compensar a falta de liberdade do passado, como uma empresária de 65 anos.
“Depois do meu divórcio, entrei em um aplicativo de namoro e já transei com dezenas de homens, todos na faixa dos 30 anos. Vivo como se fosse morrer amanhã, quero aproveitar intensamente o presente, recuperar o tempo perdido. Viajo muito, sempre saio para dançar e beber com minhas amigas, posei completamente nua para uma matéria sobre sexo na maturidade. Tatuei no pulso direito o meu botãozinho do foda-se. Quando me criticam e dizem que sou uma velha ridícula, pois estou exagerando e extrapolando os limites, aperto o botão do foda-se para todos os preconceitos, opiniões e julgamentos dos outros. E, principalmente, para os meus próprios preconceitos e vergonhas”.
Por fim, envelhecer pode ser, como afirmou uma escritora de 69 anos, “uma verdadeira libertação da busca desesperada de agradar e cuidar de todo mundo e não ter tempo para cuidar de mim mesma”. É o que chamei de “velhautonomia”.
“Após vencer um câncer e uma depressão profunda, eu renasci, desabrochei, floresci. Tirei da minha vida todas as pessoas que me faziam mal, algumas víboras da família e amigas de infância. Passei a ter coragem de dizer não para tudo o que eu não quero mais na minha vida. Não faço mais nada só por obrigação, medo, vergonha ou culpa. Não posso mais desperdiçar o meu tempo. Hoje, sou dona de mim mesma, senhora do meu tempo. Aprendi a respeitar a minha vontade e a minha verdade. Só agora eu me sinto livre para ser eu mesma”.
Em uma cultura em que o corpo jovem é considerado um capital, o envelhecimento pode ser experimentado como um momento de grandes perdas, especialmente de capital físico e simbólico. Daí o pânico que muitas mulheres demonstram ao envelhecer. No entanto, para as mulheres que descobriram que outros capitais são mais valiosos – como a autonomia, a amizade e o cuidado de si –, o envelhecimento pode ser vivido como um momento de ganhos, realizações, conquistas, descobertas, amadurecimento, florescimento, e, especialmente, de liberdade para serem elas mesmas.
Se, no século passado, as mulheres jovens fizeram uma verdadeira revolução amorosa, sexual e conjugal, no século 21 são as mulheres maduras que estão transformando os discursos, comportamentos e valores associados à velhice: é isso o que eu chamo de "a revolução da bela velhice".
Fonte:https://vogue.globo.com/sua-idade/noticia/2023/01/velhofobia-velheuforia-e-velhautonomia-as-diferentes-maneiras-de-encarar-o-envelhecimento.ghtml
(Foto: Arquivo Vogue/ Mylena Saza)
Por que mulheres brasileiras têm pânico de envelhecer?
Em sua coluna para a Vogue Brasil, a antropóloga Mirian Goldenberg fala sobre os preconceitos e os estigmas que cercam o envelhecimento
- MIRIAN GOLDENBERG (@MIRIANGOLDENBERG)
ATUALIZADO EM
Preciso confessar que eu, como muitas brasileiras, já tive medo e vergonha de dizer a minha idade. Por isso, quando completei 40 anos, criei o Movimento das Coroas Poderosas para combater os preconceitos e os estigmas que cercam o envelhecimento. Nenhuma amiga quis participar. Depois dos 50, quando me perguntavam a idade, costumava responder: “Eu sou ageless, sem idade, inclassificável.” Achavam chique!
Passei pela fase de responder com a pergunta clássica: “Quantos anos você acha que eu tenho?” E ficava feliz quando os amigos mais generosos e mentirosos respondiam dez anos a menos. Quanto mais mentiam, mais eu ficava feliz. Algumas vezes respondia: “Nunca pergunte a idade de uma mulher, que indelicadeza e falta de educação."
Após as infrutíferas tentativas de fingir que não estou envelhecendo, para ser coerente com tudo o que estudo, pesquiso e defendo há mais de trinta anos, resolvi assumir a minha idade: tenho 93 anos.
Por que 93 anos? É a faixa etária dos meus amigos mais queridos – Guedes, Canella e Nobolo (98 anos), Thaís (95 anos), e Gete, Nalva e David (93 anos) – e dos trinta homens e mulheres que estou pesquisando há quase sete anos. Todos independentes, saudáveis, lúcidos, ativos, alegres e cheios de projetos de vida: os chamados superidosos.
Desde o início de 2015 eu só convivo com homens e mulheres de quase cem anos. Antes da pandemia, ia com eles à Academia de Terceira Idade, ao supermercado, ao teatro e ao cinema, restaurantes e botecos e, principalmente, a encontros musicais, onde passo horas e horas saboreando o delicioso piano de Gete e de Nalva. As duas são pianistas maravilhosas, que tocam, sem partitura, incontáveis tangos, boleros, MPB, sambas, chorinhos e muito mais.
É com meus amigos nonagenários que gosto de conversar por telefone todos os dias. São eles que cuidam de mim quando estou triste e sem esperança. São eles que dão alegria à minha vida com suas risadas gostosas. São eles que me inspiram com seus projetos de vida.
Enquanto as minhas amigas postam no Instagram fotos dos filhos e netos, eu exibo orgulhosamente fotos dos meus nonagenários queridos. Eu me tornei nativa, como diria o antropólogo Bronislaw Malinowski. Falo, penso e vivo como uma pessoa de 93 anos. Parodiando Marcos Valle que cantava: “Não confio em ninguém com mais de 30 anos”, eu prefiro cantar: “Não confio em ninguém com menos de 90 anos.”
Então, não tem mulher que mente a idade?
Como me tornei uma militante em tempo integral na luta contra a velhofobia no Brasil, contra os preconceitos e o pânico de envelhecer, decidi sair do armário e assumir: tenho 93 anos. Como as mulheres mais velhas que eu venho pesquisando nas duas últimas décadas, nunca fui tão livre e feliz. É a primeira vez que posso ser eu mesma. É o melhor momento de toda a minha vida.
Não me canso de repetir que a única categoria social que inclui todo mundo é velho. O jovem de hoje é o velho de amanhã. Por tudo isso, eu também sou velha. E velha é linda. Viva a bela velhice! Quero, então, compartilhar com vocês o meu Manifesto das Coroas Poderosas. Será que vou ganhar alguma militante para o meu movimento?
“A coroa poderosa não se preocupa com rugas, celulites, quilos a mais. Ela está se divertindo com tudo o que conquistou com a maturidade: liberdade, segurança, charme, sucesso, reconhecimento, respeito, independência e muito mais.
Ela quer rir, conversar, sair, passear, dançar, viajar, estudar, cuidar da saúde, ter bem-estar e qualidade de vida; enfim, “ser ela mesma” e não responder, desesperadamente, às expectativas dos outros. Quer exibir o corpo sem medo do olhar dos homens e das mulheres, sem vergonha das imperfeições e sem procurar a aprovação dos outros.
Quer namorar com quem ela bem entender (não importa a idade), fazer amor quando quiser e beijar muito na boca. Ou também pode não querer mais nada disso. Quer vestir a roupa de que mais gosta, mesmo que seja considerada velha demais para usar minissaia, biquíni, shorts, jeans e botas.
A coroa poderosa descobriu que a felicidade não está no corpo perfeito, na família perfeita, no trabalho perfeito, na vida perfeita, mas na possibilidade de “ser ela mesma”, exercendo seus desejos, explorando caminhos individuais e tendo a coragem de ser diferente. Ela sabe que não deve jamais se comparar a outras mulheres, porque cada uma de nós é única e especial.
Portanto, como presidente, secretária, tesoureira e única militante do “Movimento das Coroas Poderosas” (já que todas as amigas que chamei para participar do grupo se sentiram ofendidas), convoco todas as mulheres, de qualquer idade, que estão cansadas de sofrer com os preconceitos, com os tabus e com as prisões sociais a se unirem ao nosso grito de guerra: ‘Coroas poderosas unidas jamais serão vencidas! Fodam-se as rugas, as celulites e os quilos a mais!’”
Fonte:https://vogue.globo.com/sua-idade/a-bela-velhice/noticia/2021/08/por-que-mulheres-brasileiras-tem-panico-de-envelhecer.html
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