Ketamina é opção de tratamento para depressão resistente e ideação suicida
A ketamina tem revolucionado as opções de tratamentos para depressão resistente ou com ideação suicída. Aplicação deve ser feita em ambiente hospitalar.
Com o avanço da medicina e da tecnologia, novos tratamentos têm sido descobertos e aumentam as possibilidades para pacientes que não respondem às terapias convencionais. A depressão se enquadra nesse caso: estima-se que 1 a cada 3 pacientes diagnosticados não responde aos tratamentos disponíveis, além dos medicamentos demorarem para surtir efeitos. Uma alternativa que surgiu nos últimos anos vem de uma substância que já é utilizada na medicina como anestésico: a ketamina. A ketamina tem apresentado bons resultados para esses pacientes e seu uso tem sido mais disseminado nos Estados Unidos, à medida que a quantidade de dados clínicos e do mundo real aumenta.
No Brasil, ainda em menor escala, o uso do medicamento também tem se popularizado nos consultórios psiquiátricos. Isso se deve, principalmente, à aprovação pela Anvisa no Brasil, em 2020, do cloridrato de escetamina, uma terapia desenvolvida a partir da ketamina com aplicação intranasal. Ela é utilizada em casos de depressão resistente ao tratamento e de Transtorno de Depressão Maior com ideação suicida aguda. Além de atuar em uma área diferente do cérebro que os antidepressivos do mercado, a substância traz efeitos mais rápidos, o que pode contribuir com uma redução de casos graves da doença e na diminuição de suicídios.
Essa preocupação com a eficácia e velocidade se justifica: os antidepressivos convencionais demoram entre 4 e 6 semanas para surtir efeito, o que pode ser um período muito longo para casos onde há um risco iminente que o paciente possa tentar um suicídio, segundo Humberto Corrêa, psiquiatra e professor titular de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Para ele, “os pacientes precisam hoje de drogas que sejam efetivas em todos os quadros depressivos. 30% dos pacientes com depressão resistente ao tratamento é muita coisa. E nós precisamos de drogas que façam efeito mais rapidamente. Isso nos coloca em uma situação muito difícil. Ao paciente em primeiro lugar, mas a nós profissionais de saúde em uma situação muito difícil muitas vezes”.
Nesses casos, os profissionais podem indicar a substãncia, que é tida como uma grande revolução dos fármacos para o tratamento de depressão, mas que ainda é desconhecido por grande parte da população, especialmente aquela com depressão resistente ao tratamento.
Depressão carrega estigma
Dados da Pesquisa Vigitel de 2021 apontam que cerca de 11,3% da população relataram ter recebido um diagnóstico de depressão. No entanto, esse número deve ser bem maior, já que o estigma e a dificuldade de acesso fazem com que grande parte da população demore para buscar ajuda e tratamento.
De acordo com um levantamento do Instituto Ipsos, encomendado pela Janssen e divulgado em junho, o tempo médio que uma pessoa com depressão leva para buscar ajuda é de três anos e três meses. A pesquisa foi realizada com 800 pessoas, com e sem diagnóstico da doença. Dentre os principais motivos, 18% dos entrevistados afirmam que havia uma falta de consciência de se tratar de uma doença, 13% tinham resistência em buscar ajuda médica, e outros 13% tinham medo de julgamento ou vergonha.
O diagnóstico rápido é essencial para iniciar linhas de tratamentos, com os medicamentos convencionais e psicoterapia, evitando complicações e a piora do quadro de depressão, como afirmou Humberto Corrêa durante o evento de lançamento da pesquisa: “Sabemos que quanto mais tempo de sintomas, mais alterações no nosso cérebro vão acontecendo. Ela tem repercussões sistêmicas. O paciente deprimido vai ter alterações imunológicas e neuroendócrinas, o que vai explicar o fato dos pacientes terem uma série de outras doenças não-psiquiátricas a mais que a população geral, como as cardiovasculares, por exemplo”.
Depois do diagnóstico e início do tratamento, cerca de 30% dos casos os pacientes não respondem bem aos medicamentos utilizados, caracterizando a chamada depressão resistente. Humberto Corrêa pontua que um episódio de depressão dura em média 298 dias, enquanto o episódio de depressão resistente ao tratamento dura cerca de 896 dias, por volta de 3 anos.
Além das complicações, especialistas alertam para o risco de suicídio. Um dos principais estudos utilizados como referência pelos médicos, publicado em 2004, revisou 15 mil casos de suicídios ao redor do mundo. Os pesquisadores apontaram que em 98% dos casos, havia um histórico de diagnóstico para doenças mentais, sendo a depressão uma das principais causas.
Mesmo a tentativa de suicídio interfere diretamente na saúde da população. O psiquiatra explica que a expectativa de vida dos tentantes reduz expressivamente, por conta dos riscos de complicações físicas e o risco de um novo episódio: dentre os homens de até 20 anos a expectativa diminui 18 anos, enquanto nas mulheres da mesma faixa etária a expectativa diminui 11 anos.
Ketamina é considerada uma revolução
“Hoje nós temos comercializadas 55 moléculas de antidepressivos no mundo. Todas têm o mesmo mecanismo de ação central, que é o aumento da atividade cerebral do sistema monoaminérgico em três neurotransmissores que são a serotonina, a noradrenalina e a dopamina. Durante quase 70 anos só tivemos esse mecanismo de ação para tratar depressão”, explica Acioly Lacerda, psiquiatra, diretor do Instituto Sinapse, pesquisador e professor do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
A ketamina surge como uma nova fase dos medicamentos antidepressivos principalmente por ter outro mecanismo de ação. Ela é uma droga utilizada como anestésico em todo o mundo, produzida em laboratório e que foi sintetizada ainda nos anos 60, sendo sua segurança e efeitos colaterais bem estabelecidos.
Em 2017, pesquisadores confirmaram que essa substância tinha um impacto no tratamento de depressão, especialmente em casos graves. Isso porque ela atua contribuindo com a regulação do glutamato, um neurotransmissor que está ligado às alterações mentais. O cloridrato de escetamina reduz de forma expressiva os sintomas depressivos e contribui com um maior controle da condição.
Contudo, ela ainda não é a indicação primária de tratamento: “Não é um medicamento de primeira escolha. O paciente vai ao consultório e não deve no seu primeiro tratamento ser usado a ketamina. É para quando há falha dos antidepressivos convencionais. E quando o paciente faz o tratamento com ketamina, ele não vai usar só isso. Ele vai usar em adição como adjuvante a antidepressivos convencionais”, explica Acioly.
Diferente dos medicamentos convencionais, ela já demonstra efeitos em 24 horas após a aplicação. A longo prazo, é possível ver de forma expressiva a remissão da depressão resistente e menores taxas de recaídas. Em pacientes com ideação suicida, em cerca de 4 horas já foi possível observar uma melhora no quadro. Antes, a eletroconvulsoterapia era a principal alternativa para casos de depressão resistente ao tratamento, mas é um método invasivo e que possui muito estigma, por ser associada à tortura.
Limitações
Por ser uma droga com potencial de abuso e precisar de acompanhamento médico, para controlar possíveis efeitos colaterais a substância no Brasil para uso em ambiente hospitalar, não sendo vendida em farmácias.
“Temos um estudo de 6 anos e realmente não houve nenhum fator de segurança que trouxesse preocupação no uso prolongado ou corriqueiro. Mas como é um tratamento de complexidade, o paciente sempre vai usar em uma clínica ou hospital, ele não pode usar em casa. É um tratamento mais caro e mais complexo. E a maioria dos pacientes, dois terços deles, vão responder a um tratamento mais barato, mais simples e menos invasivo. Em medicina, se a gente pode resolver uma gastrite com o uso de medicamentos, a gente não vai encaminhar esse paciente para uma cirurgia”, detalha Acioly.
O cloridrato de escetamina é vendido em formato de spray para aplicação intranasal com o nome comercial de Spravato e a dose de aplicação varia a cada caso. Possui duas indicações: tratamento de depressão resistente para uso concomitante a outro medicamento de primeira linha, e pacientes com Transtorno Depressivo Maior com comportamento ou ideação suicida aguda, sendo a única droga disponível para tais casos.
“A grande maioria dos ensaios clínicos realizados com antidepressivos no mundo exclui justamente os pacientes com risco de suicídio. É uma população muito difícil de ser estudada, e essa droga foi aprovada especificamente para ela”, aponta o professor da UFMG, Humberto Corrêa.
O suicídio é uma questão de saúde publica e a chegada desse medicamento pode contribuir com a redução no número de casos. Em 2019, 13.523 pessoas morreram vítimas de suicídio no Brasil, número 43% maior que os 9.454 casos registrados em 2010, de acordo com o último dado do Ministério da Saúde.
Por ser liberada como anestésico, a ketamina também é utilizada off-label em alguns casos, com aplicação por via endovenosa, o que reforça a necessidade de se estar em ambiente hospitalar e acompanhamento médico. “A grande maioria dos estudos são com a ketamina injetável. Há duas décadas temos. Por ser um medicamento sem patente, nenhuma indústria investiu em um estudo de aprovação de fase 3, que é caro, justamente porque se investir e aprovar, no outro dia tem um monte de gente vai simplesmente seguir e fazer o registro. A saída comercial foi a via de administração que pudesse fazer a patente do dispositivo”, explica Lacerda, professor de Psiquiatria da Unifesp.
Efeitos colaterais e contraindicações
O principal efeito colateral do uso da ketamina como tratamento é a dissociação, uma desconexão do paciente com a realidade e seus pensamentos, distorcendo a noção de espaço e tempo. Esse efeito perdura por até duas horas, por isso é importante estar em um ambiente controlado com acompanhamento profissional. Outros efeitos ligados ao seu uso são: tontura, náuseas, sonolência, ansiedade e aumento da pressão arterial.
“Qualquer doença que o paciente corra algum risco de aumentar a pressão sanguínea ou cerebral, não deve receber o tratamento com ketamina. Ela pode aumentar a pressão sanguínea, a frequência cardíaca e a pressão intracraniana”, alerta Acioly. Da mesma forma, o medicamento não é indicado para crianças, adolescentes, gestantes e lactantes, pois esses grupos não foram incluídos na pesquisa.
Outro ponto que merece atenção é que a substância é utilizada como droga psicodélica por parte da população, e pode provocar dependência e danos à saúde se utilizada de forma incorreta e sem supervisão. A que é utilizada para esse fim é a ketamina para uso veterinário, geralmente prescrita para cavalos e que também passa por controle. No entanto, o psiquiatra Humberto Corrêa acredita que, possivelmente, não há o risco da ketamina humana acabar sendo utilizada dessa forma.
“A aprovação da Anvisa dada ao Spravato foi para uso em ambiente hospitalar. O paciente não tem acesso diretamente a droga. O médico prescreve, o paciente vai até o local, recebe o tratamento e volta para casa. Ele não tem nenhum acesso à substância”, defende Corrêa.
Outras possibilidades
Com a chegada do Spravato e a comprovação da eficácia no tratamento de depressão resistente e pacientes com ideação suicida aguda, novos estudos e pesquisas buscam encontrar outras possibilidades para o uso da ketamina.
A forma de administração é uma delas. De acordo com Acioly, da Unifesp, existem alguns trabalhos voltados para a produção de ketamina oral e para aplicação subcutânea, como as canetas de insulina utilizadas no controle do diabetes. A ideia é que os pacientes possam utilizar em domicílio, sem precisar de um ambiente hospitalar.
Os formatos podem contribuir com o acesso da população, mas requer uma maior vigilância farmacológica, já que além de aumentar o risco de que a substância venha a ser utilizada como droga psicodélica, os profissionais de saúde não estariam juntos para controlar possíveis efeitos adversos. Segundo Acioly, existe também uma preocupação da indústria em desenvolver comprimidos que sejam impossíveis de serem quebrados ou impossibilite isolar a cetamina de outros compostos do medicamento.
Além disso, a substância vem sendo estudada para outras patologias, principalmente da área das doenças mentais, mas os estudos estão em fases 1 e 2 e necessitam de financiamento e interesse da indústria para avançar.
“Grupos [de pesquisadores] demonstram a eficácia na depressão bipolar na fase depressiva. Tem estudos com a dependência de crack, quadros de ansiedade, transtorno obsessivo-compulsivo e estresse pós-traumático. Todas essas evidências preliminares são de estudos com número de pacientes infinitamente menor que na depressão resistente. Ainda não é consistente a ponto de indicar na clínica do dia a dia”, afirma o psiquiatra.
Fonte:https://futurodasaude.com.br/depressão/
Por que a cetamina é um tratamento eficaz para depressão resistente?
A cetamina é o tratamento mais eficaz para depressão resistente unipolar e bipolar, conseguindo reverter casos crônicos de depressão em até 75% dos casos, gerando uma nova esperança para pacientes. Entenda.
A depressão resistente é uma condição de grande sofrimento ao paciente. Muitas vezes, o tratamento convencional não responde mais da maneira que deveria, trazendo prejuízos à vida do indivíduo.
No entanto, o uso da cetamina para o tratamento desse transtorno mental no Brasil deu uma nova esperança aos pacientes. Ela tem se mostrado altamente eficaz no tratamento da depressão unipolar ou bipolar, inclusive ajudando a eliminar a ideação suicida.
Em alguns casos, a melhora é imediata, sendo eficaz em até 75% dos casos e muito mais eficiente que os tratamentos convencionais.
O que é a cetamina?
A cetamina (ou ketamina) é um potente anestésico que existe há mais de 50 anos. Foi desenvolvida em 1962 e é considerada extremamente segura, por isso, é utilizada em diversos países para uma série de procedimentos que necessitam de anestesia.
No entanto, estudos nos últimos anos têm indicado a cetamina como um fármaco muito eficiente no tratamento da depressão resistente, quando utilizada em doses muito menores do que para fim anestésico e aplicada sob supervisão médica.
Quando a cetamina é indicada para depressão?
A cetamina é indicada para pacientes com depressão quando a resposta ao tratamento convencional não está sendo significativa ou há alguma intolerância que não permita o tratamento convencional.
Em casos graves, em que o paciente enfrenta um estado apático e letárgico há um longo tempo, bem como quando há ideação suicida (sentimento e desejo de morte), a cetamina também é indicada, pois tem alta taxa de sucesso, cerca de 75%.
Como a cetamina age no tratamento da depressão?
A forma como a cetamina age no cérebro de um paciente com depressão resistente é diferente em relação à ação dos antidepressivos convencionais.
Um paciente nesse estado, tem suas áreas cerebrais que são responsáveis pelo equilíbrio emocional, aprendizagem e memória altamente danificados, como se as ligações entre essas áreas estivessem com mau contato ou quebradas.
Enquanto os antidepressivos atuam no sistema nervoso, mais especificamente nas monoaminas, promovendo a normalização do fluxo de neurotransmissores, a cetamina atua diretamente em outra substância, chamada glutamato, e também auxilia no reparo e reconstrução de circuitos cerebrais, aumentando o número de sinapses. É como se ela produzisse uma ponte para que a comunicação entre eles fosse restabelecida.
Em alguns casos, a resposta à infusão de cetamina é bem ágil, ocorrendo em intervalo de horas, dada a eficiência do procedimento e da ação da droga no organismo. No entanto, para a maioria dos pacientes são recomendadas sessões, com 8 a 12 infusões semanais.
Mesmo assim, é comum que pacientes relatem melhora imediata já na primeira aplicação.
Como funciona o tratamento com cetamina?
O tratamento com cetamina deve ser realizado com o acompanhamento do seu psiquiatra, inclusive, é ele que deve indicar essa opção para você. Junto às aplicações, você também deve continuar tomando seus antidepressivos normalmente, tudo sempre sob orientação médica.
O processo de aplicação da cetamina é simples e nada desconfortável. Em um centro especializado como o nosso, o medicamento será administrado por via subcutânea no abdômen e ficará confortavelmente semi deitado em poltrona confortável e apropriada.
Entre a chegada do paciente, aplicação e saída, geralmente passam-se cerca de 2 horas . Durante a aplicação, o paciente pode ficar relaxado e até mesmo ouvir uma música em seus fones de ouvido. Algumas sensações, como leveza, leve dormência e sensação de aumento de percepção sensorial podem ocorrer, mas são normais no pico da aplicação, passando antes do paciente ir embora.
Existem riscos e contra-indicações?
São raras as contra-indicações para o uso da cetamina em pacientes com depressão e cada caso deve ser analisado pelo psiquiatra ou equipe médica particularmente. Mesmo assim, esse medicamento possui um ótimo perfil de segurança, ou seja, pode ser administrado sem grandes chances de reações adversas.
Por que a cetamina é considerada a nova esperança para a depressão?
Justamente por ser um medicamento seguro e com comprovação científica, surtindo efeito altamente positivo em milhares de pacientes nos países mais desenvolvidos, depressão resistente unipolar ou bipolar, a cetamina surge como um dos melhores tratamentos da atualidade .
Os relatos dos pacientes que se beneficiaram do tratamento costumam ser tocantes em relação à mudança na qualidade de vida pelo auxílio dado pelo tratamento na superação da doença.
É importante salientar que o tratamento com a cetamina, não pode ser feito em consultório e somente deve ser feito em um centro especializado e equipado, com a supervisão de uma equipe capacitada e de um psiquiatra.
A cetamina é realidade no Instituto de Psiquiatria Paulista
O Instituto de Psiquiatria Paulista inaugurou o primeiro centro privado para tratamento de cetamina com fins psiquiátricos do país. Em um ambiente totalmente seguro e supervisionado por um psiquiatra, o paciente pode realizar o procedimento de forma tranquila, quando recomendado pelo seu psiquiatra.
Fonte:https://psiquiatriapaulista.com.br/por-que-a-cetamina-e-um-tratamento-eficaz-para-depressao-resistente/
“Usei cetamina para tratar depressão e resgatei a
vontade de viver”
Também chamado de ketamina,
anestésico é indicado para casos resistentes a remédios convencionais
Por Marcella Centofanti, Colaboração Para Marie Claire —
São Paulo
19/04/2023 06h01 Atualizado há 6
meses
A cineasta Mariana Baques Soares, de 31 anos, tem depressão há duas décadas. Após fazer tratamento com diversos remédios e psicoterapia, ela testou uma substância diferente para a sua doença: cetamina. O efeito do medicamento, diz ela, mudou a sua vida: “Resgatei aquela vontade inata de viver e não preciso fazer força para levantar da cama”.
Mariana tem o que os médicos chamam de depressão resistente ou refratária, isto é, quando o paciente não responde ao tratamento convencional com antidepressivos e estabilizadores de humor.
Há poucos anos, a cetamina, um anestésico também conhecido como ketamina, tem sido utilizado para tratar pessoas com o mesmo diagnóstico da cineasta.
Segundo Mariana, seu histórico de transtorno mental começou por volta dos 8 anos, com sintomas de síndrome do pânico e ansiedade. Aos 11 anos, ela foi diagnosticada com depressão e passou a ter acompanhamento psicológico. A doença afetava sua vida a ponto de ela não dar conta de ir ao cinema ou ao shopping.
Mariana começou a tomar antidepressivo aos 17 anos e sentiu os benefícios da medicação por dois anos. “Tive que deixar a faculdade, porque eu não conseguia sair de casa. Eu também não deixava a minha mãe sair, por medo de ficar só. A depressão me deixa de cama. Eu fico dez horas deitada, olhando para o teto, em estado vegetativo. Não consigo me levantar, tomar banho, pentear o cabelo ou me alimentar. Não tenho força pra fazer nada”, conta.
A cineasta testou outras drogas e o resultado era sempre o mesmo: a medicação fazia efeito por um tempo, mas logo a depressão incapacitante se instalava novamente. Há 1 ano e meio, após dar à luz, Mariana teve depressão pós-parto e os sintomas se agravaram. “Eu passei a ter medo de coisas que eu não tinha antes, como fantasmas”, lembra.
Apesar de estar realizando o sonho de ser mãe, a cineasta não conseguia cuidar nem de si mesma, muito menos da filha. Inconformada, começou a fazer pesquisas na internet e encontrou relatos sobre a cetamina.
Desencorajada pelo psiquiatra, Mariana fez uma busca em Porto Alegre, onde vive, e encontrou outra médica com experiência no uso do medicamento.
O tratamento com o anestésico começou em fevereiro. Desde então, a cineasta foi medicada com a substância onze vezes, em ambiente hospitalar, com acompanhamento médico. Segundo ela, sua vida mudou radicalmente — para melhor.
A gaúcha diz que agora consegue ir ao shopping sozinha, sem ter ataque de pânico. Os próximos passos do tratamento, diz ela, são observar os sintomas e, em caso de necessidade, fazer sessões de manutenção.
O que é a cetamina?
A cetamina, ou ketamina, é uma substância utilizada como anestésico desde 1962. A partir dos anos 2000, cientistas começaram a estudar seus efeitos no tratamento da depressão.
“Ela é muito mais eficaz para depressão do que as outras medicações disponíveis, quando utilizada em doses mais baixas do que aquelas aprovadas como anestesia”, afirma o psiquiatra Rodrigo Delfino, supervisor do Ambulatório de Transtornos de Humor e da clínica de Cetamina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e médico da Clínica Beneva.
Segundo Delfino, a cetamina aumenta no cérebro a transmissão do glutamato, um neurotransmissor importante para a cognição e a manutenção do humor. Trata-se de um mecanismo diferente dos outros antidepressivos aprovados no Brasil e no mundo.
Quem pode tomar cetamina
A cetamina é indicada como primeira forma de tratamento em casos de depressão grave e com ideação suicida. A medicação só deve ser utilizada sob orientação médica.
O psiquiatra explica que a droga também é eficaz e segura para quadros mais leves. Seu efeito é inclusive mais rápido do que os antidepressivos convencionais. No entanto, por uma questão de logística e custo, a substância não faz sentido como primeira forma terapêutica nessas situações.
“Seria como dar um tiro de canhão para algo que pode ser resolvido de uma maneira mais simples”, diz.
A cetamina não tem aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) nem do FDA, a agência americana que regula medicamentos e alimentos, para o tratamento de depressão. Seu uso é, portanto, em caráter off label, fora da prescrição da bula.
De acordo com Rodrigo Delfino, a falta de regulamentação se deve ao fato de a cetamina ser um anestésico sem patente. “Para aprovar um remédio, as agências exigem que estudos caríssimos sejam realizados. Só que nenhum laboratório farmacêutico tem interesse comercial para tocar essas pesquisas”, esclarece.
Por isso, por mais que a eficácia e a segurança da cetamina para o tratamento da depressão sejam comprovados cientificamente, talvez nunca exista uma regulamentação do FDA ou da Anvisa nesse sentido.
Como a substância é utilizada
O único medicamento aprovado para uso é a escetamina. Esse derivado da cetamina é utilizado na forma de spray intranasal para tratamento de depressão resistente ou com ideação suicida.
Seu problema é o custo. Segundo Rodrigo Delfino, cada aplicação do spray custa de 4 a 6 mil reais. Já a forma endovenosa, reconhecida como padrão pelas diretrizes internacionais, é muito mais barata. Uma ampola do anestésico custa cerca de 50 reais e atende quatro ou cinco pacientes.
O que encarece a terapia é que a aplicação deve ser feita em ambiente hospitalar, com acompanhamento médico. A substância pode aumentar um pouco a pressão sanguínea e a frequência cardíaca do paciente.
Além disso, é comum os pacientes relatarem alteração de percepção da realidade, como a sensação de estar flutuando. Alguns podem se assustar com isso. O “barato” dura somente durante a aplicação do anestésico.
“A cetamina não é um psicodélico puro, como psilocibina, LSD, DMT. Mas ela induz efeitos de alteração de percepção da realidade, alteração de sensações e de pensamentos”, diz o médico.
Por isso, o anestésico é utilizado como droga recreativa em baladas, com o nome de Special K. “Não é uma medicação para levar para casa, porque ela tem potencial de abuso. A cetamina tem que ser utilizada em um contexto de saúde”, afirma.
O tratamento inicial prevê de seis a oito infusões, aplicadas uma ou duas vezes por semana. Cada sessão dura cerca de 40 minutos e custa, em média, de 800 a 1000 reais. Segundo Rodrigo Delfino, a maior parte dos pacientes não precisará de doses adicionais.
Fonte:https://revistamarieclaire.globo.com/saude/noticia/2023/04/usei-cetamina-para-tratar-depressao-e-resgatei-a-vontade-de-viver.ghtml
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