AQUECIMENTO DO ATLÂNTICO SUL "TEM IMPACTO COLOSSAL" NO CLIMA DO BRASIL: ENTREVISTA

 Regina Rodrigues, professora de Oceanografia e de Clima da Universidade Federal de Santa Catarina

Entrevista: Aquecimento do Atlântico Sul 'tem impacto colossal' no clima do Brasil, afirma oceanógrafa

Regina Rodrigues, da UFSC, coordena o grupo que estuda o Atlântico e suas ondas de calor na Organização Meteorológica Mundial (OMM)

Por 

Ana Lúcia Azevedo 

— Rio de Janeiro

19/11/2023 04h31  Atualizado há 5 horas

Crucial para o clima no Brasil, o Atlântico Sul é o oceano com a maior tendência de aquecimento, afirma Regina Rodrigues, professora de Oceanografia e de Clima da Universidade Federal de Santa Catarina. Ela coordena o grupo que estuda o Atlântico e suas ondas de calor na Organização Meteorológica Mundial (OMM). Somado aos efeitos do El Niño, que nasce no Oceano Pacífico, o aquecimento do Atlântico se manifesta em mais extremos climáticos, explica a cientista.

Por que temos tanto calor?

Devido a uma série de fatores, inclusive o El Niño, que pode ter seus efeitos amplificados pelas mudanças climáticas associadas à ação humana. Temos uma atmosfera cada vez mais aquecida. A cada segundo, os oceanos absorvem energia equivalente à de cinco bombas como as de Hiroshima. São o melhor termômetro para os efeitos das mudanças climáticas porque são para onde vai a maior parte do calor.

E o quanto absorvem?

Os estudos mais recentes mostraram que os oceanos absorvem 89% do excesso de calor devido às emissões de gases-estufa provenientes da ação humana.

O quanto o Atlântico Sul aqueceu?

Ele está muito mais quente. Cerca de 1,6°C na faixa tropical e 1°C no restante. Pode parecer pouco, mas tem impacto colossal, porque é preciso acumular muito calor para aquecer uma faixa tão grande de oceano. A água libera energia para a atmosfera e isso é combustível para o desequilíbrio climático.

O que podemos esperar do aquecimento do Atlântico?

O efeito mais direto são ondas de calor marinho muito fortes. Elas afetam a pesca e também devastam os recifes de corais. E há efeitos sobre o clima de forma geral.

Quais efeitos?

O aumento da velocidade de intensificação e da potência dos ciclones, por exemplo. O número de ciclones permanece mais ou menos o mesmo. Mas eles têm se desenvolvido mais depressa e ficado mais poderosos. Há também sinais de que estão se aproximando mais do continente. Os ciclones extratropicais geralmente se formam no meio do oceano, e quando se aproximam da terra, chegam mais fracos. Porém, quando se formam mais perto do continente, as consequências são piores, porque não perderam força.

O quanto pode ser pior?

Os ciclones extratropicais são geradores de tempestades. Temos visto tempestades maiores e mais intensas no Sul, algumas no Sudeste.

Foram tempestades oceânicas que provocaram fenômenos este mês como o “tsunami meteorológico” em Santa Catarina e a ressaca no Rio de Janeiro. Podemos esperar mais?

Sim. Mas não acho adequada a expressão tsunami meteorológico. Não se trata de apenas uma onda, mas de várias delas que avançam terra adentro. O correto seria “trem de ondas”. São gerados pela pista de vento de uma grande tempestade no mar. Tivemos fenômenos recentes do tipo em Laguna (SC), em Niterói e, em abril, na Praia da Joaquina, em Florianópolis. O de Niterói foi causado pelo mesmo ciclone cujos ventos afetaram a cidade de São Paulo. E ainda há outros fenômenos marinhos.

Quais fenômenos?

Alagamentos marinhos sem chuva associados à elevação do nível do mar. Isso já aconteceu em Florianópolis e se tornou um problema em Miami.

Os ventos estão mais fortes?

Os ventos costeiros estão mais intensos devido ao contraste entre a temperatura da terra e do mar.

O que podemos esperar para os próximos meses?

Sobretudo seca no Norte e Nordeste, e muita chuva no Sul. A zona de convergência intertropical, um canal importante de umidade, já deveria estar formada no Norte da Amazônia, mas isso ainda não aconteceu. Com isso, as chuvas atrasaram. E a seca começou antes mesmo do que se esperava. O calor deve continuar intenso no Centro-Oeste e no Sudeste.

Esse tem sido um ano extremo desde o início. A fúria climática de 2023 surpreende?

Não estamos surpresos com o que está acontecendo. Foi previsto há décadas. O que nos assombra é a velocidade com que ocorre, muito mais acelerada do que a prevista.

Fenômenos naturais como o El Niño e a La Niña também sofrem influência das mudanças climáticas?

Não são naturais ou normais as alterações de frequência e intensidade com que se manifestam. A La Niña é o oposto do El Niño. Ela se forma em águas mais frias e puxa mais calor para o oceano. Há indícios de que podemos esperar ter de novo La Niñas múltiplas intercaladas por El Niños extremos. Isso não ocorria antes.

Quais as consequências?

No Brasil, significa intercalar secas intensas no Sul e grandes chuvas no Norte, típicas das La Niñas, com as chuvas torrenciais no Sul e a seca no Norte, dos El Niños.


Fonte:https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2023/11/19/entrevista-aquecimento-do-atlantico-sul-tem-impacto-colossal-no-clima-do-brasil-afirma-oceanografa.ghtml

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