TUDO O QUE VOCÊ PRECISA SABER SOBRE A ESCOLA BUDISTA TIBETANA VAJRAIAMA

 Pintura Vajrayana thangka

(Item nº 503) Coleção do Museu de Arte Rubin. (número de acesso P1996.29.1)

Introdução | John Powers


Ao amanhecer em Dharamsala, quando o sol surge entre as montanhas, várias pessoas já estão acordadas e andando pelo caminho ao redor da residência do Dalai Lama, o líder espiritual do povo tibetano. Dharamsala é uma pequena cidade situada no sopé dos Himalayas, as montanhas mais altas do mundo, e hoje Dharamsala é o centro da comunidade buddhista tibetana exilada na Índia, e o lar do Dalai Lama. Tenzin Gyatso, o décimo quarto Dalai Lama, é considerado por seus seguidores como sendo uma emanação física de Avalokiteshvara, o buddha da compaixão e divindade patrona do Tibet. Obrigado a deixar sua terra natal em 1959, quando o exército chinês anexou o Tibet à força, ele e muitos de seu povo se assentaram na Índia, onde continuam a olhar para as montanhas, esperando um dia voltar à sua terra natal.

A dura realidade da diáspora e a tenuidade de sua posição no exílio não diminuíram a reverência do povo tibetano pelo Dalai Lama, e o grande número de pessoas que andam ao redor de sua residência em Dharamsala são um testemunho de seu respeito por ele. As pessoas nesse caminho são um grupo representativo de toda a sociedade tibetana: jovens e velhos, leigos, monges, monjas e pessoas de todos os níveis da sociedade. Algumas estão indo trabalhar ou fazer compras, e escolhem o caminho ao redor da residência do Dalai Lama porque se acredita que andar ao redor dela traz mérito, mesmo que se ande por apenas uma parte do caminho. Muitas das pessoas no caminho vão fazer este circuito várias vezes, e sua caminhada será um ato de devoção religiosa.

A maioria leva contas de oração (sânsc. mala, tib. trengwa / phreng ba), usadas para marcar o número de vezes que cantam um mantra (tib. ngag / sngags). O uso de mantras é profundamente enraizado no buddhismo tibetano. São preces curtas em que se acreditam alterar a mente de maneira sutil e fazer uma conexão com um buddha (tib. sangye / sangs rgyas), ou ser iluminado, específico. O buddhismo tibetano não tem deuses no sentido ocidental do termo — as divindades do buddhismo tibetano são buddhas, literalmente, "despertos" que, em vidas passadas, foram pessoas comuns, mas que transcenderam o comum através de suas meditações e realizações. Quando os tibetanos cantam um mantra associado a um buddha específico, não estão simplesmente pedindo as bênçãos e a ajuda do buddha — a meta final da prática é a deles mesmos se tornarem buddhas, já que os buddhas são seres sencientes que realizaram o mais elevado potencial que todos nós possuímos.

Os tibetanos que caminham ao redor do palácio do Dalai Lama muitas vezes cantam o mantra de Avalokiteshvara — Om Mani Padme Hum — uma prática que faz um tributo ao Dalai Lama como encarnação de Avalokiteshvara e focaliza suas mentes na meta de eventualmente atingir seu nível de sabedoria e compaixão, as duas qualidades que os buddhas corporificam. Muitos vão parar ao longo do caminho em pequenos relicários (sânsc. stupa, tib. chöten / mchod rten) que geralmente contém algum tipo de artefato religioso. Muitas vezes os tibetanos farão prostrações diante dos chörtens ou da residência do Dalai Lama. Acredita-se que isto traz grande mérito religioso e, como o cântico de mantras, ajuda a focalizar a mente na meta da iluminação.

Uma das características comoventes desta prática é o seu foco primário: os outros seres. Geralmente acredita-se que, se alguém realizar ações religiosas unicamente para benefício próprio, essas práticas não são efetivas e produzem pouco ou nenhum mérito. Já que se está tentando atingir a iluminação, e já que os buddhas são seres cuja compaixão se estende a todos os seres, qualquer um que cante o mantra do buddha da compaixão ou faz uma homenagem ao Dalai Lama unicamente por ganho pessoal é considerado como sendo profundamente desorientado. Os tibetanos reconhecem isto e, quando forem perguntados, geralmente vão indicar que oferecem o mérito de suas devoções religiosas para o benefício de todos os seres sencientes.

Tudo ao longo do caminho são símbolos religiosos, a maioria dos quais são conectados a Avalokiteshvara ou à sua manifestação humana, o Dalai Lama. Há muitas "paredes mani", que são pilhas de pedras, cada uma das quais inscrita com o mantra Om Mani Padme Hum. Isto significa, literalmente, Om Jóia no Lótus Hum, e tem um tremendo significado para os devotos buddhistas tibetanos. A sílaba Om é comumente achada nos mantras e se diz que simboliza a natureza última de toda a realidade, a verdade final das coisas. A "jóia no lótus" é a compaixão, a qualidade que se acredita ser corporificada por Avalokiteshvara.

O simbolismo deste mantra revela uma grande parte das pré-suposições e práticas do buddhismo tibetano. Um lótus é nascido na sujeira e na lama do fundo de um pântano, mas quando emerge sobre a superfície da água e abre sua pétalas, uma bela flor aparece, sem a lama da qual surgiu. Similarmente, a compaixão genuína surge da sujeira do mundo comum, que é caracterizado pela luta, ódio, desconfiança, ansiedade e outras emoções negativas. Mas assim como o mundo é o lugar das emoções negativas, é também o lugar em que podemos nos tornar buddhas, seres iluminados que despertaram do sono da ignorância e que perceberam a realidade como ela é, com absoluta claridade e profunda compaixão pelos seres que sofrem.

Assim como o lótus surge da lama de um pântano, os buddhas foram anteriormente seres humanos, imersos nos pensamentos negativos e ações em que todos os seres comuns se engajam: brigas, guerras, ciúmes e ódios desprezíveis, aos quais os seres comuns estão sujeitos. Através de seu treino meditativo, porém, os buddhas transcenderam tais coisas, e como os lótus, emergem sobre suas origens na sujeira e olham para ela, não sendo maculados pela lama e lodo que estão abaixo. O simbolismo pode ser estendido ainda mais, porque os buddhas não apenas escapam do mundo e olham para os outros abaixo, com piedade de um deleite desapegado; ao invés disso, como o lótus que ainda tem suas raízes conectadas com a lama no fundo do lago, os buddhas continuam a agir no mundo pelo benefício dos outros, tomando continuamente a forma humana para ajudá-los, para fazê-los conscientes da realidade de suas situações e para indicar o caminho da iluminação, que pode livrá-los do sofrimento.

Todos estes símbolos estão operando nas mentes dos tibetanos que estão fazendo o circuito ao redor da residência do Dalai Lama. Eles o percebem como a corporificação de suas mais elevadas aspirações, alguém que transcendeu o mundo através do esforço individual, da atividade compassiva e da meditação diligente, mas ainda continua a emanar manifestações físicas para beneficiar os outros. A compaixão de Avalokiteshvara é completamente imaculada de quaisquer emoções negativas; ele não tem a necessidade de louvor, não procura a aprovação dos outros e suas ações são completamente intocadas por pensamentos de ganho pessoal. Ao invés disso, ele corporifica o mais elevado e puro nível da compaixão, uma compaixão que é dita como sendo inconcebível pelos seres comuns. O desenvolvimento de tal compaixão pura no mundo comum da ignorância, desejo e ódio, é dita como sendo tão rara quanto um lótus crescendo do fundo de um pântano e abrindo suas pétalas para revelar uma jóia perfeita em seu interior. Isto indica a natureza multifacetada do simbolismo do mantra que os tibetanos cantam ao andar ao redor da residência do Dalai Lama. Enquanto andam, eles tentam manter este simbolismo em mente, porque se acredita que o quanto mais se familiarizar com isso, mais natural ele se torna, mais e mais se pensa e se age de acordo com isso.

Esta é a idéia básica que sublinha o sistema da meditação tântrica, que é considerada pelos tibetanos como o meio mais efetivo de se atingir a iluminação. Neste sistema, tenta-se transformar a mente através da meditação e através do cercar a si mesmo com os símbolos que ressoam com as próprias metas religiosas, que conduzem a mente aos pensamentos de compaixão, sabedoria, altruísmo, comportamento ético, paciência etc. As pessoas no caminho ao redor da residência do Dalai Lama estão fazendo mérito religioso, que se espera pagar os dividendos no futuro, mas em um nível mais profundo, elas estão tentando reorientar suas mentes na direção de uma compaixão maior e mais espontânea, já que esperam atingir absolutamente o mesmo nível de Avalokiteshvara. Enquanto observam a residência da manifestação humana de Avalokiteshvara, elas desejam se tornar como ele, e as paredes mani, chörtens e rochas esculpidas com seu mantra servem para conduzir a atenção ao seu trabalho, que é o de não apenas pedir ajuda a alguma divindade poderosa, mas se tornarem divindades por si mesmas e trabalhar pela melhoria dos outros.

Um dos aspectos da vida em uma comunidade tibetana exilada que impressiona a maioria dos ocidentais é a difusão de tal simbolismo. Em todos os lugares por onde se anda, os símbolos buddhistas sobressaem: há paredes com rodas de oração inscritas com mantras, e as pessoas que as giram acreditam estar enviando um prece para o benefício de todos os seres sencientes. As bandeiras de oração, com curtos mantras ou invocações escritas nelas, oscilam ao vento, cada movimento enviando uma prece pelo benefício dos outros. Relicários de vários tamanhos, assim como monastérios, monges, monjas, templos e estátuas captam o olhar em todos os lugares, e muitas das pessoas que passam estão engajadas em atividades associadas com a prática buddhista: uma mulher a caminho do mercado está segurando suas contas de oração e suavemente recitando um mantra; um grupo de crianças está se prostrando em frente a um templo; uma fila de pessoas está se movendo vagarosamente ao redor de uma parede com rodas de oração, girando cada uma pelo benefício dos outros.

Em todos os lugares para onde se olha, percebem-se os sinais os das atividades que poderiam ser classificadas como "religiosas" pela maioria dos ocidentais, mas elas estão tão profundamente entrelaçadas no tecido da vida tibetana diária que é difícil de separar uma única parte deste tapete que seja puramente "religiosa" ou uma parte que seja apenas "secular". Não há distinção clara entre vida religiosa e secular nas sociedades tibetanas, e a "religião" não é compartimentalizada em certos lugares e horas, como tende a ser nas sociedades ocidentais. Ao invés disso, o buddhismo é o próprio sangue-vida da comunidade, e sua influência é vista em todos os aspectos da vida diária.

A língua tibetana nem mesmo possui um termo como as mesmas associações para a palavra "religião". A palavra mais próxima é chö (chos), que é uma tradução tibetana da palavra em sânscrito dharma. Este termo tem uma ampla gama de significados possíveis, nenhuma palavra em português vem a expressar aproximadamente as associações que ela tem para os tibetanos. Em seu uso mais comum, ela se refere aos ensinamentos do buddhismo, em que se acreditam expressar a verdade e delinear o caminho para a iluminação. O caminho é multifacetado, e há ensinamentos e práticas para servir a cada tipo de pessoa. Não há ninguém no caminho que todos sejam obrigados a seguir e não há práticas que sejam prescritas para todos os buddhistas. Ao invés disso, o dharma tem algo para cada um, e qualquer um pode se beneficiar com algum aspecto do dharma.

Porém, por causa desta natureza multifacetada, não há uma "verdade" que possa ser colocada em palavras, nem há um programa que treinamento que todos possam ou precisem seguir. O buddhismo tibetano reconhece que as pessoas têm diferentes capacidades, atitudes e pré-disposições, e o dharma pode e deve ser adaptado a isto. Assim, não há uma única igreja em que todos devam cultuar, nenhum serviço religioso em que todos devam participar, nenhuma oração que todos devam dizer, nenhum texto que todos devam tratar como normativo, e nenhuma divindade que todos devam cultuar. O dharma é extremamente flexível e se alguém achar que uma prática específica leva a diminuir as emoções negativas, a conduzir para a paz e felicidade maiores, e a aumentar a compaixão e a sabedoria, isto é o dharma. O Dalai Lama afirma que é possível praticar o dharma até mesmo seguindo os ensinamentos e práticas de tradições não-buddhistas, como o cristianismo, islamismo, judaísmo ou hinduísmo. Se alguém pertence a uma destas tradições e se a sua prática religiosa conduz ao avanço espiritual, o Dalai Lama aconselha a mantê-la, já que esta é a meta de todos os caminhos religiosos.

Neste sentimento, ele volta ao Buddha histórico, Shakyamuni, que nasceu no século V a.C. no atual Nepal. Quando estava prestes a falecer, o Buddha foi questionado por alguns de seus alunos, que estavam preocupados com que, após a morte do mestre, as pessoas pudessem começar a propor suas próprias doutrinas, que não teriam sido ditas pelo próprio Buddha, e que estas pessoas poderiam dizer aos outros que essas doutrinas eram as suas palavras reais. Em resposta, o Buddha disse a eles, "Tudo o que for bem-dito é a palavra do Buddha". Em outras palavras, se um ensinamento específico resulta em paz, compaixão e felicidade maiores, e se ele leva a diminuir as emoções negativas, então ele pode seguramente ser adotado e praticado como o dharma, não importa quem o propôs originalmente.

Esta flexibilidade faz ser difícil escrever sobre o buddhismo tibetano, um tapete de muitas camadas, composto de muitos fios diferentes, e qualquer um que espera escrever uma introdução a este sistema é encarado com o trabalho intimidador de sortir através de séculos de história, imensas quantidades de material textual e múltiplas linhagens de ensinamento e prática, cujo problema é composto pelo escopo do buddhismo tibetano, encontrado por toda a área cultural tibetana. Esta área inclui as regiões do Tibet central; grandes partes do Tibet ocidental que tradicionalmente eram autônomas; Amdo e Kham nas regiões orientais, que apesar de serem culturalmente tibetanas, falam dialetos distintos e mantinham independência das regiões centrais; as planícies abertas de Changtang, terra dos nômades tibetanos; muito da atual Mongólia; grandes áreas da Ásia central; áreas menores da presente Rússia e parte de várias repúblicas da ex-URSS; muito da região do Himalaia e do norte da Índia, incluindo o Ladakh, Zanskar e Sikkim; e os países vizinhos, Nepal e Butão.

Além disso, devido à diáspora do povo tibetano, trazida pela invasão e ocupação do Tibet pela China, hoje a religião e cultura tibetanas estão sendo difundidas por todo o mundo, e aumentando o número de pessoas no Ocidente que se consideram aderentes do buddhismo tibetano. Milhões ouviram ensinamentos ou leram livros e artigos de professores tibetanos, com o resultado de que a cultura tibetana está atraindo uma inesperada atenção de fora da sua terra natal, ao mesmo tempo em que tem sido sistematicamente erradicada em sua terra de origem.

(Adaptado do livro Introduction to Tibetan Buddhism,
John Powers, Snow Lion Publications)


Tibet | O Dharma na Terra das Neves


Palácio Potala, Lhasa

Desde o tempo do primeiro rei tibetano, Nyatri Tsenpo, a religião predominante no Tibet era o Bön. Durante o reinado de Lha Totori Nyentsen, ocorreram os primeiros contatos com o buddhismo. Seu quinto sucessor foi o rei Songtsen Gampo (tib. Srong btsan sGam po, 617-698), que colaborou com o estabelecimento do buddhismo no seu império e introduziu costumes do Dharma, principalmente a conduta moral.

Seu quinto sucessor, o rei Trisong Detsen (tib. Khri srong lDe brtsan, 790-858) convidou vários os mestres Danashila de Singala, Kamalashila da China, Shantarakshita (Khenpo Bodhisattva) de Zahor, Vimalamitra de Kashmir e o Padmasambhava de Uddiyana. O rei patrocinou a tradução de textos buddhistas para o tibetano e, em 779, fundou o primeiro monastério tibetano, Samye (tib. bSam yas), com base na linhagem de ordenação indiana dos Mula-sarvastivadins.Monastério Samye

Segundo a história tradicional, Padmasambhava (também conhecido como Guru Rinpoche, Mestre Precioso) subjugou as "divindades e demônios" do Tibet, que se opunham à introdução do buddhismo. Ao invés de abolir as práticas e crenças da religião Bön tibetana, Padmasambhava utilizou-as para difundir o buddhismo.

A diversidade das influências é bem simbolizada pelas duas esposas de Songtsen Gampo, ambas buddhistas e cada uma acompanhada por missionários da China e do Nepal. Na época de Trisong Detsen (século VII), as relações entre os representantes das duas tradições eram ásperas, e os argumentos seriam resolvidos por um debate, ou por uma série de debates, no monastério Samye [entre 792 e 794]. O grupo indiano, com uma abordagem gradualista para a iluminação, foi representado por Kamalashila. A tradição chinesa foi representada por um monge chamado Ho Shang Mahayana, que parece ter apresentado uma forma de ensinamento Ch'an [Zen] que conduziria à iluminação súbita através do corte de todas as diferenciações mentais. Eventualmente, o rei declarou Kamalashila como vitorioso, e a partir de então todos os buddhistas tibetanos deveriam ser praticantes da tradição indiana. Ho Shang foi banido.

Monastério Sera

É provável que a decisão do rei tenha sido, em parte, pragmática, já que o grupo indiano argumentou que a visão de uma iluminação súbita minava a moralidade. Se a iluminação ocorresse repentinamente, sem a preparação do caminho gradual, então a prática da moralidade e das perfeições não teriam sentido. Parece ter havido uma má representação da verdadeira posição de Ho Shang, pois outras fontes indicam que ele advogava a prática das perfeições e da ordenação monástica completa.

Porém, é possível que o rei estivesse interessado que a religião tivesse uma influência moralizadora sobre seu povo e, portanto, escolheu a tradição que dava mais ênfase sobre a moralidade.

(Andrew Skilton, A Concise History of Buddhism)

[C]hamar o buddhismo tibetano de lamaísmo é errado porque ele não foi inventado pelos lamas tibetanos. Quando nos deparamos com um ponto importante, sempre citamos um confiável mestre indiano. Este método de autenticação de um ponto ou questão em particular pela citação de textos indianos como autoridade final foi tão amplamente aceito que, em alguns casos, algumas visões são recusadas por não se basearem em nenhum texto indiano autêntico.

(Dalai Lama, Amor, verdade, felicidade)

No século IX, o rei Langdarma (tib. gLang dar ma), adepto da religião Bön, perseguiu vigorosamente o buddhismo até ser assassinado por um monge, em 842; isto encerra a primeira fase do buddhismo no Tibet. A segunda fase começa depois da estabilização política no século X e do renascimento gradual do buddhismo a partir do oeste do Tibet. Em 1042, o monge indiano Atisha (980-1055), do monastério Vikramashila, foi convidado a visitar o país. Atisha introduziu grandes mudanças no buddhismo tibetano, tomando como base as fontes monásticas indianas. Seus discípulos fundaram a primeira escola buddhista tibetana, chamada Kadam (tib. bKa' gdams).

Após o debate de Samye de 792-794 ter selado a vitória do buddhismo indiano no Tibet, a apostasia de Langdarma, o último rei da dinastia tibetana, deixou o buddhismo institucional destruído com seus monastérios destruídos ou abandonados, e seus monges dispersados ou forçados a se casar. Após a morte de Langdarma até o final do século IX, o reino quebrou-se em uma multitude de principados que se gastavam em confrontos incessantes, enquanto os sacerdotes bönpos reobtiveram o poder que aparentemente tinha escorregado de suas mãos.

Cerca de um século depois, os conflitos terminaram e o Tibet naturalmente voltou-se para a Índia como uma fonte da qual tirou elementos culturais e religiosos para a sua própria renovação. Os senhores de guerra, que falharam em impor qualquer vitória definitiva através de meios militares, agora tentaram basear seu poder temporal sobre uma associação com o poder reemergente das autoridades religiosas, enquanto também davam suporte ativamente às artes, à medicina e à tradução de textos.

Esta renascença cultural e religiosa, muitas vezes referida como a segunda propagação do buddhismo no Tibet, constitui um dos períodos mais férteis em sua história. Muito estranhamente, esta renascença apareceu primeiro nos reinos afastados de Guge e Purang no oeste. Os governantes destes reinos distantes, todos buddhistas fervorosos, convidaram mestres indianos das grandes universidades monásticas da Índia a visitar suas cortes. Atinha, o mais famoso de todos, chegou no Tibet em 1042, e tendo viajado e ensinado extensivamente, faleceu lá em 1054. [...]

Em um desenvolvimento paralelo, numerosos tibetanos também cruzaram os Himalaias em sua busca por ensinamentos e textos raros, nas mesmas universidades e aos pés dos mahasiddhas. Deste modo apareceram uma nova geração de grandes tradutores tibetanos, incluindo: Rinchen Zangpo (958-1055) que foi enviado a Kashmir pelos reinos de Guge [e que teria fundado 108 monastérios ao retornar ao Tibet]; Drogmi (992-1072), o grande tradutor tibetano e mestre da tradição do Caminho e Fruto (tib. Lamdre / Lam bras); e Marpa Lotsawa (1012-1096), que pavimentou a base da escola Kagyü.

Estes seres excepcionais não hesitaram em se incumbir da longa viagem às baixas planícies da Índia, desbravando perigos, doenças e dificuldades a fim de trazer textos tântricos e ensinamentos anteriormente desconhecidos, que traduziram a partir do sânscrito e transmitiram a discípulos escolhidos. Este corpo de traduções conhecidas como novas (tib. Sarma / gSar ma) eventualmente trouxe a emergência de novas escolas, junto com a escola baseada nas traduções antigas (tib. Nyingma / rNying ma) da era real. [...]

Na ausência de qualquer poder político ou religioso centralizado, comunidades informais desenvolveram-se ao redor destes mestres tibetanos, muitas vezes suportados por ricas famílias. Algumas destas comunidades gradualmente se transformaram em instituições monásticas, por exemplo Radreng (tib. Reting / Rva dreng), fundada em 1056, e o colégio Sakya, estabelecido em 1073. Outros retiveram seu caráter informal, produzindo a conseqüentemente a tradição dos "santos loucos", em descendência direta da tradição indiana dos mahasiddhas. Estes yogis errantes, que permaneciam fora de qualquer estrutura institucional, representam o ideal buddhista tibetano da renúncia e realização, até os dias presentes. Esse era o estilo de vida de Milarepa e seus discípulos e também da pequena comunidade que se reuniu ao redor de Machig Labdrön em Zangri, a Montanha de Cobre.

(Jérôme Edou, Machig Labdrön and the Foundations of Chöd)

Drogmi (tib. 'Brog mi, 992-1072) levou ao Tibet o Hevajra Tantra (tib. Kye rdo rje gyus Kyedorje Gyü), o principal texto dos ensinamentos sobre o Caminho e Fruto (tib. Lamdre / Lam bras). Seu discípulo Könchog Gyelpo (tib. dKon mchogs rGyal po, 1034-1102) fundou, em 1073, o monastério Sakya (tib. Sa skya), que se tornaria a sede da escola homônima. Sakya Pandita (1182-1251) converteu mongol Godan Khan em 1247 e tornou-se rei em 1261.

Monastério Sakya

Marpa (tib. Mar pa, 1012-1097), fez três viagens à Índia e recebeu os ensinamentos do mestre tântrico Naropa (1016-1100). De volta ao Tibet, Marpa traduziu inúmeros textos para o tibetano. Seu principal discípulo foi o poeta Milarepa (tib. Mi la ras pa, 1040-1123), um dos mais venerados santos tibetanos. O monge Gampopa (tib. sGam po pa), ordenado na escola Kadam, recebeu os ensinamentos tântricos de Milarepa e fundou a escola Kagyü.

Monastério TashilhunpoNo século XII, surgiu formalmente a escola Nyingma (tib. rNying ma), derivada das primeiras linhagens buddhistas introduzidas no Tibet por Padmasambhava e Shantarakshita. Ao contrário das outras escolas, a Nyingma não se envolveu nas questões políticas. A escola Sakya, com apoio dos mongóis, conseguiu uma grande influência política, que depois passaria para a escola Kagyü.

No século XIII, Yumo (tib. Yu mo) fundou a escola Jonang (tib. Jo nang), sistematizada por Dölpupa (tib. Dol pu pa). Este escola era baseada na doutrina Tathagatagarbha e foi extinta posteriormente. No século XIV, Putön (tib. Bu ston, 1290-1364) concluiu a compilação do cânone tibetano, o Kangyur Tengyur (tib. bGa' 'gyur bsTan 'gyur). A escola Gelug (tib. dGe lugs) foi fundada pelo monge Tsongkhapa (tib. Tsong kha pa, 1357-1419), reformando a antiga escola Kadam e estabelecendo três novos monastérios (Ganden, Sera e Drepung). O monge Sönam Gyatso (tib. bSod nams rGya mtsho, 1543-1588) recebeu o título de Dalai Lama (oceano de sabedoria), que continua sendo usado para designar o lama superior da escola Gelug.

No século XIX, surgiu o movimento Rime (tib. Ris med), procurando resgatar as fontes buddhistas indianas, superar o sectarismo e estruturar os ensinamentos de forma prática. Entre seus principais representantes, pode-se citar Jamyang Khyentse (tib. 'Jam dbyang mKhyen brtse, 1820-1892), Mip'ham (tib. Mi pham, 1841-1912), Chogyur Dechen Lingpa (tib. mChog gyur bDe chen gLing pa, 1829-1879) e Jamgön Kongtrül (tib. 'Jam mgon Kong sprul, 1811-1899).Norbulingka

De modo geral, as escolas Nyingma e Kagyü tendem a seguir a abordagem de um kusulu ou simples meditador; enquanto isso, as escolas Sakya e Gelug tendem a seguir a abordagem analítica de um pandita ou erudito.

Quatro tradições maiores — Nyingma, Kagyü, Sakya e Gelug — emergiram como resultado da disseminação anterior e posterior dos ensinamentos buddhistas no Tibet e também por causa da ênfase colocada pelos grandes mestres do passado sobre diferentes escrituras, diferentes técnicas de meditação e, em alguns casos, diferentes termos usados para expressar experiências específicas. Muitas vezes as pessoas chamam estas diferentes tradições de "chapéus pretos", "chapéus vermelhos", "chapéus amarelos" e coisas assim. Mas se o único critério que tivéssemos para distinguir as tradições fosse a cor do chapéu que elas usam, e já que o Senhor Buddha não costuma usar qualquer chapéu, seríamos obrigados a chamar sua tradição de "sem chapéu"!

O que é comum a todas as quatro tradições maiores do buddhismo tibetano é a sua ênfase sobre a prática de toda a estrutura do caminho buddhista, que compreendem [...] não apenas essência dos ensinamentos do Vajrayana, mas também a das práticas dos bodhisattvas e das práticas básicas do Hinayana. Na Índia, baseadas em diferenças de ponto de vista filosófico, emergiram quatro escolas maiores de pensamento buddhista: Vaibhashika, Sautrantika, Yogachara e Madhyamika. Todas as quatro tradições maiores do buddhismo tibetano, entretanto, mantêm o ponto de vista da escola Madhyamika e, neste ponto, não há diferenças filosóficas fundamentais entre elas.

(Dalai Lama, Dzogchen)

[N]ão devemos considerar o buddhismo tibetano superior às outras formas de buddhismo. Na Tailândia, em Burma e no Sri Lanka, os monges têm um verdadeiro compromisso com a prática da disciplina monástica e, ao contrário dos monges tibetanos, eles ainda mantêm o costume de mendigar comida, o qual era praticado há 2.500 anos por Buddha e seus discípulos. Na Tailândia, juntei-me a um grupo de monges em suas rondas. Era um dia quente e ensolarado e, porque a tradição é sair sem sapatos, os meus pés realmente queimavam. Fora isso, foi inspirador ver a prática dos monges tailandeses.

(Dalai Lama, O Caminho para a Liberdade)

Por muitos séculos, o Tibet permaneceu isolado e desenvolveu uma forma única de buddhismo, incorporando as filosofias e o monasticismo do Mahayana, os métodos tântricos do Vajrayana e as crenças nativas da religião Bön. Sua presença não se restringe ao Tibet, mas está presente em toda a região do Himalaia, no norte da Índia (Ladakh, Zanskar, Sikkhim), no Butão, no Nepal, na Mongólia, na Ásia Central, na China (Xinghai, Gansu, Yunan e Sichuan) e em repúblicas autônomas do sul da Rússia — especificamente no Cáucaso (Kalmykia) e na Sibéria (Buryatia e Tuva). Após seus primeiros contatos com o mundo exterior, o forte simbolismo tântrico do buddhismo tibetano fez com que ele fosse considerado uma forma deturpada dos ensinamentos de Buddha. Nas últimas décadas, porém, com o êxodo de seus lamas para outros países, o conhecimento sobre o buddhismo tibetano tem aumentado e os estudiosos passaram a vê-lo de outra forma.

No Tibet, os eruditos não esqueceram a prática espiritual e os praticantes não negligenciam o estudo; os sábios uniram o conhecimento à realização. E trata-se, a meu ver, de um excelente procedimento.

(Dalai Lama, Como um Relâmpago Rasgando a Noite)

O buddhismo tibetano é notável por ter preservado até o século XX a tradição contínua das universidades monásticas do norte da Índia, uma tradição que, deste 1959, tem sido transplantada para a Índia e para muitos países ocidentais. Para entender a natureza desta tradição, deve-se olhar suas origens no ambiente monástico da dinastia Pala da Índia [760-1142], que forneceu o modelo definitivo para o sistema monástico tibetano. As universidades indianas e suas contrapartes tibetanas enfatizavam uma abordagem sintetizadora do buddhismo, na qual era feita uma tentativa de categorizar e incorporar todas as doutrinas e práticas, reconciliando todas as diferenças em um sistema universal que cobrisse todos os aspectos do Dharma.

(Andrew Skilton, A Concise History of Buddhism)

O primeiro pesquisador europeu sobre língua tibetana, o húngaro Csoma de Körös, viajou extensivamente ao Ladakh no início do século XIX antes de produzir seu pioneiro dicionário e resumo de literatura tibetana em 1834. O monge zen-buddhista japonês Ekai Kawaguchi submeteu-se a uma privação extraordinária até, disfarçado de chinês, chegar a Lhasa em 1901, onde a profundidade de seus estudos lingüísticos permitiu que entrasse em uma das grandes universidades monásticas. Ele retornou ao Japão com uma extraordinária coleção de textos. Alexandra David-Neel, a exploradora buddhista francesa, disfarçada como a mãe de seu lama, teve sucesso em chegar a Lhasa no início do século XX, uma época em que outros exploradores frustraram-se em suas tentativas de chegar à capital. Seus registros de primeira mão sobre as yogas psicofísicas dos monges meditadores fascinaram os pesquisadores sobre o Tibet desde então. Poucos tiveram esses contados próximos com os yogis. E não devemos esquecer Sir Francis Younghunsband, cuja filosofia idiossincrática, prefigurando de modos modos os interesses espirituais contemporâneos, deve muito a experiências pessoais no Tibet.m os pesquisadores sobre o Tibet desde então. Poucos tiveram esses contados próximos com os yogis. E não devemos esquecer Sir Francis Younghunsband, cuja filosofia idiossincrática, prefigurando de modos modos os interesses espirituais contemporâneos, deve muito a experiências pessoais no Tibet.

Desde a década de 1930, viajados instruídos nos Himalaias e no Tibet Ocidental fizeram grandes contribuição de modo similar. O erudito alemão Lama Anagarika Govinda, [o italiano] Giuseppi Tucci — o principal intérprete da religião tibetana — e David Snellgrovve — da London School of Oriental and African Studies — escreveram diários de viagem e forneceram registros detalhados e traduções de cerimônias monásticas, textos espirituais e antigas hagiografias. No Ladakh, o pesquisador buddhista britânico Marco Pallis combinou registros de montanhismo com um estudo simpático do buddhismo local.

(John Crook, The Yogins of Ladakh)

Templo JokhangEm 1949, começou a ocupação chinesa no Tibet. Dez anos depois, um levante tibetano não teve sucesso e o governo comunista consolidou sua invasão. Aproximadamente 1,2 milhão de tibetanos morreram e mais de 6.200 monastérios foram destruídos, restando apenas 13. Cerca 100.000 tibetanos, como o Dalai Lama e vários outros mestres, foram obrigados a se exilar.

Até a invasão chinesa de 1950, pensava-se no Tibet basicamente como um Shangri-Lá, a terra mágica de sabedoria milenar e beleza inacessível, onde os estrangeiros raramente tinham permissão para entrar. Um dos primeiros livros sobre este assunto, que foi campeão de vendagem no mundo inteiro, foi o romance de aventuras de James Hilton, Horizonte Perdido, publicado em 1933, sobre um mosteiro no Tibet. A capital do Tibet, Lhassa, o lar do Dalai Lama, a três mil metros de altitude, envolta em mito e protegida pelos picos nevados do Himalaia, foi muitas vezes chamada de "Cidade Proibida". Isolado e fechado, o Tibet não mudava havia séculos, e o progresso tecnológico e a modernização enfrentaram sempre aí forte resistência. O país nunca passou por uma idade da razão ou de desenvolvimento científico.

Existe uma tendência compreensível em romantizar aquele Tibet que existiu antes da violenta invasão chinesa. Entretanto, é um erro pensar que o Tibet era um Shangri-Lá, onde todos eram iluminados, felizes, vegetarianos e não-violentos. Apesar do Tibet provavelmente dispor da "mais sofisticada tecnologia espiritual e da melhor compreensão das ciências interiores", não podemos fingir que era uma sociedade perfeita. Ainda tinha um longo caminho a percorrer. Antes de trazer para o cotidiano aquilo que parecia dominar no mundo espiritual. Na verdade, quando examinamos o Tibet com atenção, através de uma visão racional e humanista, temos que admitir que era uma teocracia medieval, onde a democracia, a alfabetização e os modernos avanços da medicina ainda não haviam chegado. O que importa hoje é extrair o ouro do minério do Himalaia — encontrar a essência dos ensinamentos da sabedoria imutável nas encostas pedregosas da cultura asiática, da teologia e da anacrônica cosmologia.

Antes da invasão chinesa, uma vida espiritual de devoção e uma vocação monástica eram consideradas uma profissão viável. Um terço da população masculina do Tibet habitava os milhares de mosteiros espalhados pelo país; os mosteiros femininos, repletos de mulheres, também eram numerosos. Até recentemente, as únicas rodas em uso no Tibet eram as rodas de oração, as quais, juntamente com os rosários de contas chamados malas, estavam sempre nas mãos de todos, transformando qualquer atividade, assim como a vida das pessoas, em uma prece contínua.

Por volta de 1920, o predecessor do atual Dalai Lama (o presciente Décimo Terceiro Dalai Lama) fez previsões sinistras sobre os planos chineses para conquistar o Tibet e reprimir a prática do buddhismo. Mas os tibetanos, mais preocupados em manter as coisas como estavam do que em evoluir para os tempos modernos, ignoraram as advertências. Quando as Nações Unidas foram formadas depois da Segunda Guerra Mundial, o Tibet escolheu não fazer parte, e pagou muito caro por esta escolha retrógrada.

Em 1950, quando a China entrou no Tibet, alguns lamas, monges e leigos tiveram a boa idéia de fugir do país. Afortunadamente, alguns deles carregaram consigo antigos objetos sagrados e escrituras. A maior parte dos tibetanos, entretanto, ficou lá. Apesar do jovem Dalai Lama temer o pior, por nove longos anos ele ficou em Lhassa, tentando em vão chegar a algum tipo de acordo com o governo chinês.

Então, em 1959, a tensão e a insegurança que pairavam sobre a vida dos tibetanos se acumularam, originando uma revolta na província oriental de Kham, que chegou até Lhassa. O Dalai Lama foi alertado quando o governo comunista chinês o convidou para assistir a um espetáculo teatral mas não permitiu que levasse seu guarda-costas nem os assistentes. Preocupados com a segurança de seu líder, milhares de tibetanos cercaram o palácio. Quando a luta começou, o Dalai Lama, vestido como um camponês, saiu do palácio na escuridão e começou a difícil e perigosa jornada, em lombo de burro e a pé, através das montanhas, para fora do Tibet e para o asilo político na Índia. Sem saber que o Dalai Lama havia partido, o exército chinês disparou seus canhões contra o palácio no dia seguinte à sua partida, e milhares de tibetanos civis e desarmados morreram.

Quando os chineses rapidamente tomaram os mosteiros e reprimiram a prática do buddhismo, muitos outros lamas e monges também empreenderam a difícil fuga de sua terra natal. Cerca de cem mil tibetanos conseguiram fugir antes de os chineses fecharem as fronteiras, mas muitos daqueles que iniciaram a jornada desapareceram no Himalaia sem deixar vestígios. Para os que ficaram, a vida tomou-se dura e cruel. Monjas, monges e lamas, além de leigos, foram torturados e assassinados. A Anistia Internacional calcula que cerca de um mi1hão e duzentos mil tibetanos tenham sido mortos pelo exército chinês, e muitos ainda permanecem em campos de prisioneiros no nordeste do Tíbete. Dos irnimeros mosteiros antigos que no passado adornavam o árido platô himalaio, apenas duas dúzias ainda permanecem, deixados de pé pelos chineses apenas para exibição.

Os lamas e monges que escaparam precisavam encontrar novos lares. Muitos, como o Dalai Lama, que agora tem sua casa em Dharamsala, na Índia, se estabeleceram em regiões vizinhas ou nos países próximos, como Índia, Nepal, Sikkim, Ladakh e Butão. Outros viajaram para bem longe, terminando na França, na Suíça, na Inglaterra e nos Estados Unidos. Esses mestres também se lembraram das instruções do Buddha aos primeiros sessenta discípulos iluminados, para continuar a espalhar os ensinamentos: "Vão para o mundo, oh monges, para o bem de muitos, para a felicidade de muitos, por compaixão do mundo."

Com a invasão chinesa do Tibet, foi como se uma represa houvesse arrebentado: de repente a sabedoria tibetana começou a fluir livremente do teto do mundo em direção ao Ocidente. Monges e monjas, lamas e mestres que nunca haviam deixado seus mosteiros de clausura e suas ermidas isoladas tiveram que enfrentar um novo mundo — cheio de homens e mulheres ansiosos para aprender sobre o Dharma. Os mestres tibetanos dizem que se houve um bem emanado da invasão chinesa, este bem foi a disseminação dos ensinamentos para tantos alunos novos.

(Lama Surya Das, O Despertar do Buda Interior)

Até hoje, os tibetanos continuam a buscar a liberdade e encontram no Dharma um caminho para superar o sofrimento. Em 1995, 11º Panchen Lama foi seqüestrado pelo governo chinês, e no final de 1999 o 17º Karmapa conseguiu fugir para o exílio na Índia. Apesar de todas restrições impostas pelo governo chinês, cerca de 65% da população tibetana ainda continua a praticar o buddhismo. Felizmente, as quatro principais escolas do buddhismo tibetano (Nyingma, Kagyü, Sakya e Gelug) continuam a existir até os dias de hoje.

Naquele ano [1959], os chineses gentilmente nos informaram que era a hora de deixar o Tibet e de nos reunirmos ao mundo exterior.

(Lama Thubten Yeshe, citado em Wisdom Energy)

Como resultado da diáspora, pesquisadores ocidentais hoje têm acesso à literatura tibetana, o que nunca seria possível se o Tibet permanecesse isolado. Ainda mais do que isso, a invasão chinesa conduziu a maioria dos grandes sábios e religiosos do Tibet ao exílio, fazendo com que as pessoas interessadas em estudar o buddhismo tibetano possam se encontrar com eles e receber suas explicações orais. Por causa disso, a cultura tibetana tem se difundido pelo mundo e lamas eminentes — mais notavelmente o Dalai Lama — têm conseguido viajar e ensinar o Dharma. [...] Assim, a catástrofe do Tibet teve pelo menos alguns resultados positivos, apesar deste fato não diminuir a tragédia da invasão chinesa nem o sofrimento do povo tibetano.

(John Powers, Introduction to Tibetan Buddhism)

Mesmo hoje — apesar do turismo e das abundantes informações fornecidas pela mídia —, parece existir uma imagem do Tibet como uma misteriosa terra das neves, dotada de mágica e misticismo. Obtemos esta compreensão, por exemplo, quando observamos o modo pelo qual elementos da cultura tibetana são usados em propagandas, isto é, em uma área onde a psicologia tem um papel importante.

Então o que podemos dizer sobre esta imagem mítica do Tibet? Apesar de ser composta, em parte, por projeções sonhadoras, fantasiosas, ela contém algum cerne de verdade? Se nos preocuparmos com estas perguntas, encontraremos entre outras coisas, a estranha invenção de uma palavra — "lamaísmo" — que, infelizmente, ainda pode ser encontrada aqui e ali na literatura. Há alguns que atribuem falsas habilidades sobrenaturais aos lamas, enquanto há outros que riem com pena dessas noções, considerando-as como produtos das imaginações super-ativas de excêntricos supersticiosos. Para ambos, prevalece um conceito obscuro e vago do que o lama realmente é; assim, é duramente necessário mencionar que o seu entendimento do buddhismo indo-tibetano — separado do qual a cultura tibetana seria inimaginável — é semelhantemente obscuro e incompleto.

(Dagyab Rinpoche, Buddhist Symbols in Tibetan Culture)

Apesar de ser rejeitado por muitos chefes de governo ocidentais, preocupados em não perder futuras possibilidades comerciais na China, na década de 80 [S.S. o Dalai Lama] surgiu como figura mundial de grande talha espiritual e como símbolo para muitos dos que lutam em diferentes frentes para mudar o estabelecido: direitos humanos, ecologia etc. Com o Prêmio Nobel da Paz concedido em 1989, a compaixão de Sua Santidade, assim como a sua paciência e sua amorosa bondade para com os opressores de seus país e para aqueles que, com o silêncio, admitem essa opressão, representam um extraordinário tributo ao caminho buddhista e um grande exemplo dos ensinamentos de Buddha.

(Alistair Shearer, Buddha)

S.S. o Dalai Lama

Podemos distinguir três grandes razões para a expansão do buddhismo [tibetano] no Ocidente:

  • Algumas pessoas, tendo ouvido falar do Tibet e dos tibetanos, formularam uma opinião favorável sobre eles e foram para a Índia, onde puderam encontrar mestres tibetanos. Constatando o benefício que seus ensinamentos proporcionavam, convidaram muitos lamas e tülkus para vir ao Ocidente.

  • Os valores comuns aos cristianismo e ao buddhismo prepararam um terreno favorável: a devoção (por Deus ou pelas Três Jóias), o amor e a compaixão pelos seres, o respeito a uma ética etc.

  • A maioria dos ocidentais estudou muito, o que desenvolveu sua inteligência. Podem compreender, assim, mais facilmente o buddhismo em seus aspectos profundos.

(Kalu Rinpoche, Ensinamentos Fundamentais do Budismo Tibetano)

 

Vajrayana | O Caminho de Diamante


A expansão do buddhismo pode ser dividida em cinco períodos:

  1. Séculos VI-V a.C.: o Dharma foi exposto pelo Buddha e difundido por seus discípulos;
  2. Séculos V a.C. - I d.C.: foram realizados os concílios buddhistas e surgiram as primeiras escolas;
  3. Séculos I-VI: surgimento do buddhismo Mahayana;
  4. Séculos VII-XIII: expansão do Vajrayana.
  5. Séculos XIX-XX: chegada do buddhismo ao Ocidente.

Vajrayana, ou Veículo de Diamante, surgiu por volta do século V nas regiões nordeste e noroeste da Índia. Este movimento também é conhecido como Veículo do Tantra (sânsc. Tantrayana) e Veículo do Mantra (sânsc. Mantrayana). O Vajrayana é uma forma específica de buddhismo Mahayana que foi difundido pela Ásia Central, Tibet, Nepal, Butão, Mongólia, China e Japão (onde é chamado Mikkyô, ensinamento secreto ou ensinamento esotérico). Através da Mongólia, o buddhismo tibetano também chegou ao sul da Rússia, hoje dividido em repúblicas autônomas no Cáucaso (Kalmykia) e na Sibéria (Buryatia e Tuva).

Um sinônimo para Vajrayana é Mantra Secreto (sânsc. Guhyamantra). "Secreto" refere-se ao fato de que sua própria natureza é um segredo para a mente confusa. O fato de que a realização pode ser alcançada dentro de alguns anos ou dentro desta mesma vida está inteiramente conectado com a realização desta natureza da mente e isto requer confiança e devoção.

(Da introdução de Chökyi Nyima Rinpoche em The Dzogchen Primer)

O Vajrayana nos diz que a natureza da mente de todos os seres está coberta por dois obscurecimentos. Um é chamado "obscurecimento emocional" — desejo, raiva e ignorância. O segundo, o "obscurecimento cognitivo", é o apego sutil ao sujeito, objeto e interação, no qual o estado desperto desvia-se em apego dualista. Estes dois tipos de obscurecimento precisam ser dissolvidos e purificados. Isto é realizado reunindo-se as duas acumulações — a acumulação de mérito e a acumulação de sabedoria, o treinamento no despertar original. Reunido as duas acumulações, desvelamos os dois tipos de conhecimento supremo — o conhecimento que percebe o que quer que possivelmente exista e o conhecimento que percebe a natureza como ela é. Desvelando os dois tipos de conhecimento supremo, realizamos os dois kayas, dharmakaya e rupakaya. Rupakaya significa "corpo da forma" e tem dois aspectos: sambhogakaya, que é a forma da luz de arco-íris, e nirmanakaya, que pode tomar a forma física.

(Tulku Urgyen Rinpoche, As It Is - Volume II)

As escolas do Vajrayana costumam tomar o Samdhinirmochana Sutra como base para classificar os ensinamentos buddhistas em três "ciclos" ou "giros da roda do Dharma".

De acordo com as escrituras Mahayana, podemos entender os ensinamentos e Buddha em termos do que são conhecidos como os "três giros da roda do Dharma". O primeiro giro da roda foi em Sarnath, próximo a Varanasi, e foi o primeiro sermão público que o Buddha deu. O assunto principal deste ensinamento foi as Quatro Nobres Verdades, no qual o Buddha estabeleceu a estrutura básica de todo o Buddhadharma e do caminho para a iluminação.

O segundo giro da roda do Dharma foi no Pico dos Abutres [sânsc. Gridhakuta], próximo a Rajgir, atualmente em Bihar. Os principais ensinamentos apresentados aqui foram os da perfeição da sabedoria. Nestes sutras, o Buddha elaborou a terceira nobre verdade, a verdade da cessação. Os ensinamentos perfeição da sabedoria são críticos para entender completamente o ensinamento do Buddha sobre a verdade da cessação, particularmente para reconhecer totalmente a pureza básica da mente e a possibilidade de limpá-la de todos os poluentes. O assunto explícito dos Sutras da Perfeição da Sabedoria (sânsc. Prajnaparamita Sutras) é a doutrina da vacuidade. Então, como a base para os ensinamentos da vacuidade, estes sutras apresentam todo o caminho no que é conhecido como o assunto oculto ou escondido dos Sutras da Perfeição da Sabedoria, que é elaborado de modo bem claro e sistemático do Ornamento da Realização Clara (sânsc. Abhisamayalamkara) de Maitreya.

O terceiro giro da roda do Dharma é uma coleção de sutras ensinados em diferentes tempos e lugares. Os principais sutras desta categoria de ensinamentos são o material fonte para o Uttaratantra de Maitreya. Não apenas apresentam a vacuidade ensinada no segundo giro da roda, mas também apresentam a qualidade da experiência subjetiva. Apesar de estes sutras não falarem sobre a experiência subjetiva em termos das sutilezas de níveis, eles apresentam a qualidade subjetiva da sabedoria e os níveis através dos quais podemos melhorá-la e são conhecidos como Sutras da Essência ou Núcleo do Estado Búddhico (sânsc. Tathagatagarbha Sutras). Entre os escritos de Nagarjuna, há uma coleção de hinos junto com uma coleção do que poderia ser chamado de corpo analítico, como seus Fundamentos do Caminho do Meio [sânsc. Mulamadhyamakakarika]. O corpo analítico lida diretamente com os ensinamentos da vacuidade conforme ensinados nos Sutras da Perfeição da Sabedoria, enquanto os hinos relacionam-se com os Tathagatagarbha Sutras.

(Dalai Lama, Illuminating the Path to Enlightenment)

Às vezes o Hinayana, o Mahayana e o Vajrayana são contados como três veículos distintos:

I. Sutrayana (Veículos do Sutra) ou Hetuyana (Veículos da Causa)1. Hinayana (Pequeno Veículo)Enfatiza as quatro nobres verdades, o nobre caminho óctuplo, as três marcas e os doze elos da interdependência
2. Mahayana (Grande Veículo), Bodhisattvayana (Veículo dos Bodhisattvas) ou Paramitayana (Veículo das Perfeições)Enfatiza a bodhichitta (a mente altruísta da iluminação) e a conduta bodhisattva (ser da iluminação), que trabalha pelo benefício de todos os seres através da compaixão e da sabedoria sobre a vacuidade dos fenômenos, ou shunyata
II. Tantrayana (Veículo do Tantra) ou Phalayana (Veículo do Resultado)3. Vajrayana (Veículo do Diamante), Tantrayana (Veículo do Tantra) ou Mantrayana (Veículo do Mantra)Enfatiza a natureza búddhica pura de todos os seres sencientes e a transformação das emoções negativas em sabedoria

Outros autores contam apenas dois veículos principais — Hinayana e Mahayana —, sendo o Vajrayana considerado uma parte do Mahayana:

I. Hinayana (pequeno veículo)
II. Mahayana (grande veículo)1. Bodhisattvayana (Veículo dos Bodhisattvas) ou Paramitayana (Veículo das Perfeições)
2. Vajrayana (Veículo do Diamante), Tantrayana (Veículo dos Tantras) ou Mantrayana (Veículo do Mantra)

As origens históricas do Vajrayana são bastante obscuras. No século II, vários textos do buddhismo Mahayana já continham preces curtas chamadas mantras, assim como preces longas chamadas dharanis. Os mantras e dharanis são compostos por seqüências de sílabas que, apesar de não necessariamente terem um significado, são considerados extremamente poderosos.

Estas preces devem ter sido precursoras da recitação de mantras no buddhsimo Vajrayana, influenciado pelos fundamentos filosóficos da escola hindu Mimamsa. As práticas devocionais, a recitação de sutras e a invocação dos nomes de buddhas e bodhisattvas já era bastante comum no buddhismo Mahayana, assim como as práticas de visualização de buddhas e bodhisattvas em suas terras puras.

[O]s antigos mahasanghikas tinham em seu cânone uma coleção especial de fórmulas mântricas chamada Dharani Pitaka ou Vidyadhara Pitaka. Os dharanis eram meios de fixar a mente sobre uma idéia ou pensamento, uma visão ou experiência obtida na meditação. Estes podem representar a quintessência de um ensinamento, assim como a experiência de determinados estados de consciência, que desta forma podem ser relembrados ou recriados deliberadamente a qualquer momento. Por isso também são chamados de suportes, receptáculos ou berços da sabedoria (sânsc. vidyadhara). Não são funcionalmente diferentes dos mantras, mas em certo grau nas suas formas, já que podem atingir uma extensão considerável e algumas vezes representam a combinação de vários mantras ou sílabas sementes (sânsc. bija-mantra), ou a quintessência de um texto sagrado. Eles eram tanto um produto quanto meio de meditação: "Através da meditação profunda (sânsc. samadhi), adquire-se uma verdade; através do dharani, ela é fixada e retida na memória". [...] Nos textos páli mais antigos [da tradição Theravada], encontramos mantras de proteção ou parittas para afastar perigos, doenças, cobras, espíritos, influências nefastas e outras, assim como criar condições benéficas como saúde, felicidade, paz, um renascimento feliz, riqueza e assim por diante.

(Lama Anagarika Govinda, Foundations of Tibetan Mysticism)

A evolução gradual do Vajrayana na Índia pode ser dividia em três fases. A primeira desenvolveu-se na Índia mas não se espalhou para outros países. Na segunda fase, por volta do século III, os textos mais antigos do Vajrayana indiano foram levados para a China e traduzidos por eruditos. Os textos não causaram grandes mudanças na comunidade buddhista chinesa, mas a tradição buddhista esotérica acabou criando raízes na China. Houve contatos com o Japão durante a dinastia Nara, mas esta tradição só se estabeleceu lá durante o período Heian, graças aos monges japoneses Saichô e Kûkai. Na época em que eles estiveram na China, durante a dinastia T'ang, os textos do Anuttara-yoga-tantra — marcados pela simbologia de de divindades em união sexual — ainda não estavam presentes na China e portanto não foram levados ao Japão.

Na terceira fase, por volta dos séculos VI e X, os ensinamentos orais do Vajrayana indiano foram registrados nos Tantras, escrituras esotéricas sobre a transformação da mente através de meditações, visualizações e cerimônias. Nesta época, os complexos textos do Anuttara-yoga-tantra, foram levados ao Tibet e mais tarde à Mongólia. Na dinastia mongol Yuan, estes textos chegaram à China, e na dinastia Chin, chegaram à Manchúria. Os textos do Anuttara-yoga-tantra foram traduzidos para o chinês apenas na dinastia Song. Entretanto, não causaram impacto porque não havia mestres destas linhagens na China e porque as traduções tinham sido muito editadas. A terminologia sexual e imagens de divindades em união não seriam bem aceitas pela conservadora sociedade confucionista da China.

Estas traduções chinesas chegaram ao Japão mas, como não havia mestres destes textos e como o buddhismo esotérico já estava bem estabelecido pelas escolas Shingon e Tendai, estes tantras acabaram sendo deixados em segundo plano. Durante a dinastia T'ang, o budismo esotérico chinês já tinha praticamente desaparecido na China como um movimento organizado e distinto. De certa forma, o ramo chinês foi cortado do buddhismo esotérico japonês, que passou a se desenvolver de forma independente.

Durante o século VIII, a dinastia Pala assumiu o poder no noroeste da Índia e ajudou a propagar o Vajrayana nessa região. As grandes universidades monásticas de Vikramashila e Odantapura transformaram-se nos centros de difusão dos ensinamentos tântricos entre os monges indianos. Entre os séculos IX e XII, apareceram os mahasiddhas, mestres tântricos com poderes sobrenaturais (sânsc. siddhi), que viviam fora dos moldes da cultura monástica Mahayana. Biografias tradicionais relatam a vida de 84 mahasiddhas, homens e mulheres de diversas classes sociais que atingiram altos níveis de realização de maneira pouco convencional. As canções dos mahasiddhas, ou dohas, ilustram suas experiências espirituais.

O yogi que realizou a não-existência do eu demonstra esta realização pelo benefício dos seres através de uma conduta escolhida ao invés de ensinamentos. Exemplos desta "conduta livre de todas as emoções negativas e ilusórias" (tib. tülshug / brtul shugs) são encontradas nas biografias dos "santos loucos" tibetanos como Drugpa Künleg. [...] E ainda assim estes yogis, como seu comportamento incompreensível à mente comum, são realmente vazios de emoções como o desejo, o apego ou o ódio, assim como uma máscara irada representa a raiva sem que ela mesma seja raivosa, ou do mesmo modo que um peixe não tem concepções nem apego à água na qual se move livremente.

Apesar de parecer manifestar raiva ou desejo, o yogi não está pessoalmente associado com esta emoção: veja o grande mestre do Kham que insultava e batia naqueles que iam visitá-lo, jogava no chão toda a comida que lhe ofereciam e finalmente afugentava os visitantes jogando pedras neles! Por um lado este comportamento louco era simplesmente um meio hábil de se livrar de intrusos e de se concentrar totalmente em sua meditação — em todo o tempo nunca houve raiva ou insulto em sua mente. Por outro lado, por este tipo de comportamento o yogi elimina, para as outras pessoas, os obstáculos como demônios, forças negativas e outros males, e estando livre do desejo ou da preocupação por seu próprio bem-estar, ele realiza a perfeição da sabedoria. [...]

[A] sabedoria — que, desde um tempo sem início, não é outra senão o dharmakaya ou o corpo da verdade dos buddhas — e a ignorância que se apega ao eu são indiferenciadas, simplesmente dois aspectos da mesma coisa. Quando a natureza búddhica é livre de impurezas adventícias, ela é o dharmakaya. Quando está coberta por estas impurezas, ela é a ignorância. Além disso, já que nem a sabedoria nem a ignorância são produzidas por causas ou condições, elas são vistas como co-emergentes (tib. hlenkye / lhan skyes) ou naturais. Tendo entendido e separado a sabedoria e a ignorância, o yogi aplicará esta sabedoria como um remédio para cortar a ignorância, a noção errônea de um "eu".

(Jérôme Edou, Machig Labdrön and the Foundations of Chöd)

Os milagres realizados por muitos dos [maha]siddhas são ou símbolos de realização espiritual ou resumos sumários de seus ensinamentos, ainda que estes também fossem por vezes apresentados em tratados curtos ou mais longos. Perdeu-se muito do que os siddhas assentaram por escrito. Só o que foi guardado em Apabhramsa ou em traduções tibetanas está conservado. Os siddhas foram os primeiros a escrever na língua do povo de sua época, em vez de fazê-lo em sânscrito, que só era compreensível para os eruditos ou para o clero. Tornaram-se com isso os pais de uma linguagem escrita popular da qual se desenvolveram posteriormente, entre outros, o atual hindi e o bengali. Assim, seu trabalho teve um extenso significado e talvez um dia sejam redescobertos na antiga literatura bengali outros siddhas.

(Lama Anagarika Govinda, Reflexões Budistas)

[U]m dos fatores responsáveis pela degeneração do buddhismo tântrico na Índia foi a proliferação de práticas tântricas ocorrida em um determinado período passado. É claro que se a prática tântrica não tiver a base e os pré-requisitos fundamentais, as técnicas e a meditação do tantrismo podem se revelar mais nocivas do que benéficas. É por isso que as práticas tântricas são chamadas "Dharma secreto" ou "modo de vida secreto".

(Dalai Lama, The World of Tibetan Buddhism)

 


A escola tibetana Nyingma inclui também os ensinamentos da Grande Perfeição (sânsc. Ati-yoga, tib. Dzogchen/ rDzogs chen). Por isso, ela classifica os tantras de forma um pouco diferente:

Tantras Externos: correspondem aos três tantras inferiores que foram citados anteriormente
  • Tantras de Ação (sânsc. Kryia-tantra)
  • Tantras da Atuação (sânsc. Charya-tantra)
  • Tantras de União (sânsc. Yoga-tantra)
Tantras Internos: correspondem respectivamente aos três tantras superiores (Tantras Pai, Tantras Mãe e Tantra Não-dual)
  • Tantras de Grande União (sânsc. Maha-yoga Tantra)
  • Tantras de Suprema União (sânsc. Anu-yoga Tantra)
  • Tantras da Grande Perfeição (sânsc. Ati-yoga Tantra)

As escolas japonesas Shingon (chin. Mi-tsung) e Tendai (chin. T'ien-t'ai) centralizam suas práticas nos tantras de Ação e de Atuação, tendo o dhayni-buddha Vairochana como divindade principal de suas meditações esotéricas. A tradição oral (jap. kûden) das escolas Shingon e Tendai são chamadas respectivamente de Tômitsu e Taimitsu. Na escola Shingon, os ensinamentos da tradição Tômitsu são considerados os mais elevados; na escola Tendai, os ensinamentos da tradição Taimitsu tornaram-se profundamente interconectados com os ensinamentos do Sutra do Lótus do Dharma Maravilhoso (sânsc. Saddharma Pundarika Sutra). As linhagens japonesas não regulamentadas são genericamente chamadas de Zômitsu.

Os mestres realizados, que "importaram" os tantras de várias dimensões para o mundo humano, transmitiram a dimensão pura da transformação através da mandala. Esta transmissão toma lugar a cada vez que um mestre confere a iniciação de um tantra a um discípulo. Durante a iniciação, o mestre descreve a imagem de uma mandala a ser visualizada e, em particular, a divindade em que o praticante tem de se transformar. Então, visualizando a dimensão da transformação, o mestre confere a autorização [empowerment] para a prática, transmitindo o som natural do mantra específico da divindade. Após o discípulo receber a iniciação, e assim tendo sua primeira experiência de transformação na visão pura, ele estará pronto para aplicar isto como o caminho, através da visualização e da recitação do mantra. Por estes meios, o praticante do tantra tenta transformar a visão impura comum na visão pura da mandala da divindade. Todos os tantras são baseados no princípio da transformação, trabalhando com o conhecimento de como a energia funciona. O próprio significado da palavra tantra — "continuação" — se refere à natureza da energia do estado primordial, que se manifesta sem interrupção.

(Chögyal Namkhai Norbu, Dzogchen)

É comum que o treinamento espiritual adquira maior eficácia quando transmitido na forma de instruções secretas, guardado como um tesouro secreto e praticado em segredo, e confiando-se exclusivamente no mestre. O principal objetivo do treinamento é tornar-nos receptivos, e não limitar-nos ou isolar-nos. Todavia, especialmente no início, precisamos reunir as nossas energias e desenvolver a nossa concentração. O segredo pode ajudar-nos a fazer isso. Se usamos o que aprendemos nas conversas casuais travadas à mesa do jantar ou como uma mercadoria, um instrumento para atingir objetivos mundanos, arriscamo-nos a dispersar a nossa energia e a nossa inspiração. Quando mantemos o treinamento em segredo, a energia concentrada se desenvolve com maior eficácia, do mesmo modo como um motor de propulsão reúne forças para erguer um foguete para fora do campo de gravidade da Terra, pois o combustível é consumido sob grande pressão, em vez de escapar sem controle.

(Tulku Thondup, O Poder Curativo da Mente)

A meditação tântrica é dividida em várias etapas, partindo das contemplações mais básicas para as mais profundas:

  • práticas preliminares (sânsc. purvagama, tib. ngöndro / sngon 'gro): as preliminares externas são as quatro contemplações que levam a renunciar ao samsara: a preciosidade do nascimento humano, a impermanência, o karma e o sofrimento. As preliminares internas são o refúgio, a bodhichitta, a purificação através da prática de Vajrasattva, a acumulação de mérito pela oferenda de mandalas, e a acumulação de sabedoria através da união com a mente do mestre (sânsc. Guru Yoga, tib. Lame Nenjor / bLa ma'i rNal 'byor). Às vezes há práticas adicionais, como o Chö (tib. bCod), que visa cortar o apego ao falso ego, e o P'howa (tib. 'pho ba), a transferência de consciência na hora da morte.
  • estágio de geração (sânsc. utpatti-krama, tib. kyerim / bskyed rim): nesta fase, seguindo as instruções de uma liturgia (sânsc. sadhana) tântrica, desenvolve-se a visão iluminada, treinando a mente através da visualização criativa. O ambiente é visualizado como sendo a terra pura da mandala, desenvolvendo-se a imagem vívida de si mesmo como sendo a divindade meditacional, com todas as marcas físicas de um buddha e todas as qualidades mentais de um ser iluminado. Através da repetição do mantra da divindade, todos os sons passam a ser percebidos como a fala iluminada, assim como todos os pensamentos se tornam a concentração da divindade. O objetivo deste estágio é desenvolver os próprios poderes imaginativos a tal ponto que aquilo que é visualizado se torne real. Inicialmente, o processo é um pouco artificial, mas as visualizações correspondem à experiência dos seres iluminados. Adotando os novos hábitos de percepção, pode-se diminuir os hábitos comuns da percepção grosseira — baseada na ignorância, apego e ódio — e, em seu lugar, colocar um nível de percepção mais sutil — baseada na sabedoria, compaixão e meios hábeis.
  • estágio de perfeição (sânsc. nishpanna-krama, tib. dzogrim / rdogs rim): uma vez que a visão búddhica tenha se tornado uma experiência vívida, o estágio de perfeição completa o processo, trabalhando com as energias sutis do corpo através de yogas avançadas.

O desfecho da prática tântrica segue as particularidades de cada escola: na linhagem Nyingma, é a Grande Perfeição (sânsc. Atiyoga, tib. Dzogchen / rDzogs chen); na linhagem Sakya, é a finalização do Caminho e Fruto (tib. Lamdre / Lam 'bras); e nas tradições Kagyü e Gelug, é a Grande Marca ou Grande Sinal (sânsc. Mahamudra, tib. Gyachenpo). Porém, a realização final de cada um desses sistemas é o mesmo: a liberação total do sofrimento, a iluminação completa, o despertar total.

A característica especial do Vajrayana é a percepção pura. Através de uma iniciação transmitida por um mestre tântrico, vemos e realizamos o mundo como uma terra pura, e os seres como iluminados. Com o poder ou sabedoria transmitida na iniciação, e com os extraordinários meios hábeis dos canais, energias e essências do corpo-vajra, os tantristas geram a experiência da grande união do êxtase e da vacuidade, e este atingimento leva a mente, à força, ao ponto de realização. Nas práticas tântricas, nada há a ser refreado ou destruído, mas sim a ser transformado como o combustível de sabedoria, a grande união do êxtase, da claridade e da própria vacuidade. No Mahayana comum, os praticantes transmutam a vida diária em treinamento espiritual através da atitude correta, o pensamento de beneficiar os outros. Assim a vida do dia-a-dia é transformada em prática meritória, a causa da iluminação. No tantra, porém, transmutamos tudo na sabedoria em si, que é o resultado ou meta do caminho. Deste modo, o Vajrayana é conhecido como o veículo do resultado, pois ele toma o próprio resultado como o caminho do treinamento.

(Tulku Thondup Rinpoche, Hidden Teachings of Tibet)

De acordo com o Vajrayana, deve-se combinar os meios hábeis — o estágio de geração — com o aspecto da sabedoria — o estágio de perfeição. O estágio de geração requer visualização — criar a imagem de um ser divino —, preces, confissões, oferendas e as outras sessões sessões da prática de sadhana. O estágio de perfeição envolve o reconhecimento da natureza da mente, olhando para quem visualiza, assim levando a natureza búddhica à experiência prática. O estágio de geração é necessário porque, bem agora, somos seres normais, e um ser normal é não-iluminado, instável na realização da natureza búddhica. Não temos poder completo por nós mesmo, então pedimos a ajuda dos buddhas e bodhisattvas. Ao oferecer [a prece dos] sete ramos, por exemplo, purificamos nossos obscurecimentos, removendo aquilo que nos impede de otger o insight verdadeiro. O aspecto da sabedoria é a natureza da nossa mente. Tanto os meios hábeis quanto a sabedoria são necessários.

(Tulku Urgyen Rinpoche, Repeating the Words of the Buddha)

[O estágio de geração] consiste na visualização gradual da mandala, começando com a sílaba semente da divindade principal e então as sílabas dos quatro elementos. Quando a criação imaginária da mandala está completa, enquanto se mantém a visualização de si mesmo transformado na forma da divindade central, recita-se o mantra. Neste fase, trabalha-se um grande parte com a faculdade imaginativa da mente, tentando desenvolver ao máximo a capacidade de visualizar. A segunda fase, o estágio de perfeição, focaliza a visualização da mandala interna dos centros [sânsc. chakra] e canais [sânsc. nadi] de energia, e na concentração sobre as sílabas do mantra, que giram sem interrupção ao redor da sílaba semente central. O final da sessão da prática, tanto a mandala externa quanto a interna são integradas na dimensão pura do corpo, fala e mente iluminados do praticante. O resultado final da prática é que a visão pura manifesta-se sem depender mais da visualização, tornando-se parte da própria claridade natural. Assim, realiza-se o estado de reintegração total da visão pura com a impura, o Mahamudra, o grande símbolo em que o samsara e o nirvana estão indissoluvelmente unidos.

(Tulku Urgyen Rinpoche, Rainbow Painting)

As mandalas [diagramas] nos são dadas para podermos nos identificar com nossas emoções específicas, que têm a possibilidade de se transmutar em sabedoria. Às vezes, praticamos a visualização dos yidams [divindades meditacionais]. Quando começamos a trabalhar com eles, entretanto, não os visualizarmos imediatamente. Começamos com uma consciência da vacuidade e, em seguida, desenvolvemos a sensação da presença daquela imagem ou forma. Depois recitamos um mantra que tenha uma ligação com essa sensação. Para enfraquecer a força do ego, precisamos estabelecer um elo entre a presença imaginária e o observador de si mesmo, o ego; o mantra [invocação] é esse elo. Após a prática do mantra, dissolvemos a imagem ou a forma em certa cor de luz apropriada ao yidam específico. Finalmente, terminamos a visualização com uma nova conscientização da vacuidade. A idéia toda é que esses yidams não devem ser encarados como "deuses" externos que nos salvarão, mas como expressões de nossa verdadeira natureza. Nos identificamos com os atributos e com as cores de certos yidams e ouvimos o som que vem do mantra, e só então começamos a compreender que nossa verdadeira natureza é invencível. Nos identificamos completamente com o yidam.

(Chögyam Trungpa, Cutting Through Spiritual Materialism)

Alguns de vocês podem perguntar, "Por que precisamos deste processo de purificação? Por que precisamos de métodos e práticas se o fundamento e resultado reais já são perfeitamente puros?" A pergunta é também a resposta. Assim que vocês conhecerem sua natureza verdadeira, perfeita, quando quer que isto seja — talvez hoje à noite, ou de manhã —, vocês não precisarão mais praticar ou ficar preocupados com os objetos e métodos de purificação. Vocês não precisarão ficar preocupados com o processo de purificação porque já estarão em um estado desperto puro, primordial. Até então, você continuarão a ter muitos e muitos pensamentos e conceitos perturbadores. Até que estas perturbações sejam pacificadas, vocês farão um favor a vocês mesmos se contarem com o processo da prática, encontrando o objeto a purificar e atingindo o resultado.

(Gyatrul Rinpoche, Generating the Deity)

Na antiga Índia, o tantra era praticado em segredo, mas no Tibet a maioria dos tantras são praticados sem muita restrição. Os professores observam que a prática do tantra depende da devoção aos ensinamentos, de modo que a devoção qualifica uma pessoa a receber as instruções. A Índia nunca foi totalmente devotada ao buddhismo, mas o Tibet foi um país inteiramente buddhista; então não havia a mesma necessidade de segredo e diferenciação na autorização para o estudo dos tantras.

(Tulku Thondup, Masters of Meditation and Miracles)

Luminosa, monges, é a mente; e ela é maculado por máculas vindouras. Luminosa, monges, é a mente; e ela é liberada das máculas vindouras.

(Pabhassara Suttas, Anguttara Nikaya I.49-50)

A mente é vazia de mente, pois a natureza da mente é a clara luz.

(Ashta-sahasrika-prajna-paramita Sutra)

Todos os seres são buddhas, mas isto é escondido por máculas adventícias. Quando suas máculas são purificadas, seu estado de Buddha é revelado.

(Hevajra Tantra)

 

Vajra & Gantha | O Cetro e o Sino


Estes são os principais símbolos do buddhismo Vajrayana. Originalmente, o vajra (tib. dorje / rdo rje, chin. chin-kang-ch'u, jap. kongô-sho), diamante, indestrutível, era o nome dado à poderosa arma de cem pontas da divindade hindu Indra, o rei dos deuses. Esta arma seria capaz de disparar relâmpagos e de destruir todos os inimigos. No buddhismo Vajrayana, porém, o seu significado é diferente; o vajra representa a natureza vazia de todos os fenômenos.

Nos vajras pacíficos, as cinco pontas se juntam no final; nos vajras irados, as pontas ficam um pouco afastadas. As bocas de makara, das quais surgem cada ponta, representam o nirvana. As cinco pontas de uma extremidade representam os cinco dhyani-buddhas (Vairochana, Akshobhya, Ratnasambhava, Amitabha, Amoghasiddhi), que corporificam as cinco sabedorias ou aspectos do estado desperto atemporal. Já as outras cinco pontas, da extremidade oposta, representam as cinco mães, ou consortes femininas (Buddha Lochana, Mamaki, Vajra Dhatvishvari, Pandara Vasini e Samaya Tara).

De maneira semelhante, as oito pétalas de um lado representam os oito grandes bodhisattvas (Manjushri, Avalokiteshvara, Vajrapani, Maitreya, Kshitigarbha, Sarvanirvaranavishkambhin, Samantabhadra, Akashagarbha) e as oito pétalas do outro lado representam suas consortes, as oito grandes bodhisattvas, também conhecidas como as deusas das oferendas (sânsc. puja-devi: Lasya, Mala, Gita, Nirtya, Pushpa, Dhupa, Aloka, Gandha). A esfera central representa a vacuidade (sânsc. shunyata), a verdadeira natureza dos fenômenos.

Os cinco [dhyani-]buddhas masculinos são o aspecto puro dos cinco agregados do ego. Suas cinco sabedorias são o aspecto das cinco emoções negativas. Os cinco buddhas femininos [as consortes] são as qualidades elementais puras da mente, que nós experimentamos como os elementos impuros do nosso corpo físico e meio ambiente. Os oito bodhisattvas [masculinos] são o aspecto puro dos diferentes tipos de consciência, e suas contrapartes femininas são os objetos dessas consciências.

Tanto no caso em que se manifesta a visão pura das famílias búddhicas e sua sabedoria, quanto no caso em que surge a visão impura dos agregados e emoções negativas, eles são intrinsecamente a mesma coisa em sua natureza fundamental. A diferença reside em como os reconhecemos, e se reconhecemos que eles emergem da base da natureza da mente como a sua energia iluminada.

Tome como exemplo o que se manifesta em nossa mente comum como um pensamento de desejo; se sua verdadeira natureza é reconhecida, ele surge, livre do apego, como "sabedoria do discernimento". O ódio e a raiva, quando verdadeiramente reconhecidos, surgem como claridade similar à do diamante, livres do apego; esta é a "sabedoria do espelho". Quando a ignorância é reconhecida, ela surge como vasta e natural claridade sem conceitos: é a "sabedoria do espaço todo-abrangente". O orgulho, quando reconhecido, é percebido como não-dualidade e igualdade: a "sabedoria da equanimidade". O ciúme [ou inveja], quando reconhecido, é libertado da parcialidade e do apego, surgindo como a "sabedoria que tudo realiza". Assim, as cinco emoções negativas emergem como resultado direto de não reconhecermos a sua verdadeira natureza. Quando reconhecidos, são purificadas e liberadas, mostrando-se como nada menos que a manifestação das cinco sabedorias.

(Sogyal Rinpoche, O Livro Tibetano do Viver e do Morrer)

Uma outra forma de vajra possui nove pontas. Neste caso, as nove pontas de cima representam os cinco dhyani-buddhas e quatro mães. As nove pontas inferiores representam as cinco sabedorias e os quatro pensamentos imensuráveis (amor, compaixão, equanimidade e regozijo).

Ghanta e VajraAquilo que é vajra possui sete qualidades: não pode ser cortado pelos maras — os obstáculos à nossa iluminação — nem pode ser apreendido ou separado por conceitos; não pode ser destruído por conceitos que atribuem às aparência uma verdade que elas não possuem; é verdade pura, no sentido de que nada contém de errado; não é feito de substância que se aglutinou e que pode se desmanchar; não é impermanente, e, portanto, é estável e inamovível; é impossível de ser obstruído, no sentido de que tudo permeia; e é inconquistável, no sentido de que é mais profundo do que tudo o mais e, assim, destemido. Essas são as sete qualidades da nossa própria natureza, a verdadeira natureza do nosso corpo, fala e mente.

(Chagdud Tulku Rinpoche, Portões da Prática Budista)


ghanta (tib. drilbu / dril bu, chin. chin-kang-shong, jap. kongô-shi) é um sino que representa o som, a repetição de mantras. No sino há oito sílabas-semente (sânsc. bija) que representam as consortes femininas. Há também um rosto que, segundo os tantras externos, é o de Vairochana, e segundo os tantras superiores, é o da consorte Vajradhatvishvari. Enquanto o vajra simboliza o método ou meios hábeis (sânsc. upaya), o princípio masculino, o gantha representa a sabedoria (sânsc. prajna), o princípio feminino. O som do gantha também representa o corpo e a fala iluminados, enquanto o vajra representa a mente iluminada.
Vajrasattva e sua consorte, Vajramanani, representando a união inseparável dos princípios masculino e feminino, dos meios hábeis e da sabedoria. Vajrasattva segura um cetro vajra com a mão direita e um sino vajra com a mão esquerda.

As escrituras dizem que a tanto a sabedoria sem meios hábeis quando os meios hábeis sem sabedoria são um cativeiro. Portanto, não abandone nenhum um dos dois.

(Atisha, Bodhipathapradipa)


Nas liturgias (sânsc. sadhana) do buddhismo Vajrayana, o vajra é segurado com a mão direita e o sino com a mão esquerda. Outros significados mais profundos sobre a simbologia do vajra e do gantha devem ser ensinados apenas por professores qualificados da tradição Vajrayana.

Vishvavajra, o vajra duplo
Tratados como uma forma de dualidade, o vajra representa o princípio ativo, o método para a iluminação e conversão, a manifestação real do Buddha, enquanto o sino representa a Perfeição da Sabedoria (sânsc. prajna-paramita), conhecida como a vacuidade (sânsc. shunyata). No estado de união, porém, o vajra compreende ambos os coeficientes da iluminação, o método e a sabedoria.

(David Snellgrove, Indo-Tibetan Buddhism)

 

Yidam | As Divindades Meditacionais


Buddha Shakyamuni representado como um yidamOs yidams (tib. yi dam, mente sagrada ou mente do compromisso) são as divindades meditacionais (sânsc. ishta-devata) do buddhismo Vajrayana. Essas "divindades" ou "deidades" não são deuses no sentido comum, mas seres iluminados (sânsc. buddha) que representam aspectos específicos da transformação interior, sendo visualizadas durante meditações conhecidas como meios de atingimento (sânsc. sadhana), yoga da divindade ou união com a divindade (sânsc. devata-yoga, tib. leneljor / lha'i rnal 'byor). Para praticar estas meditações, é fundamental receber as iniciações e ensinamentos de um professor qualificado da tradição Vajrayana.

A meditação com divindades é de uma das práticas mais importantes do buddhismo Vajrayana pois utiliza simultaneamente os meios hábeis e a sabedoria. Os meios hábeis (sânsc. upaya) são os métodos para alcançar a iluminação e trazer benefício a todos os seres, enquanto a sabedoria (tib. prajna) é a consciência que compreende a natureza vazia dos fenômenos.

A yoga da divindade envolve a visualização criativa de si mesmo como um um buddha totalmente iluminado, visando atingir esta iluminação mais rapidamente do que nas práticas do sutra. A divindade meditacional usada nesta prática representa o próprio potencial para a iluminação; é um arquétipo para o estado que se está se tentando alcançar através da meditação. [...]

Não há diferenças fundamentais ou realmente existentes entre os seres comuns e os buddhas totalmente iluminados; a única diferença é que as mentes dos seres comuns são importunadas por pensamentos deludidos que resultam de aflições mentais, mas estas aflições são casuais e não são parte da natureza da mente. Quando os seres comuns removem estas aflições e aperfeiçoam a sabedoria e a compaixão, eles se tornam buddhas.

(John Powers, Introduction to Tibetan Buddhism)

O termo "divindade" é uma tradução parcial e imprecisa de yidam, que literalmente significa "mente sagrada". No tantrismo, a "divindade" é uma manifestação da dimensão pura do próprio indivíduo, não de algo externo. A forma irada da "divindade" representa a natureza dinâmica da energia. A forma alegre [com consorte] representa a sensação de êxtase; e a forma pacífica representa o estado calmo da mente sem pensamentos.

(Chögyal Namkhai Norbu, Dzogchen)

No Tantra, o princípio das deidades é um modo de comunicação. É difícil relacionar-se com a presença de energias iluminadas se elas não têm forma ou base para a comunicação pessoal. As deidades são entendidas como metáforas, que personificam e captam as infinitas energias e qualidades da mente de sabedoria dos buddhas. Personificá-las na forma de deidades torna possível ao praticante reconhecê-las e se relacionar com elas. Através do treino em criar e reabsorver as deidades na prática de visualização, ele descobre que a mente que percebe a deidade, e a própria deidade, não são separadas.

No buddhismo tibetano, o praticante terá um yidam, isto é, a prática de um buddha ou deidade específica com quem tem uma forte ligação kármica, que é para ele uma encarnação da verdade, que invoca como a essência da sua prática. Em lugar de perceber as manifestações do dharmata [realidade pura] como fenômeno externo, o praticante do Tantra vai relacioná-la com sua prática de yidam, unindo-se e fundindo-se com elas. Uma vez que em sua prática reconheceu o yidam como a radiância natural da mente iluminada, está preparado para ver as manifestações com esse reconhecimento, deixando-as surgir como a deidade. Com essa percepção pura, o praticante reconhece o que quer que apareça no bardo como nada além da manifestação do yidam.

(Sogyal Rinpoche, O Livro Tibetano do Viver e do Morrer)

Guhyasamaja

A principal manifestação do estado deludido no qual estamos agora, sem sermos capazes de reconhecer nossa verdadeira natureza, é perceber o mundo dos fenômenos como uma mistura de bom e ruim, de agradável e desagradável. O objetivo da prática na qual nos visualizamos como uma divindade e todo o mundo como uma terra pura não é o de novamente fabricar algo artificial; pelo contrário, é o de treinar a mente para uma percepção pura, o que significa reconhecer a primordial natureza pura, tanto de nossa mente quanto do mundo dos fenômenos.

(Kyabje Shechen Rabjam Rinpoche, The Essence of the Diamond-like Teachings)

As divindades nas práticas do Vajrayana têm centenas e milhares de aparências por causa dos níveis e máculas de cada indivíduo. A fim de subjugar cada tipo de mácula, há a necessidade de haver aquela divindade. Estas divindades não são considerados "deuses", mas sim sambhogakayas [corpos de emanação] do Buddha. Do ponto de vista último, todas as divindades são apenas como o espaço — não-duais e não há nem mesmo uma divindade!

(Shangpa Rinpoche, Introduction to Vajrayana)

Tomando o gelo como analogia, você pode dizer que gelo é água; a natureza do gelo não é diferente da água. No entanto, o gelo possui características próprias; sendo sólido, sua aparência difere da água. De igual modo, embora o samsara não seja, em última análise, diferente de um reino de experiência pura, ele tem suas próprias características. Se não removemos os enganos e ilusões da mente, enxergamos apenas essas características.

Em geral, percebemos de forma ordinária, convencional. Nós os vemos de maneira impura — sempre nos prendendo ao lado negativo, sempre nos focando no que há de errado. Esse, simplesmente, é o nosso hábito. Através das práticas Vajrayana, reconhecemos que a verdadeira natureza do samsara é a terra pura, a experiência pura. Não estamos fingindo que uma coisa seja aquilo que não é. Acontece apenas que não a vemos realmente como é — e é por isso que praticamos. Ao mantermos o reconhecimento da nossa verdadeira natureza, nós aumentamos o aquecimento, removemos o frio; então, as aparências relativas, que temos a impressão de serem sólidas, retomam sua forma natural, como o gelo que derrete. Em essência, nunca fomos outra coisa que não a terra pura. No entanto, não vamos perceber isso enquanto permanecemos sujeitos ao frio das ilusões e enganos da mente.

Se a verdadeira natureza do samsara fosse inteiramente óbvia para nós, estaríamos iluminados — não precisaríamos fazer prática. Somente quando nossos obscurecimentos temporários são removidos por meio da prática é que natureza fundamental é revelada.

(Chagdud Tulku Rinpoche, Portões da Prática Budista)

Todas as aparências surgem de uma dependência mútua. Algo aparece em determinado tempo, permanece por um pouco e desaparece novamente. As duas fases da meditação são usadas a fim de simbolizar que o principio de surgimento e desaparecimento permanecem até o nível puro. O surgimento da divindade simboliza que o apego ao surgimento do mundo comumente experienciado é purificado. A fase de desenvolvimento possuí diferentes elementos: primeiro a pessoa visualiza a si mesma como a divindade, depois a pessoa visualiza a divindade no espaço em frente de si mesma e faz oferendas, preces, etc. A razão da pessoa se visualizar primeiramente como yidam é a seguinte: nós todos nos consideramos muito importantes. Se agora alguém nos diz, "Você não possui existência real", é difícil para nós entendermos e aceitarmos. Na fase de desenvolvimento se lida com isso de uma forma em que não pensa se existe ou não, mas simplesmente se é indiferente a essa questão e se visualiza na forma da divindade. Se a pessoa se visualiza como a divindade, sabendo que o yidam é uma expressão da pureza completa, o apego ao "eu" desaparece naturalmente.

A visualização do yidam no espaço à sua frente trabalha de uma forma similar. Nesse instante nos apegamos a todos objetos externos que percebemos. Na fase de desenvolvimento visualizamos todo o mundo externo como o palácio da divindade. O yidam está no meio desse palácio, e todos os seres aparecem na forma do yidam. Pela visualização das aparências impuras na sua forma pura o apego é superado.

Portanto, é importante entender que todos os elementos da fase de desenvolvimento possui um conteúdo simbólico. Sem esse entendimento, por exemplo se acreditar que a divindade possuí uma existência real, o praticante apenas se confunde e aumenta a ilusão. Ao se utilizar das diversas fases de desenvolvimento e consumação dos yidams é importante saber o significado das diferentes formas. Por que, por exemplo, se visualiza dezesseis braços, quatro pernas, etc. se duas são na verdade suficientes? Acreditar que nós devemos visualizar assim porque na verdade os yidams possuem essa aparência seria um mal-entendido. Acreditar na verdadeira existência do yidam é um pouco ridículo e muito confuso. Ao invés disso devemos entender que há algo que é purificado e algo que é um método de purificação. A visualização do yidam com quatro braços, por exemplo, é um símbolo para purificar nosso modo geral de experienciar as coisas na assim chamada categoria quádruplo. Por exemplo os quatro elementos e tudo mais que acreditamos se apresentar de forma quádruplo. Os três olhos do yidam simbolizam a superação de nosso modo de pensar em categorias triplas. Por exemplo os três tempos. O mesmo se aplica em todos os outros detalhes da divindade; todos eles tem o significado de purificar nosso apego comum ao mundo que nós experimentamos.

(Jamgön Kongtrül Rinpoche, Yidams)

Os yidams podem ser classificados da seguinte maneira:

FormaMasculinoFeminino
PacíficaBhagavatBhagavati
Semi-iradaDakaDakini
IradaHerukaDakini
Vajrasattva e sua consorte, VajramananiOs princípios masculino e feminino são representados pela união de uma divindade com sua consorte, como Vajradhara e VajradhatvishvariVajrasattva e Vajramanani. Este símbolo, chamado yab-yum ou pai-mãe, é muito comum nas pinturas (tib. thangka / thang ka) tibetanas, mas foi mal interpretado e vulgarizado por muitos autores. Estas imagens representam a não-dualidade da mente desperta, a união indissociável dos meios hábeis (método) com a sabedoria, do grande êxtase da clara luz com a vacuidade, do relativo com o absoluto, do samsara com o nirvana. Não há qualquer relação com a delusão de desejo ou cobiça, um dos venenos da mente dualista.

As escrituras dizem que a tanto a sabedoria sem meios hábeis quando os meios hábeis sem sabedoria são um cativeiro. Portanto, não abandone nenhum um dos dois.

(Atisha, Bodhipathapradipa)

No tantra, o poder da imaginação está atrelado à meditação em uma prática chamada yoga divina. Nessa prática, você imagina [1] trocar sua mente como ela aparece normalmente, cheia de emoções problemáticas, por uma mente de pura sabedoria motivada pela compaixão; [2] substituir seu corpo como ele normalmente aparenta (composto de carne, sangue e ossos) por um corpo moldado pela sabedoria motivada pela compaixão; [3] desenvolver um senso de um eu puro que depende da aparência pura da mente e do corpo em um ambiente ideal, totalmente engajado em ajudar os outros. Como essa prática específica do Tantra necessita de uma visualização de você mesmo com o corpo, atividades, recursos e tudo mais que cerca o Buddha, ela é chamada de "usar a imaginação como o caminho espiritual". [...]

Um buddha não faz uso do intercurso sexual. As divindades que aparecem em uma mandala estão, freqüentemente, em união como uma consorte, mas isso não sugere que os buddhas dependam do intercurso para sua bem-aventurança. Os buddhas têm a bem-aventurança total dentre de si mesmos. As divindades em união aparecem espontaneamente nas mandalas para o benefício das pessoas com faculdades bastante aguçadas que podem usar uma consorte e a satisfação da união sexual para a prática do rápido caminho do tantra. De maneira muito parecida, o buddha tântrico Vajradhara aparecem em aspectos pacíficos e irados, mas isso não significada que Vajradhara tenha estes dois aspectos em sua personalidade. Vajradhara é totalmente compassivo. Sua aparição espontânea em diversas formas é para o benefícios de quem está em treinamento. Vajradhara aparece na justa forma que os treinados devem meditar quando usarem as emoções aflitivas como a luxúria e a raiva no processo do caminho.

(Dalai Lama, Como Praticar)

Muitas divindades tântricas são representadas em união com consortes, e estas formas são conhecidas como yab-yum (pai-mãe). Sua união representa a inseparabilidade de relativo e absoluto, manifestação e vacuidade, meios hábeis e sabedoria. Também simbolizam a união do que são chamadas energias "solar" e "lunar", os dois pólos de energia sutil que flui no sistema de energia sutil do corpo humano, que é chamado "mandala interior". Quando os circuitos negativo e positivo são juntados em um circuito elétrico, uma lâmpada pode ser acesa. Quando as energias solar e lugar do sistema de energia sutil de um ser humanos são levados ao estado de não-dualidade, que é sua condição inerente e latente desde o início, o ser humano pode se tornar iluminado. Do mesmo modo, no sistema filosófico taoísta chinês, yin e yang são vistos como dois princípios de energia que fundamentalmente inseparáveis e mutuamente interdependentes constituintes de uma unidade totalmente integrada; assim também, as energias solar e lunar são vistas como fundamentalmente não-duais desde o início. Sua unidade fundamental é simboliza pela sílaba sânscrita Evam, que também é um símbolo do princípio yab-yum.

(Chogyal Namkhai Norbu, The Crystal and the Way of Light)

O mesmo equívoco costuma ocorrer com as divindades "iradas" como Mahakala(Heruka Chakra-)Samvara e Kalachakra, muitas vezes confundidas com seres demoníacos. Na verdade, elas representam a própria transmutação dos venenos da mente — eles são transformados em sabedoria não-dual. A chamada "ira vajra" nada tem a ver com a delusão da raiva, um dos venenos da mente dualista.

Há um paralelo nas lendas que envolvem a transmissão do buddhismo da Índia para o Tibet, que se acredita ter sido realizada pelo grande yogi indiano Padmasambhava, no século VIII. Naquela época, o Tibet era dominado por uma tradição xamanista. Os tibetanos eram profundamente supersticiosos e tinham medo de espíritos e forças mágicas que acreditavam estar à sua espreita do outro lado do mundo. Dizem que Padmasambhava desafiou os melhores xamãs da religião Bön local para uma competição em que provou a superioridade de seus poderes mágicos, vencendo-os em seu próprio jogo. No decorrer da competição, derrotou os poderosos demônios com cabeça animal dos reinos inferiores, convertendo-os em protetores do buddhismo e revelando-lhes que seu temperamento era um dos aspectos da mente iluminada, e não das forças demoníacas. A tradição tibetana está repleta de imagens de tais seres "dando pontapés no cadáver do ego", representando o controle das emoções dolorosas e a trajetória que parte da projeção, da paranóia, e do medo, e avança em direção a uma capacidade visual harmônica e lúcida.

(Mark Epstein, Pensamentos sem Pensador)

O tantrismo lida diretamente com nossas experiências. As divindades pacíficas, visualizadas como sedutoras e atraentes, podem ajudar a enfrentar o desejo, enquanto a visualização de divindades coléricas pode ajudar a transformar a agressão. As impurezas e delusões não precisam se abandonadas no tantra porque podemos utilizá-las no caminho. [...] Visualizar divindades iradas desperta mais emoções do que visualizar divindades pacíficas. As divindades iradas podem ser bem intimidadoras. Costuma estar adornadas com crânios, estar vestidas com peles de animais e coisas assim. Porém, tudo isso deve ser compreendido simbolicamente e é necessário compreender o que esses símbolos representam em cada prática específica.

(Traleg Kyabgon Rinpoche, The Essence of Buddhism)

Se você é uma pessoa raivosa, é muito eficaz fazer prática de visualização, usando a ira como antídoto para cortar a raiva que existe na sua mente. Nas práticas com divindades iradas, visualizamos seres irados, manifestações da sabedoria, com duas, quatro ou muitas pernas pisoteando seres negativos, soltando faíscas e brandindo armas. Aqueles que são destruídos não são seres externos, mas nossos próprios venenos, nossos verdadeiros inimigos e demônios. O apego do "eu" é encarnado por Rudra, o "dono" do samsara, que é reprimido por seres que personificam a sabedoria. Em todas essas imagens iradas, assistimos ao desenrolar de uma guerra interior: a sabedoria destrói a raiva, apego e ignorância.

(Chagdud Tulku Rinpoche, Portões da Prática Budista)

Os yidams são os diferentes aspectos dos cinco princípios búddhicos da energia, retratados como masculinos ou femininos, e poder ser irados ou pacíficos. O aspecto irado está associado à transmutação pela força, saltando para a sabedoria e transmutação sem alternativa. É o ato de romper, associado à louca sabedoria. Os yidams pacíficos estão associados à transmutação por "processo", isto é, a confusão é pacificada e gradativamente se desgasta. [...] Na prática da nossa identificação com determinado yidam, temos de desenvolver uma consciência que nos ativa de volta à nossa verdadeira natureza, partindo da nossa natureza confusa. Precisamos de choques súbitos, lembretes constantes, uma qualidade desperta. Essa percepção é representada pelas divindades protetoras que se mostram em forma irada. Uma sacudidela repentina que nos aviva a memória. É uma consciência irada porque envolve o salto. Este salto necessita de certa espécie de energia para romper a confusão. Precisamos realmente tomar a iniciativa de saltar, sem nenhuma hesitação, dos limites da confusão para a abertura. Precisamos efetivamente destruir a hesitação. Precisamos destruir todos os obstáculos que encontramos no caminho.

Por isso, a divindade se denomina protetora. "Proteção" não significa garantir a nossa segurança, mas significa um ponto de referência, uma diretriz que nos aviva a memória, que nos mantém no lugar, no aberto. Existe, por exemplo, uma divindade protetora chamada Mahakala de seus braços, que é de cor preta, e se situa sobre Ganesha, a divindade com cabeça de elefante, que aqui simboliza os pensamentos subconscientes. A tagarelice subconsciente é um aspecto da preguiça que nos desvia, automaticamente, de ser conscientes e nos convida a voltar ao fascínio dos pensamentos e emoções. Atua especialmente sobre a natureza vistoriadora de nossos pensamentos — intelectuais, corriqueiros, emocionais, sejam eles quais forem. O Mahakala leva-nos de volta à abertura. A intenção do simbolismo é mostrar que o Mahakala sobrepuja a tagarelice subconsciente, colocando-se sobre ela. O Mahakala representa o salto na consciência penetrante. [...]

Os yidams irados são sempre associados ao que se conhece em termo tântricos como a "ira vajra", a ira que tem a qualidade tathata; em outras palavras, a ira sem ódio, energia dinâmica. Essa energia, seja qual for a sabedoria a que pertence, é invencível. É completamente indestrutível, imperturbável, porque é não-criada, mas descoberta como qualidade original. Não está, portanto, sujeita ao nascimento nem à morte.

(Chögyam Trungpa Rinpoche, Além do Materialismo Espiritual)

Hoje em dia, algumas pessoas que não compreendem a natureza das divindades iradas sentem-se desconfortáveis com este conceito, mas devemos saber que elas não são, de modo algum, uma expressão de nossa confusão emocional comum, na qual, como seres não-iluminados, reagimos com apego ao que é nosso e com aversão aos outros. Ao invés disso, o vasto alcance das divindades iradas é simplesmente uma expressão do poder inato da compaixão, que de fato doma a nossa negatividade emocional.

(Lama Nubpa Chodak Gyatso, The Shi-tro Mandala for Universal Peace)

Todos as diferentes divindades tântricas são símbolos do estado desperto iluminado que aparecem a fim de beneficiar os seres sencientes. As divindades em união (yab-yum) não simbolizam o desejo; elas manifestam o estado desperto iluminado para curar o desejo. Do mesmo modo, as divindades iradas não são uma expressão de raiva ou ira, mas ao invés disso são uma expressão intensa da compaixão última que se manifestou de forma comum e ilusória a fim de domar os seres sencientes impossíveis de serem domados de outra forma. As divindades em união representam o estado desperto não-objetivo, a compaixão última. A natureza desta compaixão é a vacuidade. O princípio feminino do estado desperto iluminado é a vacuidade e o princípio masculino é a compaixão ou método. Estes dois juntos, expressos pela união das divindades, simbolizam o estado não-dual. [...]

[O vajra de cinco pontas, segurado por algumas divindades,] simboliza as cinco sabedorias primordiais. Um vajra de nove pontas simboliza os nove veículos. A faca-vajra curva [sânsc. kirtari, tib. drigug] simboliza a sabedoria que corta os pensamentos discursivos. Uma espada, com a espada da sabedoria de Manjushri, tem mais ou menos o mesmo significado do drigug. A copa de crânio [sânsc. e tib. kapala] é um vaso para o êxtase e para a sabedoria primordial, simbolizando o estado de ser além do círculo dos padrões de pensamento discursivo. Uma copa de crânio cheia de sangue simboliza as quatro forças negativas, ou a mente do samsara, que foi subjugada pela grandeza da sabedoria primordial. Seria um erro pensar que o sangue pertencia a um demônio morto pela divindade, que então o bebe com uma atitude vitoriosa. A divindade não tem uma atitude de desejo ou ódio. Entendido adequadamente, o sangue representa as qualidades da misericórdia e da compaixão, não o ódio e o desejo. Das duas qualidades iluminadas, o método e a sabedoria, a copa de crânio relaciona-se especificamente com a qualidade da sabedoria.

A espada da sabedoria também simboliza cortar o nascimento e a morte desde a raiz. Se você não nascer, você não morrerá. O tridente simboliza cortar os três venenos [apego, aversão e ignorância] desde a raiz. Tudo sobre a forma da divindade é significativo, até mesmo o fato de uma divindade ter muitas mãos que seguram muitos emblemas — cada um deles tem um significado interior específico.

Um rosto simboliza a forma única do dharmakaya. "Uma gota" significa que todos os aspectos estão condensados em uma única natureza, absolutamente suprema. Três cabeças (e faces) representam as três portas para a liberação e os três kayas. Duas mãos simbolizam o método da grande misericórdia e a sabedoria da vacuidade. Quatro mãos simbolizam os quatro imensuráveis — amor, compaixão, alegria e equanimidade. Seis mãos simbolizam as cinco sabedorias e a sabedoria primordial naturalmente surgida. A postura adamantina, o vajrasana [ou padmasana, postura do lótus], simboliza a igualdade do samsara e do nirvana, o estado de mente além dos dois extremos. [...]

As vestes da divindade simbolizam a liberação do sofrimento e da delusão. Uma veste superior feita de seda branca com desenhos dourados, uma veste inferior feita de várias cores e echarpes longas e flutuantes são exemplos de várias vestes que as divindades usam. O cabelo amarrado em um nó em cima da cabeça simboliza ter completado todos os dharmas virtuosos. As jóias e os ornamentos de flores simbolizam carregar a energia do desejo no caminho para a sabedoria primordial, porque a energia do desejo não é rejeitada. Os ornamentos de jóias simbolizam os sete ramos do caminho da bodhichitta. O colar longo simboliza a atenção, o primeiro ramo. A coroa simboliza a investigação das escrituras, o segundo ramo. As pulseiras simbolizam a perseverança, o terceiro ramo. Os brincos simbolizam a purificação sublime, o quarto ramo. Os braceletes simbolizam o pensamento perfeito, o quinto ramo. O colar médio simboliza a equanimidade, o sexto ramo. O rosário longo e florido simboliza a alegria, o sétimo ramo.

As características das divindades iradas são as seguintes: três olhos simbolizam o conhecimento onisciente dos três tempos — passado, presente e futuro — que podem ser vistos simultaneamente; quatro presas longas simbolizam cortar desde a raiz os quatro tipos de nascimento na existência cíclica; a disposição bruta das divindades iradas, que espelha nossa própria aparência bruta e grosseira, é compassivamente adotada para se relacionar habilmente com nossa própria disposição. [...] Continuando com o simbolismo irado, a veste superior feita de pele de elefante simboliza as dez forças que subjugam toda delusão. A veste inferior, a camisa feita de pele de tigre, simboliza a atividade corajosa que subjuga a raiva. A echarpe de seda longa e flutuante simboliza a bodhichitta que subjuga o desejo. A coroa feita de cinco crânios secos simboliza o orgulho subjugado pelas qualidades dos cinco buddhas. O rosário longo, feito de cinqüenta e uma cabeças humanas frescas, simboliza subjugar a inveja, a paranóia e as cinqüenta e uma mentes secundárias que fazem as delusões surgirem. Os seis ornamentos de ossos e os seis mudras naturais simbolizam as seis perfeições. O flamejante fogo de cinco cores da sabedoria primordial, ao redor das divindades, simboliza a sabedoria que compreende o não-eu, a sabedoria que consume os três reinos da existência cíclica.

(Gyatrul Rinpoche, Generating the Deity)


Divindades pacíficas

Divindades iradas

Mestres

Padmasambhava


Mudra | Os Gestos Simbólicos


Os mudras são os gestos simbólicos que são associados aos buddhas. Esses gestos são muito utilizados na iconografia hindu e buddhista.

Mudra, uma palavra com muitos significados, é caracterizada como gesto, posicionamento místico das mãos, como selo ou também como símbolo. Estas posturas simbólicas dos dedos ou do corpo podem representar plasticamente determinados estados ou processos da consciências. Mas as posturas determinadas podem também, ao contrário, levar aos estados de consciência que simbolizam. Parece que os mudras originaram-se na dança indiana, que é considerada expressão da mais elevado religiosidade. [...] O significado espiritual dos mudras encontra sua expressão perfeita na arte indiana. Os gestos das divindades representadas na arte hinduísta e buddhista e os atributos que os acompanham simbolizam suas funções ou aludem a determinados acontecimentos mitológicos. [...] No decorrer dos séculos, os buddhas e bodhisattvas representados iconograficamente com seus gestos simbólicos e atributos propiciaram o estado de espírito próprio da meditação e criaram uma profunda atmosfera de crença.

(Ingrid Ramm-Bonwitt, Mudras)

No buddhismo Vajrayana, os mudras possuem uma função especial: fazer oferendas ou criar uma conexão do praticante com o buddha que é invocado pela repetição dos mantras. Estes são os mais conhecidos:

Dhyana-mudra

O gesto da meditação; mão direita sobre a esquerda, com as pontas dos polegares se tocando. Associado à meditação do buddha Shakyamuni sob a figueira de bodhi. Também é o gesto do dhyani-buddha Amitabha.


Bhumi-sparsha-mudra

O gesto de tocar a terra; as pontas dos dedos da mão direita tocam o chão. Associado à firmeza inabalável do buddha Shakyamuni que, logo após atingir a iluminação, invocou a terra como testemunha de sua iluminação.

Também é o gesto do dhyani-buddha Akshobhya. Vipashyin, o primeiro buddha, que atingiu a iluminação sob uma árvore patali, é representado fazendo este gesto com as duas mãos.


Abhaya-mudra

O gesto da proteção ou destemor; a mão direita fica erguida e com os dedos levantados. Associado à benevolência do buddha Shakyamuni, que domou um elefante selvagem com este gesto. Também é o gesto do dhyani-buddha Amoghasiddhi.


Varada-mudra

O gesto da misericórdia ou realização dos desejos; a mão fica direita voltada para frente com os dedos abaixados. Associado à generosidade e compaixão do buddha Shakyamuni e ao dhyani-buddha Ratnasambhava.

Krakuchandra, o quarto buddha, que atingiu a iluminação sob uma árvore sirisa, é representado fazendo este gesto com a mão direita e segundo uma ponta de seu manto com a mão esquerda.


Vitarka-mudra

O gesto da explicação; as pontas dos dedos polegar e indicador da mão direita ficam se tocando. Em uma variante, a mão direita faz o Abhaya-mudra e a mão faz o Varada-mudra. Associado às explicações do buddha Shakyamuni e ao dhyani-buddha Vairochana.

Shikin, o segundo buddha, que atingiu a iluminação sob um lótus branco, aparece fazendo este gesto com a mão direita; com a esquerda no colo, ele toca os dedos polegar e médio. Kanakamuni, o quinto buddha, que atingiu a ilumonação sob uma árvore udumbara, é representado fazendo este gesto com a mão direta; sua mão esquerda repousa sobre o colo, fazendo o avakasha-mudra, o gesto do ócio.


Dharma-chakra-mudra

O gesto da roda do Dharma; ambas as mãos fazendo o gesto anterior. Este gesto é associado ao ensinamento de buddha Shakyamuni, ao futuro buddha Maitreya e, às vezes, é utilizado em representações do dhyani-buddha Vairochana.

Este gesto também é usado para representar o terceiro buddha, Vishvabhu, que atingiu a iluminação sob uma árvore sala.


Buddha-shramana-mudra

O gesto da renúncia de Buddha, da eliminação do apego. Semelhante ao abhaya-mudra, mas a mão direita fica sobre o joelho ao invés de erguida. Kashyapa, o sexto buddha, que atingiu a iluminação sobre uma árvore banyan, é representado fazendo este gesto.


Tarjani-mudra

O gesto da eliminação de negatividades.


Buthadamara-mudra

O gesto da proteção.


Namaskara-mudra

O gesto da oração.


Mantra | Os Sons da Iluminação


Um mantra (tib. ngag / sngags, jap. shingon), proteção mental, é uma série de sílabas místicas que invocam a energia de um buddha ou bodhisattva. A repetição (sânsc. japa) de mantras no Vajrayana é tão importante que o buddhismo esotérico também é chamado Mantrayana, o Veículo do Mantra. Existem também os dharanis, mantras mais longos, e as sílabas semente (sânsc. bija) que sintetizam a essência da mente iluminada.

[O]s antigos mahasanghikas tinham em seu cânone uma coleção especial de fórmulas mântricas chamada Dharani Pitaka ou Vidyadhara Pitaka. Os dharanis eram meios de fixar a mente sobre uma idéia ou pensamento, uma visão ou experiência obtida na meditação. Estes podem representar a quintessência de um ensinamento, assim como a experiência de determinados estados de consciência, que desta forma podem ser relembrados ou recriados deliberadamente a qualquer momento. Por isso também são chamados de suportes, receptáculos ou berços da sabedoria (sânsc. vidyadhara). Não são funcionalmente diferentes dos mantras, mas em certo grau nas suas formas, já que podem atingir uma extensão considerável e algumas vezes representam a combinação de vários mantras ou sílabas sementes (sânsc. bija-mantra), ou a quintessência de um texto sagrado. Eles eram tanto um produto quanto meio de meditação: "Através da meditação profunda (sânsc. samadhi), adquire-se uma verdade; através do dharani, ela é fixada e retida na memória". [...] Nos textos páli mais antigos [da tradição Theravada], encontramos mantras de proteção ou parittas para afastar perigos, doenças, cobras, espíritos, influências nefastas e outras, assim como criar condições benéficas como saúde, felicidade, paz, um renascimento feliz, riqueza e assim por diante.

(Lama Anagarika Govinda, Foundations of Tibetan Mysticism)

O fundamento filosófico da escola hindu Mimamsa influenciou o uso de mantras no buddhismo Mahayana e Vajrayana.

Em alguns sistemas hindus, diz-se que os mantras são sons primordiais que possuem poder em e por si mesmos. No tantra buddhista tibetano, os mantras não têm tal poder inerente — a menos que sejam recitados por alguém com uma mente focalizada, eles são apenas sons. Porém, para as pessoas com uma atitude adequada, os mantras podem ser poderosas ferramentas que ajudam no processo de transformação.

(John Powers, Introduction to Tibetan Buddhism)

Já que [as sílabas dos mantras] são os símbolos ou marcas do Dharma, elas são definidas como o selo de todos os buddhas. Já que a divindade e o mantra não são diferentes, elas são definidas com divindades por todos os yogis. Já que estas marcas têm a habilidade de abençoar o fluxo mental dos seres sencientes, elas são definidas com buddhas. Já que as bênçãos dos tathagatas estão misturadas com os fenômenos do amadurecimento kármico, elas são definidas como aparência. Já que a sabedoria dos buddhas abençoou as sílabas, elas são definidas como indivisíveis.

(Jamgön Kongtrül Lodrö Thaye, The Light of Wisdom)

U]m mantra não é nem uma "palavra mágica" nem um "encantamento". é um instrumento da representação e concentração mentais e por isso um recurso do poder mental (mas não de forças sobrenaturais). A raiz man significa "pensar", enquanto o sufixo tra exprime um instrumento, um recurso de acionamento. O efeito do mantra não depende, por conseguinte, de sua entonação — este é outro mal-entendido amplamente divulgado —, mas sim da atitude mental, das associações conscientes e inconscientes que são criadas através da intuição e dos exercícios a ela ligados.

(Lama Anagarika Govinda, Reflexões Budistas)

A relação entre a fala, a respiração e o mantra pode ser melhor demonstrada através do método pelo qual o mantra funciona. [...] Através da pronunciação repetida, pode-se obter controle sobre uma determinada forma de energia. A energia do indivíduo está fortemente ligada à energia externa, e uma pode influenciar a outra. [...] É possível influenciar a energia externa, efetuando os assim chamados "milagres". Tal atividade é realmente o resultado de se ter controle sobre a própria energia, através do qual se obtém a capacidade de comando sobre fenômenos externos.

(Chögyal Namkhai Norbu, Dzogchen)

Para contar as recitações, geralmente se utiliza um rosário (sânsc. malajapamala, tib. trengwa / phreng ba) de cento e oito contas. Na prática, considera-se que uma volta do rosário equivale a cem mantras; os oito restantes servem para compensar os mantras recitados distraidamente.

Om Mani Padme Hum, monograna sânscrito

O mantra mais conhecido do buddhismo tibetano é Om Mani Padme Hum (os tibetanos pronunciam Om Mani Peme Hum), associado ao bodhisattva da compaixão, Avalokiteshvara. Nesse mantra, a sílaba Om representa a presença física de todos os buddhas. A palavra Mani, que em sânscrito significa jóia, simboliza a jóia da compaixão de Avalokiteshvara, capaz de realizar todos os desejos. A palavra Padme significa lótus, a bela flor que nasce no lodo; do mesmo modo, devemos superar o lodo das negatividades e desabrochar as qualidades positivas. A sílaba Hum, representando a mente iluminada, encerra o mantra.

Os mantras nem sempre possuem um significado claro e muitos deles são compostos por sílabas aparentemente ininteligíveis. Mesmo assim, eles

são efetivos porque ajudam a manter a mente quieta e pacífica, integrando-a automaticamente na concentração. Eles fazem a mente ser receptiva às vibrações muito sutis e, portanto, aumentam sua percepção. Sua recitação erradica as negatividades grosseiras e a verdadeira natureza das coisas pode ser refletida na claridade resultante em sua mente.

(Lama Zopa Rinpoche, Wisdom Energy)

Como atuam os mantras? O som exerce um poderoso efeito sobre nosso corpo e nossa mente. E pode acalmar-nos e dar-nos prazer ou ter influência desarmoniosa, gerando uma sensação sutil de irritação. O mantra é ainda mais poderoso do que um som comum: é como uma porta que se abre para a profundidade da experiencia. Visto que os mantras não têm sentido conceitual, não evocam respostas predeterminadas. Quando entoamos um mantra, ficamos livres para transcender os reflexos habituais. O som do mantra pode tranqüilizar a mente e os sentidos, relaxar o corpo e ligar-nos com uma energia natural e curativa.

(Tarthang Tulku, A mente oculta da liberdade)

[R]ecitamos e meditamos sobre o mantra, que é o som iluminado, a fala da divindade, a união do som com a vacuidade. [...] Ele não possui uma realidade intrínseca, é simplesmente a manifestação do som puro, experienciado simultaneamente com sua vacuidade. Através do mantra, não nos apegamos mais à realidade da fala e do som encontrados no cotidiano, mas os experienciamos como sendo vazios. Então, a confusão do aspecto da fala de nosso ser é transformada na consciência iluminada.

(Kalu Rinpoche, The Dharma)

Om Ah Ra Pa Tsa Na Dhi, monograma sânscrito

Imprima o mantra que os tibetanos colocam em cima das portas


Mandala | A Dimensão do Despertar


Em sânscrito, a palavra a palavra mandala (tib. kyilkhor / dkil 'khor, jap. mandara) significa círculo. No buddhismo Vajrayana, mandala refere-se a um tipo de diagrama (sânsc. yantra) simbólico de uma mansão sagrada, o palácio de uma divindade meditacional, a dimensão pura da mente iluminada. Geralmente, as mandalas são pintadas como thangkas, representadas tridimensionalmente em madeira ou metal ou construídas com areia colorida sobre uma plataforma. Neste último caso, a mandala é desfeita após algumas cerimônias e a areia é jogada em um rio próximo, para que as bênçãos se espalhem. A dissolução de uma mandala serve também como exemplo da impermanência.

Durante as práticas de sadhanas, é comum a oferenda de mandalas aos buddhas. Neste caso, a mandala representa um universo puro, com o Monte na posição central e todos os continentes ao redor dele, repletos de oferendas, metais e jóias preciosas. A mandala é simbolizada por montes de cevada ou por um mudra específico. Ao final da sadhana, o mérito deste ato de generosidade é dedicado à iluminação de todos os seres.

As mandalas são muitas vezes constituídas por uma série de círculos concêntricos, cercados por um quadrado que, por sua vez, é cercado por outro círculo. O quadrado possui um portão no centro de cada lado, o principal voltado para o leste, com outras três entradas em cada ponto cardeal. Eles representam entradas para o palácio da divindade principal e são baseados no desenho do templo indiano clássico de quatro lados. Tais mandalas são plantas elaboradas do palácio, visto de cima. Os portais, porém, muitas vezes são "deitados", assim como os muros externos. Estes portais são elaboradamente decorados com símbolos tântricos. A arquitetura da mandala representa tanto a natureza da realidade como a ordem de uma mente iluminada. [...]

A divindade central representa o estado da iluminação [...] e as várias partes do palácio indicam os aspectos chave da personalidade iluminada. As divindades iradas representam as próprias emoções negativas — como a raiva, o ódio, o desejo e a ignorância — transmutadas na consciência iluminada de um buddha.

(John Powers, Introduction to Tibetan Buddhism)

Na suprema experiência da mandala, as cores e formas são simples metáfora. Naturalmente, se percebermos uma paixão muito forte e intensa, podemos reproduzi-la em uma pintura com toda a variedade de chamas e ornamentos. É muito interessante que os praticantes do tantra na Índia tenham criado uma estrutura iconográfica com as divindades vestidas com trajes reais indianos, coroas e jóias, enquanto na China [e, conseqüentemente, na Coréia e no Japão,] os praticantes do tantra tenham representado as divindades vestindo as vestes imperiais chinesas, longas túnicas com brocados e grandes mangas, usando grandes bigodes, segurando cetros chineses. [...] Se estivermos aptos a ver as energias do universo como realmente são, então as formas, cores e padrões se sugerem; Esse é o significado do Mahamudra, que significa "grande símbolo". Todo o mundo é um símbolo, não no sentido de um sinal representando outra coisa, mas no sentido de culminância das vívidas qualidades das coisas como elas são.

(Chögyam Trungpa, The Mith of Freedom and the Way of Meditation)

As mandalas simbolizam iconograficamente as virtudes da iluminação. Em um esquema tradicional, os cinco dhyani-buddhas são representados: Vairochana no centro, Amoghasiddhi na direita (norte), Ratnasambhava na esquerda (sul), Akshobhya embaixo (leste) e Amitabha em cima (oeste). Estas posições também foram utilizadas, por exemplo, na construção da stupa de Borobudur (Indonésia), mas podem variar de acordo com a divindade representada. Outros significados mais profundos sobre as mandalas devem ser ensinados apenas por professores qualificados da tradição Vajrayana.

Mandala de Kalachakra

[A] mandala representa a auto-identificação do microcosmo (a pessoa humana) com o macrocosmo que, para uma pessoa não-iluminada, possui a natureza do samsara; reciprocamente, ela se revela como a expressão perfeita da iluminação quando todas as diferenciações errôneas desaparecem no estado iluminado da não-dualidade.

(David Snellgrove, Indo-Tibetan Buddhism)

Um exemplo de mandala

Kalachakra (tib. dus kyi 'khor lo / Dükyikhorlo), ou Roda do Tempo em sânscrito, é o nome de uma das principais divindades do buddhismo Vajrayana tibetano. De acordo a tradição, os ensinamentos de Kalachakra foram transmitidos pelo buddha Shakyamuni no século VI a.C., a pedido de Suchandra, o rei da terra pura de Shambhala. Esses ensinamentos, compilados em um texto chamado Kalachakra Tantra, teriam sido transmitidos de geração a geração, de mestre a discípulo.

Os ensinamentos foram levados ao Tibet no século XI, em duas linhagens separadas (Dro e Rva), unidas posteriormente pelo monge Butön Rinchen Drup. Um de seus discípulos, Chökyi Pel, transmitiu os ensinamentos de Kalachakra ao lama Je Tsong Khapa e, eventualmente, a linhagem chegou ao sétimo Dalai Lama. Ele introduziu os ensinamentos em seu monastério pessoal, o Namgyel, e essa transmissão continua até hoje, com o Dalai Lama atual.

Os ensinamentos registrados no Kalachakra Tantra são interpretados em três níveis — externo, interno e alternativo. O Kalachakra externo se refere ao mundo físico, aos elementos do universo e às leis do tempo e do espaço, lidando com a astronomia, astrologia e matemática. O Kalachakra interno corresponde aos elementos do corpo, aos agregados psicofísicos, às capacidades físicas e psíquicas, lidando com a fisiologia tântrica e com o sistema de energia do corpo humano. O Kalachakra alternativo lida com a base, o caminho e o resultado das yogas, ou meditações, que conduzem ao estado iluminado da divindade Kalachakra e de sua mandala. Deste modo, a prática do Kalachakra alternativo purifica os Kalachakras externo e interno.

Todos elementos dessa mandala — o diagrama simbólico de um palácio divino, a própria roda do tempo — representam algum aspecto da divindade Kalachakra e de sua terra pura. Há 722 divindades na mandala, simbolizando os várias aspectos da consciência e da realidade que constituem a sabedoria de Kalachakra. Interpretar e entender todos estes símbolos equivale a ler e compreender toda a vasta gama de ensinamentos do Kalachakra Tantra.

A divindade Kalachakra reside no centro da mandala. Seu palácio divino é constituído pelas nossas próprias mandalas pessoais: corpo, fala, mente, sabedoria e grande êxtase. O palácio é dividido em quatro quadrantes, cada um deles com muros, portões e centros. As cores são representações específicas dos elementos: preto ou azul, no oeste (abaixo), representa o ar; vermelho, no sul (esquerda), representa o fogo; amarelo ou laranja, no oeste (acima), representa a terra; e branco, no norte (direita), representa a água.

O palácio quadrado das 722 divindades fica sobre o círculo da terra; os outros círculos, representando a água, o fogo, o ar, o espaço e a consciência, se estendem para fora dos muros do palácio. Os círculos externos representam o cosmos, e dez divindades iradas residem em um desses círculos, servindo como protetores.

A mandala de Kalachakra é dedicada à paz e ao equilíbrio interior e exterior. Ao observá-la, pode-se sentir a paz em muitos níveis. Segundo o Dalai Lama, as divindades da mandala criam uma atmosfera favorável, reduzindo a tensão e a violência. "É um modo de plantar um semente, e esta semente terá seu efeito kármico. Não é necessário estar presente à cerimônia de Kalachakra para receber seus benefícios."

Descrição da Mandala de Kalachakra

Veja também: a mandala de areia e pintada;
e a animação em Flash com o Mantra de Kalachakra (explicações em Inglês).

  1. Mandala do grande êxtase, com um lótus que abriga três casais de divindades (Kalachakra e Vishvamata, Akshobhya e Prajnaparamita, Vajrasattva e Vajradhatvishvari), circundados por oito shaktis
  2. Mandala da sabedoria iluminada
  3. Mandala da mente iluminada
  4. Mandala da fala iluminada
  5. Mandala do corpo iluminado
  6. Animais que representam os meses do ano
  7. Meio-vajras com meias-luas, cada uma delas adornada com uma jóia vermelha
  8. Formas geométricas que representam os seis elementos, ou seja, os cinco elementos físicos (fogo, água, terra, ar, espaço) e o elemento da sabedoria (consciência)
  9. Trinta e seis deusas de oferendas, representadas por sílabas-semente em sânscrito
  10. Vajras duplos que correspondem aos quatro pontos cardeais
  11. Guirlandas e meias-guirlandas de pérolas brancas, circundadas pelos oito símbolos auspiciosos
  12. Goteiras que liberam a água da chuva que cai sobre o teto do palácio
  13. Meio-lótus que simboliza a proteção contra as emoções aflitivas
  14. Sete animais puxando uma carroça, levando duas divindades protetoras
  15. Portão da mandala do corpo iluminado
  16. Jardim de oferendas
  17. Círculo do elemento terra com cruzes entrelaçadas, representando a firmeza
  18. Círculo do elemento água com ondas
  19. Senge Kanga Gyepa, um leão de oito patas, puxando uma carroça com duas divindades protetoras iradas
  20. Círculo do elemento fogo
  21. Círculo do elemento ar
  22. Roda do Dharma, com um par de divindades protetoras no centro
  23. Sílabas-semente em sânscrito
  24. O círculo do elemento espaço com uma cerca de vajras dourados cruzados
  25. Círculo do elemento da sabedoria (o grande círculo da proteção)

Imagens de mandalas


Iniciação | A Transmissão das Bênçãos


Apesar de geralmente ser traduzida como iniciação, a palavra abhisheka em sânscrito e o seu equivalente tibetano, wang kur (tib. dbang bskur) significam ordenação, transmissão de poder. Em sânscrito, também é usada para se referir a consagração, coroação, entronização e aspersão de água. Nos últimos anos, muitos autores têm traduzido estas palavras para o inglês como empowerment ao invés da já costumeira initiation.

Seja como for, as iniciações são cerimônias em que o mestre-vajra (tib. vajracharya, tib. dorje lopön / rdo rje slob spon) autoriza seus alunos a ouvir, estudar e praticar os ensinamentos do buddhismo Vajrayana. Assim como uma cerimônia de casamento representa a união de duas pessoas, uma cerimônia de iniciação é a união das bênçãos de um mestre (sânsc. guru) realizado como a devoção e receptividade de um discípulo (sânsc. chelaadhikarin). Portanto, receber a iniciação de um professor qualificado é essencial para a prática do buddhismo Vajrayana. Diz-se que, se o discípulo considerar o mestre como uma pessoa comum, ele receberá as bênçãos de uma pessoa comum; se vê-lo como um amigo, receberá as bênçãos de um amigo; mas se vê-lo como um buddha, receberá as bênçãos de um buddha.

O objetivo da cerimônia é o de amadurecer o praticante, revelar o seu próprio estado búddhico (sânsc. tathagatagarbhasugatagarbha) e plantar a semente para a iluminação. Após recebê-la, o praticante deve cultivar este semente através da prática cotidiana. Durante a iniciação, o praticante assume externamente o voto de liberação individual (sânsc. pratimoksha), a renúncia ao samsara. Internamente, ele gera a mente da iluminação (sânsc. bodhichitta) e assume o voto de bodhisattva — a aspiração de levar todos os seres à liberação. Secretamente, ele assume o compromisso (sânsc. samaya) de manter a prática Vajrayana.

Muitas vezes, a iniciação tântrica é um rito complexo, envolvendo visualizações detalhadas, preces e súplicas, implementos rituais especiais e substâncias. O objetivo é estabelecer o iniciado na disposição adequada da mente, forjar um elo kármico com o lama e com a divindade meditacional, purificar negatividades, dar a permissão para praticar um tantra específico e dar a instrução de como isso deve ser feito.

(John Powers, Introduction to Tibetan Buddhism)

Receber uma iniciação é como plantar uma semente. Com as condições corretas, posteriormente esta semente irá florescer e crescer na iluminação. Durante a iniciação, cada um das três portas [corpo, fala e mente] é abençoada individualmente; assim, há uma iniciação do corpo, uma iniciação da fala e uma iniciação da mente. Deste modo, as máculas de cada uma das três portas são purificadas e você é autorizado a se visualizar na forma da divindade, a recitar o mantra da divindade e a meditar sobre a mente da divindade.

(Ngawang Phuntsok, On Receiving Wang)

O equivalente sânscrito de "iniciação" é abhisheka, que significa "espargir", "verter", "unção". E para se verter é preciso que haja um vaso onde passa cair o líquido vertido. Se nos comprometemos realmente, abrindo-nos para nosso amigo espiritual de maneira apropriada e completa, transformando-nos num vaso que possa receber a comunicação, ele também se abrirá, e então a iniciação ocorre. Este é o significado do abhisheka, ou "o encontro das duas mentes", a do mestre e a do discípulo.

(Chögyam Trungpa Rinpoche, Além do Materialismo Espiritual)

Para praticar as visualizações e se engajar na sadhana, ou prática do tantra, é necessário receber a autorização adequada ou abhisheka. Segundo Jamgön Kongtrül, o Grande, a palavra abhisheka deriva de duas fontes diferentes. A primeira é abhikensa, que significa "aspersão". Faz parte de cada autorização individual que recebemos e simboliza a purificação das impurezas. A outra palavra é abhikenta, que significa "pôr alguma coisa em um recipiente". Segundo Jamgön Kongtrül, isso significa que quando a mente se livrar das impurezas, as qualidades de sabedoria poderão ser colocadas nela. Assim, a conotação real de abhisheka é autorização. Essa autorização é que dá eficácia à nossa prática.

(Traleg Kyabgon Rinpoche, The Essence of Buddhism)

Uma cerimônia típica é dividida em quatro iniciações (tib. wang shi / dbang bzhi):

  • iniciação do vaso (sânsc. kala-abhisheka, tib. bum wang / bum dbang): purifica as negatividades do corpo, autoriza a praticar as meditações do estágio de geração e cria causas para obter o corpo vajra e o corpo de emanação (sânsc. nirmanakaya);
  • iniciação secreta (sânsc. guhya-abhishaka, tib. sang wang / gsang dbang): purifica as negatividades da fala, autoriza a praticar as meditações sobre os canais e energias sutis, a recitar mantras, e cria causas para obter a fala vajra e o corpo de êxtase completo (sânsc. sambhogakaya);
  • iniciação da sabedoria (sânsc. prajna-abhishaka, tib. sherabkyi wang / shes rab kyi dbang): purifica as negatividades da mente, autoriza a praticar as meditações do estágio de perfeição e cria causas para obter a mente vajra e o corpo do Dharma (sânsc. dharmakaya);
  • iniciação da palavra preciosa (sânsc. chatura-abhisheka, tib. tsig wang rinpoche / tshig dbang rin po che): purifica simultaneamente as negatividades do corpo, da fala e da mente, autoriza a praticar as meditações do estágio da grande perfeição e cria causas para obter a sabedoria vajra e o corpo da essência (sânsc. svabhavikakaya).

Conceder e receber uma iniciação é muito importante, então [também] é muito importante manter a atitude adequada. Algumas pessoas parecer ir às iniciações como se simplesmente estivessem fazendo uma coleção, dizendo orgulhosamente aos seus amigos sobre suas últimas aquisições. Esta atitude é como jogar todos os preceitos e iniciações no lixo. É apenas uma perda.

(Citado por Gyatrul Rinpoche em Naked Awareness)

Na tradição Vajrayana, precisamos primeiro receber a iniciação para amadurecer a mente e criar receptividade aos ensinamentos e à prática. Sem iniciação, não estamos autorizados a ouvir os ensinamentos nem a praticar, pois nossos esforços não seriam mais frutíferos do que moer areia para obter óleo.

Recebemos a iniciação básica de um lama que detenha a linhagem da prática. Ela não pode ser dada unicamente através de palavras e substâncias, pois da mesma forma que apenas um rei possui o poder necessário para entronizar um sucessor, apenas um lama que detenha a linhagem e tenha consumado a prática pode iniciar uma outra pessoa. Através da força da meditação, recitação de mantras e do uso simbólico de substâncias, somos iniciados tanto nas práticas do estágio do desenvolvimento e da consumação, quanto no reconhecimento do corpo, fala e mente da divindade, bem como da nossa natureza absoluta.

(Chagdud Tulku Rinpoche, Portões da Prática Budista)

A primeira qualificação [para se receber uma iniciação] é a da bodhichitta, a aspiração altruísta à mais elevada iluminação e que estima mais os outros do que a si mesma. Aqui é dito que o melhor discípulo permanece em uma experiência genuína desta mente sublime; o discípulo mediano teve um pequeno lampejo dela em suas meditações; o inferior deve ter pelo menos uma apreciação por ela e ter interesse em desenvolvê-la.

A segunda qualificação é dada em termos de sabedoria ou treinamento no insight especial, a experiência da vacuidade. Aqui é dito que o melhor discípulo tem uma experiência não-distorcida da natureza da realidade última, conforme explicada nas escolas Madhyamika ou Yogachara do pensamento Mahayana; o discípulo mediano tem um entendimento correto baseado no estudo e na razão em geral; e o discípulo inferior deve pelo menos ter uma forte apreciação e interesse em aprender as visões filosóficas da vacuidade em uma destas escolas mencionadas acima. [...]

[A terceira qualificação para se receber a iniciação em uma tradição tântrica é] ter um sentimento e um interesse por esta tradição tântrica específica. O propósito da iniciação é plantar sementes kármicas especiais na mente daquele que a recebe; mas se ele ou ela não possuir a abertura nascida de um grau básico de interesse espiritual, será muito difícil que estas sementes tenham algum impacto.

(Dalai Lama, Concerning the Kalachakra Initiation)

Um exemplo de iniciação

Na maioria de todas as tradições tântricas do buddhismo tibetano, uma iniciação é dada apenas a um número de pessoas relativamente pequeno. A iniciação de Kalachakra é a única exceção entre os sistemas meditacionais superiores (sânsc. Anuttara Yoga Tantra) e é concedida abertamente ao público, sem pré-requisitos ou práticas preliminares. A cerimônia completa dura geralmente 12 dias.

Primeiro, há 8 dias de cerimônias preparatórias, durante os quais os monges constróem a mandala de Kalachakra com areia. Na iniciação, o mestre concede aos alunos a permissão para que pratiquem as yogas, ou meditações do Kalachakra Tantra. O mestre realiza o seu voto de transmitir os ensinamentos da linhagem de Kalachakra para trazer benefício a todos os seres; e os alunos fazem o voto de respeitar e manter estes ensinamentos. O compromisso dos alunos pode variar: muitos participam da iniciação apenar para receber as bênçãos, e alguns se comprometem a praticar as meditações diariamente, o que poderá levar a maiores resultados.

No primeiro dia, um representante dos estudantes pede ao mestre para dar a iniciação, e ele consente, mostrando sua compaixão pelos alunos. O mestre pede então a permissão dos espíritos locais para que ele possam utilizar a sua morada. Geralmente, alguns espíritos não cooperam... então os monges realizam a dança da terra, fazendo gestos simbólicos com as mãos e pés. As preces, músicas e danças pacificam todos os espíritos que poderiam interferir.

Após as danças, o mestre recebe a permissão para prosseguir com a cerimônia do Tenma, para todos os espíritos locais. A mandala, que simbolicamente abriga 722 divindades, é protegida por punhais (sânsc. kila, tib. phur ba / purba) simbólicos.

Todos os objetos usados durante a cerimônia, inclusive aqueles usados para construir a mandala, são abençoados pelo mestre. Para começar a construir a mandala, desenha-se o rascunho com cordas cerimoniais, banhadas com giz líquido de cor branca. Sobre a base da mandala, o mestre segura uma ponta da corda, enquanto um monge assistente segura a outra ponta. O mestre então puxa a corda para cima e solta, fazendo com que a batida marque um traço de giz sobre a base da mandala. Cada estalada da corda soa como uma bênção do Buddha para a construção da mandala. Todo o processo de marcação das linhas-guia demora dois dias.

No terceiro dia, o mestre joga gotas de água com açafrão sobre a plataforma da mandala, apagando algumas linhas e abrindo caminho para as 722 divindades entrarem. As almofadas das divindades são simbolicamente representadas por grãos de trigo, que são colocados na mandala. Fazendo três linhas paralelas, o mestre então coloca os primeiros grãos de areia, de cor branca, vermelha e preta, representando respectivamente o corpo, a fala e a mente de Buddha. Os monges continuam a colocar os grãos de areia e completam a mandala, que ao final terá mais de 2 metros de diâmetro. Apenas para aprender as centenas de símbolos da mandala e como desenhá-las, os monges precisam de 2 anos de intenso estudo.

Quando a mandala é completada, vasos sagrados são colocados ao seu redor e ela é cercada por cortinas, para que não seja vista antes do momento apropriado. O mestre agradece à cooperação dos espíritos e divindades com oferendas, e os monges tocam músicas sagradas com sinos, gongos, tambores e trombetas, além de dançarem por uma hora e meia.

No nono dia, após as preces e meditações do mestre e dos monges, os alunos chegam pela primeira vez. Aqueles que querem ser iniciados fazem o voto de ter compaixão por todos os seres sencientes, de trabalhar pelo benefício de todos eles, e de nunca revelar os segredos da mandala. São dadas duas folhas de grama kusha a cada aluno — o mesmo tipo de grama sobre o qual o Buddha se sentou ao alcançar a iluminação, sob a árvore de Bodhi. Essas folhas serão guardadas posteriormente sob os colchões e travesseiros dos alunos, para ajudá-los a lembrar e estudar os seus sonhos. São dadas também as cordas de proteção, que são amarradas em um dos antebraços.

No décimo dia, após algumas cerimônias preliminares, começa a iniciação. Os alunos colocam na testa uma venda vermelha, simbolizando a ignorância, a imaturidade espiritual. Depois dos alunos fazerem os votos de bom comportamento, o mestre pede à divindade Kalachakra para que abra os olhos deles. Os alunos então retiram as vendas, destruindo as trevas da ignorância e se tornando aptos a "ver" a mandala de Kalachakra.

Então, o mestre confere as sete iniciações do "entrar como uma criança", para que os alunos "renasçam" como seres ideais e entrem no mundo perfeito da mandala. Cada iniciação corresponde a um evento significativo na vida de uma criança: receber um nome, tomar o primeiro banho, o primeiro corte de cabelo, o primeiro contato dos cinco sentidos, furar as orelhas para colocar brincos, dizer a primeira palavra, e aprender a ler.

Após o "renascimento", os alunos entram no mundo ideal de Kalachakra, a Roda do Tempo — um universo iluminado, governado pela divindade Kalachakra. Os alunos podem então ver a mandala de areia, a morada de 722 divindades. Cada um dos quatro rostos da divindade olha para uma direção, e são representados simbolicamente na mandala pelos quatro quadrantes coloridos: preto ou azul no oeste (abaixo); vermelho no sul (esquerda); amarelo ou laranja no oeste (acima); e branco no norte (direita).

A mandala é plana, mas representa várias plataformas quadradas de um palácio tridimensional. Com o mestre servindo de guia no caminho para iluminação, os iniciados "entram" no palácio pelo portão do leste, chegando à mandala do corpo iluminado. A próxima entrada leva ao segundo andar, a mandala da fala iluminada, e assim sucessivamente, passando pelas mandalas da mente iluminada, da sabedoria e do grande êxtase. Este é o nível mais elevado do palácio, onde estão a divindade Kalachakra e sua consorte feminina, Vishvamata, no centro de um lótus com oito pétalas. Juntos, Kalachakra e Vishvamata simbolizam a iluminação completa, insuperável e perfeita, a união indissociável da sabedoria e da compaixão.

Na última parte da cerimônia, o mestre agradece às 722 divindades com preces e pede para que retornem a suas terras puras. Com um centro vajra, ele corta a mandala, e a areia é amontoada no centro da plataforma. Na cerimônia final, a areia é colocada em um vaso e transportada até um rio próximo, onde é despejada para espalhar as bênçãos a todos os seres.

Apesar de estarem em um mundo imperfeito, os alunos passam a cultivar as qualidades perfeitas dos três segredos — ou seja, as qualidades do corpo iluminado, da fala iluminada e da mente iluminada. Ao purificar os três segredos, pode-se encontrar a verdadeira paz interior, a verdadeira sabedoria, o verdadeiro êxtase. E, ao encontrar a paz interior, pode-se encontrar também a paz exterior.

A mandala desaparece da visão, mas permanece para sempre na memória daqueles que entraram em seu reino iluminado.


Sadhana | Meditação sobre o Buddha


O termo sânscrito sadhana — derivado de sadh, chegar ao objetivo — pode ser traduzido como meio de se realizar. As sadhanas são textos litúrgicos para a prática de meditação, desde a visualização das divindades meditacionais até a dissolução final, em meditação não-conceitual. Para praticar uma sadhana, é essencial que se procure um professor qualificado de quem se possa receber as iniciações e ensinamentos orais.

As sadhanas são geralmente divididas em três etapas. No estágio preliminar (sânsc. purvagama, tib. ngöndro / sngon 'gro), toma-se o refúgio Vajrayana e se desenvolve a bodhichitta, a mente que aspira alcançar a iluminação para trazer benefícios a todos.

A fase principal começa com o estágio de geração (sânsc. utpatti-krama, tib. kyerim / bskyed rim) — no qual divindades meditacionais são visualizadas, mantras são recitados e mandalas são oferecidas — e termina com o estágio de perfeição (sânsc. nishpanna-krana, tib. dzogrim / rdzogs rim) — em que a visualização é desfeita e se medita sobre a vacuidade.

Na fase de conclusão, são recitadas as preces de aspiração e de dedicação dos méritos.

Abaixo, há um exemplo de sadhana sobre o Buddha Shakyamuni, adaptado de How to Meditate (Sangye Khadro, Wisdom Publications). Apesar da autora ensinar alguns tipos de meditação aos iniciantes, ela recomenda a alguém realmente interessado nestas práticas a procurar um lama qualificado, para receber explicações orais e iniciações.


Buddha é uma palavra em sânscrito que significa totalmente desperto. Ela se refere não apenas a Shakyamuni, ou Gautama, o fundador dos ensinamentos que vieram a ser conhecidos como o buddhismo, mas também a qualquer pessoa que atinge a iluminação. Há incontáveis seres iluminados — seres que transformaram completamente suas mentes, eliminaram toda a energia negativa e se tornaram completos, perfeitos. Eles não estão confinados a um corpo físico impermanente, como nós, mas estão livres da morte e do renascimento. Eles podem ficar em um estado de consciência pura, ou aparecer de diversas formas — um pôr-do-sol, uma música, um mendigo, um professor — para comunicar sua sabedoria e amor aos seres comuns. Eles são a própria essência da compaixão e da sabedoria, e sua energia está ao nosso redor, todo o tempo.

Cada ser vivo, pela virtude de ter uma mente, é capaz de se tornar um buddha. A natureza fundamental da mente é pura, clara e livre das nuvens de conceitos e emoções perturbadores que a obscurecem. Enquanto nos identificarmos com os estados confusos da mente, acreditando, "Eu sou uma pessoa raivosa, Eu sou deprimido, Eu tenho muitos problemas", não nos daremos nem mesmo a oportunidade para mudar.

É claro que nossos problemas são muito profundos e complexos, mas não são reais e sólidos como pensamos. Também temos a sabedoria que pode reconhecer nosso pensamento confundido, e a capacidade de dar e de amar. É uma questão de identificação e desenvolvimento gradual destas qualidades, até chegar ao ponto em que elas surjam espontaneamente e sem esforço. Não é fácil tornar-se iluminado, mas é possível.

Nesta meditação, visualizamos a forma do Buddha Shakyamuni e recitamos seu mantra.

Shakyamuni nasceu como um príncipe, Siddhartha, em uma família vastamente rica, há 2.500 anos atrás, no norte da Índia. Ele viveu em seu reino por 29 anos, protegido das realidades mais desagradáveis da existência humana. Porém, ele eventualmente as encontrou, na forma de uma pessoa doente, um velho, uma pessoa senil e um corpo. Estas experiências o afetaram profundamente. Seu próximo encontro significativo foi com um meditador errante, que tinha transcendido as preocupações da vida comum e alcançado um estado de equilíbrio e serenidade.

Percebendo que seu modo de vida conduziria apenas à morte, e não ao valor real e duradouro, o príncipe Siddhartha decidiu deixar seu lar e família, e ir à floresta para meditar. Depois de muitos anos esforço persistente e concentrado, encontrando e superando uma dificuldade atrás da outra, ela atingiu a iluminação — tornou-se um buddha. Tendo assim libertado a si mesmo de todas as delusões e sofrimentos, ele desejou ajudar os outros a alcançar a iluminação; sua compaixão era ilimitada.

Ele tinha então 35 anos. Ele passou os 45 anos restantes de sua vida explicando o caminho para compreender a mente, lidar com os problemas, desenvolver o amor e a compaixão, e assim se tornar iluminado. Seus ensinamentos eram singularmente fluidos, variando de acordo com as necessidades, capacidades e personalidades de seus ouvintes. Ele os conduziu habilmente à compreensão da natureza última da realidade.

A vida de Buddha, em si, foi um ensinamento, um exemplo de caminho para a iluminação; e sua morte, um ensinamentos sobre a impermanência.

Um poderoso método para descobrir nossa natureza búddhica é abrir a nós mesmos ao buddha externo. Com a prática contínua, nossa auto-imagem comum cai gradualmente e, em seu lugar, aprendemos a identificar nossa sabedoria e compaixão inatas: nossa próprio estado de buddha.

A prática

Acalme sua mente, fazendo alguns momentos de meditação sobre a respiração. Então, contemple a prece de refúgio e bodhichitta.

Eu tomo refúgio, até estar iluminado, nos buddhas, no dharma e na sangha. Pelo mérito que criei através da prática da generosidade e das outras perfeições, possa eu atingir o estado de buddha para ajudar a todos os seres sencientes.

Gere amor e compaixão, refletindo brevemente sobre o predicamento de todos os seres: seu desejo de experienciar a verdadeira felicidade, mas a inabilidade de obtê-la; e seu desejo de evitar o sofrimento, mas encontros contínuos com ele. Então pense:

Para ajudar a todos os seres e conduzi-los à paz e felicidade perfeitas da iluminação, devo atingir a iluminação. Por este objetivo, vou praticar esta meditação.

A visualização do Buddha

Imagem do Buddha Shakyamuni, para ajudar na viualização

Cada aspecto da visualização é feita de luz: transparente, intangível e radiante. No nível de sua testa, a mais ou menos 2 metros a sua frente, está um grande trono dourado, adornado com jóias e sustentado, em cada um de seus quatro cantos, por um par de leões das neves. Estes animais, que na realidade são manifestações de bodhisattvas, têm a pele branca, e a juba e rabo de cor verde.

Sobre a superfície plana do trono, está um assento, constituído de um grande lótus aberto e dois discos radiantes, representando o sol e a lua, um sobre o outro. Estes três objetos simbolizam as três principais realizações do caminho para a iluminação: o lótus representa a renúncia; o sol, a vacuidade; e a lua, a bodhichitta.

Sentado sobre isto, está o Buddha, que atingiu estas realizações e é a corporificação de todos os seres iluminados. Seu corpo é de luz dourada e ele veste os mantos monásticos, cor de açafrão. Seus mantos não tocam realmente o seu corpo, mas estão a uma distância de mais ou menos dois centímetros. Ele está sentado na postura de lótus completo. A palma de sua mão direita está sobre o joelho direito, com os dedos tocando o assento de lua, significando o seu grande controle. Sua mão esquerda está sobre seu colo, em gesto de meditação, segurando um pote cheio de néctar, que é o remédio para curar nossos estados perturbadores e outros obstáculos.

O rosto de Buddha é muito belo. Seu olhar sorridente e compassivo está direcionado para você e, simultaneamente, para todos os outros seres sencientes. Sinta que ele é livre de todos os pensamentos de julgamento e crítica, e que ele aceita a você assim como é. Seus olhos são longos e finos. Seus lábios são vermelho-cereja e os lóbulos de suas orelhas são longos. Seu cabelo vai de azul para preto e cada fio está individualmente enrolado para a direita, sem se misturar com os outros. Cada característica de sua aparência representa um atributo de sua mente onisciente.

Raios de luz emanam de cada poro do corpo puro de Buddha e alcançam cada canto do universo. Estes raios são realmente compostos de incontáveis buddhas em miniatura, alguns indo ajudar os seres sencientes, e outros voltando e se dissolvendo em seu corpo, tendo terminado o seu trabalho.

A purificação

Sinta a presença viva do Buddha e tome refúgio nele, recordando suas qualidades perfeitas e sua disposição e habilidade para ajudá-lo. Faça um pedido, de coração, para receber as bênçãos e se tornar livre de toda a energia negativa, enganos e outros problemas, e para receber todas as realizações do caminho para a iluminação.

Seu pedido é aceito. Um fluxo de luz branca purificadora, cuja natureza é a mente iluminada, flui do coração de Buddha e entra em seu corpo, pela topo de sua cabeça. Assim como a escuridão de uma sala é instantaneamente eliminada no momento em que uma luz é ligada, assim também a escuridão de sua energia negativa é eliminada sob o contato com esta luz branca radiante.

Imagem do Buddha Shakyamuni, para ajudar na viualização

Enquanto ela flui para você, enchendo o seu corpo completamente, recite a seguinte prece, três vezes:

Ao mestre e fundador,
Bhagavan, Tathagata, Arhat, Samyaksambuddha,
O glorioso conquistador, o domador do clã Shakya,
Eu me prostro, tomo refúgio e faço oferendas:
Por favor, conceda-me suas bênçãos.

Agora, recite o mantra de Buddha, Tayatha Om Muni Muni Maha Munaye Soha. Repita alto ou cante pelo menos menos sete vezes, e então repita-o quietamente para si mesmo, por alguns minutos.

Quando você terminar de recitar, sinta que toda a sua energia negativa, problemas e obscurecimentos sutis foram purificadas. Seu corpo sente felicidade e luz. Concentre-se nisto por um instante.

Recebendo a força inspiradora

Visualize que um fluxo de luz dourada desce do coração de Buddha e flui para o seu corpo através do topo de sua cabeça.

Ele pode transformar seu corpo em diferentes formas, animadas e inanimadas, para ajudar os seres vivos de acordo com suas necessidades individuais e estados mentais particulares.

Com sua fala, ele pode comunicar diferentes aspectos do dharma simultaneamente aos seres de vários níveis de desenvolvimento e ser compreendidos por eles em suas línguas.

Sua mente onisciente vê claramente cada átomo da existência e cada ocorrência — passada, presente e futura — e sabe os pensamentos de todos os seres vivos: tal é sua consciência em cada momento.

Estas boas qualidades infinitas fluem para cada parte de seu corpo. Concentre-se nesta alegre experiência quando repetir novamente o mantra, Tayatha Om Muni Muni Maha Munaye Soha.

Quando você terminar a recitação, sinta que você recebeu as infinitas qualidades excelentes do corpo, fala e mente de Buddha. Seu corpo sente a luz e a alegria. Concentre-se nisto por algum tempo.

Absorção da visualização

Agora, visualize que os oito leões das neves são absorvidos no trono, o trono no lótus, e o lótus no sol e na lua. Estes, por sua vez, são absorvidos no Buddha, que agora vem para o espaço acima da sua cabeça, se funde em luz e se dissolve em seu corpo.

Sua sensação de um Eu — indigno e carregado de falhas — e todos os seus outros conceitos errôneos desaparecem completamente. Nesse instante, você se torna um com a mente alegre e onisciente de Buddha, no aspecto do vasto espaço vazio.

Concentre-se nesta experiência o maior tempo possível, não permitindo que outros pensamentos o distraiam.

Então imagine que deste estado vazio aparece, no lugar onde você está sentado, o trono, o lótus, o sol, a lua e, sobre tudo isto, você aparece como o Buddha. Tudo é da natureza da luz, exatamente como você visualizou, anteriormente, diante de você. Sinta que você é o Buddha. Identifique-se com sua sabedoria e compaixão iluminadas, ao invés da sua habitual visão incorreta de um Eu.

Ao redor de você, em cada direção e preenchendo todo o espaço, estão todos os seres sencientes. Gere amor e compaixão por eles, ao lembrar que eles também querem atingir felicidade, paz mental e liberdade de todos os problemas. Agora que você está iluminado, você pode ajudá-los.

Em seu coração, estão um lótus e uma lua. Voltados para fora, ao redor da circunferência da lua e no sentido horário, estão as sílabas do mantra, Tayatha Om Muni Muni Maha Munaye Soha. A sílaba semente Mum está no centro da lua.

Visualize que raios de luz — que na realidade são a sua sabedoria e compaixão — emanam de cada letra e se difundem em todas as direções. Eles alcançam incontáveis seres sencientes ao seu redor e os purificam completamente de seus obscurecimentos e delusões, preenchendo-os com inspiração e força.

Enquanto imaginar isto, recite novamente o mantra, Tayatha Om Muni Muni Maha Munaye Soha.

Quando você terminar de recitar, pense: "Agora eu levei todos os seres sencientes à iluminação."

Visualize que todos aos seu redor estão agora na forma de Buddha e estão experienciando a alegria completa e a sabedoria da vacuidade.

Não se preocupe, achando que a sua meditação é uma simulação e que você não ajudou nem mesmo uma pessoa a alcançar a iluminação. Esta prática é conhecida como "trazer o resultado futuro no caminho presente". Ela nos ajuda a desenvolver a convicção firme em nossa perfeição inata — nosso potencial búddhico; aquilo o que acabamos de fazer na meditação, vamos definitivamente realizar um dia.

Conclua a sessão dedicando toda a energia positiva e insights que você tenha obtido por fazer esta meditação ao eventual atingimento da iluminação pelo benefício de todos os seres.

(McDonald, Kathleen. How to Meditate: A Practical Guide.
Editado por Robina Courtin. Ithaca: Snow Lion, 1998. Pág. 126-133.)

 

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Na China e no Japão


Histórias e Lendas


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