TARA APÓS NOITE DE SEXO E DESESPERO POR RELAÇÕES: OBSESSIVOS ROMÂNTICOS REVELAM COMPULSÃO

 

Mário teve prejuízos na vida pessoal e profissional por conta da obsessão por homem que conheceu em um hotel
Mário teve prejuízos na vida pessoal e profissional por conta da obsessão por homem que conheceu em um hotel Luis Felipe Azevedo

Tara após noite de sexo e desespero por relações: obsessivos românticos revelam compulsão

Adicção costuma levar o dependente à depressão, por conta do sofrimento causado pela tentativa de controlar a vida do outro

Por Luis Felipe Azevedo* — Rio de Janeiro

16/06/2023 04h00  Atualizado há 10 horas


A procura pelo amor motiva o ser humano a buscar relacionamentos e trocas interpessoais. Entretanto, para pessoas obsessivas românticas, o desejo pelo outro provoca uma fixação doentia. A compulsão pode distorcer o pensamento e o comportamento do dependente, de maneira que ele é levado a uma direção que viola a dignidade e integridade pessoal.

O músico Mário (nome fictício para preservar a identidade do entrevistado) havia acabado de encerrar um casamento quando se mudou para um hotel no meio da noite e ficou obcecado por um dos hóspedes que vivia lá. Ele foi expulso de casa pelo ex-marido por conta de infidelidade, o que Mário busca justificar com o argumento de que "convive com uma compulsão por trair".

Abalado com a separação, o jovem, de 28 anos, acreditava ter conseguido sair de um relacionamento abusivo e vivia um momento de carência. Foi nesta circunstância que, em novembro de 2022, Mário conheceu Rafael (nome fictício), um homem que inicialmente pareceu atencioso e interessado por ele. A relação, que começou como uma amizade, logo escalou para o lado sexual e obsessivo.

— Eu gostei muito da forma que o Rafael me tratou durante o sexo e, no dia seguinte, já não conseguia mais parar de pensar nele. Transamos somente três vezes. Logo, passei a sentir uma necessidade de vê-lo e saber onde ele estava. A necessidade de estar próximo aumentava diariamente e eu não conseguia lidar — conta.

Doutor em Psiquiatria, Marco Aurélio Negreiros explica que a obsessão romântica se manifesta como uma tentativa de controle de um relacionamento e muitas vezes é desencadeada por gatilhos, como uma rejeição.

— A obsessão amorosa ou romântica é uma adicção e a principal característica do dependente é a perda de controle sobre o próprio comportamento. Cabe ressaltar que esta dependência não está relacionada à orientação sexual ou práticas sexuais. Entretanto, existem grupos sociais que estão mais vulneráveis a qualquer transtorno adictivo por conta da invalidação que sofrem na sociedade — afirma.

O especialista aponta que a pessoa que convive com a adicção tende a se sentir muito ansiosa com possíveis desfechos negativos do relacionamento e sua vida passa a ser direcionada pelo romance. No entanto, isso causa sofrimento, uma vez que o dependente nunca está plenamente satisfeito com a relação e está atrás de algo mais que possa satisfazer as suas vontades imediatas.

Perda de controle

Mário e Rafael viveram no mesmo hotel por um mês, mas a rotina sexual não foi para frente. O músico passou a sentir ciúmes excessivos e, mesmo não estando mais hospedado no local, chegou a ficar horas escondido em frente a portaria para vê-lo chegar do trabalho. Ele também passou a frequentar locais que Rafael costumava ir para praticar exercícios físicos, em uma tentativa de simular encontros espontâneos.

— Comecei a pesquisar sobre a vida do Rafael e da família. Descobri até a hora de nascimento dele. Eu queria estar com ele 24 horas por dia e inventei mentiras para afastar pessoas do convívio dele. Eu considerava elas como ameaças para o relacionamento que criei na minha cabeça. Apesar do meu esforço, acho que não consegui afetar tanto a rotina dele quanto eu gostaria na época — revela.

O músico diz que tentou de tudo para fazer o romance dar certo. Chegou inclusive a buscar práticas alternativas, como o adoçamento amoroso, um trabalho espiritual para auxiliar casais com problemas com energias negativas.


Mas nada funcionou.

Mário precisou mudar de cidade e percebeu estar realmente obcecado por Rafael quando nem a distância o impediu de chorar diariamente por estar longe dele. O jovem constatou que esse amor impossível afetou negativamente a sua vida pessoal e profissional, e decidiu procurar ajuda.

— Eu nunca imaginei que viveria isso. Tudo se tornou gigante pela carência e solidão. Eu tinha perdido o controle dos rumos da minha vida. Procurei uma pessoa que eu poderia contar o que acontecia comigo e não ser julgado. Com a ajuda dela, tirei um peso enorme das costas e passei a me consultar com um profissional especializado em terapia comportamental para aprender a lidar com a situação.

Caminho de recuperação

O especialista aponta que o dependente deve buscar apoio em grupos anônimos e em atendimentos psicoterápicos especializados em transtornos adictivos.

Como explica Negreiros, a obsessão romântica costuma levar o adicto à depressão, por conta do sofrimento causado pela tentativa de controlar a vida do outro. O sentimento de frustração pode também acarretar um recolhimento da libido.

Seis meses após o início do tratamento, Mário mantém as consultas regulares com a psicóloga e a prática de meditação. Ele não se encontrou mais com Rafael, mas admite que o procura nas redes sociais ocasionalmente, ainda que esteja bloqueado no Instagram.

— Estou ciente da minha condição e passei a enxergar coisas que não via antes, inclusive descobri que ele é feio. Não me reconheço nas atitudes que tive naquele hotel. Estou feliz agora e aberto para conhecer novas pessoas — reflete.

Busca por validação

A adolescência da estudante Daniela (nome fictício), de 22 anos, foi marcada pela sensação de impotência. A busca por um meio de suprir as lacunas que ela considerava incompletas fez com que a aprovação do outro e a necessidade de afeto provocassem sofrimento. A jovem buscava relações românticas para preencher o vazio que tinha dentro de si.

Diagnosticada com depressão, Daniela precisou lidar com o conturbado casamento dos pais desde a infância. Ela acredita que foi ensinada a enxergar as relações como conflituosas. A estudante relembra seus primeiros relacionamentos e observa que a obsessão não se manifestava de maneira explosiva, mas de forma silenciosa.

— O estopim para mim foi quando me senti rejeitada por um menino com quem me relacionava. Aquilo me fez muito mal. A validação do outro era tão importante que eu me sujeitava a buscar pessoas que me tratavam muito mal e não me permitiam ter voz — conta.

Negreiros aponta que o relacionamento ou a busca por ele passa a direcionar a vida do adicto, que sofre por não se sentir plenamente realizado. O obsessivo tem tendência a querer agradar compulsivamente e passa a ter a vida desviada por conta de pensamentos relacionados ao romance.

Do diagnóstico ao tratamento

A estudante observa que costumava repetir o mesmo padrão de comportamento após o fim de relacionamentos. Abalada com a situação, Daniela passava a buscar desesperadamente por um parceiro. Ela explica a movimentação como uma maneira de tentar aumentar a autoestima e suprir a falta de afeto.

— Fui diagnosticada como uma pessoa obsessiva romântica depois que procurei ajuda de forma voluntária. Além do tratamento com um terapeuta e um psiquiatra, acredito que falar com outras pessoas sobre a minha condição me permitiu ser mais transparente e parar de negar a existência dos padrões obsessivos.

A jovem acredita ser a principal vítima da sua compulsão. Ela enxerga o tratamento como mecanismo para ajudá-la a encerrar o ciclo obsessivo, que é tão prejudicial para a vida.


Fonte:https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2023/06/tara-apos-noite-de-sexo-e-desespero-por-relacoes-obsessivos-romanticos-revelam-compulsao.ghtml

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