LENTA NO CONGRESSO, LIBERAÇÃO DA CANNABIS AVANÇA NA ANVISA E NA JUSTIÇA

 

Famílias precisam de prescrição médica e habeas-corpus para plantar a cannabis na medida de suas necessidades ou compram em farmácia o produto importado, muitas vezes apelando à Justiça
Famílias precisam de prescrição médica e habeas-corpus para plantar a cannabis na medida de suas necessidades ou compram em farmácia o produto importado, muitas vezes apelando à Justiça Fabio Seixo/Agência O Globo

Lenta no Congresso, liberação da cannabis avança na Anvisa e na Justiça

Projetos tramitam na Câmara e no Senado. Um deles, do deputado federal Luciano Ducci (PSB-PR) legaliza o cultivo da cannabis no Brasil com teor máximo de 0,3% de THC, mas restringe o plantio a empresas

Por Eliane Silva — Ribeirão Preto (SP)

25/06/2023 07h30  Atualizado há 8 horas


Proibida por lei no Brasil desde 1938, a cannabis é tema de intenso debate. A discussão sobre a legalização da cannabis para fins medicinais no país, no entanto, tem avançado com resoluções da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que liberou a importação controlada de medicamentos, e decisões da Justiça que permitem alguns plantios monitorados.

Em 14 de março deste ano, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) chamou para si decisões sobre plantio.

Na Câmara dos Deputados e no Senado, a avalição do tema é mais lenta. Tramitam há anos projetos de lei para legalizar o consumo, produção e comercialização dos medicamentos.

O mais avançado na Câmara, o 399/2015, tem um substitutivo que trata também da liberação do plantio do cânhamo industrial, que interessa muito ao setor do agronegócio.

O texto do deputado federal Luciano Ducci (PSB-PR) foi apresentado em 2020 em substituição ao PL 399 do ex-deputado federal Fábio Mitidieri, de 2015.

O novo projeto foi aprovado em comissão especial da Câmara e deveria seguir direto para votação no Senado. Um recurso de deputados contrários à legalização, no entanto, barrou o projeto, que agora precisa ser aprovado em Plenário.

“Como a Anvisa avançou bastante na permissão de uso e comercialização de medicamentos à base de cannabis desde que o projeto 399/2015 foi apresentado, decidimos englobar toda a cadeia produtiva da planta, desde o cultivo até a comercialização, de acordo com a necessidade atual”, diz à Globo Rural o autor do substitutivo.

O projeto de Ducci legaliza o cultivo da cannabis no Brasil com teor máximo de 0,3% de THC, mas estabelece que o plantio só pode ser feito por pessoas jurídicas (empresas, associações de pacientes ou organizações não governamentais) e que o cultivo para cigarros, chás e outros derivados permanece proibido.

A expectativa dos deputados favoráveis ao texto é que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), inclua a votação na pauta ainda neste ano. A reportagem questionou Lira, via assessoria, mas não teve resposta em quatro semanas.

Ducci diz que, se for aprovado o cultivo, o cânhamo deve se tornar um grande ativo do agro brasileiro, inclusive para exportação.

“Temos que levar em conta toda a capacidade agrícola e o nosso território. Países vizinhos já lucram com o cânhamo e grandes indústrias apostam alto na fibra da cannabis porque a planta cresce muito rápido, tem várias aplicações na indústria e substitui com vantagens vários produtos que usamos, incluindo roupas, cosméticos, material de construção e celulose.”

O deputado lamenta que muitos colegas na comissão tenham usado o tema como escada para se posicionar contra as drogas, resumindo tudo a “pirulito de maconha”.

“Quem lê o projeto percebe que estamos falando de acesso a remédios e economia, não se trata de consumo ou legalização de drogas.”

Distribuição

O senador Paulo Paim (PT-RS) apresentou neste ano um novo projeto, que institui a Política Nacional de Fornecimento Gratuito de Medicamentos Formulados de Derivado Vegetal à Base de Canabidiol pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para quem precisa do remédio e não tem condições financeiras de comprar.

Atualmente, as famílias precisam de prescrição médica e habeas-corpus para plantar a cannabis na medida de suas necessidades ou compram em farmácia o produto importado, muitas vezes apelando à Justiça para que o Estado pague a conta.

Outra opção é se associar a entidades que têm autorização judicial para comercializar e até plantar os medicamentos.

Em São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas sancionou uma lei em 31 de janeiro que permite a distribuição gratuita dos medicamentos à base de canabidiol pelo SUS. Tramitam em várias cidades do país projetos semelhantes.

Após a sanção, a Secretaria da Agricultura de São Paulo divulgou que a coordenação das Câmaras Setoriais e Temáticas da pasta vai intensificar junto ao setor produtivo a retomada do projeto para organizar e fomentar a pesquisa e o desenvolvimento de toda a cadeia produtiva do cânhamo no Estado.

Em nota, o secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, Antonio Junqueira, disse que o Brasil já poderia ser líder global de produção em cânhamo industrial, com crescimento econômico de toda a cadeia produtiva, geração de centenas de empregos e sustentabilidade ambiental.

Em dezembro, a Associação Brasileira das Indústrias da Cannabis (Abicann) encaminhou uma carta ao então presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, destacando o potencial do agro brasileiro para tornar o cânhamo industrial uma commodity e os benefícios econômicos e sociais da legalização dos usos da cannabis.

“Antecipo uma informação macroeconômica de que, até o ano de 2030, mais de 150 países já terão regulamentos e legislações claros sobre o cultivo, cadeia industrial, retorno social, taxas e impostos para a cannabis/cânhamo. Estamos considerando uma economia bilionária, anualmente. E são três fatores centrais que contribuem com a popularidade do cânhamo nos planos governamentais: a facilidade de crescimento, os benefícios ambientais e a versatilidade de usos”, diz um trecho da carta assinada pelo diretor-presidente da entidade, Thiago Ermano.

Paulo Teixeira, atual ministro da pasta do Desenvolvimento Agrário, foi relator do projeto de lei da cannabis na comissão especial até 2022.

Em painel na Hemp Fair Experience, em março deste ano, em Brasília, o ministro defendeu a aprovação do plantio no Brasil de cannabis medicinal e também do cânhamo para uso industrial e alimentício.

“O povo brasileiro está precisando (da medicina canábica) e hoje os termos que estão colocados não são adequados para o fornecimento pelo SUS. Precisamos produzir aqui, plantar aqui, extrair o óleo aqui, testar o óleo aqui e desenvolver uma indústria também. ”

STJ

Por meio do voto da ministra Regina Helena Costa, o STJ conferiu a si a prerrogativa de decidir sobre o plantio de cannabis no Brasil, abrindo a possibilidade para o cultivo legal da planta com fins medicinais e industriais.

O tribunal usou um instrumento jurídico conhecido como “incidente de assunção de competência (IAC)”, que dá à corte a responsabilidade pela palavra final sobre a legitimidade da importação de sementes e sobre o cultivo de cannabis no país.

No voto, a ministra ressalta a existência de debate no país sobre o tema e o avançado trâmite do projeto do deputado Ducci na Câmara “que versa sobre o Marco Regulatório da Cannabis no Brasil e regulamenta o mercado de cultivo da planta e industrialização e de seus subprodutos para fins medicinais, cujo aspecto abrangente se volta à instituição de regramento direcionado a quaisquer de suas variedades, mesmo aquelas com elevadas concentrações de THC”.

A decisão do STJ implica a paralisação de todos os processos relacionados ao plantio de cannabis no Brasil até o julgamento final de mérito pelo STJ, que não tem prazo. O que a corte decidir deve ser vinculante para todos os casos que tramitam no país.

     — Foto: Globo Rural

— Foto: Globo Rural

Anvisa

Em 2014, o casal Norberto Fischer e Katiele se tornou o primeiro a conseguir uma autorização judicial para importar canabidiol no Brasil, para tratar a filha Anny Fischer, que sofre de um problema genético raro, a síndrome CDKL5, que causa um tipo de epilepsia grave.

Em janeiro de 2015, a Anvisa publicou sua primeira RDC (Resolução da Diretoria Colegiada) sobre a cannabis, retirando o canabidiol da lista de substâncias proibidas.

Em 2019, o então ministro da Cidadania, Osmar Terra, disse que a Anvisa poderia até ser fechada caso aprovasse regras sobre o cultivo da cannabis no país.

O médico Terra, atual deputado federal pelo MDB-RS, continua sendo uma das vozes no Congresso que mais se opõe à legalização do cultivo da cannabis no país, alegando que não há evidências científicas do efeito curativo da maconha.

Desde 2015, a Anvisa publicou outras RDCs sobre o tema, mas não tratou do plantio. A agência reguladora já aprovou a venda de 18 medicamentos à base de canabidiol no Brasil.


Fonte:https://globorural.globo.com/negocios/noticia/2023/06/lenta-no-congresso-liberacao-da-cannabis-avanca-na-anvisa-e-na-justica.ghtml


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