INDUSTRIA DA MODA VÊ POTENCIAL DE USO DA CANNABIS EM ROUPAS, ACESSÓRIOS E COSMÉTICOS

 

Marina Ruy Barbosa e Vanessa Ribeiro, sócias da Ginger. Empresa anunciou coleção de roupas feitas de fibra de cannabis
Marina Ruy Barbosa e Vanessa Ribeiro, sócias da Ginger. Empresa anunciou coleção de roupas feitas de fibra de cannabis Getty Images

Indústria da moda vê potencial de uso da cannabis em roupas, acessórios e cosméticos

Startup de Curitiba tentou investir em produtos baseados na fibra da planta da maconha, mas negócio esbarrou na falta de matéria-prima

Por Eliane Silva — Ribeirão Preto (SP)

10/06/2023 07h40  Atualizado há 2 semanas


A cannabis sativa - a planta da maconha - está no radar da indústria da moda e da beleza. Empresas do setor veem potencial de uso comercial do cânhamo industrial em diversos segmentos. No entanto, quem conhece do negócio afirma que a exploração dessas possibilidades esbarra em alguns entraves no Brasil, país onde o cultivo é proibido.

Empresária e advogada especializada em moda e negócios internacionais, Ana Fábia Ferraz Martins, de Curitiba (PR), arriscou-se em uma empresitada no mundo da moda à base de cannabis. Ela criou a Hemp Fashion, uma startup voltada à produção de roupas, cosméticos e acessórios com fibras de cânhamo, mas o negócio não avançou por falta de matéria-prima a preços competitivos.

“Eu sempre gostei de moda e, a partir de 2021, me interessei pelo cânhamo industrial por ser uma opção para uma moda regenerativa, sustentável. A planta regenera o solo, produz fibras mais longas que o algodão, usa menos químicos e representa uma oportunidade de reduzir o prejuízo gerado pela indústria da moda, uma das que mais consome recursos naturais”, diz.

Ana Fábia afirma que, diante do sucesso do cânhamo no mundo, alguns designers autorais brasileiros estão buscando acesso ao tecido produzido lá fora, mas tropeçam nos entraves de importação e no preço.

“A França é a maior produtora e importadora da Europa, embora tenha uma legislação bem repressiva contra o uso recreativo da cannabis. Com sua grande eficiência no agro, o Brasil poderia produzir a fibra curta e a longa a preços competitivos até para exportação”, avalia.

Um levantamento da Kaya Mind apontou que o Brasil importou mais de 100 toneladas de cânhamo bruto entre 1999 e 2021, principalmente da China. Só no período de 2020 e 2021, foram importadas 13,5 toneladas.

Nos Estados Unidos, onde vários Estados autorizam o cultivo da planta mediante licenças e fiscalização desde que a Farm Bill de 2018 regulamentou a produção em nível federal, o mercado está em expansão. Celebridades como os rappers Jay-Z, Drake e Snoop Dog, o guitarrista Carlos Santana, o ex-jogador da NBA Shawn Kemp e as atrizes Whoopi Goldberg e Gwyneth Paltrow já lançaram roupas e outros produtos feitos com hemp.

“Um ultraconservador muda de opinião em 10 minutos depois que conhece a realidade e potencial da planta. É uma biotecnologia milenar que chega para gerar vida, economia e recuperação ambiental.”
— Thiago Ermano, presidente da Abicann

No Brasil, a atriz Marina Ruy Barbosa anunciou uma coleção com roupas produzidas com a planta da família da maconha, mas atualmente sua marca não tem nenhuma peça feita com cânhamo.

Ana Fábia cita como exemplo de negócio de sucesso no mundo da moda à base de cânhamo uma empresa da Romênia, a De Ionesco, que produz roupas masculinas e exporta para vários países. No site da empresa, uma jaqueta de cânhamo custa US$ 450, fora o frete. “A Romênia tem muita tradição no beneficiamento da fibra de cânhamo, que exige um equipamento especial, diferente do maquinário do algodão.”


Segundo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), há 30 anos, a Romênia era a maior produtora de cânhamo da Europa, o plantio teve um forte recuo pela repressão e vem sendo reativado nos últimos anos. No país, a produção e consumo de cannabis para fins recreativos continuam proibidos, mas é permitido o cultivo do cânhamo com menos de 0,2% de THC para fins medicinais e para produção de fibras e alimentos.

Thiago Ermano, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Cannabis (Abicann), diz que o cânhamo pode se tornar uma commodity, como a soja e o milho. Ele estima que sua legalização beneficiaria pelo menos 21 setores econômicos no Brasil. Para ter escala, o cultivo tem que ser feito a céu aberto e a produção deve passar pelas agroindústrias.

Mas, para que essa legalização aconteça, é preciso, nas palavras dele, “separar o joio do trigo” e desmistificar a temática da cannabis no país. “Um ultraconservador muda de opinião em 10 minutos depois que conhece a realidade e potencial da planta. É uma biotecnologia milenar que chega para gerar vida, economia e recuperação ambiental.”

A própria associação teve que derrubar barreiras para ser registrada em cartório. Isso só foi possível depois que a Anvisa publicou em 2019 a RDC (Resolução da Diretoria Colegiada) 327, que permite a empresas importar e fabricar produtos medicinais derivados da cannabis.

A Abicann reúne pequenas e médias empresas, laboratórios, indústrias internacionais de medicamentos e empresas que trabalham com tecnologias sustentáveis e inovação. Ermano acredita que, embora esteja atrasado em relação ao mundo, até 2025 o Brasil já deve ter formado um ambiente para o plantio comercial do cânhamo industrial.

“Temos capacidade de controlar os cultivos e a genética para produzir de forma legal e exportar para 95 países que já têm regulação. Ou trazemos essa economia para o Brasil ou continuamos a ser um país de importados, inclusive com brasileiros produzindo lá fora e mandando para cá.”

Mercados potenciais para a cannabis sativa — Foto: Globo Rural

Mercados potenciais para a cannabis sativa — Foto: Globo Rural


Fonte:https://globorural.globo.com/negocios/noticia/2023/06/industria-da-moda-ve-potencial-de-uso-da-cannabis-em-roupas-acessorios-e-cosmeticos.ghtml

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