'FELICIDADE É UMA TÉCNICA, E É PRECISO PRATICÁ-LA', DIZ SOCIÓLOGO

 

O presidente da Fundação Mundial da Felicidade, Luis Gallardo
O presidente da Fundação Mundial da Felicidade, Luis Gallardo Divulgação

'Felicidade é uma técnica, e é preciso praticá-la', diz sociólogo

Presidente da Fundação Mundial da Felicidade, Luis Gallardo garante que a fórmula para ser feliz já existe, critica ‘ditadura do medo’ na sociedade e sugere modelo de ‘happytalismo’

Por Elisa Martins — São Paulo

18/06/2023 04h30  Atualizado há 7 horas

Objeto de estudo em áreas que vão da ciência à arte, psicologia ou filosofia, a felicidade está no centro das ambições humanas. Mas, afinal, existe fórmula para ser feliz? O sociólogo espanhol Luis Gallardo, presidente da Fundação Mundial da Felicidade (World Happiness Foundation), garante que sim, e que ela já foi descoberta há muito tempo. A questão, diz, é que muita gente a desconhece — ou não se atreve a praticá-la.

— Há muitas formas de alcançar um estado de calma, paz, esperança, perdão, compaixão— afirmou, em entrevista ao GLOBO por vídeo. — A felicidade é uma técnica, e há que praticá-la. Tanto faz quem você é, mas é preciso escolher algo que funcione para você.

Na entrevista a seguir, o também diretor do programa Gross Global Happiness da Universidade para a Paz da ONU, na Costa Rica, sugere medidas práticas para ativar a felicidade e critica a “ditadura do medo” que, segundo ele, impede as pessoas de serem felizes na sociedade contemporânea. Gallardo propõe o conceito de “happytalismo”, que dá nome a um livro homônimo, ainda sem edição no Brasil, e elogia governos, universidades e empresas com iniciativas que reforçam a influência da felicidade em áreas como saúde mental, família, educação e trabalho.

— É menos sobre acumulação de capital financeiro e mais sobre chegar a um estado de liberdade de medos, de consciência mais elevada sobre o que acontece ao redor, por que e para que, e entender a felicidade, para compartilhá-la — afirma o especialista, que virá ao Brasil em novembro para o Congresso Internacional de Felicidade, em Curitiba. Confira os detalhes na entrevista abaixo.

Qual questão ligada à felicidade o deixa mais feliz em responder?

“Como posso te ajudar?”. Porque isso reflete interesse, empatia, compaixão. E está relacionado a algo que pesquisas já mostraram, que é como a felicidade passa por criar uma relação. Quando uma pessoa oferece ajuda a outra, se cria um vínculo. É uma das formas de ativar a felicidade.

E o que é felicidade? A definição não pode variar de uma pessoa para outra?

Totalmente. Por isso é preciso distinguir entre felicidade e ativadores da felicidade. Uma pessoa pode ativar a felicidade ao estar no campo, na natureza, ao abraçar uma árvore, estar com um amigo, conversar, comer chocolate, correr, viajar. Todas são atividades que nos fazem entrar em um estado de fluidez, de admiração, de paz, que nos ajudam a conectar com a felicidade que temos. A felicidade é o óleo do motor. Todos nascemos com ela, é parte do nosso ser. Mas precisamos ativá-la.

Ser feliz então é uma escolha?

Sim, para quem pode escolher. Há pessoas que não têm essa facilidade porque podem ter problemas mentais, depressão, podem ter sofrido traumas muito fortes e não conseguir tomar decisões. E essas pessoas precisam de ajuda. A felicidade tem a ver com responsabilidade social. Quando estamos perto de pessoas felizes, criamos mais, inovamos mais, se criam ambientes amigáveis para todos, de desenvolvimento, segurança. É um direito humano.

Elementos como ganância e exibicionismo no mundo atual não prestam um desserviço à felicidade, uma espécie de “tirania da felicidade”?

O que existe é uma ditadura do medo. Há pessoas que têm medo de ser felizes. A humanidade decidiu definir o sucesso através do poder, do dinheiro, da fama. E para chegar a ele se adotam as três piores ações para a felicidade: comparar-se, queixar-se e competir. Me comparo para ver quem tem mais poder, fama ou dinheiro, me queixo se não sou eu, e compito para ter isso. Olha o mundo que criamos. Um mundo que nos leva de forma rotineira a um estado de infelicidade, de carência. Quando vivemos esse estado, se alguém coloca uma foto no Instagram sorrindo, claro, é como se fizesse um dano a esse sistema.

O senhor escreveu sobre o conceito de “happytalismo” como um novo sistema para um mundo mais feliz. O que ele propõe?

Ao longo da História já nos organizamos em muitos sistemas, em diferentes épocas. O “happytalismo” é um sistema de filosofia da felicidade. Se o que o ser humano busca de forma consistente é a sua felicidade e a dos demais, por que não nos centramos nisso? Trata-se de buscar maneiras para que o maior número de pessoas possa ser feliz pela maior duração possível. É menos sobre acumulação de capital financeiro, como consumidores, e mais sobre chegar a um estado de liberdade de medos, de consciência mais elevada sobre o que acontece ao redor, por que e para que, e entender a felicidade, para compartilhá-la.

Como chegar a isso? Existe fórmula para a felicidade?

Existe, e já foi descoberta. Mas muita gente não conhece. Há muitas formas de alcançar um estado de calma, paz, esperança, perdão, compaixão. Elas ajudam a gerir nossos pensamentos e emoções, integrando espírito, postura, intenção. São fórmulas e possuem muitos ingredientes, como comer bem, dormir, rodear-se de pessoas positivas, não se ater ao passado, respirar, contemplar, meditar, estar na natureza. Pesquisamos mais de mil ações que funcionam para diferentes culturas, em diferentes momentos. Com uma delas já se consegue avançar de forma significativa na felicidade. Se quero estar bem fisicamente, por exemplo, não é sentado no sofá que vou conseguir, terei que caminhar, fazer exercícios. A felicidade é assim, é uma técnica, e há que praticá-la. Tanto faz quem você é, mas é preciso escolher algo que funcione para você.

Quais são as ações principais que ajudam a ser feliz?

A mais básica, já comprovada em pesquisas: dar, se colocar a serviço dos demais. Quanto mais me dou, mais ajudo, mais feliz sou. Quem faz isso alcança a felicidade mais rápido e por mais tempo do que quem não faz. Depois, dar a mim mesmo. É principalmente gostar de si, ter compaixão, perdoar, ser amável consigo mesmo. E dar-se de forma consciente. Hoje vou cuidar de mim. Vou agradecer por estar vivo, e vou passar esse sentimento ao meu corpo, meus braços, minhas mãos. Outra coisa é uma respiração consciente. Nascemos com uma inspiração e morremos com uma expiração, a respiração é o que conecta o nascimento à morte. Mas muitas vezes nos esquecemos disso. Quando relaxo e respiro profundamente, aumento a circulação de oxigênio, respiro melhor. E já se sabe que uma técnica de respiração saudável ajuda a gerir nossas emoções. Entra aí outra ação importante, que é prolongar essa respiração. Há pessoas que não têm paciência sequer para respirar. Uma respiração profunda nos conecta com nossos pensamentos, que por sua vez influenciam nossas emoções.

A felicidade pode ser medida pela ciência?

Existe toda uma corrente de psicologia positiva, educação positiva e ciência da felicidade que estuda os muitos elementos que influenciam na felicidade. Há várias pesquisas sobre amabilidade, perdão, compaixão, em que se mede até que ponto ser mais amável ou agradecer, por exemplo, promovem felicidade. Muitas universidades ao redor do mundo pesquisam os impactos do bem-estar, da meditação e do mindfulness na nossa saúde. Já sabemos como uma mente sã facilita a entrada em estados de fluidez e felicidade. Melhor saúde mental, melhor felicidade, e vice-versa. Também há laboratórios e centros de pesquisa que mostram como essas ações podem reduzir o burnout nas empresas, por exemplo, melhorar o rendimento acadêmico de alunos, ajudar na construção de famílias mais estruturadas. São milhares de pesquisas nesse sentido.

Conceitos como compaixão, fluidez, plenitude, atrelados à felicidade, também são muito associados à espiritualidade. Existe relação entre elas?

A espiritualidade é a conexão com nosso ser energético, ela busca entender o que há além do nosso corpo físico e do entendimento racional. Se definimos espiritualidade assim, há muitas pesquisas que apontam que pessoas com essa conexão são mais felizes. Falo de uma corrente de felicidade suprema. Os maiores estados de felicidade são alcançados quando existe conexão plena com nosso ser mais elevado. É algo que na espiritualidade já está estabelecido, mas que a ciência precisa explorar mais. Criamos uma disciplina em parceria com a Universidade de Zaragoza, que se chama Ciências Contemplativas, que estuda justamente a conexão entre ciência e espiritualidade.

Nos últimos anos, governos criaram ministérios de felicidade e bem-estar, empresas abriram diretorias com esse propósito. Qual é a importância de iniciativas desse tipo?

Cada vez há mais líderes que entendem que, se o objetivo da humanidade é ser feliz, precisamos olhar para isso. As cidades são felizes se os cidadãos são felizes. As empresas são felizes se os funcionários são felizes. Escolas e universidades são felizes se professores e alunos são felizes. Parece óbvio, mas ainda não existe uma atenção a isso nos níveis estratégico e operacional. Felizmente já vemos algumas iniciativas de governos que decidem focar em ter cidadãos felizes através de condições que geram mais bem-estar. Trabalham em meio ambiente, qualidade do ar, segurança, acesso a espaços de natureza, parques públicos, educação. E países ou comunidades com mais estabilidade, confiança, menos corrupção, mais segurança e acesso à educação podem ter mais condições de promover a felicidade de seus cidadãos.

O senhor é feliz?

Vejo a felicidade como uma onda, que sobe e desce. Sou uma pessoa feliz, mas que principalmente trabalha em ser mais feliz.


Fonte:https://oglobo.globo.com/saude/bem-estar/noticia/2023/06/felicidade-e-uma-tecnica-e-e-preciso-pratica-la-diz-sociologo.ghtml


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