O QUE VOCÊ NÃO SABIA SOBRE MARIA MADALENA E SUA RELAÇÃO COM JESUS

 

Rooney Mara interpreta Maria Madalena  (Foto: Divulgação)

Rooney Mara interpreta Maria Madalena (Foto: Divulgação)

  • VITÓRIA BATISTOTI*
 ATUALIZADO EM 


Cristão ou não, todo mundo já ouviu falar sobre as principais histórias bíblicas e seus  personagens, tais como Jesus, seus pais, Maria e José, os doze Apóstolos, e o anjo Gabriel, por exemplo.

Há também quem tenha escutado falar sobre uma certa Maria Madalena, mulher que já foi pintada pelos fiéis como prostituta e como santa. Para os pesquisadores, sua trajetória era envolvida em mistério.  

Quem sabe agora tenhamos mais respostas sobre essa mulher, já que no mês de março as telonas e as livrarias ganham duas inusitadas produções que revistam a vida de Maria Madalena.

O filme Maria Madalena, com roteiro de Helen Edmundson e Philippa Goslett, acompanha a trajetória da personalidade histórica, interpretada por Rooney Mara, que luta contra o destino dado às mulheres da época. É a chegada de Jesus, vivido por Joaquin Phoenix, que lhe traz esperanças de mudanças.

Além da obra de ficção inspirada em fatos históricos, nesse mesmo mês, a editora Zahar lança a biografia Maria Madalena - Da Bíblia ao Código da Vinci: Companheira de Jesus, Deusa, Prostituta, Ícone Feminista, escrita pelo historiador Michael Haag. O autor perpassa por diversos momentos da história do messias e analisa o relacionamento que ele construiu com Maria Madalena, além de estudar as formas que ela foi interpretadas por diferentes correntes religiosas e em distintos momentos históricos, desconstruindo mitos e preconceitos.

Com base em outros historiadores, em pesquisas arqueológicas e naquilo que consta na Bíblia, Haag sintetiza, em 315 páginas, tudo o que você precisa saber sobre Maria Madalena. Separamos algumas dessas curiosidades logo abaixo:

Pecadora?
É muito provável que você conheça Maria Madalena como uma prostituta ou uma mulher pecadora, até porque foi assim que ela foi retratada pela Igreja Católica entre os anos de 591 até 1969. Essa foi uma escolha tomada pelo padre Gregório I, que utilizava o seguinte trecho bíblico para falar dela:

“E eis que uma mulher da cidade, que era uma pecadora, quando soube que ele estava à mesa em casa do fariseu, trouxe um vaso de alabastro com bálsamo e colocou-se a seus pés por trás dele, chorando, e começou a lançar seus pés com lágrimas, e os enxugava com os cabelos de sua cabeça, e beijou seus pés, e os ungiu com o unguento... E ele disse a ela: ‘Os teus pecados estão perdoados’.”

Por todo esse tempo, Maria Madalena foi essa mulher para a Igreja – e também para as reproduções artísticas da narrativa bíblica, tais como nos filmes A Última Tentação de Cristo (1988) e A Paixão de Cristo (2004), em que é representada como uma adúltera.

Cena do filme A Última Tentação de Cristo (1988) (Foto: Divulgação)

Cena do filme A Última Tentação de Cristo, de 1988 (Foto: Divulgação)

Santa?
Apesar dessa roupagem negativa, Maria Madalena não foi vista como uma pecadora por todos. Em algumas outras vertentes religiosas cristãs, a mulher seria a esposa de Jesus e até a mãe de seu filho. Quem nutria esse pensamento eram os cátaros, povo que vivia no sul da França durante a Idade Média.

Essa hipótese foi pano de fundo do escritor Dan Brown ao escrever o livro O Código da Vinci, em que narra um secreto relacionamento entre Jesus e Maria Madalena retratado secretamente em obras do artista renascentista Leonardo da Vinci.

Essa teoria ganhou mais força em 2012, quando a historiadora Karen King, professora da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, encontrou um pergaminho com inscrições em copta, antiga língua falada no Egito, que trazia inscrições que indicam que Jesus teria uma esposa. Após ir ao público e causar furor, porém, a pesquisadora foi confrontada com a alegação de que o conteúdo era falsificado.

'A Madalena'
A formação do nome dessa mulher é um tanto quanto polêmica. No grego original dos evangelhos, ela nunca é 'Maria Madalena'. Na verdade, ela é descrita como 'Maria, chamada Madalena', ou 'Maria, a Madalena', como se o segundo nome fosse dado à ela como um título.

A suposição que muitos pesquisadores fazem é que esse título seja referente à sua origem, embora essa informação não conste no Novo Testamento. A hipótese é que ela seja Maria, de Magdala, uma aldeia frequentemente descrita por viajantes como um local insalubre, miserável e pobre.

A aldeia de Magdala (Mejdal, em árabe), estava situada onde hoje é o Iraque, ao noroeste das marges do mar da Galileia. O espaço existe até hoje e há de se dizer que ele continua com as mesmas condições difíceis de outrora.

Porém, mesmo precária, é possível que Magdala tenha sido uma cidade que floresceu e prosperou durante a época de Jesus. Expedições e pesquisas arqueológicas que estão acontecendo por lá atualmente dão indícios disso.

Hoje, acredita-se que Magdala foi uma cidade helenística, fundada em 2 a.C por uma dinastia judaica independente chamada hasmoneus.

Pintura de Magdala entre 1890 a 1900, de autor desconhecido (Foto: Reprodução)

Pintura de Magdala entre 1890 a 1900, de autor desconhecido (Foto: Reprodução)

Ao lado de Jesus
Pode ser até que haja discordâncias sobre Maria Madaleta ter sido esposa ou não de Jesus, mas é unânime que ela foi, ao menos, uma grande companheira do profeta. Conforme relata Haag em sua obra, a mulher esteve com Jesus na Galileia, enquanto ele anunciava o reino de Deus aos seus discípulos.

Ela também o acompanhou quando ele e seus discípulos viajaram para Jerusalém e ingressaram na cidade santa; e até quando os romanos pregaram o corpo de Jesus na cruz.

Maria Madalena também acompanhou o transporte do corpo para a tumba e foi ela quem avistou, no terceiro dia, que o túmulo estava vazio. De acordo com a tradição cristã, foi Maria Madalena quem testemunhou a ressurreição e recebeu a primeira aparição de Jesus.

Apesar de toda essa importância, ela é mencionada pelo seu nome apenas 14 vezes na Bíblia. 

“Como mulher e companheira de Jesus, ela é a única pessoa perto dele nos momentos críticos que definem seu propósito, que descrevem seu destino e que darão origem a uma nova religião; ela ajuda a apoiar Jesus em suas obras, é totalmente destemida e é uma mulher de visão. Sua personagem detém o segredo de seu nome. No início há Jesus e Maria, chamada Madalena”, escreve Haag.

A cura dos enfermos
A primeira vez que Maria Madalena é citada nas escrituras bíblicas é quando Jesus está empreendendo sua viagem pela Galileia e algumas mulheres chegam até ele para serem curadas. Uma delas é Maria Madalena, de que saem sete demônios, como escreve o discípulo Lucas.

É por conta desses 'sete demônios' que saem de dentro de si que Maria Madalena passou a ser associada como uma mulher impura e atormentada. No entanto, conforme explica Haag, esse termo 'demônio' é utilizado ao longo de toda a escritura bíblica para narrar episódios em que Jesus trata de enfermos. Os demônios saiam e a pessoa ficava saudável de novo.

A gravura Maria Madalena (1926), de Eric Gill, retrata o momento em que a mulher unge Jesus em Betânia (Foto: Reprodução)

A gravura Maria Madalena (1926), de Eric Gill, retrata o momento em que a mulher unge Jesus em Betânia (Foto: Reprodução)

Participação de mulheres
Após ser tratada, Maria Madalena decide acompanhar Jesus e seus apóstolos ajudando-os com cuidados e alimentação necessários para dar prosseguimento à jornada. Junto a ela ia também outros indivíduos do sexo feminino, como Joana, Suzana e outras mulheres, conforme descreve Lucas em seu Evangelho.

Ao integrar o grupo, Maria Madalena é citada em alguns poucos episódios, porém, mesmo que curtos e breves, eles trazem dicas que indicam um pouco sobre sua vida, seu caráter e seu relacionamento com Jesus.

Exemplo disso é o episódio durante a semana da Páscoa, em que Jesus e seus discípulos estão em alojamentos em Betânia e uma mulher entra com um vaso de alabastro e unguento de grande valor e derrama sobre a cabeça do messias. Diversos Evangelhos descrevem a situação, mas nunca citam o nome da mulher misteriosa, que é Maria Madalena.

Outro caso é durante a Última Ceia, quando Jesus e seus apóstolos estão realizando o banquete final. De acordo com Haarg, não há nenhuma razão para não crer que as mulheres que empreendiam a viagem para o reino de Deus também não estivessem ali participando do jantar.

À frente do tempo
Como citado anteriormente, Maria Madalena e outras mulheres acompanharam Jesus e seus discípulos ao longo das viagens pela Galileia.

No entanto, para que Maria Madalena e essas outras personagens femininas pudessem empreender a trajetória para a criação do reino de Deus, elas teriam que ser radicias e burlar as regras estabelecidas para mulheres durante aquela época, pois não havia condições para que elas pudessem participar daquele movimento, exceto se pudessem viver de forma independente de seus laços familiares.

"As restrições sobre as mulheres judias na Palestina eram bastante severas na época de Maria Madalena, momento em que o judaísmo esteve mais ferozmente empenhado na luta para preservar sua identidade contra as influências da cultura helenística [...]. As mulheres judaicas da Judeia e da Galileia estavam sujeitas a interpretações cada vez mais rigorosas da Torá e a regras ainda mais elaboradas", descreve Haag.

A sociedade da Palestina durante o século primeiro era uma das mais patriarcais e conservadoras de todas, de forma que era muito difícil para uma mulher ter uma vida independente.

Em grande parte, as mulheres judias estavam restritas às tarefas domésticas e eram legalmente propriedade dos homens: de seus pais enquanto não eram casadas, depois passavam a ser de seus maridos. Elas não tinham autorização para receber educação e caso precisassem de alguma renda para complementar os recursos do lar, elas deveriam realizar atividades domésticas.

A explicação do historiador judaico-romano Josefo, do século primeiro, diz muito bem sobre isso: “A mulher, diz a lei, é em todas as coisas e inferior ao homem. Deixem-na, portanto, ser submissa, não para sua humilhação, mas para que ela possa ser dirigida; porque autoridade foi dada por Deus para o homem".

Assim, uma das únicas formas prováveis para uma mulher ser independente financeiramente naquela época seria o divórcio (por parte do homem) ou a viuvez, principalmente se a mulher pertencesse ae uma família de classe alta.

Visto isso, para que Maria Madalena e essas outras mulheres participassem desse movimento, elas eram independentes financeira e socialmente. Haag também acrescenta e diz que foram elas quem sustentaram a viagem de Jesus e dos discípulos com seus próprios recursos financeiros. Eram elas que providenciaram a alimentação do grupo, as roupas e tudo o que fosse necessário para a manutenção das viagens.

Para isso ser possível, muitos historiadores acreditam que Maria Madalena advinha de uma família abastada.

Maria Madalena, obra de Leonardo da Vinci (Foto: Reprodução)

Maria Madalena, obra de Leonardo da Vinci (Foto: Reprodução)

Casamento de Maria Madalena?
Foi em uma festa de casamento em Caná, na Galileia, em que Jesus realizou seu primeiro milagre: transformou água em vinho.

Não é mencionado nas escrituras quem é casal que estava realizando a comunhão, mas alguns comentaristas bíblicos, historiadores e o teólogo São Jerônimo, do século 9, acreditam que o casamento é de Maria Madalena e João Evangelista, o autor do quarto evangelho. Segundo é contato nas escrituras, João Evangelista é conhecido por ter abandonado sua noiva para unir-se à Jesus e anunciar o reino de Deus, tornando-se um dos 12 discípulos do messias.

Mas há também indícios no Evangelho de João de que o casamento era do próprio Jesus com Maria Madalena.

De acordo com Haag, não seria incomum imaginar que Jesus fosse casado, até porque era difícil um homem da idade dele não ter uma companheira naquela época.

"Jesus era descontraído em relação a abluções rituais e dieta; [...] gostava de comida, bebida e boa conversa; era espirituoso e afiado; sentia-se à vontade com as mulheres e se autodepreciava; mas tinha uma intensidade e uma aura que o faziam muito atraente. Fossem Jesus e Maria Madalena casados, isso explicaria a intimidade entre eles, sua companhia constante, sua presença na crucificação e, sobretudo, a sua visita à tumba no terceiro dia levando especiarias para ungir seu corpo nu, uma tarefa assumida por uma esposa", escreve Haag.

Após a ressurreição
Um dos episódios mais emblemáticos e que indica uma relação próxima entre Maria Madalena e Jesus acontece após a crucificação.

Após presenciar o ato, é Maria Madalena quem vai visitar a tumba passados três dias do episódio.

Seu retorno ao túmulo de Jesus faz parte de uma antiga tradição judaica de se conferir se o morto estava realmente morto. Porém, além de fazê-lo, seu outro propósito da visitar era ungir o corpo de Jesus.

“No terceiro dia, ela foi à tumba para ungir o corpo de um homem nu, algo que nenhuma mulher poderia fazer a não ser que fosse um parente muito próximo. Jesus tinha uma mãe, ele tinha irmãs, tinha outros parentes, qualquer um dos quais poderia ter realizado esses deveres familiares. No entanto, foi Maria Madalena quem foi até a tumba no terceiro dia”, escreve o historiador.

A ressurreição, xilogravura de 1917 do artista Eric Gill. Ela retrata o momento em que Maria Madalea descobre que a tumba de Jesus está vazia (Foto: Reprodução)

A ressurreição, xilogravura de 1917 do artista Eric Gill. Ela retrata o momento em que Maria Madalea descobre que a tumba de Jesus está vazia (Foto: Reprodução)

Logo após ir de encontro à tumba de Jesus e não encontrar seu corpo, Maria Madalena se depara com um jardineiro que na verdade é Jesus reencarnado. Esse é o último momento em que ela aparece nas narrativas bíblicas e é a última vez em que se ouve falar de Maria Madalena. Ela não aparece mais na Bíblia, nas epístolas de Paulo e no Livro dos Atos dos Apóstolos

Só se tem outros sinais do paradeiros e da vida de Maria Madalena em Evangelhos posteriores.

Versão oficial
No ano de 591 d.C, o padre Gregório pronunciou na Basília de São Clemente, em Roma, a identidade que Maria Madalena iria assumir na visão da Igreja e que perduraria por muito tempo: a de uma prostituta, uma mulher pecadora, uma figura submissa e cheia de arrependimento. Ela seria o oposto da mãe de Jesus, Maria, virgem e pura.

No entanto, para correntes gnósticas, Maria Madalena foi retratada como uma mulher visionária e herdeira de luz. Em alguns dos evangelhos gnósticos, ela assume um papel de líder diante dos outros apóstolos; ela é o discípulo que Jesus mais ama, o único que compreende a verdadeira natureza e ensinamentos do mestre.

Em particular para os gnósticos cátaros, Maria Madalena era uma figura pecadora, mas que é perdoada por Jesus e adorada por ele. Isso é descrito no manuscrito A Legenda Áurea, escrito em 1275 pelo bispo Jacobus de Voragine, de Gênova.

Voragine a descreve exatamente como aquilo que foi estabelecido pelo papa Gregório: ela é pecadora, e sua vida é baseada em culpa e arrependimento. Mas ele se baseia em outra tradição. A Maria Madalena de Voragine era de origem nobre e seus pais eram descendentes de reis, de forma que a mulher seria herdeira de uma parte considerável de Jerusalém. Mas Maria Madalena se entregou “totalmente aos prazeres da carne” e seu nome foi esquecido, passando a ser chamada de ‘a pecadora’. Porém, isso muda após conhecer Jesus.

“O que Voragine diz é que depois que Maria Madalena se jogou aos pés de Jesus na casa de Simão, o fariseu, e depois que perdoou seus pecados e expulsou dela os setes demônios, Jesus a inflamou de amor por ele. Ela viajou ao seu lado e cuidou de suas necessidades em todos os momentos. Parou junto dele ao pé da cruz, e na sua ressurreição ele apareceu a ela e fez dela o “apóstolo dos apóstolos”, escreve o historiador Haag.

Nessa tradição cristã francesa, após a crucificação de Jesus, Maria Madalena navegou até Marselha, onde convenceu o governador da província a destruir templos pagãos e construir igrejas.

Porém, para o Vaticano, Maria Madalena foi retratada como pecadora até 1969, ano em que a Igreja Católica Romana deixou de reconhecê-la como uma mulher impura e decretou que ela seria venerada como um discípulo. No entanto, sem nenhum pedido de desculpas ou lhe garantir o devido destaque histórico que merecia. 

* Com a supervisão de Thiago Tanji. 

Fonte:https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/Historia/noticia/2018/03/o-que-voce-ainda-nao-sabia-sobre-maria-madalena-e-sua-relacao-com-jesus.html


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