COMO OS COMPUTATORES QUÂNTICOS PODEM MUDAR O MUNDO COMO CONHECEMOS

 

Interior do computador quântico da IBM (Foto: IBM)

Interior do computador quântico da IBM (Foto: IBM)

  • MARCELO LAPOLA*
 ATUALIZADO EM 


Imagine o seguinte exercício: você marca um X vermelho em apenas uma das 500 páginas de um livro e, em seguida, pede para o seu computador encontrar a página marcada. O que sua máquina fará é verificar página por página até encontrar aquela com o X. Isso pode levar um tempo.

Depois, você repete o experimento. Mas, desta vez, pede a um computador quântico para procurar a mesma página. O resultado será praticamente instantâneo. Talvez antes mesmo que você conclua a instrução ele já vai mostrar qual é a página do X. É como se ele pudesse enxergar todas as páginas praticamente ao mesmo tempo, sem precisar verificar uma de cada vez.

Por isso, não é exagero dizer que esses equipamentos prometem acabar com o mundo como o conhecemos. Contas que demorariam milhões ou bilhões de anos para serem feitas nos nossos melhores computadores — estes baseados em silício — são feitas em minutos nos computadores quânticos. E essa realidade está cada vez mais próxima.

Em outubro de 2021, duas equipes de cientistas chineses anunciaram um novo feito, afirmando terem construído o computador quântico mais rápido do mundo. Ele calculou em um milissegundo operações que durariam inviáveis 30 trilhões de anos para serem feitas em computadores comuns (detalhe: a idade do Universo é estimada em 13,8 bilhões de anos). Os resultados foram publicados na prestigiada Physical Review Letters.

Na segunda semana de novembro, a IBM anunciou a fabricação de um novíssimo processador quântico por excelência, batizado de Eagle. Sua principal característica é a imensa capacidade, 127 qubits (bits quânticos), que marca o ponto de mudança da computação tradicional ao formato quântico. Devido a essa enorme capacidade de processamento, não é mais possível simular programas feitos para ele nos computadores comuns, baseados na lógica binária, de 0s e 1s, que formam os famosos bits.

Processador quântico Eagle, da IBM (Foto: Divulgação/IBM)

Processador quântico Eagle, da IBM (Foto: Divulgação/IBM)

A grande diferença é que as máquinas comuns analisam esses bits um a um. Já nos computadores quânticos, seus qubits obedecem o princípio da superposição quântica — eles podem ser 0, 1 ou ainda 0 e 1 ao mesmo tempo! E é isso que aumenta vertiginosamente a velocidade de processamento.

Como a própria IBM explicou no lançamento do Eagle, “a computação quântica aproveita a natureza quântica fundamental da matéria em níveis subatômicos para oferecer a possibilidade de uma potência computacional enormemente aumentada.” E tudo isso graças a materiais como junções especiais de supercondutores, que permitem a aplicação com controle de princípios fundamentais da física quântica, a exemplo da superposição de estados quânticos, entrelaçamento, tunelamento entre outros.

Conhecimento exponencial

Me lembro de uma reportagem da GloboNews de 2019 na qual a mesma IBM anunciava o lançamento do protótipo de um computador quântico pronto para ser desenvolvido em escala comercial. De lá pra cá, essa corrida pelo computador quântico só aumentou. Google, Amazon, Microsoft e pesquisadores da Universidade de Ciência e Tecnologia da China anunciaram feitos inimagináveis com seus primeiros computadores que usam os princípios da mecânica quântica no processamento e armazenagem de informação.

Bem no início da apresentação durante a Consumer Electronic Show (CES), em 2019, o host da IBM citou um trecho bíblico do livro de Daniel. No capítulo 12, versículo 4, o profeta cristão diz que o fim dos tempos será “quando muitos correrão de uma parte para outra e o conhecimento aumentará”. E em seguida alega que o verbo “aumentará”, no futuro do presente, sugere um aumento exponencial. Já não é novidade que o avanço da produção de conhecimento da humanidade segue um crescimento exponencial.

Cientistas trabalham no computador quântico do Google (Foto: Reprodução Nature/Erik Lucero)

Cientistas trabalham no computador quântico do Google (Foto: Reprodução Nature/Erik Lucero)

A principal característica de um crescimento que obedece a uma lei matemática exponencial é marcada no início por leves aumentos e, a partir de um determinado ponto, esse crescimento torna-se abruptamente intenso. É assim com a população de bactérias em uma infecção, o crescimento de populações humanas ao redor do mundo, a capacidade de processamento dos computadores e o conhecimento ao longo da história humana.

Estimativas relatadas pelo escritor, inventor e cientista Ray Kurzweil em seu excelente livro A Singularidade Está Próxima nos dá um retrato de como o conhecimento tem avançado. Ele utiliza-se da conhecida curva de conhecimento de Buck Fuller. Ela mostra que até o ano 1900, o conhecimento produzido pela humanidade dobrava em um intervalo de 100 anos. De 1900 a 1945, no fim da Segunda Guerra Mundial, essa taxa passou para cada 25 anos. Com a reconstrução de muitos países e a reconfiguração geopolítica do mundo no pós-guerra e avanços tecnológicos, a partir de 1945 até hoje em dia, todo o conhecimento produzido tem dobrado num período de menos de 12 meses!

Para se ter uma ideia, o que avançamos na ciência nos últimos 50 anos representa um volume milhares de vezes maior que o avanço de mais de mil anos anteriores. Hoje, um adolescente que sai do ensino fundamental II tem muito mais conhecimento e informação que um imperador no auge do Império Romano. Parece ficção, mas o fato é que estamos no ponto da exponencial em que os crescimentos se tornam muito abruptos em curtos períodos.

Essa última taxa de dobra na produção de conhecimento em todas as áreas humanas é consequência direta da era da informação. Impactos da globalização, do poder computacional cada vez maior e relativamente mais barato, do acesso à internet, de smartphones e aplicativos, do comércio e compartilhamento de dados: tudo isso nos colocou nesse trem que já viaja em alta velocidade.

Mas isso vai parecer brincadeira de criança quando a computação quântica estiver popularizada. E vai acontecer em menos tempo do que você imagina. Um dos maiores desafios já em pauta nas grandes corporações, governos e empresas é lidar com uma montanha enorme de dados gerados a cada segundo, na velocidade do pensamento. Há cientistas de dados por toda a parte, e a demanda por esses profissionais só cresce. Problema que será resolvido pela computação quântica unida à inteligência artificial.

A dúvida que permanece é: o que faremos quando este mundo se acabar para dar lugar à “era quântica”? Já pensou que poderemos ser testemunhas do fim dos tempos atuais e do início de tempos totalmente diferentes em muitos aspectos? Sem esconder o otimismo, problemas até então insolúveis serão passíveis de solução rápida. E outros vão surgir.

Prepare-se porque, de acordo com as projeções mais sensatas, feitas pela própria IBM em um relatório de 2006 (pasme!), intitulado The Toxic Terabyte (O Terabyte Tóxico), com a computação quântica chegaremos em breve num mundo onde a produção de todo conhecimento da história dobrará a cada 12 horas! E onde isso tudo vai parar? Do ponto de vista dos especialistas, não há uma ruptura, e os ritmos de crescimento da capacidade das máquinas e inteligência artificial podem ser extraordinariamente grandes.

Chineses alegam ter atingido novo patamar de supremacia quântica. Acima: Imagem física de interferência quântica óptica: a parte inferior esquerda é a parte óptica de entrada, a parte inferior direita é o caminho óptico de fase bloqueada e a parte superio (Foto: Ma Xiaohan, Liang Jing, Deng Yuhao/University of Science and Technology of China/中国科学技术大学)

Em 2020, chineses alegaram ter atingido novo patamar na supremacia quântica. Acima, imagem de interferência quântica óptica: a área inferior à esquerda é a parte óptica de entrada, a parte inferior à direita é o caminho óptico de fase bloqueada (Foto: Ma Xiaohan, Liang Jing, Deng Yuhao/University of Science and Technology of China/中国科学技术大学)

O mesmo Kurzweil que citei acima, estudioso do assunto, diz que em algum ponto desse progresso tecnológico haverá um evento que parece ser uma quebra abrupta nesse ritmo. É o que ele e outros especialistas chamam de singularidade tecnológica. Será uma mudança em nossa capacidade de entender e buscar conhecimento, já que nossa realidade mais cotidiana será dividida com as máquinas no mesmo nível de inteligência, em princípio.

Entre tudo o que as máquinas quânticas dotadas de inteligência artificial poderão inventar está a capacidade de se reinventarem, de interagirem com seus próprios programas para mudarem seus processos de pensamento, sem que seja necessária a interferência humana. E onde estaremos quando as máquinas despertarem com uma inteligência sem precedentes, capazes até de criarem outras máquinas?

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