Não sei Como Orar nem Rezar, Como Fazer?
Diferença entre orar e rezar – as "vãs repetições"
Repetir Rezas Prontas Funciona?
ASSIM COMO bem atestam o Aurélio, o Michaellis e todos
os dicionários da língua portuguesa, os termos "orar" e
"rezar" são sinônimos. É importante notar, aliás, que essa
duplicidade de termos que expressam uma mesma realidade é bem característica da
nossa língua pátria. Em inglês, por exemplo, o verbo to pray significa
exatamente o mesmo: orar ou rezar, tanto faz. Em italiano, usa-se a
palavra pregare, que poderia ser traduzida como
"suplicar" e que tem o mesmo sentido de orar ou rezar
em nosso idioma.
No desenvolvimento do português – esta língua tão complexa –
surgiram muitos termos sinônimos, como: andar e caminhar; experimentar e
experienciar; trabalhar e laborar; alimentar e nutrir; orar e rezar, etc,
etc... De fato, não há absolutamente nenhuma razão para se
diferenciar radicalmente os termos orar e rezar. Na Santa Missa, por exemplo, o
sacerdote tanto usa a expressão "oremos" quanto – na oração dos fiéis
ou na homilia –, pode dizer "rezemos". Infelizmente, porém, de algum
tempo para cá, muitos "pastores" andam imaginando que têm autoridade
para mudar a língua portuguesa, e por conta própria vem "ensinando"
às pessoas simples e despreparadas que existe uma grande diferença entre orar e
rezar.
E assim, sem pensar, grande parte dos nossos irmãozinhos
afastados assume essa ideia equivocada. Pior: como de costume, considerando-se
os únicos entendedores da Bíblia Sagrada, essas pessoas são rápidas em nos
acusar por conta deste assunto: criou-se a esdrúxula ideia de que
"rezar" seria repetir "vãs palavras", enquanto que
"orar" seria, verdadeiramente, falar com Deus. Analisaremos bem a
questão, a seguir. Antes, vejamos o que a própria Escritura tem a dizer sobre
questões como esta:
“Esses tais demonstram
um interesse doentio por controvérsias e contendas acerca das palavras, que
resulta em inveja, brigas e atritos constantes...”
(1Tm 6, 4)
Como vemos, esse tipo de controvérsia sobre palavras não é
nenhuma novidade. Voltando à questão, por que se apegam alguns a essa grande
diferença 100% inventada, entre palavras que sempre foram e continuam
sendo, na realidade, sinônimas? O que alegam, como já dissemos, é que
"rezar" seria uma vã repetição de palavras decoradas, feita
mecanicamente, enquanto que "orar" seria falar a Deus daquilo que vem
do coração, com entrega, com verdade, fé e amor. Para um fiel católico,
entretanto, desmontar essa construção falsa e muitas vezes maldosa é bem
fácil, simplesmente porque é desprovida de qualquer base sólida. Vejamos...
Admitimos que o termo "orar" pode ter sido
preferido, por certos autores, para significar as orações espontâneas,
e "rezar" tenha sido mais utilizado com enfoque na sua raiz
semântica latina "recitare", que significa récita. Isto,
porém, não é e nem foi nunca regra geral, e para confirmá-lo basta
demonstrar que o vocábulo "orar" deriva do latim "orare",
cujo sentido original é exatamente o mesmo, isto é, "pronunciar uma
fórmula ritual, uma súplica, um discurso"[1], além de
significar também (exatamente do mesmo modo que o 'recitare')
o "pedir, rogar, pleitear, advogar". Estas acepções estão presentes
nos cognatos "oração" (do latim 'oratione') e
"orador"; todavia ambos os verbos, "orare" e "recitare", justamente
por influência do latim eclesiástico, especializaram-se com sentido de súplica
a Deus.
Mais além, não é verdade que os católicos só podem se
utilizar de orações pré-definidas para falar a Deus. Todo católico pode e deve
elevar suas próprias orações espontâneas ao Criador, usando as palavras que lhe
vêm ao coração, para pedir, louvar, dar graças e falar a Nosso Senhor como quem
fala a um dileto amigo.
Como o próprio Jesus Cristo ensinou
O uso das fórmulas prontas sempre
serviu (e serve) como uma espécie de guia para orientar quanto à maneira
correta de falar a Deus, conforme nos instruiu o próprio Senhor Jesus Cristo.
Quando um dos discípulos lhe perguntou como deveriam orar (Lc 11,1-4. Mt
6,9-14), Ele não respondeu: "falem como quiserem, digam as palavras que
lhes vierem ao coração". Não. O que o Senhor fez foi ensinar a oração do
Pai-Nosso, dizendo com muita clareza: "Quando orardes, dizei assim...".
O Filho de Deus e Salvador da humanidade, em Pessoa, ensinou uma fórmula
pré-definida, para que nós pudéssemos compreender o que é mais importante pedir
a Deus, e em que ordem e de que maneira devemos fazê-lo. Jesus Cristo
ensinou a rezar (recitar), portanto.
Por meio desse modelo,
o Senhor nos ensinou como devem ser as nossas orações e como elas se tornam
aceitáveis a Deus, nosso Pai do Céu. Vemos que pode ser muito útil, então, usar
as fórmulas prontas como orientadoras para os nossos momentos de oração. Foi
assim que o Cristo nos ensinou, e isso não quer dizer, de modo algum, que nossa
oração será feita mecanicamente, sem entrega, sem verdade, sem devoção, sem
amor.
O 'X' da questão
Como sempre, quando discutimos com
"evangélicos", não podemos encerrar a questão sem entrar no argumento
bíblico. "'Tá' na Bíblia, não 'tá' na Bíblia, onde é que 'tá' na
Bíblia", é o que invariavelmente ouviremos como resposta. E ao tentar
esclarecer essa questão específica, há um argumento que virá inevitavelmente,
em algum ponto da conversa: a citação do texto do Evangelho de Mateus:
“...Orando, não useis
de vãs repetições, como os gentios, que pensam que por muito
falarem serão ouvidos.”
(Mt 6,7)
A tradução acima é a
do protestante português J. F. de Almeida (das versões 'corrigida e revisada'
ou 'revisada imprensa bíblica'), as mais usadas pelos "evangélicos".
Outras versões trazem traduções diferentes, e existe, no mínimo, uma
controvérsia em se usar a expressão "vãs repetições". Neste nosso
estudo, entretanto, o que realmente importa, mais do que as diferenças entre
traduções, é saber o que verdadeiramente diz o Texto Sagrado. Finalizemos então
o assunto da melhor maneira possível e como se faz em Teologia:
analisando o texto bíblico original, em grego.
“Προσευχόμενοι δὲ μὴ βατταλογήσητε ὥσπερ οἱ ἐθνικοί, δοκοῦσιν γὰρ ὅτι ἐν τῇ πολυλογίᾳ αὐτῶν εἰσακουσθήσονται”
[Transliteração: 'Proseukomenoi de me battaloyesete osper oi etnikoi,
dokusin gar oti en te polylogia auton eisakustesontai']
O vocábulo-chave aí
é πολυλογίᾳ, que se pronuncia polylogia, e se traduz da seguinte
maneira: poly quer dizer muito, bastante, em
grande número; logia quer dizer palavra, discurso,
descrição, linguagem, estudo, teoria. No contexto em questão, o termo está mais
diretamente relacionado ao sentido de palavra. Polylogia,
portanto, quer dizer algo como tagarelice, falatório, verborragia,
prolixidade, ou seja, falar muito ou falar demais. Como vemos, na fiel
tradução desta passagem, dificilmente caberia a expressão “vãs repetições”, tão
alardeada.
Outro ponto
importantíssimo é compreender que Jesus diz que não devemos falar do
mesmo modo como fazem os pagãos. Atenção: não devemos orar do
mesmo modo como fazem os pagãos. É claro que os pagãos não
recitavam os salmos, nem as orações dos judeus e muito menos o Pai Nosso, que o
Senhor mesmo ensinou aos seus discípulos. Se o fizessem, seriam recriminados?
Certamente que não.
Agora, se "rezar" fosse o mesmo que usar
de "vãs repetições", no sentido de repetir as mesmas palavras, então
Jesus mesmo rezava, como vemos no Evangelho segundo S. Marcos, que mostra o
Cristo falando a Deus Pai no jardim de Getsêmani, antes de Judas o trair:
“E, afastando-se de
novo, orava dizendo novamente a mesma coisa...”
(Mc 14, 39)
Se esta cena se
passasse no Brasil, hoje, certos "pastores" diriam que Jesus estava
cometendo um erro, "rezando" em vez de "orar", usando de
"vãs repetições"...
Isso acontece porque muitos memorizam a Bíblia, mas poucos
entendem o seu contexto e seus reais significados. Além disso, certas
comunidades ditas "evangélicas" procuram valorizar sempre as
diferenças, por menores que sejam, aumentando cada vez mais o vício da soberba
que reina nesses meios. Ainda pior, querelas fúteis servem de pretexto para alimentar
a confusão entre os que buscam o verdadeiro cristianismo. Acentuando as
diferenças, seja no culto ou nas palavras, imediatamente se identificam como
“crentes” ou “evangélicos” e se distanciam dos católicos. É uma tática
inteligentemente adotada para crescer e prosperar: levar os ingênuos a
acreditar que somente eles são os detentores da salvação e da Verdade divina:
somente eles é que conheceriam os sentidos das palavras, quando a realidade é o
exato oposto.
Além de tudo,
sejamos francos: quantos falsos profetas – que já conhecemos tão bem – são
verdadeiros mestres da oratória, gênios dos belos discursos? Dizem que
"oram" e berram elaboradas palavras diante da assembleia deslumbrada,
mas suas vidas estão repletas de podridão, luxúria, ostentação, idolatria ao
dinheiro e às riquezas. Já uma certa Madre Teresa de Calcutá era tímida no
falar, assim como Irmã Dulce dos Pobres e Frei Damião, apenas para citar alguns
exemplos bem conhecidos: todos estes diziam "rezar", e suas vidas
foram exemplos de caridade cristã. Quem se atreveria a dizer que essas pessoas
não rezavam com com fé e grande amor a Deus?
Para finalizar, observemos o Salmo 135/6, que reproduzimos
abaixo (fizemos questão de usar a tradução protestante de J. F. de Almeida):
“Louvai ao SENHOR,
porque ele é bom;
Porque
a sua benignidade dura para sempre.
Louvai ao Deus dos
deuses;
Porque
a sua benignidade dura para sempre.
Louvai ao Senhor dos
senhores;
Porque
a sua benignidade dura para sempre.
Aquele que só faz
maravilhas;
porque
a sua benignidade dura para sempre.
Aquele que por
entendimento fez os céus;
Porque
a sua benignidade dura para sempre.
Aquele que estendeu a
terra sobre as águas;
Porque
a sua benignidade dura para sempre.
Aquele que fez os
grandes luminares;
Porque a sua benignidade dura para sempre (...)"...
E assim prossegue a
oração do salmista, repetindo sempre a mesma fórmula, de novo e de
novo, até o final dos seus vinte e seis versículos. Assim também é que cai
por terra, definitivamente, o argumento de que os católicos usam de "vãs
repetições" nas suas orações, junto com a suposta importante diferença
existente entre os termos "orar" e "rezar".
Tanto
"rezar" quanto "orar" podem englobar todos os gêneros de
súplicas a Deus, desde aqueles de petição e agradecimento até as orações de
louvor e glorificação ao Criador. E não estamos aqui a tratar de nenhum
segredo: o leitor pode comprovar esta simples realidade através de breve
pesquisa virtual. Tudo que precisamos fazer é deixar de dar ouvidos àqueles que
se consideram donos da verdade, e buscar a Vontade de Deus com amor soberano,
pureza de alma, fé desapegada e absoluta sinceridade.
___
Nota:
1. DICIONÁRIO ETIMOLÓGICO, verbete 'Orar, Recitar e Rezar', disp. em:
http://www.dicionarioetimologico.com.br/orar-recitar-e-rezar/
Acesso 25/5/014
Fonte: https://www.ofielcatolico.com.br/2001/05/diferenca-entre-orar-e-rezar-as-vas.html
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