Como a sua xícara de café contribui para a mudança climática
Acredite ou não, as cápsulas de café não são as maiores culpadas pela poluição
Por Luciano Rodrigues Viana, Charles Marty, Jean-François Boucher e Pierre-Luc Dessureault, para The Conversation*
O consumo global de café tem aumentado continuamente por quase 30 anos. Com um consumo médio diário de 2,7 xícaras de café por pessoa, o café é hoje a bebida mais popular do Canadá. Estima-se que cerca de dois bilhões de xícaras de café sejam consumidas diariamente no mundo.
Essa demanda levou a uma diversificação considerável também nas formas de preparo da bebida, inclusive na criação de cápsulas de café. A popularidade dessas cápsulas dividiu a opinião pública porque esse modo de preparo, que utiliza embalagens individuais descartáveis, é prejudicial ao meio ambiente.
Como pesquisadores que trabalham na avaliação dos impactos ambientais de produtos e serviços, frequentemente discutimos o total de emissões de gases de efeito estufa causadas na produção do café, as pegadas de carbono.
Decidimos estudar a pegada de carbono de várias técnicas usadas para preparar café em casa e descobrimos que as cápsulas não são as maiores culpadas pela poluição com carbono.
O ciclo de vida do café
A poluição decorrente do preparo do café em casa é apenas a ponta do iceberg. Antes de desfrutarmos de uma xícara de café, ele passa por várias etapas, desde a produção agrícola dos grãos, o seu transporte, torrefação e moagem dos grãos, até o aquecimento da água para o café e à lavagem da louça utilizada.
Essas etapas, comuns a todos os modos de preparo do café, consomem recursos e emitem gases de efeito estufa (GEE).
Para comparar adequadamente a pegada de carbono de vários métodos de preparo do café, é importante considerar todo o seu ciclo de vida: desde a produção do café, passando pela fabricação de embalagens e máquinas, até o preparo da bebida e os resíduos produzidos.
Comparando quatro métodos de preparo de café
Decidimos estudar mais sobre isso e realizamos uma extensa revisão da literatura sobre o assunto. Em seguida, medimos a pegada de carbono do café comparando quatro métodos de preparo de 280 mililitros (ml) de café e elencamos:
1º café de filtro tradicional, utilizando 25 gramas de café;
2º café de filtro encapsulado: utilizando 14 gramas de café;
3º café coado (prensa francesa): utilizando 17 gramas de café;
4º café solúvel: utilizando 12 gramas de café
Nossa análise mostrou claramente que o café de filtro tradicional tem a maior pegada de carbono, principalmente porque uma quantidade maior de pó de café é usada para produzir a bebida. Este processo também consome mais eletricidade para aquecer a água e mantê-la quente.
A pegada de carbono gerada em todo o ciclo de vida do café, preparação de diferentes formas de café e métodos de preparo — Foto: Reprodução/Luciano Rodrigues Viana
Quando os consumidores usam as quantidades recomendadas de café e água, o café solúvel parece ser a opção mais ecológica. Isso se deve à baixa quantidade de café solúvel utilizada por xícara, ao menor consumo de energia elétrica da chaleira em relação à cafeteira e à ausência de resíduos orgânicos a serem tratados.
Por outro lado, quando os consumidores usam um excedente de 20% de café e aquecem o dobro da água necessária (o que costuma acontecer), as cápsulas de café parecem ser a melhor opção. Por que? Porque as cápsulas permitem otimizar a quantidade de café e água por consumo.
Em comparação com o café de filtro tradicional, beber um café de filtro em cápsula (280 ml) economiza entre 11 e 13 gramas de café. A produção de 11 gramas de café arábica no Brasil emite cerca de 59 gramas de CO2e (CO2 equivalente). Esse valor é muito superior aos 27 gramas de CO2e emitidos para a fabricação das cápsulas de café e o envio dos resíduos gerados para um aterro sanitário. Esses números dão uma ideia da importância de evitar o uso excessivo e o desperdício do café.
Produção de café
Independentemente do tipo de preparo, a produção do café é a fase que mais emite GEE. Contribuiu para cerca de 40% a 80% da emissão total. Há muitas razões para isso.
O processo de produção de café é um dos principais contribuintes da pegada de carbono do café devido à irrigação intensiva, sistemas de fertilização e pesticidas adotados — Foto: AP/Moises Castillo
O cafeeiro é uma pequena árvore ou arbusto raquítico que era tradicionalmente cultivado à sombra do dossel da floresta. A modernização do setor levou à transformação de muitos cafezais em vastos campos totalmente expostos ao sol. Isso acrescentou a necessidade de irrigação intensiva, sistemas de fertilização e uso de pesticidas.
Essa mecanização, irrigação e uso de fertilizantes emissores de óxido nitroso – cuja produção requer grandes quantidades de gás natural – contribuem muito para a pegada de carbono do café.
Reduzindo a pegada de carbono
Ao nível do consumidor, além de reduzir o consumo de café, evitar o desperdício de café e água é a forma mais eficaz de reduzir a pegada de carbono dos cafés tradicionais, coados e solúveis.
As cápsulas de café evitam o uso excessivo de café e água. No entanto, a conveniência das máquinas de cápsulas pode levar o consumidor a dobrar o consumo, tornando redundante essa vantagem ambiental. Os consumidores também devem estar cientes das opções de reciclagem de cápsulas na cidade onde moram para evitar que elas sejam enviadas para um aterro sanitário em vez de uma instalação de reciclagem. Melhor ainda, eles devem mudar para cápsulas reutilizáveis.
Se você mora em uma província ou país com produção de eletricidade intensiva em carbono, não usar a cafeteira e enxaguar a xícara com água fria pode ajudar a reduzir a pegada de carbono.
A eletricidade usada para lavar uma xícara de café em Alberta, uma província de produção de eletricidade com alto teor de carbono, emite mais carbono (29 gramas CO2e) do que produzir uma cápsula de café e enviá-la para o aterro sanitário (27 gramas CO2e). Em Quebec, graças à hidroeletricidade, lavar a xícara na máquina de lavar louça tem um impacto insignificante (0,7 gramas de CO2e por xícara).
Responsabilidades compartilhadas
Limitar sua contribuição para a mudança climática requer uma dieta adaptada, e o café não é exceção. Escolher um modo de preparo do café que emita menos GEE e moderar seu consumo fazem parte da solução.
No entanto, mais da metade da pegada de carbono do café vem das medidas tomadas pelos produtores e fornecedores de café. Eles devem tomar medidas para reduzir os impactos ambientais e sociais da produção.
Nossa pesquisa revela que avaliações baseadas na análise do ciclo de vida, ou na visão holística, de produtos como o café permitem desafiar nosso raciocínio intuitivo, que às vezes é enganoso. Portanto, em vez de evitar produtos baseados na especulação, precisamos olhar de forma holística para nossos próprios hábitos de consumo. A mudança começa em casa.
*Luciano Rodrigues Viana é doutorando em ciências ambientais do Departamento de Ciências Básicas na Universidade de Quebec à Chicoutimi (UQAC), no Canadá; Charles Marty é professor adjunto na UQAC; Jean-François Boucher é biólogo e professor ecoconsultorista na UQAC e Pierre-Luc Dessureault é geógrafo físico e professor na UQAC.
Este artigo foi originalmente publicado em inglês no site The Conversation.
Fonte:https://revistagalileu.globo.com/ciencia/meio-ambiente/noticia/2023/01/como-a-sua-xicara-de-cafe-contribui-para-a-mudanca-climatica.ghtml
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