Budismo, a ideia de Deus e o mundo espiritual
BY ADMIN01/06/2017
Qual a visão do budismo sobre Deus? Para ser possível responder a essa questão, há que definir primeiro o que se entende por Deus. Se definirmos Deus como algum tipo de realidade última, existem conceitos no budismo que eventualmente poderão estar dentro dessa definição, tais como: Dhammakaya, Dharmadhatu, Dharmata, Tathagatagarbha, Buddhadhatu, Sunyata, Alaya-vijnana, Nibbana, entre outros. Se definirmos Deus como um demiurgo, omnisciente e omnipotente, não criado e imortal, criador e controlador de tudo o que existe, como o Deus bíblico, nesse caso será incompatível com o budismo. No entanto, a eventual existência de seres imateriais ou de matéria subtil, como deidades e espíritos, não é de todo incompatível com o budismo. Na cosmologia budista existem vários reinos ou planos de existência, costuma-se falar em 6 Reinos que podem ser subdivididos em 32. Veremos de forma mais aprofundada o que alguns professores têm a dizer sobre este tema.
.: O Deus criador :.
A Idéia de Deus e a Criação | K. Sri Dhammananda
Trecho do livro Boas Perguntas, Boas Respostas, de Bhante Shravasti Dhammika
Pergunta: Vocês Budistas acreditam em um Deus?
Resposta: Não, não acreditamos. Existem diversas razões para isso. Assim como os sociólogos e os psicólogos da modernidade, o Buda compreendeu que a maior parte das ideias religiosas, e especialmente a ideia de Deus, tem origem na ansiedade e no medo. Ele disse:
Tomadas pelo medo, as pessoas vão para as montanhas sagradas, para os bosques sagrados, para as árvores sagradas e para santuários. Dhp. 188
Os humanos primitivos se encontravam em um mundo perigoso e hostil. O medo de animais selvagens, de não conseguir encontrar comida, de ferimentos e doenças, e de fenômenos naturais como trovões, raios e vulcões era constante. Sem encontrar segurança, esses homens criaram a ideia de deuses para lhes dar conforto em tempos bons, coragem em tempos de perigo, e consolo quando as coisas iam mal. Até mesmo hoje em dia é possível notar que as pessoas usualmente se tornam mais religiosas em tempos de crise, e elas normalmente dizem que a crença em deus ou em deuses lhes dá força para lidar com a vida. Em alguns casos, explicam que acreditam em algum deus particular porque rezaram em um momento de necessidade e sua prece foi atendida. Tudo isso parece dar razão à ideia do Buda de que o conceito de deus é uma resposta ao medo e à frustração. O Buda nos ensinou a tentar entender nossos medos, diminuir nossos desejos e a ter calma para corajosamente aceitar as coisas que não podemos mudar. Ele substituiu o medo pela compreensão racional livre de crenças irracionais.
A segunda razão pela qual o Buda não acreditava em um deus é a de que não existe evidência clara a favor dessa ideia. Existem inúmeras religiões, todas elas reivindicando ser a única a possuir a palavra de deus registrada em seus livros sagrados, a única a compreender a natureza de deus, que seus deuses existem e que os deuses das outras religiões não. Algumas delas afirmam que deus é masculino, outras que “ele” é feminina e outras ainda que ele é neutro. Umas dizem que deus é uno, outras que ele é uma trindade, com três naturezas. Todas elas satisfazem-se porque “há ampla evidência” provando a existência do seu deus, mas desprezam e fazem piada com as evidências que as demais religiões usam para provar a existência dos seus deuses. É surpreendente que apesar de tantas religiões se esforçarem com afinco ao longo de muitos séculos para provar a existência de um deus, não existe, até hoje, nenhuma evidência real, concreta, substancial e irrefutável da existência de tal ser. Os membros de uma religião não conseguem nem mesmo concordar, entre si, com o que o tal deus que eles louvam se parece. Os budistas, por outro lado, deixam de julgar tal questão até que, se for o caso, surja alguma evidência real quanto à existência de deus.
A terceira razão pela qual o Buda não acreditava em um deus é a de que ele sentia que tal crença não é necessária. Algumas pessoas afirmam que a crença em um deus é necessária para explicar a origem do universo. Mas a ciência, de modo bastante convincente, explicou como o universo se originou sem precisar usar a ideia de deus. Alguns afirmam que a ideia de deus é necessária para ter uma vida feliz e repleta de sentido. Mas, novamente, é possível perceber que as coisas não são bem assim. Existem milhões de ateus e livres pensadores, para não mencionar muitos budistas, que levam vidas úteis, felizes e repletas de sentido sem acreditar em um deus. Outros ainda afirmam que a crença no poder de deus é necessária porque os humanos, sendo fracos, não possuem a força para se ajudar e apoiar. Mas, de novo, a evidência indica o oposto. É muito comum se ouvir falar de pessoas que superaram grandes deficiências e obstáculos, enormes desigualdades e dificuldades, por meio de seus próprios recursos interiores e esforços, sem precisar acreditar em um deus. Alguns entendem que deus é necessário para nos conceder a salvação. Mas esse argumento somente faz sentido se você aceitar o conceito teológico de salvação, argumento que os budistas, evidentemente, não aceitam.
Baseado em sua própria experiência, o Buda percebeu que cada ser humano possui a capacidade de purificar a mente, desenvolver amor e compaixão infinitos e atingir a compreensão perfeita. Ele deslocou a atenção do Céu para o coração, e nos encorajou a encontrar soluções para nossos problemas por meio da autocompreensão.
Pergunta: Mas se não há deuses, como o universo se originou?
Resposta: Todas as religiões possuem mitos e estórias que tentam responder a essa questão. Em épocas antigas esses mitos eram adequados, mas no século vinte e um, a era da física, da astronomia e da geologia, tais mitos foram superados pelos fatos científicos. A ciência explicou a origem do universo sem precisar recorrer ao conceito de deus.
Pergunta: O que o Buda diz sobre a origem do universo?
Resposta: É interessante que a explicação do Buda sobre a origem do universo é bastante próxima à da perspectiva científica atual. No Aganna Sutta, o Buda descreve o universo sendo destruído e em seguida reevoluindo em sua forma atual durante um período de incontáveis milhões de anos. A primeira vida formou-se na superfície da água, e, novamente, durante um período de milhões de anos, evoluiu de organismos simples para organismos complexos. Todos esses processos, ele disse, não possuem nem começo nem fim, e são postos em ação por causas naturais apenas. […]
Pergunta: Mas tantas pessoas acreditam em alguma espécie de deus, que deve ser verdade sua existência.
Resposta: Não mesmo. Houve uma época na qual todas as pessoas acreditavam que a Terra era plana, mas todos estavam errados. O número de pessoas que acreditam em uma ideia não serve para medir o quanto essa ideia é verdadeira ou falsa. O único modo de aferir se uma ideia é verdadeira ou falsa é perscrutar os fatos e examinar as evidências.
Pergunta: Algumas pessoas dizem que a evidência encontra-se em todos os lugares. Que a beleza da natureza e a complexidade do corpo humano são, ambos, evidência de uma inteligência superior e de um criador amável.
Resposta: Infelizmente essa ideia cai por terra tão logo você olhe para o outro lado da natureza: há lepra, bactérias prejudiciais, células cancerosas, vermes parasitas, insetos chupadores de sangue e ratos infecciosos. Por que uma inteligência superior criaria tantas coisas que causam tanta miséria e sofrimento? Então, pare um momento e reflita sobre como muitas pessoas morrem e se machucam em terremotos, secas, inundações e tsunamis. Se realmente há um criador que nos ama, porque ele criou tais coisas, ou porque ele permite que elas ocorram?
Pergunta: Se eu me tornar um budista, estarei sozinho no universo. As pessoas que acreditam em algum deus podem sempre pedir-lhe ajuda e proteção durante uma crise. Eu penso que essa é uma crença bem mais confortadora.
Resposta: As pessoas que acreditam em um ser supremo pensam que estão sendo ajudadas e protegidas. Mas na verdade não estão, porque não existe deus. O conforto e a confiança que eles talvez sintam vêm de sua crença, de sua mente, e não de algo que alguma divindade tenha feito para eles. Não há nenhuma evidência de que as pessoas que acreditam em um deus sofram menos acidentes, vivam mais tempo, tenham menos câncer, se saiam melhor em exames e provas, sejam mais ricas, ou apresentem qualquer diferença concreta em relação a quem não acredita em um deus. Um jato jumbo pode carregar seiscentos passageiros. Se um deles cair, como de vez em quando acontece, todas as seiscentas pessoas morrerão, tanto os que acreditam em deus como os que não acreditam.
Todos nós temos os recursos psicológicos e a inteligência necessários para lidar com as dificuldades da vida. Nós devemos tentar desenvolver e reforçar esses recursos ao invés de confiar em crenças agradáveis, mas, na realidade, desfundamentadas.
Pergunta: Então, se os budistas não acreditam em deuses, no que vocês acreditam?
Resposta: Nós não acreditamos em um deus porque nós acreditamos na humanidade. Nós acreditamos que cada ser humano é precioso e importante, e que todos têm o potencial de se tornar um Buda – um ser humano perfeito. Nós acreditamos que os seres humanos podem superar a ignorância e a irracionalidade, e ver as coisas como elas realmente são. Nós acreditamos que o ódio, a ira, o desprezo e a inveja podem ser substituídos por amor, paciência, generosidade e bondade. Nós acreditamos que tudo isso está ao alcance de cada pessoa que escolha se esforçar, guiado e apoiado por seus companheiros budistas e inspirado pelo exemplo do Buda. Como o Buda disse:
Ninguém nos salva mas nós mesmos,
Ninguém pode e ninguém poderá.
Nós mesmos devemos andar sobre o caminho,
Mas os Budas claramente mostram o trajeto. Dhp. 165
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“Se este ser (Deus) é omnipotente, então cada acontecimento, incluindo todas as ações humanas, todos os pensamentos humanos, e cada sentimento e aspiração, também são causa sua; como é possível pensar em homens responsáveis pelos seus atos e pensamentos ante o tal ser Todo-Poderoso?”
“Repartindo castigos e recompensas, em certa medida, ele estaria ajuizando a si mesmo. Como pode ser isto compatível com a bondade e retitude que se lhe atribui?”
(Einstein, citado no livro Budismo em Poucas Palavras, Cap. VI)
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Nas palavras de Monge Genshô:
“(…) A idéia de um deus criador é completamente absurda para o budismo. O deus criador tem três grandes atributos, veja bem, isso é uma discussão e visão minha para responder sua pergunta, pois o budismo não se dá a esse trabalho.
Um deus criador é onisciente, onipotente e infinitamente bom. Se ele é onipotente poderia ter feito um mundo perfeito e bem feito. Não fez. Algumas pessoas poderão dizer: “mas há o livre arbítrio”. Mas veja bem, se eu colocar um cachorro, uma criança ou um macaco dentro de uma loja de cristais eu não sei o que irá acontecer? Então ele coloca um homem e uma mulher num local e avisa que daquele fruto é absolutamente proibido comer. Ele sabia o que iria acontecer, pois ele é onisciente, conhece passado, presente e futuro. Agora, ele fez algo sabendo qual seria o resultado, pois é onipresente e onisciente, então provavelmente não seja infinitamente bom. No caso deste Deus criador esses atributos são paradoxais, de modo que esse deus criador é uma contradição que filosoficamente é inaceitável.
Esse assunto é extensamente discutido no livro de um Jesuíta que abandonou a fé, Tomás Antônio da Fonseca, “Doze Provas da Inexistência de Deus”. Ele se refere a este Deus, com um plano, um ser pensante, com uma intenção e que fez algo. Essa idéia desse tipo de deus é completamente estranha para o budismo. Mas se pensarmos como uma inteligência que perpassa todo o universo, não interferente, não criador e sem planos, então é uma idéia admissível e não contraditaria o budismo. O budismo não chega a ser ateu, não se dedica a negação, mas é “não teísta”, ou seja, não fala sobre deuses. Falar em um deus criador é diminuí-lo em razão das contradições, pois lhe damos responsabilidades que mostram que obviamente algo não deu certo. Não adianta colocar a culpa no homem e no livre arbítrio, isso é uma tentativa de jogar no homem a culpa de algo que o antecede. Nós somos imperfeitos, mas quem nos fez dessa forma? Mas o budismo não perde tempo com isso, o que preocupa o budismo é a mente, o sofrimento e o agora. (…)” [Artigo original e completo]
Sobre a questão do Budismo ser ateísta ou não, Genshô Sensei declara:
“Frequentemente nós temos problemas com a questão do Budismo ser teísta ou ateísta. Com isso, as pessoas geralmente perguntam: “Qual a postura do Budismo com relação aos deuses?” A única questão na qual o Budismo é mais enfático é a inexistência de um Deus Criador, que fez o mundo e todas as coisas. Este conceito é absolutamente estranho ao budismo. O budismo nasceu na Índia, onde a religião predominante possui mais de 300 milhões de deidades. Esta religião indiana – hinduísmo – também apresenta a ideia de um Deus Criador e sua Trindade (Trimurti) composta por Brahma, o Criador, Vishnu, o Preservador e Shiva, o Destruidor.
O budismo negou a existência de um Deus Criador, um deus que criasse, julgasse e decidisse tudo. Na realidade, este é o ideal de Deus que permeia toda nossa cultura judaico-cristã e ocidental, nós temos um Deus Criador, um Demiurgo. Contudo, Buda não se estendeu sobre esta questão, por não estar disposto a discutir assuntos não-verificáveis. Logo, algumas pessoas insistem em afirmar que o budismo é ateu. O budismo não pode ser classificado como ateu, uma vez que representaria uma postura ativa de negação de um deus. Ou seja, o ateu estaria disposto a confrontar e provar a inexistência deste deus e o budismo não se propõe a isso. A melhor descrição, talvez, da posição budista seria: O budismo é não-teista, ou seja, ele não fala sobre deuses, mas também não assume a postura ativa de negação, caracterizada pelo ateísmo.
Esta postura está estendida a todos os tipos de deuses. No entanto, surge uma outra confusão, porque quando falamos sobre os 6 Reinos do Budismo: Inferno, Fantamas Famintos (Preta), Animal, Humano, Semi-Deuses (Asura) e Deuses (Deva). Na realidade o termo deuses vem de devas, sem o significado normalmente entendido para deus. O reino dos deuses é uma condição a qual os homens com grande mérito podem ascender. Uma espécie de vida prazeirosa, sem dificuldades, onde tudo é fácil. Esta seria a condição de deva. Porém, eles também têm karma, também decairão, etc… Portanto, não se trata em absoluto do conceito que temos de deuses eternos, ou algo como a concepção hindu.” [Artigo original]
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No Tevijja Sutta (DN 13), numa discussão sobre o Caminho para o Brahma, o Criador, Buda afirma:
“Portanto, Vasettha, nenhum desses Brâmanes, mestres nos três Vedas, viu Brahma cara a cara, tampouco um dos mestres desses Brâmanes, ou os mestres dos mestres, nem mesmo as últimas sete gerações ancestrais de um dos mestres. Nem mesmo um dos antigos sábios poderia dizer: ‘Nós sabemos e vemos, quando, como e onde Brahma aparece.’ Então aquilo que esses Brâmanes, mestres nos três Vedas estão dizendo é: ‘Nós ensinamos este caminho para a união com Brahma que nós não conhecemos nem vemos, este é o único caminho correto … conduzindo à união com Brahma.’ O que você pensa, Vasettha? Sendo esse o caso, aquilo que esses Brâmanes declaram não se mostra sem fundamento?” – “Sim, de fato, Mestre Gotama.”
Bem, Vasettha, quando esses Brâmanes, mestres nos três Vedas ensinam um caminho que eles não conhecem nem vêm, dizendo: ‘Esse é o único caminho direto …,’ não é possível que isso seja correto. Como uma fila de homens cegos segurando um no outro, o primeiro nada vê, o do meio nada vê e o último nada vê – assim é a conversa desses Brâmanes, mestres nos três Vedas: o primeiro nada vê, o do meio nada vê, o último nada vê. A conversa desses Brâmanes, mestres nos três Vedas aparece como motivo de risos, como meras palavras, vazias e inúteis.”
No Patika Sutta (DN 24), o Buda diz:
“Bhaggava, eu sei o começo de todas as coisas, e eu não somente sei isso, mas aquilo que supera isso em valor. Mas eu não estou sob a influência daquilo que sei e não estando sob essa influência eu compreendi por mim mesmo esse desatamento, através do qual é impossível que o Tathagata siga pelo caminho errado. Há, Bhaggava, alguns contemplativos e Brâmanes que declaram como sua doutrina que todas as coisas começaram através da criação por um deus. Ao me aproximar deles eu digo: ‘Veneráveis senhores, é verdade que vocês declaram que todas as coisas começaram através da criação por um deus, ou Brahma?’ – ‘Sim’, eles respondem. Então, eu pergunto: ‘Nesse caso, como os veneráveis mestres declaram ter isso acontecido?’ Mas eles são incapazes de dar-me uma resposta e assim eles me perguntam em retorno. E eu respondo:
“’Haverá um tempo quando, cedo ou tarde, após um longo período, este mundo irá se contrair… os seres nascem principalmente no mundo de Abhassara … e assim eles permanecem por um longo tempo. Mas cedo ou tarde, depois de um longo período, o mundo começa novamente a se expandir… Então um ser, com a exaustão do seu tempo… renasce no palácio vazio de Brahma. Ele sente falta de companhia e outros seres surgem, ele e os outros seres acreditam que ele os criou (DN1.2.2-6). Assim, veneráveis senhores, é como ocorre de vocês ensinarem que todas as coisas começaram através da criação de um deus, ou Brahma.’ E eles dizem: ‘Nós ouvimos isso, Venerável Gotama, tal como você explicou.’ Mas eu sei o começo de todas as coisas… e não estando sob essa influência eu compreendi por mim mesmo esse desatamento, através do qual é impossível que o Tathagata siga pelo caminho errado.”
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“O ensinamento de anattā (…) nega a crença em um deus supremo que criou o mundo e governa o destino dos seres humanos, ou seja, o determinismo teísta (issara-nimmita-vāda)”
(Anatta: A Característica de Não-eu – Ajahn Payutto)
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.: O Deus como o absoluto :.
A definição de Deus é ambígua e dependendo de como interpretamos Deus, alguns conceitos budistas podem eventualmente ser semelhantes.
Existem Sutras divididos em realidade relativa e absoluta (última ou suprema) como o do Lótus, e Sutras com diversas referências a conceitos relativos à realidade absoluta, como o Lankavatara Sutra, Avatamsaka Sutra, Surangama Sutra, entre outros.
Conceitos que apontam para uma realidade absoluta ou última como o Tao e o “Deus de Espinoza”, parecem ser semelhantes a conceitos budistas como o Dhammakaya, Dharmadhatu, Tathagatagarbha, Buddhadhatu, Sunyata, Nibbana, etc.
Como vimos acima o Monge Genshô diz que “se pensarmos como uma inteligência que perpassa todo o universo, não interferente, não criador e sem planos, então é uma idéia admissível e não contraditaria o budismo.”
Quando é perguntado a Thich Nhat Hanh o que é Deus para o budismo, a resposta dele é praticamente a definição do Deus de Espinoza. O Rev. Ricardo Mario Gonçalves diz que «o Mestre Maida Shuichi, do Budismo Shin, tinha muito respeito por ele [Espinoza] e o considerava uma espécie de “Buda do Ocidente”. Chegou inclusive a dar um curso em que interpretava a “Ética” a partir da ótica budista.”»
Dokusho Villalba também compara o Tao e o conceito absoluto de Deus (não demiurgo) a Dharmakaya. Dalai Lama refuta Deus mas diz que uma realidade absoluta está de acordo com o budismo.
Há que referir no entanto que, segundo outros mestres, comparar esta ideia absoluta de Deus com certos conceitos budistas pode ser perigosa – no sentido de ficarmos com uma visão distorcida dos ensinamentos do Buda – pois o Buda não falou nem no Tao nem no Deus de Espinoza, e por isso estaremos e entrar num campo subjetivo e de opiniões. Se em termos superficiais aparentemente existe compatibilidade, ao aprofundarmos todos esses aspetos poderemos encontrar várias divergências. E por isso também existem mestres que não concordam em atribuir semelhanças entres estes conceitos, não se atrevem a fazer tais comparações e discordam totalmente.
Outro aspeto é que as palavras são limitadas, o que quer que se diga sobre o absoluto, será sempre uma meia verdade. No livro “O Caminho Contemplativo” do Prof. Ricardo Sasaki, é referido que:
«Existe uma estória no Oriente que fala que o dedo apontando para a lua não é a lua! A Realidade Suprema é “suprema”, porque não tem igual e nem pode ser medida. Assim, quando falamos “dela”, não é “dela” que estamos falando, pois palavras são limitações e com limitações não podemos falar do que é ilimitado por natureza. Qualquer nome que dermos a esta “Realidade” é apenas uma meia verdade, pois quando afirmamos algo, imediatamente negamos tudo aquilo que não foi afirmado inicialmente. Como disse no século VI o Pseudo-Dionísio: “Deus não é nem Uno, nem unidade, nem divindade, nem bondade, nem espírito, no sentido que damos a essas palavras; não é filho, nem pai, nem nada mais do que nós próprios ou qualquer outro poderíamos conhecer”. É por isto que o Buddhismo não fala de Deus, nem tenta muito enfaticamente nomear esta “Realidade”. É o que o Cristianismo chama de Teologia apofática: a afirmação do Sagrado através de negações (do grego apophasis, negação). Mestre Eckhart diz que Deus deve ser amado como “… não-Deus, não-Espírito, não-pessoa, não-imagem, mas apenas amado como Ele é, um puro e simples absoluto, destituído de toda a dualidade e no qual devemos eternamente afundar de vacuidade em vacuidade”.
Sendo assim, procurar compreender a totalidade desta “Realidade” através da razão é, no Buddhismo, como tentar segurar o rio Amazonas com uma peneira. A razão é limitada! Livros, estudos, rituais ou qualquer técnica são apenas dedos apontando para a lua. São sinais. Achar que instrumentos limitados podem levar ao Ilimitado é como subir em um sinal de trânsito esperando que ele nos leve até outra cidade. Eles apenas apontam para lá! Daí o Pseudo-Dionísio afirmar: “O mistério que está para além do próprio Deus, o inefável, o que tudo nomeia, a afirmação total, a negação total, o para além de toda a afirmação e de toda a negação”.» (fonte)
.: Deidades e Espíritos :.
Trechos do livro No que os Buddhistas Acreditam, de K. Sri Dhammananda
Crença em deidades (Devas)
Os buddhistas não negam a existência de vários deuses ou deidades.
Os devas são mais afortunados do que os seres humanos no que concerne os prazeres sensoriais. Eles também possuem certos poderes que os seres humanos usualmente carecem. Entretanto, os poderes dessas deidades são limitados porque elas também são seres transitórios. Eles existem em moradas felizes e desfrutam sua vida por um período mais longo do que os seres humanos. Quando o bom kamma, que acumularam durante os nascimentos prévios, se extingue, essas deidades morrem e renascem em algum outro lugar de acordo com seus bons e maus kammas. (…) Continue a ler…
O Mundo dos Espíritos
Há seres visíveis e invisíveis, ou espíritos, da mesma maneira como há luzes visíveis e invisíveis.
O Buddhismo não nega a existência de bons e maus espíritos. Há seres visíveis e invisíveis, ou espíritos, da mesma maneira como há luzes visíveis e invisíveis. Precisamos de instrumentos especiais a fim de ver a luz invisível, e precisamos de um sentido especial para ver os seres invisíveis. Não se pode negar a existência de tais espíritos somente porque se é incapaz de vê-los a olhos nus. Tais espíritos também estão sujeitos ao nascimento e morte. Eles não se manterão permanentemente na forma de espírito. Eles também existem no mesmo mundo em que vivemos.
Um buddhista genuíno é alguém que molda sua vida de acordo com a causação moral descoberta pelo Buddha. Ele não deveria se preocupar com louvar esses deuses e espíritos. Entretanto, esse tipo de louvor é de algum interesse e fascínio para a multidão e, naturalmente, levou alguns buddhistas ao contacto com essas atividades.
Com relação à proteção de espíritos maléficos, a bondade é um escudo contra o mal. A bondade é um muro que o mal não pode penetrar, a menos que uma pessoa boa abra a porta para a influência do mal. Mesmo que uma pessoa leve uma vida verdadeiramente virtuosa e santa, e tenha um bom escudo de moral e vida nobre, tal pessoa ainda pode baixar seu escudo de proteção devido à crença no poder do mal que poderia prejudicá-la.
O Buddha nunca aconselhou seus seguidores a louvarem tais espíritos ou apavorarem-se com eles. A atitude buddhista em relação a eles é transferir méritos e irradiar a amizade amorosa. Os buddhistas não os prejudicam. Por outro lado, se um homem é religioso, virtuoso e puro em sua mente, e se é também inteligente e possuidor de uma poderosa força de vontade e capacidade de compreensão, então tal pessoa pode ser considerada muito mais forte que tais espíritos. Os espíritos maléficos se manterão longe dele, os bons espíritos irão protegê-lo. [Artigo original]
Nenhuma submissão | K. Sri Dhammananda
Faça você mesmo | K. Sri Dhammananda
.: Reinos imateriais e Metáforas :.
Os reinos imateriais (que inclui as deidades, devas ou espíritos) não serão apenas metáforas?
Existem vários praticantes e até mestres que interpretam os reinos como metáforas, como estados psicológico. O que de certa forma está correcto, desde que possam ser vistos como estados psicológicos mas também como existência real. O problema surge quando esses reinos sãos vistos exclusivamente como metáforas e é negado categoricamente a sua existência real, sem mesmo considerarem essa possibilidade.
Sobre esta questão, o Professor do Dharma Henrique Pires afirma o seguinte:
“Existe muita dificuldade por parte dos praticantes de identificar, mediante critérios sólidos, o limiar entre metáfora e realidade. Também gera confusão a coexistência de ensinamentos últimos e adaptados. Muitas vezes não se consegue discernir qual é qual.
No caso da existência de reinos imateriais (que inclui devas, seres infernais, etc), é algo
que na hexegese buddhista não há brechas para tratar como mera metáfora. Há sutras onde Buddha é bastante enfático e dá a entender que essa compreensão (da existência dos reinos e seres imateriais) configura parte importante da visão correta. Até mais, outras explicações por ele legadas seriam absurdamente inúteis e contraproducentes se considerássemos que tais seres e reinos são meramente metafóricos: as instruções acerca de como ajudar tais seres, as exposições que tratam de como renascer em tais e quais lugares, ademais de esclarecimentos muito detalhados do Buddha sobre os seres dos reinos do desejo, da forma e da não-forma. No caso do reino da forma e não-forma, entende-se que se trata exclusivamente de seres imateriais celestiais.
Enfim, o tema é razoavelmente diferente de acréscimos simbólicos que são vistos nas histórias buddhistas: que incluem números exagerados, poderes exagerados, nascimentos mirabolantes e exagerados, etc. É nítida a diferença do exagero simbólico que impera nas escrituras mahayana (especialmente as posteriores) e outras ideias presentes já desde o Buddhismo Inicial. Para distinguir entre o que é dispensável ou não, bastaria checar as consequências de se descartar tal e qual conceito.
Dentro do que já foi falado, pesa o fato de que haveriam muitas contradições e instruções absurdamente inúteis do Buddha (acaso não existissem seres imateriais). Pesa também que ele teria transgredido sua própria proposta de fala correta, a qual deve ser: verdadeira, ACURADA, BENÉFICA, e em bom tempo. Afinal, se houvesse proferido a existência de seres imateriais quando esses inexistem, mesmo que para agradar as pessoas, teria incorrido em uma fala imprecisa e/ou contraprodutiva. Não seria, pois, o tipo de discurso que o Tathagata usaria se não se tratasse de algo concreto e relevante.
Outro indício que pesa para essa mesma confirmação, é a quantidade de vezes que o tema vai retratado nos sutras. É demasiado. São muitas menções para não se tratar de importante. Fica difícil crer que tenham sido acréscimos exóticos colocados ali sem relação alguma com o que Buddha ensinava. Incluem-se aí nessas repetidas menções, explicações sobre vidas passadas e sobre o renascimento de praticantes que foram parar aqui ou acolá; inclui-se, também, explicações sobre os sábios que realizavam o terceiro fruto e eram descritos como seres que renasciam em uma morada divina pura (e imaterial), onde consumariam a fruição final se tornando arhants. Até o próprio Buddha futuro, Maitreya, é descrito como um ser que aguarda o momento de renascer em Tusita – outro reino imaterial.
As menções são tantas, juntamente com a relevância que exercem para a doutrina, que levam a crer que há muito mais razão para tratar o tema como concreto do que meramente simbólico. É certo que pessoas terão aversão, bloqueios, formas de resistência com esse tipo de descrição da realidade, e é para isso que foram posteriormente apresentadas ideias adaptadas que aproveitam essas concepções no plano simbólico. Ou seja, havendo alguém que sofre e está perplexo por conta de sua dúvida, os mestres removeriam o pensamento da pessoa daquele tema, dirigindo-o a outra área mais vital no momento. Isso é bem expresso pela historieta do monge zen que explicou a um general que “céu e inferno estariam em um pensamento”. Com tal instrução, tirou sua mente da preocupação excessiva com questões da vida futura, e trouxe sua atenção para o correto cultivo das boas qualidades mentais. A isso se chama de Siddhanta Adpatado ao Progresso Individual; é como se uma criança estivesse brava com algo que ainda não sabe lidar, e alguém desviasse sua atenção para outro assunto, de modo que ela se sentisse de novo feliz e passasse a fazer algo útil. É uma abordagem de ensino prática e adaptada.
O problema, infelizmente, é que as pessoas transformam essa solução temporária em uma panacéia, em uma receita geral que desejam forçar sobre todos os demais: “esqueçam os reinos imateriais, é tudo mentira! No buddhismo é tudo simbólico! Nada concreto, tudo é simbologia!” E então a coisa perde as estribeiras. Esse, acredito, é um excesso comum que sucede, contra o qual deveríamos ter certa cautela.” (Texto partilhado em grupo do Facebook)
.: Conclusão :.
Temos aqui duas ideias de Deus, uma incompatível com o budismo e outra eventualmente compatível mas sem um total consenso.
(1) O Deus demiurgo, criador, controlador, que responde ou não a preces e permeia ou distribui castigos, é claramente incompatível com o budismo.
(2) Uma realidade absoluta, não interferente, semelhante ao Tao e ao Deus de Espinoza. Vários Sutras apontam para um tipo de realidade absoluta e apresentam vários conceitos. Muitos mestres aceitam que existe compatibilidade entre esses conceitos, mas outros rejeitam essa compatibilidade ou não se atrevem a fazer esse tipo de comparações.
Quanto à existência de outros mundos e de seres imateriais, como espíritos, isso é amplamente aceite no budismo, mas não deveria haver a preocupação de louvar esses deuses e espíritos, pois muitos deles também estarão deludidos e nós temos o potencial de alcançar a mais alta sabedoria.
Esses reinos da existência também poderão ser vistos como metáforas, no entanto, vê-los apenas como metáforas sem considerar a possibilidade de existirem, é um erro segundo vários professores.
Fonte:https://olharbudista.com/2017/06/01/o-deus-criador-deidades-e-espiritos/
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