Bloquear ou deletar uma pessoa nas redes: como isso afeta a saúde mental
Ninguém é obrigado a permanecer em um relacionamento virtual, mas especialistas ressaltam a importância de que todos os envolvidos conheçam as regras do jogo
Por Gabriela Origlia, La Nacion
“Responsabilidade afetiva é saber que o que fazemos tem consequências na vida de quem está ao nosso redor. Atrás de uma tela existe alguém que sonha, que vive, que anseia, que espera, que deseja e que já sofreu. Cuidar e ser cuidado é a ação essencial do amor visto como saudável.” A postagem que fez sucesso nas redes sociais é de Alejandro Schujman, psicólogo argentino especialista em família.
Desaparecer, deixar de responder ou bloquear diretamente alguém sem aviso prévio nas redes é conhecido, há algum tempo, como “ghosting” (termo em inglês derivado da palavra ghost, que significa fantasma). Os psicólogos admitem que a tecnologia apenas acelerou e facilitou o que já existia no mundo real.
A ação de sumir sem nenhuma explicação anda de mãos dadas com a irresponsabilidade emocional, com o não levar em conta os sentimentos do outro.
É consenso entre os especialistas que o crescimento generalizado dos contatos virtuais, envolvendo, muitas vezes, pessoas desconhecidas, facilita a possibilidade de “desaparecimento”, situação que acontece não só nas relações afetivo-sexuais mas também nas amizades e vínculos de trabalho.
Desobrigadas a mostrar o corpo e o rosto, muitas pessoas se sentem livres para agir a partir de uma espécie de anonimato, avalia a psicóloga Claudia Ghersevich.
— É mais fácil se desconectar do outro, e também é uma forma de se desconectar daquilo que mobilizaria a pessoa para enfrentar o conflito. É uma maneira rápida de terminar algo com o que você não quer lidar. O contato desaparece, o conflito desaparece — reforça a especialista esclarecendo que essa decisão de sumir é consciente.
O psicólogo Fabio Calvo confirma que, embora aqueles que “desaparecem” de um relacionamento tenham existido “a vida toda”, a tecnologia torna essas ações mais “evidentes e virais”.
Calvo atribui esses comportamentos a quem se move socialmente com “desapego ou apego mal aprendido” e concorda que as pessoas podem agir por medo, por não ousar falar as coisas diretamente para o outro, mas alerta que isso pode machucar alguém.
— A comunicação está mais despersonalizada, a multiplicidade de canais virtuais possibilita uma dose de crueldade que não significa que haja, necessariamente, mais pessoas más, mas sim que são tempos de amor covarde, de medo de compromisso — diz Alejandro Schujman.
—A maioria das pessoas sofre quando as coisas terminam sem explicação, quando as situações ficam sem solução clara. Esse tipo de atitude é prejudicial e se a pessoa que sofreu o “ghosting” estiver em um momento de baixa autoestima, é ainda pior — reforça o especialista.
Fantasmas
O termo “ghosting” foi usada pela primeira vez em 2014 pela atriz cômica Hannah VanderPoel, que ao contar sua experiência pessoal no YouTube, definiu “ghosting” como o “homem perfeito que promete tudo antes de desaparecer como um fantasma”.
Três anos depois, o conceito foi incluído no dicionário Merriam-Webster (que é uma referência) e começou a ser aceito em todo o mundo.
Com o tempo, ao ghosting foi adicionada a ideia de “orbitar”, ou seja, a mesma pessoa que sumiu e não faz mais contato, continua acompanhando as redes sociais da outra abandonada. Uma combinação considerada fatal.
Os especialistas destacam que ninguém é “obrigado” a permanecer em um relacionamento, mas ressaltam que é importante que todos os envolvidos conheçam as regras do jogo.
O psicólogo Alejandro Schujman argumenta que, se um vínculo terminar, deve haver um fechamento. É a maneira de estar em paz. Precisamos iniciar e encerrar etapas.
Claudia afirma que, em geral, são as mulheres que mais assumem o comportamento de esperar e acreditar que o outro vai mudar.
— Assim, não há mudança possível, porque não há empatia. Posso escolher não me relacionar com a outra pessoa, mas devo cuidar da maneira como gerencio isso. O problema não é a emoção, mas a gestão dela — resume Ghersevich, distinguindo que ghosting não é sinônimo de sair de uma situação para pensar, não falar com raiva ou "ter perspectiva".
Ele também aponta que, na comunicação digital, não é preciso impor um ritmo único, mas sim entender que nem todos respondem instantaneamente, que há quem se desconecte nos finais de semana. Atraso na resposta não é ghosting.
Há quem repita sistematicamente o “desaparecimento” e é aí que os especialistas destacam que há falta de responsabilidade afetiva.
— Significa não entender como minhas ações impactam os outros — diz Ghersevich, lembrando que o filósofo e escritor chileno Humberto Maturana falou de três direitos humanos: errar, sair de um lugar e mudar de ideia.
— Eles estão ali, se esforçam, mas cuidando do outro, sendo claros — acrescenta.
Não existe um guia para evitar o ghosting, mas Calvo ressalta que a atitude é mais frequente se o contato for apenas virtual.
— É importante conhecer o outro em seu ambiente natural, seus amigos, seu contexto. Relacionamento vai além do individual, inclui vínculos e isso é muito importante — alerta.
Schujman acrescenta que o diálogo é outro fator que pode orientar o andamento de um relacionamento. Ele aponta que se uma pessoa adota atitudes de ghosting, ela tem que rever seu próprio modelo de relacionamento e analisar se não tem teimosia ou excesso de expectativas.
— A coisa mais dolorosa para quem sofre com o ghosting é se sentir invisível para o outro. Agir com responsabilidade afetiva implica em não deixar o outro com o inacabado e a incerteza. Quem está bem pode fechar aquela história mais rápido, se não, há ruminação e o luto é mais difícil — afirma Ghersevich.
Fonte:https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2023/01/bloquear-ou-deletar-uma-pessoa-nas-redes-como-isso-afeta-a-saude-mental.ghtml?
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