Putin é obcecado pela Ucrânia
e quer ser czar, mas está sem saída, diz biógrafo
DANILO THOMAZ
sex., 8 de abril de
2022 2:33 PM
Quem, afinal, é Vladimir Putin? Um estadista ou um megalômano?
Um gênio do mal ou um herói da Rússia? Se você espera ter essas respostas
atendidas, a biografia do presidente russo escrita pelo jornalista Steven Lee
Myers não é para você. Ou talvez seja. "O Novo Czar: Ascensão e Reinado de
Vladimir Putin" (Amarilys), recém-lançada no Brasil, é uma obra que não
busca trazer respostas, mas elementos para compreender um dos personagens mais
complexos do nosso tempo.
"Ele é um personagem fascinante. Há pessoas que pensam que
ele é o demônio, que ele sempre planejou fazer isso [a invasão à Ucrânia]. Ele
é um calculista, busca tirar vantagens das oportunidades que aparecem. Mas eu
acredito que há uma visão fundamental em relação à Rússia, um respeito pela
Rússia, para ele a Rússia deve ter um grande poder, é um grande poder. Ele
busca por isso", analisa o jornalista, que foi correspondente na Rússia
entre 2000 e 2007, período dos dois primeiros governos Putin.
"E ele exige essa veneração num certo grau." Nisso,
volta-se para o Ocidente. "Para os Estados Unidos. Ele não considera a
Europa importante", afirma. "Ele viu o apoio dos Estados Unidos às
democracia liberais, aos movimentos democráticos, em lugares como a Geórgia, a
Ucrânia, a Bielorrússia, ex-estados soviéticos que considerava ainda ser
importantes para a segurança da Rússia. E nenhum é mais importante do que a
Ucrânia, por seu tamanho, sua localização. Ele sempre foi obcecado pela
Ucrânia."
Para Myer, no entanto, Putin falhou enquanto estrategista.
"Ele subestimou a situação, tanto militarmente quanto a noção de a Ucrânia
ser comandada por nazistas, o que é falso. Ele ficou sem saída. Essas sanções
econômicas vão permanecer assim como os danos à reputação da Rússia."
Danos esses que não podem ser desprezados. Estamos falando,
afinal, de um homem que, segundo Myers, tem a pretensão de recriar um Império.
"Eu não acredito que Putin tenha algum interesse em restaurar a União
Soviética, embora tenha adotado muitas de suas táticas, muitos de seus
símbolos. Ele não está tentando se tornar Stálin. Creio que ele está caminhando
para o período da Rússia imperial, que também era autoritário. O czar comandava
tudo de um modo quase religioso."
Nem sempre foram essas as pretensões de Putin. O presidente
russo ascendeu ao poder como interino em 1999, após a renúncia de Boris
Ieltsin, e foi eleito no ano seguinte. Inicialmente desconhecido pela população
russa, construiu sua popularidade eleitoral por sua atuação na guerra da
Tchetchênia. Mas, como mostra Myers no livro, não se sentia seguro para assumir
o poder.
Dificilmente alguém se sentiria. O fim da União Soviética, que
já vinha em crise desde os anos 1970, deu início a uma catástrofe na Rússia. A
separação formal de países cujas economias estavam interligadas e a mudança no
sistema econômico levou a uma crise sem precedentes -que diminuiu até a
expectativa de vida dos russos.
O processo de privatização do aparato estatal soviético foi para
as mãos de pouquíssimos, num processo de concentração de riqueza com o qual nem
os Románov sonharam, criando os tais "oligarcas" russos. A crise de
1998, que levou à moratória da dívida, teve repercussões até mesmo no Brasil.
Logicamente, o sistema político não passaria incólume. Apesar de
todas as intenções em construir uma democracia liberal nos moldes ocidentais no
início dos anos 1990, a crise econômica, os conflitos entre os grupos políticos
e até mesmo a apoplexia dos russos diante da nova realidade impediu que o
intento se lograsse. E Putin, que passou parte da década dividindo-se entre a
KGB (a agência de inteligência russa) e a política, ungiu ao poder.
"Quando ele ascendeu, governava mais pelo consenso. Com o tempo, ele se
moveu de várias maneiras para restringir a democracia."
Para Myers, a situação política russa começou a mudar em 2008.
Putin, em um momento de alta popularidade, para manter-se no poder, em vez de
mudar a Constituição, articulou para ser o primeiro-ministro no governo de
Dmitri Medvedev -candidato escolhido pelo próprio. Ali, buscou manter o poder
dentro da aparência de legalidade. "Mas quando [quatro anos depois] ele
resolve voltar à presidência, eu senti que era um ponto de virada para a
Rússia." Hoje, as regras estão postas de tal modo que Putin pode
permanecer no poder até 2036.
Nascido em Leningrado, atual São Petersburgo, Putin é neto de um
cozinheiro que serviu à Rússia imperial e stalinista e filho de um combatente
do Exército Vermelho na Segunda Guerra Mundial. "A história de vida do
Putin é muito familiar à da maioria dos russos. O interessante é o quanto você
pode ver de qualquer família russa na sua história."
Em sua infância bastante modesta sob o regime de Stálin, cresceu
num país que derrotou Hitler e, ao mesmo tempo, enfrentou os destroços da
guerra. Vivia com a família num apartamento bastante precário e brincava com
ratos. Apesar do apreço pela cultura, não era propriamente um bom aluno.
No início da vida adulta, entrou para KGB, o serviço de
inteligência do regime soviético. Nunca se destacou como membro da agência. Na
década de 1980, foi designado para trabalhar em Dresden, na Alemanha. Apesar de
ser pouco afeito ao álcool, apreciou a cerveja alemã. E também o país, com o
qual sempre manteve um vínculo diplomático sólido.
Foi na Alemanha que Putin viveu aquele que Myers considera o
evento mais importante de sua vida fora do poder: a queda do Muro de Berlim.
"Ele era um agente da KGB vendo, basicamente, o controle da União
Soviética na Europa do leste desmanchar. Vendo o que aconteceu, ele podia ver
que a União Soviética estava doente e que tinha se tornado fraca. Mas eu não
acho que ele pensou que iria desmoronar."
A primeira ideia do autor para o livro veio, ele disse, por
volta de 2011, quando a ascensão do autoritarismo já parecia um caminho sem
volta. Agora Myers conta pensar em uma nova edição, com os bastidores da
guerra.
O NOVO CZAR: ASCENSÃO E REINADO DE VLADIMIR PUTIN
Preço: R$ 145 (640 págs.); R$ 106 (ebook)
Autor: Steven Lee Myers
Editora: Amarilys
Fonte: https://br.yahoo.com/noticias/putin-%C3%A9-obcecado-pela-ucr%C3%A2nia-173300853.html
Comentários
Postar um comentário