VOGUE DE FEVEREIRO DE 2022 NO BRASIL, DISSECA A CAPA-OBRA DE ARTE CRIADA POR ELIAN ALMEIDA, NA IDÉIA DE ATUALIZAÇÃO DE IDENTIDADE NACIONAL

 

Capa Vogue Brasil Fevereiro 2022 (Foto: Vogue Brasil)

Conceição Evaristo, Carolina Maria de Jesus, Beatriz Nascimento, Maria Auxiliadora Da Silva e Djamila Ribeiro (Vogue Brasil), 2022. Acrílica e pastel oleoso sobre tela, 128 x 125 cm, de Elian Almeida (Autoria de Elian Almeida; Foto: Rafael Salim; Cortesia do artista e Nara Roesler; Direção de arte: Julia Filgueiras; Tratamento de imagem: Helder Bragatel)

Vogue de fevereiro: disseca a capa-obra de arte criada por Elian Almeida

Curiosidades, detalhes históricos e mulheres espetaculares. Desvendamos aqui tudo sobre a capa-obra de arte criada pelo artista plástico carioca

Conceição Evaristo, Carolina Maria de Jesus, Beatriz Nascimento, Maria Auxiliadora da Silva e Djamila Ribeiro são os nomes que o artista plástico Elian Almeida escolheu pintar na tela que estampa a Vogue de fevereiro. Um dos jovens mais promissores da arte brasileira hoje, Elian tem um trabalho que busca dar protagonismo a personagens negros da história do Brasil por meio, justamente, da capa da Vogue. São “um demarcador de um tempo, de um momento”, nos disse em entrevista publicada nas nossas páginas, em setembro passado.

No mês em que se comemora o centenário da Semana de Arte Moderna, convidamos o carioca para ilustrar através de uma obra inédita a sua ideia de atualização de identidade nacional. "Quis recriar a famosa foto ícone de 22 (clicada em 1924, como revelado há pouco), que agrupou nomes como Manuel Bandeira, Graça Aranha, Oswald de Andrade e outros 13 intelectuais do Modernismo", explicou. O movimento, pensado por uma elite masculina e majoritariamente branca, se propôs a romper com a estética e os padrões europeus na arte brasileira da época. Cem anos depois, a revolução estética e cultural nacional, para Elian, é composta por intelectuais negras, a quem homenageia aqui. 

Curiosidades, detalhes históricos e mulheres espetaculares. Desvendamos a seguir tudo sobre a capa-obra de arte criada pelo carioca.

Elian Almeida usa camiseta e calça, ambos Handred e sandálias acervo pessoal (Foto: Julia Lego)

Elian Almeida usa camiseta e calça, ambos Handred e sandálias acervo pessoal (Foto: Julia Lego)

1 - Elian levou cinco dias para fazer esta pintura. Começou preparando a tela: “Misturo uma camada de cor, que é um branco com amarelo-ocre, para criar um fundo muito específico e parecer que estou trabalhando a óleo, quando, na verdade, uso tinta acrílica”, explica.

2 - Não vimos – porque não foi feito – um esboço da obra antes de Elian de fato pintá-la. “Não tenho um sketchbook. Sei o que quero fazer. A produção da obra acontece direto na tela. Às vezes, ‘apago’ a figura ali mesmo. Ou seja, jogo a tinta de fundo em cima e recomeço. A camada formada embaixo é interessantíssima.”

3 - O cenário não é nenhum lugar específico, mas ele sabia que teria um jarro branco e azul no fundo. “Foi uma peça que vi num antiquário do Marais, em Paris [Elian vive entre o Rio e Paris], que eu não fotografei, como faço sempre, mas não saiu da minha cabeça. Na maioria das obras que já pintei neste ano, o jarro aparece.”

4 - Onde o Elian gostaria de ver esta obra exposta? “No Baile da Vogue [o evento acontece dia 29 de abril e terá o tema Brasilidade Fantástica] e depois em diversos museus no Brasil e nos Estados Unidos.”

5 - Zero palavra foi o que Adriana e Andrea Almeida, irmãs do artista e ávidas leitoras de Vogue, esboçaram quando ele contou que faria este projeto. Eram as revistas delas que Elian usava de base para suas primeiras pinturas. “‘Caraca, é capa da Vogue!’, gritaram com orgulho, assim que o choque passou.” Elas acompanharam o processo de produção e só concordaram que a obra tinha ficado pronta quando pintei o fundo azul.

6 - Elian escutou muuuita (como ele mesmo enfatizou) música enquanto pintava. “Ouvi todo o disco ‘Donda’, do Kanye West; o álbum ‘Assim Tocam os Meus Tambores’, do meu amigo Marcelo D2; e Baden Powell, João Nogueira...”

A foto ícone do Modernismo que inspirou Elian a fazer sua versão. O original reúne 16 intelectuais em retrato clicado em 1924, depois de um almoço, no extinto Hotel Terminus, em São Paulo (Foto: Reprodução)

A foto ícone do Modernismo que inspirou Elian a fazer sua versão. O original reúne 16 intelectuais em retrato clicado em 1924, depois de um almoço, no extinto Hotel Terminus, em São Paulo (Foto: Reprodução)

Carolina Maria de Jesus
Considerada uma das escritoras mais importantes da nossa literatura, Carolina teve apenas dois anos de estudo formal. Nascida em Minas Gerais, se fixou em São Paulo, mais precisamente na favela do Canindé, lugar que foi ponto de partida de sua obra-prima, o livro Quarto de Despejo (1960), um diário do cotidiano de miséria da mulher favelada, escrito em cadernos que recolhia do lixo, foi traduzido para 13 idiomas. Ela morreu aos 62 anos, em 1977, vítima de insuficiência respiratória.

Conceição Evaristo
A primeira reação de Conceição Evaristo ao saber da capa foi de espanto: arregalou os olhos e, então, abriu um largo sorriso. “Ter uma revista como a Vogue recuperando o legado do centenário da Semana de Arte Moderna, trazendo um jovem artista negro para conceber a capa é muito significativo. Talvez há 15 anos isso fosse impensável. É uma reviravolta até para se pensar o que é considerado como arte brasileira”, diz a célebre poeta. Escritora consagrada da literatura afro-brasileira, Conceição é doutora em literatura comparada, já foi professora da rede pública, e seus contos são frequentemente estudados em universidades internacionais. Um de seus maiores diferenciais é tratar abertamente temas do feminismo interseccional que lhe atravessam como racismo e sexismo nos mais variados formatos de narrativa.

Beatriz Nascimento
Expoente do feminismo negro no Brasil, a historiadora, pesquisadora e pensadora sergipana, aliou militância e vida acadêmica ao longo de toda a sua vida. Comestudos extensos sobre as formações dos quilombos em solo nacional, Beatriz é mais conhecida pelo documentário Ôrí (1989), que evidencia os movimentos sociais negros daqui ao longo de 11 anos – entre 1977 e 1988 – e as relações entre Brasil e o continente africano, sob o seu ponto de vista e experiência pessoal. “A Terra é meu quilombo. Meu espaço é meu quilombo. Onde eu estou, eu estou. Quando eu estou, eu sou” é um de seus versos mais expressivos. Beatriz morreu aos 52 anos, em 1995, no Rio de Janeiro, para onde migrou na década de 1950, em busca de uma vida melhor.

Djamila Ribeiro
Nascida em Santos, a filósofa é atualmente um dos nomes mais significativos do ativismo brasileiro, trazendo à tona o racismo estrutural ao denunciar a violência e a desigualdade racial, nos fazendo refletir sobre a responsabilidade individual na transformação da sociedade. Seu Pequeno Manual Antirracista (2019) ganhou o Prêmio Jabuti 2020 na categoria Ciências Humanas. “Essa é uma capa histórica porque situa a importância das mulheres negras na História do Brasil – e não apenas para o povo negro. Faltaram sujeitos negros, mulheres e indígenas como protagonistas do movimento modernista. Estar ao lado dessas mulheres me deixa muito honrada porque faço parte do caminho que todas elas pavimentaram.”

Maria Auxiliadora da Silva
Sem ter tido qualquer tipo de educação artística formal, Maria Auxiliadora, costureira e bordadeira, inventou técnicas próprias e, assim, seu estilo também. Neta de uma mulher escravizada, a mineira pintava (nas horas vagas do expediente, em fábricas têxteis) seu cotidiano e cultura. Corpos negros protagonizavam cenas como rodas de capoeira e samba, mas também dentro de escolas, como professores – e não apenas pessoas escravizadas ou trabalhadores braçais e domésticos. Os relevos de seus quadros, vendidos então em feiras do Centro de São Paulo, para onde se mudou aos 3 anos, eram feitos coma mistura de tinta a óleo, massa plástica e mechas do seu cabelo. Ela morreu aos 39 anos.

Fonte:https://vogue.globo.com/moda/noticia/2022/02/vogue-de-fevereiro-dissecamos-capa-obra-de-arte-criada-por-elian-almeida.html

Comentários