“É importante para eles (e para nós) o exercício de deslocar a masculinidade da hegemonia dos relacionamentos” (Foto: Arte Domitila de Paulo)
Como a inveja masculina afeta as relações heteroafetivas?
A mulher não precisa (nem deve) anular as suas conquistas para fazer dar certo. Luiza Brasil explica
Nos últimos meses, como a internet costuma dizer, virei “cadelinha” da palavra do escritor e academicista de psicologia da UFRGS João Luiz Marques (@joaomarques.psi) no Instagram. Em sua perspectiva de pesquisa, João aborda com bastante brilhantismo a masculinidade preta e as questões raciais. Isso me “fisgou” de vez quando, em um de seus artigos, lançou uma provocação em torno da inveja masculina diante das mulheres poderosas e livres.
A pauta caiu como um bálsamo para mim. Foi como denominar o inominável. Na maioria das minhas relações heteroafetivas, tive essa sensação de transferência de frustrações do outro e, certamente, esse peso desestabilizou direta ou indiretamente meu progresso em algum momento da vida – só não sabia dar nome ao que sentia. É sobre ser egoísta, intransigente ou alheia com as limitações do outro? Jamais! Precisamos ser empáticas e responsáveis com quem escolhemos compartilhar afeto.
Porém, devemos ficar de olhos atentos para o fato de o homem sempre se colocar como a imagem central de um relacionamento, enquanto nós, mulheres, inserimos toda a nossa disponibilidade e intenção para viver os sonhos deles. Daí fica a pergunta: existe alguma reciprocidade disso, principalmente quando somos “fortes” e “livres”, ou usam dessas características como justificativas para abandonos e falta de acolhimento?
Nossas constantes solidões – seja a de quem nunca vive uma relação, seja a de quem vive uma –, porém, estão sempre em desprestígio no que diz respeito ao suporte no desenvolvimento. Elas também fazem parte de uma estrutura machista, que influencia diretamente a violência patrimonial, conduta que consiste na subtração parcial ou total de nossos recursos econômicos como um jeito de nos coagir. Por isso, vemos tantos homens que nunca estão dispostos a se envolver com mulheres que se colocam como bem-sucedidas ou que tenham a mesma compatibilidade de poder que eles.
Para exemplificar a fragilidade da inveja masculina, fica o questionamento: diante de todas as mulheres presidentes, governadoras, entre outras altas patentes que você já presenciou ao redor do globo, quantas tinham ao seu lado os respectivos maridos? Aliás, indo mais profundo em nossa estrutura patriarcal: qual o motivo de não existir denominações especiais para eles como “primeiro-consorte” ou “primeiro-marido”, enquanto somos primeiras-damas? Toda essa ausência, inclusive na nossa linguagem, é simbólica e estruturante.
E qual é o papel do homem para a virada desse jogo? Segundo João Marques, “um homem antimachista precisa parar de definir as regras”. Estar ao lado de mulheres poderosas, livres e com acesso não reduz a masculinidade de ninguém. Dos mais conservadores aos mais desconstruidões, é importante para eles (e para nós também) o árduo exercício de deslocar a masculinidade da hegemonia dos relacionamentos. Uma parceria não pode girar apenas em torno dos anseios de uma das partes.
Para a gente, fica a desafiadora exigência de nos permitirmos conexões mais profundas apenas com homens que estejam preparados para amar e serem amados. Sei que não é fácil e, por isso, pego emprestada a fala da Dra. Maya Angelou: “Pisar um caminho totalmente novo é difícil, mas não mais difícil que permanecer em uma situação que não está alimentando a mulher por inteiro”. Até arrepia!
Comentários
Postar um comentário