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Pestalozzi, o teórico que incorporou o afeto à sala de aula
Para o educador suíço, os sentimentos tinham o poder de despertar o processo de aprendizagem autônoma na criança
POR:Márcio FerrariPara a mentalidade contemporânea, amor talvez não seja a primeira palavra que venha à cabeça quando se fala em ciência, método ou teoria. Mas o afeto teve papel central na obra de pensadores que lançaram os fundamentos da pedagogia moderna. Nenhum deles deu mais importância ao amor, em particular ao amor materno, do que o suíço Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827).
Antecipando concepções do movimento da Escola Nova, que só surgiria na virada do século 19 para o 20, Pestalozzi afirmava que a função principal do ensino é levar as crianças a desenvolver suas habilidades naturais e inatas. "Segundo ele, o amor deflagra o processo de auto-educação", diz a escritora Dora Incontri, uma das poucas estudiosas de Pestalozzi no Brasil.
A escola idealizada por Pestalozzi deveria ser não só uma extensão do lar como inspirar-se no ambiente familiar, para oferecer uma atmosfera de segurança e afeto. Ao contrário de muitos de seus contemporâneos, o pensador suíço não concordava totalmente com o elogio da razão humana. Para ele, só o amor tinha força salvadora, capaz de levar o homem à plena realização moral - isto é, encontrar conscientemente, dentro de si, a essência divina que lhe dá liberdade. "Pestalozzi chega ao ponto de afirmar que a religiosidade humana nasce da relação afetiva da criança com a mãe, por meio da sensação de providência", diz Dora Incontri.
Inspiração na natureza
A vida e obra de Pestalozzi estão intimamente ligadas à religião. Cristão devoto e seguidor do protestantismo, ele se preparou para o sacerdócio, mas abandonou a idéia em favor da necessidade de viver junto da natureza e de experimentar suas idéias a respeito da educação. Seu pensamento permaneceu impregnado da crença na manifestação da divindade no ser humano e na caridade, que ele praticou principalmente em favor dos pobres.
A criança, na visão de Pestalozzi, se desenvolve de dentro para fora - idéia oposta à concepção de que a função do ensino é preenchê-la de informação. Para o pensador suíço, um dos cuidados principais do professor deveria ser respeitar os estágios de desenvolvimento pelos quais a criança passa. Dar atenção à sua evolução, às suas aptidões e necessidades, de acordo com as diferentes idades, era, para Pestalozzi, parte de uma missão maior do educador, a de saber ler e imitar a natureza - em que o método pedagógico deveria se inspirar.
Sem notas, castigos ou prêmios
Suíça: educação integral
Ao contrário de Rousseau, cuja teoria é idealizada, Pestalozzi, segundo a educadora Dora Incontri, "experimentava sua teoria e tirava a teoria da prática", nas várias escolas que criou. Pestalozzi aplicou em classe seu princípio da educação integral - isto é, não limitada à absorção de informações. Segundo ele, o processo educativo deveria englobar três dimensões humanas, identificadas com a cabeça, a mão e o coração. O objetivo final do aprendizado deveria ser uma formação também tripla: intelectual, física e moral. E o método de estudo deveria reduzir-se a seus três elementos mais simples: som, forma e número. Só depois da percepção viria a linguagem. Com os instrumentos adquiridos desse modo, o estudante teria condições de encontrar em si mesmo liberdade e autonomia moral. Como alcançar esse objetivo dependia de uma trajetória íntima, Pestalozzi não acreditava em julgamento externo. Por isso, em suas escolas não havia notas ou provas, castigos ou recompensas, numa époc a em que chic otear os alunos er a comum. "A disciplina exterior, na escola de Pestalozzi, era substituída pelo cultivo da disciplina interior, essencial à moral protestante", diz Alessandra Arce.
Bondade potencial
Tanto a defesa de uma volta à natureza quanto a construção de novos conceitos de criança, família e instrução a que Pestalozzi se dedicou devem muito a sua leitura do filósofo franco-suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), nome central do pensamento iluminista. Ambos consideravam o ser humano de seu tempo excessivamente cerceado por convenções sociais e influências do meio, distanciado de sua índole original - que seria essencialmente boa para Rousseau e potencialmente fértil, mas egoísta e submissa aos sentidos, para Pestalozzi.
"A criança, na concepção de Pestalozzi, era um ser puro, bom em sua essência e possuidor de uma natureza divina que deveria ser cultivada e descoberta para atingir a plenitude", diz Alessandra Arce, professora da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto. O pensador suíço costumava comparar o ofício do professor ao do jardineiro, que devia providenciar as melhores condições externas para que as plantas seguissem seu desenvolvimento natural. Ele gostava de lembrar que a semente traz em si o "projeto" da árvore toda.
Desse modo, o aprendizado seria, em grande parte, conduzido pelo próprio aluno, com base na experimentação prática e na vivência intelectual, sensorial e emocional do conhecimento. É a idéia do "aprender fazendo", amplamente incorporada pela maioria das escolas pedagógicas posteriores a Pestalozzi. O método deveria partir do conhecido para o novo e do concreto para o abstrato, com ênfase na ação e na percepção dos objetos, mais do que nas palavras. O que importava não era tanto o conteúdo, mas o desenvolvimento das habilidades e dos valores.
Biografia
Johann Heinrich Pestalozzi nasceu em 1746 em Zurique, na Suíça. Na juventude, ele abandonou os estudos religiosos para se dedicar à agricultura. Quando a empreitada se tornou o primeiro de muitos fracassos materiais de sua vida, Pestalozzi levou algumas crianças pobres para casa, onde encontraram escola e trabalho como tecelãs, aprendendo a se sustentar. Alguns anos depois, a escola se inviabilizou e Pestalozzi passou a explorar suas idéias em livros, entre eles Os Crepúsculos de um Eremita e o romance Leonardo e Gertrudes. Uma nova chance de exercitar seu método só surgiu quando ele já tinha mais de 50 anos, ao ser chamado para dar aulas aos órfãos da batalha de Stans. Mais duas experiências se seguiram, em escolas de Burgdorf e Yverdon. Nesta última, que existiu de 1805 a 1825, Pestalozzi desenvolveu seu projeto mais abrangente, dando aulas para estudantes de várias origens e comandando uma equipe de professores. Divergências entre eles levaram a escola a fechar. Yverdon projetou o nome de Pestalozzi no exterior e foi visitada por muitos dos grandes educadores da época.
Um liberal na Era das Revoluções
de Delacroix: França exporta revolução
Embora durante a maior parte de sua vida Pestalozzi tenha escolhido viver em relativo isolamento, com a mulher e um filho que morreu aos 31 anos, ele nunca se alienou dos acontecimentos de sua época - chamada pelo historiador britânico Eric Hobsbawn de "Era das Revoluções". Na juventude, Pestalozzi militou num grupo que defendia a moralização da política suíça. Mais tarde, por simpatizar com o pensamento liberal e republicano, se alinhou aos defensores da Revolução Francesa. Em 1798, os franceses, em apoio aos republicanos suíços, passaram a sufocar os focos de resistência à nova ordem no país vizinho, e levaram à frente um massacre na cidade de Stans. Pestalozzi, embora chocado com os acontecimentos, atendeu à convocação do governo e montou uma escola para os órfãos da batalha, que acabou sendo uma de suas experiências pedagógicas mais produtivas. Pestalozzi não foi um iluminista típico, até por ser religioso demais para isso. Por outro lado, a importância que dava à vivência e à experimentação aproximam seu trabalho de um pioneiro enfoque científico para a educação, num reflexo da defesa da razão que caracterizou o "século das luzes". "A arte da educação deve ser cultivada em todos os aspectos, para se tornar uma ciência construída a partir do conhecimento profundo da natureza humana", escreveu Pestalozzi.
Para pensar
A pesquisadora Dora Incontri vê na obra dos filósofos da educação anteriores ao século 19 uma concepção do ser humano "mais integral" do que a que passou a prevalecer então. Segundo Dora, naquela época a ciência, incluindo a pedagogia, se tornou materialista. "Pensadores como Pestalozzi levavam em conta aspectos hoje negligenciados, como o espiritual. " Ela lamenta a ausência dessa dimensão. No seu dia-a-dia na escola ou em seus estudos sobre educação, você já sentiu a sensação de que falta algo à teoria pedagógica? Chegou a pensar que carência é essa? De que forma ela se reflete na prática?
Quer saber mais?
A Pedagogia na Era das Revoluções, Alessandra Arce, Ed. Autores Associados, 238 págs., tel. (19) 3289-5930, 37 reais
História da Educação: da Antiguidade aos Nossos Dias, Mario Alighiero Manacorda, Ed. Cortez, 382 págs., tel. (11) 3611-9616, 42 reais
Pestalozzi: Educação e Ética, Dora Incontri, Ed. Scipione, 184 págs., tel. 0800-161-700, 41,90 reais
Fonte:https://novaescola.org.br/conteudo/1941/pestalozzi-o-teorico-que-incorporou-o-afeto-a-sala-de-aula
Johann Heinrich Pestalozzi foi um pedagogo suíço que defendia a educação dos pobres e enfatizava métodos de ensino destinados a fortalecer as próprias habilidades do aluno. O método de Pestalozzi tornou-se amplamente aceito, e a maioria de seus princípios foi absorvida pela educação moderna.
As doutrinas pedagógicas de Pestalozzi enfatizavam que as instruções deveriam passar do familiar para o novo, incorporar o desempenho das artes concretas e a experiência de respostas emocionais reais. Suas ideias fluem da mesma corrente de pensamento que inclui Johann Friedrich Herbart, Maria Montessori, John Dewey e, mais recentemente, Jean Piaget e defensores da abordagem da experiência da linguagem, como RV Allen.
Entre suas ideias, consideradas radicalmente inovadoras na época, estava a de fazer concessões para as diferenças individuais, agrupando os alunos por habilidade e não por idade, e encorajando a formação formal de professores como parte de uma abordagem científica para a educação.
Influência
Pestalozzi foi influenciado pelas condições políticas de seu país e pelas ideias educacionais de Rousseau. Quando jovem, abandonou o estudo da teologia para se aprofundar nas ciências da natureza. Em 1769, ele assumiu a agricultura de terras negligenciadas, perto do rio Aare – o Neuhof.
Quando este empreendimento perto de Zürich entrou em colapso em 1774, ele levou as crianças pobres para sua casa, fazendo-as trabalhar e tentando ensiná-las a se tornarem auto-suficientes. Este projeto também falhou, embora Pestalozzi tenha ganhado uma valiosa experiência. Ele também teve um interesse ativo na política suíça.
Trabalhos
Como a realização prática de suas ideias lhe foi negada, ele passou a escrever. Em suas obras ele descreve sua teoria fundamental de que a educação deve ser “de acordo com a natureza” e que a segurança do lar é a base da felicidade do homem.
O importante papel da mãe na educação inicial é um tema recorrente nos escritos de Pestalozzi. Por 30 anos, Pestalozzi viveu isolado em sua propriedade em Neuhof, escrevendo profusamente sobre temas educacionais, políticos e econômicos, indicando formas de melhorar o destino dos pobres.
Suas propostas foram ignoradas por seus próprios compatriotas e ele ficou cada vez mais desanimado. Seu principal tratado filosófico,”Minhas investigações sobre o curso da natureza no desenvolvimento da humanidade”, reflete sua decepção pessoal, mas expressa sua firme crença nos recursos da natureza humana e sua convicção de que as pessoas são responsáveis pelo seu estado moral e intelectual. Assim, Pestalozzi estava convencido de que a educação deveria desenvolver as habilidades de um indivíduo pensar por si mesmo.
A chance de Pestalozzi de agir veio depois da Revolução Francesa, quando ele tinha mais de 50 anos de idade. A República Helvética imposta pela França na Suíça o convidou para organizar o ensino superior, mas ele preferiu começar na educação básica. Ele reuniu dezenas de órfãos de guerra carentes e cuidou deles quase sozinho, tentando criar uma atmosfera familiar e restaurando suas qualidades morais. Esses poucos meses exaustivos em Stans (1799) foram, segundo o relato do próprio Pestalozzi, os dias mais felizes de sua vida.
De 1800 a 1804 ele dirigiu um estabelecimento educacional em Burgdorf e de 1805 a 1825 um colégio interno em Yverdon, perto de Neuchâtel. Ambas as escolas contavam com fundos para alunos pagantes, embora algumas crianças pobres fossem acolhidas. Esses locais serviram como bases experimentais para provar seu método em seus três ramos – intelectual, moral e físico, o segundo incluindo treinamento vocacional e cívico.
Esse trabalho também financiou o “sonho” de sua vida, uma escola para os pobres. O Instituto Yverdon tornou-se mundialmente famoso, atraindo alunos de toda a Europa, bem como muitos visitantes estrangeiros. Alguns professores visitantes – por exemplo, Friedrich Froebel, J.F Herbart e Carl Ritter ficaram tão impressionados que continuaram estudando o método e depois introduziram em seu próprio ensino.
Enquanto assistentes dedicados continuavam a ensinar, Pestalozzi continuava sendo o coração e a alma do instituto e continuava a elaborar seu método. Em “Como Gertrude ensina seus filhos”, Pestalozzi relata os princípios da educação intelectual: que as faculdades inatas da criança devem ser desenvolvidas e que ela deve aprender a pensar, procedendo gradualmente da observação para a formação de ideias claras.
O espírito de família que prevalecia em Yverdon foi abalado nos últimos anos por uma disputa progressivamente severa entre os professores. A tão desejada escola dos pobres, estabelecida por meio do produto da publicação de suas obras coletadas, existiu por apenas dois anos.
Para grande angústia de Pestalozzi, o Instituto Yverdon perdeu sua fama e seus alunos. Seus esforços de reconciliação foram em vão. Com alguns alunos, ele se retirou para Neuhof em 1825, triste, mas convencido de que suas ideias prevaleceriam no final.
Frases
Quem não está disposto a ajudar a si mesmo não pode ser ajudado por ninguém.
A maior vitória que um homem pode ganhar é a vitória sobre si mesmo.
O círculo do conhecimento começa perto de um homem e daí se estende concentricamente.
O homem deve procurar o que é certo e deixar a felicidade vir sozinha.
A caridade é o afogamento da justiça no cárcere da misericórdia.
Você pode expulsar o diabo de seu jardim, mas o encontrará novamente no jardim de seu filho.
Aprendi que nenhum homem na ampla terra de Deus está querendo ou sendo capaz de ajudar qualquer outro homem.
Pestalozzi: pai dos órfãos, educador da Humanidade
por Alexsandro M. Medeiros
lattes.cnpq.br/6947356140810110
postado em mar. 2020
Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827) foi um pedagogo Suíço, de orientação religiosa protestante e se considerava um cristão sem defender uma religião específica. Seu pensamento enfatizava a manifestação da divindade através do ser humano e da caridade, que ele praticou principalmente em favor dos pobres. Por isso Pestalozzi não foi um iluminista típico, por sua forte tendência religiosa. Foi influenciado pelo movimento naturalista após a leitura da obra Emílio, do filósofo iluminista Jean-Jacques Rousseau (as impressões que o filósofo iluminista deixou em Pestalozzi foram tão fortes, que Pestalozzi deu ao seu único filho o nome de Jean-Jacques) e se envolveu em lutas políticas desde a juventude, fazendo parte da Sociedade Helvética – um movimento intelectual contra o poder aristocrático na Suíça. Em 1798, com a forte influência da Revolução Francesa, é deflagrada a Revolução Suíça e Pestalozzi se torna redator da Folha Popular Helvética.
É dessa época, quando Pestalozzi já tinha mais de 50 anos, que ele terá uma oportunidade de exercitar seu método, ao ser chamado para dar aulas aos órfãos da batalha de Stanz que acabou sendo uma de suas experiências pedagógicas mais produtivas (sobre a experiência de Stanz, ver Siqueira, 2012, p. 63-; e a Carta de Stanz apud Siqueira, 2012, p. 96-108 e Lopes, 1981, p. 53-71). “As lutas pela independência e a presença de tropas francesas intervencionistas de Napoleão Bonaparte na Suíça deixaram muitas crianças que vagavam sem pais, sem casa e sem comida em torno do Lago de Lucerna” (BRETTAS, 2018, p. 418).
“Pestalozzi e os órfãos de Stan”
Pintura em óleo sobre tela (1879) de Konrad Grob
apud BRETTAS, 2018, p. 419
Em um contexto em que a educação era privilégio de poucos, Pestalozzi forneceu oportunidade de aprendizado às crianças órfãs que vagavam no Cantão de Unterwalden, sem casa, comida ou abrigo. Pestalozzi as reuniu em um convento abandonado, e passou a educá-las:
acolheu cerca de quatrocentas crianças de cinco a quinze anos que lhe foram dadas a seus cuidados. Neste local o filósofo desenvolveu seus métodos educacionais com princípios básicos pautados na observação e percepção sensorial. O ensino devia começar pela experiência imediata da criança, com o estudo do meio ambiente e posteriormente, o estudo da linguagem (MIRANDA; SANTOS, 2015, p. 4).
Em 1799 o edifício foi requisitado pelos franceses para transformar em um hospital e Pestalozzi teve que abandonar o projeto.
Mais duas experiências se seguiram: em Burgdorf (SIQUEIRA, 2012, p. 71-79) e Yverdon (SIQUEIRA, 2012, p. 80-84). Obrigado a abandonar o projeto com as crianças órfãs de Stanz, Pestalozzi obteve permissão do exército francês para manter uma escola em Burgdorf, onde permaneceu trabalhando entre 1800 e 1804: “O Instituto de Burgdorf abriu suas portas em janeiro de 1801 e, desde o início, demonstrou grandes progressos, sendo que isso se devia, principalmente, à grande devoção de Pestalozzi e Krüssi [seu amigo e grande colaborador]” (SIQUEIRA, 2012, p. 72).
Já em Yverdon se dedicou por vinte anos (1805 a 1825) ao seu trabalho, dando aulas para estudantes de várias origens e comandando uma equipe de professores.
Estátua de Pestalozzi em Yverdon les Bains
Disponível em: Wikipedia, acesso em fev. 2020
Yverdon projetou o nome de Pestalozzi no exterior e foi visitada por muitos dos grandes educadores da época. Dentre seus discípulos talvez o mais famoso seja Denizard Rivail (mais conhecido como Allan Kardec) além de Friedrich Fröbel e Madame de Staël.
O Instituto Yverdon funcionava em regime de internato e com espírito de família, aplicando-se em sua plenitude o método pestalozziano. Conforme acrescenta Soetard (2010, p.21) “Pessoas de todas as partes foram observar este novo fenômeno pedagógico e aprendizes de professor foram [...] para serem treinados no método Pestalozzi”. O instituto se expandiu e adquiriu fama em toda Europa (MIRANDA; SANTOS, 2015, p. 4).
Com o grande prestígio do Instituto de Educação de Yverdon houve um aumento significativo de estudantes, inclusive estrangeiros. Mesmo assim, Pestalozzi “esforçou-se de todas as maneiras para que aquela atmosfera doméstica em que se inserira anos antes em Stanz prevalecesse também em Yverdon” (SIQUEIRA, 2012, p. 81). Em Yverdon não havia a mesma rigidez disciplinar dos internatos e eram proibidos qualquer espécie de castigo corporal. Os alunos corriam e brincavam e os portões do instituto estavam sempre abertos. Os estudos alternavam-se com trabalhos manuais, jogos, excursões, educação física.
Cada instituto foi fundado nas ideias de como Pestalozzi acreditava ser o melhor método de ensino:
Em Neuhof [onde teve suas primeiras experiências como educador] demonstra que o contato com a natureza é imprescindível; em Stanz, colocando às claras o princípio do amor, aprimora como nunca a idéia de que o lar é fundamental para a formação da moral nos indivíduos e de que a escola deve ser tal qual a própria família; em Burgdorf distingue as diversas áreas que compõem suas hipóteses e aprende a lidar com uma enorme variedade de culturas; mas foi em Yverdon que todos esses princípios tomaram forma e amadureceram (SIQUEIRA, 2012, p. 84).
Sobre as ideias de Pestalozzi, Cunha, Angélico e Medeiros Neta (2018, p. 63) realizaram um levantamento de autores que refletiram sobre as contribuições de Pestalozzi, de acordo com categorias como: concepção de criança, concepção de educação, método intuitivo, entre outros, como se observa no quadro abaixo.
Pestalozzi é autor de obras como: As Horas Noturnas de um Ermitão (1780), Leonardo e Gertrudes (sua obra prima, de 1781), Minhas indagações sobre a marcha da natureza no desenvolvimento da espécie humana (1797), Como Gertrudes ensina suas crianças (1801) e muito mais (saiba mais em: Obras de Pestalozzi). Pestalozzi faleceu aos 81 anos de idade, em 1827. Em seu túmulo encontram-se as seguintes palavras:
Aqui jaz Henrique Pestalozzi, nascido em Zurique a 12 de janeiro de 1746, falecido em Brugg a 17 de fevereiro de 1827.
Salvador dos pobres em Neuhof.
Pregador do povo em “Leonardo e Gertrude”.
Pai dos órfãos, em Stanz,
Criador da nova Escola Elementar, em Burgdorf e Munchenbuchsee; em Yverdon, educador da Humanidade.
Homem, Cristão, Cidadão.
Para os outros tudo, nada para si mesmo. Abençoada seja a sua memória. (LOPES, 1981, p. 99)
Pedagogia Intuitiva e Integral
De suas principais contribuições ao campo pedagógico e educacional, Pestalozzi cunhou a chamada Pedagogia Intuitiva que consiste em
oferecer, na medida do possível, dados sensíveis à percepção e observação dos alunos. Essa pedagogia fundamentava-se na psicologia sensualista, cujos representantes afirmavam que toda a vida mental se estrutura baseando-se nos dados dos sentidos, ou, empregando um vocabulário pedagógico, valendo-se do concreto (ZANATTA, 2012, p. 106).
A Pedagogia Intuitiva afirma que a vida mental é estruturada com base nos dados fornecidos pelos sentidos. Mas a intuição não consiste em uma mera visão passiva dos objetos, mas inclui a atividade intelectiva. A educação deve partir dos objetos e das impressões, para só então chegar ao pensamento e à ideia. Primeiro a criança entra em contato com os objetos através dos sentidos e só depois deve ser expresso em palavras de onde se segue a atividade mental.
Por isso é que a base do método intuitivo de Pestalozzi é a “lição das coisas”, acompanhada de exercícios de linguagem para se chegar às ideias claras. O método da “lição de coisas” caracteriza-se por oferecer dados sensíveis à observação, indo do particular ao geral, do concreto experienciado ao racional, chegando aos conceitos abstratos. Daí a ênfase ao contato direto com a natureza, à observação da paisagem, ao trabalho de campo como pressupostos básicos do estudo (ZANATTA, 2012, p. 107).
Pestalozzi “considerou a intuição a partir de duas perspectivas: uma sensível (ou exterior) e outra racional (ou interior)” (OLIVEIRA, 2017, p. 1010). A intuição sensível ocorre a partir da presença dos objetos exteriores perante os sentidos.
É interessa notar, no que diz respeito a ideia de intuição, que esta ideia está próxima, ou envolve, o que hoje chamamos de indução, como observa Mesquida (2016, p. 24), ou seja, “a prática pedagógica deve ser desenvolvida, partindo do concreto para o abstrato, do sensível, da experiência, para a teoria, progressivamente”. E mais adiante: “O método procede por ‘gradação’, progressivamente, ‘do simples para o complicado’” (id., ibidem, p. 25). A indução é o método que leva do particular para o universal, do sensível (empírico) para o pensamento (abstrato). O ponto de partida do conhecimento é a intuição dos objetos (intuição sensível), que se dá pela percepção sensível das coisas concretas. O educador deve, então, ser um guia da criança na observação da natureza, que conduz a criança para observar e experimentar
É pelos sentidos que a criança apreende, ao usar a percepção sensível, o sentido dos objetos, das coisas [...] todo nosso conhecimento do mundo exterior procede da “impressão que os objetos do mundo exterior, oferecidos à nossa intuição produziu sobre nossos sentidos... Trata-se de uma educação precisa do ouvido, da visão, do toque” [...] Pestalozzi lança mão do desenvolvimento da faculdade intuitiva (indutiva) do ser humano: “a faculdade indutiva, quando não é mal dirigida, contra a natureza e desordenada, é suficiente por si mesma para conceder ao homem, em qualquer circunstância, uma representação clara e individual de cada um dos objetos que o cercam, pelos quais ela lhe oferece os diversos elementos que despertarão nele a atividade do intelecto” (MESQUIDA, 2016, p. 29-30).
A Pedagogia Intuitiva de Pestalozzi pode ser melhor compreendida aplicada ao ensino da matemática e da linguagem, dos saberes elementares da matemática e da palavra: “partindo dos princípios elementares elencados por ele, a saber número, forma e palavra e da sua relação com as faculdades e capacidades humanas, de maneira gradual e intuitiva, a criança não só aprenderia como também, estaria sendo preparada para a vida” (FERREIRA; SANTOS, 2018, p. 14). Todos os objetos podem ser representados a partir destes três elementos: número (identificar o número de objeto), forma (conhecer sua forma para distingui-lo de outros objetos) e palavra (dar um nome ao objeto). A forma e o número são percebidas a partir da intuição sensível. Já a palavra, por sua vez, é uma construção intelectual.
No ensino da matemática, a criança deve aprender sobre números, a partir do contato com objetos concretos para que, ao perceber tais objetos (duas bolas, por exemplo), ela possa associar com a quantidade (número dois). Além disso, partindo da observação das formas existentes na natureza (quadrados e retângulos, por exemplo) a criança começa a tomar consciência da superfície de tais objetos e de cálculos matemáticos implícitos em tais figuras geométricas. Um exemplo: uma atividade com linhas retas (para um exemplo sobre uma imagem formadas por diferentes linhas retas, de diferentes tamanhos e divididas em diferentes partes, ver Oliveira, 2017, p. 1020). A partir da observação da forma “linha reta” é possível construir ou reproduzir diferentes formas geométricas. É possível formar uma superfície que pode ser nomeada por figura, como um triângulo ou quadrado. A partir de um determinado número de linhas, a criança deve reproduzir as formas de objetos que ela conhece e ao formar determinada figura, vai-se construindo as noções de triângulo ou quadrilátero.
No método intuitivo pestalozziano, cada linha, cada medida, cada propriedade, cada desenho, cada figura é uma produção da inteligência impulsionada pelas impressões sensíveis. Em resumo: os saberes geométricos são construções intelectuais que vai da observação para o raciocínio (OLIVEIRA, 2017, p. 1023).
No que diz respeito a alfabetização da criança, ela deve ser desenvolvida a partir dos sentidos, do vínculo sobretudo da visão (mas também da audição e do sentir) das coisas da natureza, dos objetos e das palavras que as expressam. É fundamental estabelecer uma relação entre a palavra e o objeto que ela representa. O caminho do aprendizado segue o caminho do objeto à palavra, a partir do qual a criança aprende a escrever e se comunicar: “lhe possibilitando aprender a dar nomes às coisas, a dominá-las pela palavra (PESTALOZZI, 2013), perfazendo o processo que leva do “conhecer ao pensar e nomear” (MESQUIDA, 2016, p. 31).
O Método de Pestalozzi repousa sobre três fundamentos: a percepção natural ligada à língua, a forma e o número. O primeiro fornece o conhecimento necessário dos objetos e da língua e aborda o que diz respeito à aprendizagem da palavra e da leitura; o segundo expõe o Alfabeto da intuição que desempenha o mesmo papel para a medida do espaço, a escrita e o desenho do alfabeto apropriado à leitura; o terceiro, enfim, desenvolve, sob a base do precedente e da noção de unidade, as relações que os números têm com eles mesmos e a sua aplicação ao espaço e à medida da grandeza (Relatório Ith, de julho de 1802 apud MESQUIDA, 2016, p. 37).
Pestalozzi defendeu ainda a educação integral da criança, concebendo a educação a partir das dimensões: intelectual (que inclui a intuição), profissional (refere-se ao aprender trabalhando, realizando atividades práticas), moral (ou religiosa, que consiste na formação de valores) e afetiva, todas interligadas entre si. Daí sua famosa frase, de que a educação deve incluir cabeça, coração e mão (tête, coeur, main). Com esta ideia, Pestalozzi enfatiza a mente (educação intelectual), o sentimento (educação moral e afetiva) e a importância da ação (educação física): “Modernamente, poderia ser traduzida pela fórmula saber pensar, saber sentir, saber agir, sendo que o saber pensar é nutrido pelo sentir assim como o saber agir tem sua fonte dinâmica no coração” (MESQUIDA, 2016, p. 21). A formação intelectual deve ser acompanhada da formação dos sentimentos e interligadas com a ação. “A educação tem como finalidade a formação do homem na sua integralidade assentada nas disposições morais, intelectuais e físicas” (OLIVEIRA, 2017, p. 1013).
Pestalozzi procurou aplicar em seus Institutos o princípio da educação integral. O objetivo do aprendizado é proporcionar uma formação tripla: intelectual, física e moral. Pestalozzi afirmava ainda que a educação deve proporcionar às crianças o desenvolvimento de suas habilidades naturais e inatas. Pestalozzi comparava o ofício do professor ao do jardineiro, que devia providenciar as melhores condições externas para que as plantas (no caso os educandos) seguissem seu desenvolvimento natural, a partir da ideia de que a semente traz em si o gérmen de todo o seu desenvolvimento e que irá se transformar em uma árvore.
Inspiração na natureza
Como cristão devoto e seguidor do protestantismo, Pestalozzi chegou a se preparar para o sacerdócio, mas abandonou essa ideia em favor da necessidade de viver junto da natureza. Inspirou-se, nesse ponto, nas ideias do filósofo Jean-Jacques Rousseau, tomando “a concepção da educação como processo que deve seguir a natureza e princípios como a liberdade, a bondade inata do ser e a personalidade individual de cada criança” (ZANATTA, 2012, p. 106).
Tanto a defesa de um olhar voltado ao ambiente natural quanto a construção de novos conceitos de criança, família e instrução escolar a que Pestalozzi se dedicou devem-se muito à sua leitura de Rousseau, personagem central do Iluminismo. Esses dois suíços acreditavam que o ser humano de seu tempo, cerceado por convenções sociais e influências que o distanciam de sua índole original, era sempre “bom” (CURY, 2017, p. 7).
Suas crenças religiosas também exerceram influência neste ponto, afinal, sendo Deus o criador do homem e da Natureza “a compreensão do que é o homem passa pela compreensão das relações que o homem trava ou deveria travar com a Natureza, a começar pelas relações com a Natureza que está no homem, isto é, com a Natureza Humana” (ARCE, 2002, p. 89). Sendo a Natureza boa, o homem também é bom, nasce com qualidades puras “e estas precisam ser cultivadas dentro da sociedade na qual ele estará inserido” (ARCE, 2002, p. 90). Para um pensador cristão, não há como pensar de outra forma, pois se o homem é criado por Deus, existe uma natureza divina em seu interior que só pode ser boa. A natureza de Deus é perfeita e para Pestalozzi “impossível se perguntar quem é o homem sem antes se perguntar pelo Criador e a ele dirigir graças” (ARCE, 2002, p. 94). Brettas (2018) ressalta a crença de Pestalozzi na bondade da natureza humana por ser de uma natureza divina e sua crença no amor:
Em minha última carta, expus minha sincera convicção de que, na criança, se dá uma disposição que, com a ajuda divina, pode capacitá-la a cumprir - e não com o objetivo de distinguir-se com isso entre as demais pessoas - o máximo mandamento de seu Criador, isto é: caminhar sob a luz da fé, com o coração pleno daquela caridade sobre a qual está escrito que ‘tudo tolera, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. A caridade jamais acabará’ (I Coríntios, 13,7-8). A esta disposição, tal como se manifesta no primeiro estágio da vida humana, eu a tenho chamado de capacidade de amor e de fé (PESTALOZZI, 2003b, p. 26 apud BRETTAS, 2018, p. 425).
O método pedagógico deve se inspirar na natureza. O educador deve saber ler e imitar a natureza, dando atenção à evolução (aptidões e necessidades) das diferentes fases do desenvolvimento da criança, respeitando os estágios de desenvolvimento pelos quais passam as crianças. A criança é concebida “como um organismo que se desenvolve de acordo com leis definidas e ordenadas, contendo em si todas as capacidades da natureza humana reveladas na unidade entre mente, coração e mãos” (ZANATTA, 2012, p. 106). Como organismo, seu desenvolvimento ocorre de dentro para fora e, por isso, a educação não deve ser vista como algo que deve apenas preencher a criança de informação (de fora para dentro): “o mais importante não é ensinar determinados conhecimentos, mas desenvolver a capacidade de percepção e observação dos alunos” (ZANATTA, 2012, p. 107).
A ideia que se fazia de criança, família e instrução, a que Pestalozzi se dedicou, devem muito a sua leitura de Rousseau, considerando o ser humano excessivamente cerceado por convenções sociais e influências do meio, distanciado de sua essência original – que seria essencialmente boa para Rousseau e um ser puro, bom e possuidor de uma natureza divina para Pestalozzi.
Família e Afetividade
A escola idealizada por Pestalozzi deveria ser tanto uma extensão do lar como inspirar-se no ambiente familiar, para oferecer uma atmosfera de segurança e afeto.
E neste contexto tem um papel fundamental o amor: “o educador devia demonstrar afetividade, ser amoroso e ético para com as crianças, para que despertasse nelas os sentimentos de reciprocidade e com isso incitar o seu interesse e o desenvolvimento intelectual e moral” (MIRANDA; SANTOS, 2015, p. 5).
Para a mentalidade contemporânea, amor talvez não seja um conceito comum quando se fala em educação. Poucos educadores hoje em dia, no entanto, questionariam a influência que a afetividade pode ter no direcionamento do aprendizado de um indivíduo. Dos pensadores modernos e contemporâneos que teorizaram sobre os afetos, talvez nenhum deles tenha dado tanto importância ao amor, em particular ao amor materno, quanto Pestalozzi. Mas também o amor tinha força salvadora, capaz de levar o homem à plena realização moral e de encontrar conscientemente, dentro de si, a essência divina que lhe dá liberdade.
Referências Bibliográficas
ARCE, Alessandra. A tríade naturalizante na concepção educacional de Pestalozzi e Froebel: homem, Deus e natureza. Revista História da Educação, v. 6, n. 12, p. 87-104, 2002. Acesso em: 25 fev. 2020.
BRETTASM, Anderson Claytom Ferreira. Johann Heinrich Pestalozzi, a trajetória e a fundamentação da pedagogia moral. Revista Profissão Docente, Uberaba-MG, v. 18, n. 39, p. 415-431, jul./dez, 2018. Acesso em: 28 fev. 2020.
CUNHA, Luana Pereira da; ANGÉLICO, Milena Guerra; MEDEIROS NETA, Olivia Morais de. Mapeamento bibliométrico da produção científica: elaborando conhecimento sobre Pestalozzi. Rev. Bras. de Iniciação Científica (RBIC), Itapetininga, v. 5, n.4, p. 58-69, jul./set., 2018. Acesso em: 25 fev. 2020.
CURY, Fernando Guedes. A presença de ideias de Rousseau, Pestalozzi e Piaget nas pesquisas brasileiras sobre o laboratório de ensino de matemática. EM TEIA – Revista de Educação Matemática e Tecnológica Iberoamericana, v. 8, n. 1, p. 1-19, 2017.
FERREIRA, Jefferson dos Santos; SANTOS, Ivanete Batista. Apropriações do Método Intuitivo de Pestalozzi em Propostas Para o Ensino de Saberes Elementares Matemáticos em Revistas Pedagógicas (1890-1940). JIEEM, v.11, n.1, p. 13-26, 2018. Acesso em: 24 fev. 2020.
LOPES, J.L. Pestalozzi e a educação contemporânea. Duque de Caxias: Centro de Editoração e Jornalismo da AFE, 1981.
MESQUIDA, Peri. O método em Pestalozzi: a matemática como caminho para a verdade. HISTEMAT – Revista de História da Educação Matemática, v. 2, n. 1, p. 19-39, 2016. Acesso em: 26 fev. 2020.
MIRANDA, Marcia de Fatima Rinck; SANTOS, Marlene Aparecida Rinck dos. As contribuições de Johann Heinrich Pestalozzi para a educação. Anais do IX EPCC – Encontro Internacional de Produção Científica UniCesumar, 03 a 06 de novembro de 2015, Maringá-PR.
OLIVEIRA, Marcus Aldenisson. Pedagogia Intuitiva da Escola Elementar de Pestalozzi: como se ensinava Aritmética? Bolema: Boletim de Educação Matemática, Rio Claro (SP), v. 31, n. 59, p. 1005-1031, dez. 2017. Acesso em: 27 fev. 2020.
SIQUEIRA, Luíza de Lima. A família e a escola como ambientes formadores segundo Pestalozzi. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Pedagogia). Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP, 2012.
SOËTARD, M. Johann Pestalozzi. Recife: Massangana, 2010. (Coleção Educadores)
ZANATTA, Beatriz Aparecida. O legado de Pestalozzi, Herbart e Dewey para as práticas pedagógicas escolares. Rev. Teoria e Prática da Educação, v. 15, n. 1, p. 105-112, jan./abr. 2012. Acesso em: 24 fev. 2020.
Filosofia Política → Filosofia Moderna → Iluminismo → Pestalozzi: pai dos órfãos, educador da Humanidade
Fonte:https://www.sabedoriapolitica.com.br/products/pestalozzi/
Johann Heinrich Pestalozzi
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Johann Pestalozzi | |
---|---|
Nome completo | Johann Heinrich Pestalozzi |
Nascimento | 12 de janeiro de 1746 Zurique, Suíça |
Morte | 17 de fevereiro de 1827 (81 anos) Brugg, Suíça |
Nacionalidade | suíço |
Ocupação | pedagogo |
Johann Heinrich Pestalozzi (Zurique, 12 de janeiro de 1746 — Brugg, 17 de fevereiro de 1827) foi um pedagogista suíço e educador pioneiro da reforma educacional.
Biografia
Seu pai morreu quando ainda era criança, foi criado pela mãe, sua família empobreceu. As dificuldades para sobreviver fortaleceram sua alma ainda na infância. Ele conheceu de perto o preconceito social e teve de lutar muito para se tornar conhecido numa sociedade dividida entre nobres e plebeus e entre ricos e pobres. Durante esse período recebeu orientação religiosa protestante, mas considerava-se sempre um cristão, sem defender qualquer religião.
Após a leitura do Emílio, de Rousseau, Pestalozzi foi influenciado pelo movimento naturalista e tornou-se um revolucionário, juntando-se aos que criticavam a situação política do país.
Na Universidade de Zurique associa-se ao poeta Lavater num grupo de reformistas. Gastou parte de sua juventude nas lutas políticas mas, em 1781, com a morte do amigo e político Bluntschli, abandonou o partido para dedicar-se à causa da educação.
Casou-se aos 23 anos e comprou um pedaço de terra onde intentou o cultivo de rubia (Rubia tinctorum – planta herbácea de onde se pretendia tirar um corante) mas, não sendo agricultor, fracassou.
Por este tempo havia feito de sua casa na fazenda uma escola. Escreveu "As Horas Noturnas de um Ermitão" (Die Abendstunde eines Einsiedlers – 1780), contendo uma coleção de pensamentos e reflexões. A este livro seguiu-se sua obra-prima: Leonardo e Gertrudes ("Leonard und Gertrud" – 1781), um conto onde narra a reforma gradual feita primeiro numa casa, depois numa aldeia, frutos dos esforços de uma mulher boa e dedicada. A obra foi um sucesso na Alemanha, e Pestalozzi saiu do anonimato
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O horror da guerra: nasce o "Método Pestalozzi"
A invasão francesa da Suíça em 1798 revelou-lhe um caráter verdadeiramente heroico.
Muitas crianças vagavam no Cantão de Unterwalden, às margens do Lago de Lucerna, sem pais, casa, comida ou abrigo. Pestalozzi reuniu muitos deles num convento abandonado, e gastou suas energias educando-os. Durante o inverno cuidava delas pessoalmente com extremada devoção mas, em junho de 1799, o edifício foi requisitado pelo invasor francês para instalar ali um hospital, e seus esforços foram perdidos.
Em 1801 Pestalozzi concentrou suas idéias sobre educação num livro intitulado "Como Gertrudes ensina suas crianças" (Wie Gertrude Ihre Kinder Lehrt). Ali expõe a sua didática pedagógica, o Método Pestalozzi, de partir do mais fácil e simples, para o mais difícil e complexo. Continuava daí, medindo, pintando, escrevendo e contando, e assim por diante.
Em 1799 obteve permissão para manter uma escola em Burgdorf, onde permaneceu trabalhando até 1804. Em 1802 foi como deputado a Paris, e fez de tudo para fazer com que Napoleão se interessasse em criar um sistema nacional de educação primária; mas o conquistador disse-lhe que não podia perder tempo com o alfabeto.
A Escola
Em 1805 ele mudou-se para Yverdon, no Lago Neuchâtel, e por vinte anos dedicou-se ao seu trabalho continuamente. Ali era visitado por todos que se interessavam pela educação, como Talleyrand, d'Istria de Capo, e Mme. de Staël. Foi elogiado por Humboldt e por Fichte. Dentre seus discípulos incluem-se Denizard Rivail (Allan Kardec), Ramsauer, Delbrück, Blochmann, Carl Ritter, Froebel e Zeller.
Por volta de 1815 dissensões surgiram entre os professores de sua escola, e os últimos 10 anos de seu trabalho foram marcados por cansaço e tristeza. Em 1825 ele se aposentou em Neuhof. Escreveu suas memórias e seu último trabalho, "O canto do cisne", vindo a morrer em Brugg.
Legado
Como ele próprio disse, o verdadeiro trabalho de sua vida não se deu em Burgdorf ou em Yverdon. Estava em seus primeiros momentos como educador, com a sua observação, a preparação do homem integral, a prática junto aos órfãos de Stans.
Pestalozzi foi um dos pioneiros da pedagogia moderna, influenciando profundamente todas as correntes educacionais, e longe está de deixar de ser uma referência. Fundou escolas, cativava a todos para a causa de uma educação capaz de atingir o povo, num tempo em que o ensino era privilégio exclusivo.
Os trabalhos completos de Pestalozzi foram publicados em Stuttgart em 1819, 1826, e uma edição por Seyffarth apareceu em Berlim, em 1881.
A teoria dos três estados de desenvolvimento moral
Trechos extraídos do Livro Minhas indagações sobre a marcha da natureza no desenvolvimento da espécie humana escrito por Pestalozzi em 1797, (traduzido do original alemão Meine Nachforschungen über den Gang der Natur in der Entwicklung des Menschengeschlechts):
- Estado natural
O homem nesse estado é filho puro do instinto, que o conduz simples e inocentemente para todos os gozos dos sentidos.
- Estado social
O homem como espécie, como povo não se submete ao poder como ser moral, nem tampouco entra na sociedade e na cidadania para servir a Deus ou amar ao próximo. Ele entra na sociedade e no estado de cidadania para tornar sua vida mais alegre e para gozar tudo o que seu ser animal e sensorial tem que gozar e para que seus dias sobre a terra transcorram satisfeitos e tranqüilos. O direito social não é assim um direito moral, mas apenas uma modificação do direito animal. ( …)
O poder só pode exigir de mim que eu seja um homem social. Ele não pode exigir que eu seja um homem moral. Se eu o sou, sou-o para mim e não para ele. O poder só pode exigir de mim que eu seja um homem moral na medida em que ele mesmo o seja, isto é, se ele não for poder, não se comportar como poder. Só pode exigir de mim, se ele viver a força de sua divindade, não para ser servido, mas para servir e dar a vida para a redenção de muitos. (…)
Simples satisfação é a cota do estado natural. Esperança é a cota do estado social. Não pode ser diferente: toda a estrutura da vida social repousa em representações que basicamente não existem – ela é uma representação. Propriedade, lucro, profissão, autoridade, leis são meios artificiais para satisfazerem minha natureza animal pela escassez de liberdade animal. (…)
- Estado moral
Se eu alcançar na minha condição e na profissão tudo o que eu posso alcançar, se minha felicidade está garantida pelo direito, em suma, se eu, no pleno sentido da palavra, for um cidadão e se a palavra de meu país, liberdade – liberdade –, soasse novamente na boca dos homens honestos e felizes, estaria eu então satisfeito no meu íntimo? Deveria pensar que sim, mas não é verdade (…), o direito social não me satisfaz, o estado social não me realiza, não posso permanecer tranqüilo sobre o fundamento da minha formação civil, como não posso permanecer no mero prazer sensual e animal – sou , em todo o caso, através dessa formação, emudecido; na minha alma entraram desconfiança, sinuosidade e intranqüilidade, que nenhum direito social pode desfazer. (…)
Se eu te declaro animal no envoltório do teu nascimento, não coloco o objetivo da tua perfeição nos limites do invólucro da tua origem. Vejo o interior do teu ser como divino, assim como o ser interior da minha natureza (…). Se o homem planta uma árvore ou uma flor, ele a enterra no solo, põe esterco na raiz e a cobre de terra. Mas o que ele faz com tudo isso ao ser íntimo da flor? O material, através do qual a semente se desenvolve, é em toda a natureza infinitamente de menor valor que a semente em si. (…)
Logo vi que as circunstâncias fazem o homem, mas vi também que o homem faz as circunstâncias, tem uma força em si mesmo que pode conduzir de várias maneiras, segundo sua vontade. (…)
Como obra da natureza, sinto-me livre no mundo para fazer o que me agrada e me sinto no direito de fazer o que me serve.
Como obra da espécie, sinto-me no mundo atado a relações e contratos, fazendo e suportando o que essas relações me prescrevem como dever.
Como obra de mim mesmo, sinto-me livre do egoísmo da minha natureza animal e das minhas relações sociais, e ao mesmo tempo no direito e no dever de fazer o que me santifica e o que santifica o meu ambiente.(…)
Como obra da natureza, sou um animal perfeito. Como obra de mim mesmo, esforço-me pela perfeição. Como obra da espécie, procuro me tranqüilizar num ponto sobre o qual a perfeição de mim mesmo não é possível.
A natureza fez a sua obra inteira, assim também faze a tua.
Reconhece-te a ti mesmo e constrói a obra do teu enobrecimento sobre a consciência profunda de tua natureza animal, mas também com a consciência completa da tua força interior de viver divinamente no meio dos laços da carne.
Quem quer que tu sejas, acharás nesse caminho um meio de trazer tua natureza em harmonia contigo mesmo. Queres porém fazer tua obra apenas pela metade, quando a natureza fez a dela inteira? Queres estacionar no degrau intermediário entre tua natureza animal e tua natureza moral, sobre o qual não é possível o acabamento de ti mesmo? – Então não te espantes de que serás um costureiro, um sapateiro, um amolador ou um príncipe, mas não serás um homem.
Não te espantes então de que tua vida seja uma luta sem vitória e que nem sequer te tornes o que a natureza, sem a tua ação, fez de ti – mas muito menos serás um meio-homem civil. (…)
O princípio de que o bem do homem e o direito do homem repousam inteiramente na subordinação das minhas exigências animais e sociais à minha vontade moral é outra maneira de dizer o resultado do meu livro.
- Friedrich Fröbel - discípulo de Pestalozzi
- Allan Kardec - discípulo de Pestalozzi
- Sociedade Pestalozzi de São Paulo
- Associação Pestalozzi de Niterói
- María Lucia Teixeira Brum (2014): A Pedagogia Social em Pestalozzi: teoria e prática pedagógicas. Dissertação. Universidade Federal de Pelotas.
Pestalozzi,
o ‘educador da humanidade’ (documentário da série ‘Grandes Educadores’)
Com este depoimento, dou início a uma nova série dedicada aos grandes educadores do mundo, aproveitando que as escolas por férias do verão estão agora fechadas. Sucessivamente, nesta nova série, vão ser estudados, e por esta ordem, os seguintes educadores: João Henrique Pestalozzi, Maria Montessori, Álvaro Vieira Pinto, Paulo Freire, Darcy Ribeiro, João Amós Comênio, Francesc Ferrer i Guàrdia e Jean Jacques Rousseau.
Johann Heinrich Pestalozzi nasceu em 1746 em Zurique, na Suíça. Quando era jovem, abandonou os estudos religiosos para se dedicar à agricultura, sendo que não obteve sucesso na sua empreitada. Após esse fracasso, Pestalozzi levou algumas crianças pobres para casa, onde encontraram escola e trabalho. Exerceu grande influência no pensamento educacional e foi um grande adepto da educação pública. Democratizou a educação, proclamando ser o direito absoluto de toda criança ter plenamente desenvolvidos os poderes dados por Deus. O seu entusiasmo obrigou governantes a se interessarem pela educação das crianças das classes desfavorecidas.
Em 1782, no seu primeiro livro, Leonardo e Gertrudes, Pestalozzi anuncia as suas ideias educacionais, mas a obra não foi considerada como um tratado educativo pelas figuras importantes da época. Pestalozzi decide ser mestre-escola, e vai então, na sua escola, procurar aplicar as suas ideias educacionais. Para ele a escola deveria aproximar-se de uma casa bem organizada, pois o lar era a melhor instituição de educação, base para a formação moral, política e religiosa. Na sua escola, mestres e alunos (meninos e adolescentes) permaneciam juntos o dia todo, dormindo em quartos comuns. O educador faleceu em 1827.
Para a mentalidade contemporânea, amor talvez não seja a primeira palavra que venha à cabeça quando se fala em ciência, método ou teoria. Mas o afeto teve papel central na obra de pensadores que lançaram os fundamentos da pedagogia moderna. Nenhum deles deu mais importância ao amor, em particular ao amor materno, do que o suíço Pestalozzi. Antecipando conceções do movimento da Escola Nova, que só surgiria na virada do século 19 para o 20, Pestalozzi afirmava que a função principal do ensino é levar as crianças a desenvolver as suas habilidades naturais e inatas. “Segundo ele, o amor deflagra o processo de autoeducação”, diz a escritora Dora Incontri, uma das poucas estudiosas de Pestalozzi no Brasil.
A escola idealizada por Pestalozzi deveria ser não só uma extensão do lar como inspirar-se no ambiente familiar, para oferecer uma atmosfera de segurança e afeto. Ao contrário de muitos dos seus contemporâneos, o pensador suíço não concordava totalmente com o elogio da razão humana. Para ele, só o amor tinha força salvadora, capaz de levar o homem à plena realização moral – isto é, encontrar conscientemente, dentro de si, a essência divina que lhe dá liberdade. “Pestalozzi chega ao ponto de afirmar que a religiosidade humana nasce da relação afetiva da criança com a mãe, por meio da sensação de providência”, diz Dora Incontri.
Pestalozzi acreditava na Bondade potencial das crianças. Tanto a defesa de uma volta à natureza quanto a construção de novos conceitos de criança, família e instrução a que Pestalozzi se dedicou devem muito a sua leitura do filósofo franco-suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), nome central do pensamento iluminista e naturalista. Ambos consideravam o ser humano do seu tempo excessivamente cerceado por convenções sociais e influências do meio, distanciado da sua índole original – que seria essencialmente boa para Rousseau e potencialmente fértil, mas egoísta e submissa aos sentidos, para Pestalozzi. “A criança, na conceção de Pestalozzi, era um ser puro, bom na sua essência e possuidor de uma natureza divina que deveria ser cultivada e descoberta para atingir a plenitude”, diz Alessandra Arce, professora da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto. O pensador suíço costumava comparar o ofício do professor ao do jardineiro, que devia providenciar as melhores condições externas para que as plantas seguissem o seu desenvolvimento natural. Ele gostava de lembrar que a semente traz em si o “projeto” da árvore toda. Desse modo, o aprendizado seria, em grande parte, conduzido pelo próprio aluno, com base na experimentação prática e na vivência intelectual, sensorial e emocional do conhecimento. É a idéia do “aprender fazendo”, amplamente incorporada pela maioria das escolas pedagógicas posteriores a Pestalozzi. O método deveria partir do conhecido para o novo e do concreto para o abstrato, com ênfase na ação e na perceção dos objetos, mais do que nas palavras. O que importava não era tanto o conteúdo, mas o desenvolvimento das habilidades e dos valores.
Ao contrário de Rousseau, cuja teoria é idealizada, Pestalozzi, segundo a educadora Dora Incontri, “experimentava a sua teoria e tirava a teoria da prática”, nas várias escolas que criou. Pestalozzi aplicou em classe o seu princípio da educação integral – isto é, não limitada à absorção de informações. Segundo ele, o processo educativo deveria englobar três dimensões humanas, identificadas com a cabeça, a mão e o coração. O objetivo final do aprendizado deveria ser uma formação também tripla: intelectual, física e moral. E o método de estudo deveria reduzir-se aos seus três elementos mais simples: som, forma e número. Só depois da perceção viria a linguagem. Com os instrumentos adquiridos desse modo, o estudante teria condições de encontrar em si mesmo liberdade e autonomia moral. Como alcançar esse objetivo dependia de uma trajetória íntima, Pestalozzi não acreditava em julgamento externo. Por isso, nas suas escolas não havia qualificações ou provas, castigos ou recompensas, numa época em que chicotear os alunos era comum. “A disciplina exterior, na escola de Pestalozzi, era substituída pelo cultivo da disciplina interior, essencial à moral protestante”, diz Alessandra Arce, que é a apresentadora entrevistada no documentário que escolhi para ilustrar este depoimento. E, dado que, o 19 de agosto se celebra o “Dia mundial da Ação Humanitária”, também podemos aproveitar este interessante documentário para comemorar esta data, pois também Pestalozzi está considerado pelos estudiosos da História da Pedagogia como o autêntico “Educador da Humanidade”.
FICHA TÉCNICA DO DOCUMENTÁRIO:
- Título original: Johann Heinrich Pestalozzi.
- Produtora: Atta Mídia e Educação (Brasil, 2011, 41 min., a cores e a preto e branco, documentário).
- Editora: Paulus Editora. Coleção: Grandes Educadores.
- Roteiro e Apresentação: Aleddandra Arce (Mestra em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, doutora em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, pós-doutora em Filosofia e História da Educação pela Unicamp. Atualmente é professora adjunta da Universidade Federal de São Carlos e coordenadora do curso de Pedagogia. Considerada como a maior especialista do Brasil sobre Pestalozzi, e também sobre outros grandes educadores do mundo).
- Argumento: A escola idealizada por Pestalozzi deveria ser não só uma extensão do lar como inspirar-se no ambiente familiar, para oferecer uma atmosfera de segurança e afeto. Ao contrário de muitos dos seus contemporâneos, o pensador suíço não concordava totalmente com o elogio da razão humana. Para ele, só o amor tinha força salvadora, capaz de levar o homem à plena realização moral, isto é, encontrar conscientemente, dentro de si, a essência divina que lhe dá liberdade. As ideias e práticas de Johann Heinrich Pestalozzi representam um legado fundamental para a compreensão da pedagogia atual. Neste programa, Alessandra Arce, uma das maiores referências no estudo de Pestalozzi do país, aponta as influências da “Era das Revoluções” sobre os conceitos desse educador e explica a fundamental contribuição contida na sua missão pedagógica.
- Conteúdos do Documentário: Contexto histórico: a “Era das Revoluções”; Biografia de Pestalozzi; A criança; O controlo dos instintos animais; Amor, paciência e trabalho; Desenvolvimento da criança: repetição do desenvolvimento da humanidade; Apreensão pelos sentidos; Retorno à natureza; A criança como centro; O “ABC” da intuição; Número, forma e palavra; Nos passos de Comenius e Ideias-guias.
AS IDEIAS PEDAGÓGICAS PESTALOZZIANAS:
De forma sintética analiso as ideias educativo-didáticas de Pestalozzi. A escola idealizada por Pestalozzi tem as seguintes características básicas:
Não apenas uma extensão do lar, mas inspira-se no ambiente familiar, (atmosfera de segurança e afeto);
- O amor é a plenitude da Educação: só o amor tem força salvadora capaz de levar o homem à plena realização moral.
- Na visão de Pestalozzi, a criança se desenvolve de dentro para fora.
- Um dos cuidados principais do professor deve ser o de respeitar os estágios de desenvolvimento pelos quais a criança passa.
- O seu método didático caracteriza-se fundamentalmente por ir:
- Do mais fácil e simples, para o mais difícil e complexo, do conhecido para o novo e do concreto para o abstrato, o ideal é “aprender fazendo”;
- A um processo educativo que deve englobar três dimensões humanas para uma formação também tripla: intelectual, física e moral;
- A um método de estudo que deveria reduzir-se aos três elementos mais simples: som, forma e número (posteriormente, a linguagem);
- Nas suas escolas não havia notas ou provas, castigos ou recompensas;
- Mais importante do que o conteúdo é o desenvolvimento das habilidades e dos valores.
Estes são os aspetos básicos da organização da sua escola:
- As turmas eram formadas com os menores de oito anos, com os alunos entre oito e onze anos e outra turma com idades de onze a dezoito anos.
- As atividades escolares duravam das 8:00 às 17:00 horas e eram desenvolvidas de modo flexível; os alunos oravam, tomavam banho, faziam o desjejum, faziam as primeiras lições, havendo um curto intervalo entre elas.
- Duas tardes por semana eram livres, e os alunos realizavam excursões.
- Os problemas disciplinares eram discutidos à noite; ele condenava a coerção, as recompensas e punições.
Podemos concluir, por tanto, que Pestalozzi foi um dos pioneiros da educação moderna, influenciando profundamente todas as correntes educacionais, e longe está de deixar de ser uma referência. Fundou escolas, cativava a todos para a causa de uma educação capaz de atingir o povo, num tempo em que o ensino era privilégio exclusivo. Resulta muito esclarecedora do seu pensamento aquela sua frase: “A vida educa. Mas a vida que educa não é uma questão de palavras, e sim, de ação. É atividade”.
TEMAS PARA REFLETIR E REALIZAR:
Depois de ver o documentário, organizar um debate-papo ou tertúlia, sobre os diferentes aspetos que sobre a figura de Pestalozzi aparecem no mesmo. Refletir sobre o seu pensamento educativo e comentar, dando alternativas concretas, sobre como se poderia pôr em prática hoje nas nossas escolas a sua didática prática. Poderia pesquisar-se também na Internet sobre as experiências realizadas por Pestalozzi em Stanz, Neuhof, Burgdorf e Yverdon, assim como sobre as suas interessantes publicações.
Elaborar uma monografia, procurando informações em livros e na internet, sobre Pestalozzi, as suas ideias pedagógicas e os seus métodos didáticos. Com desenhos, textos, cartazes e materiais elaborados, poderia organizar-se nas escolas uma magna exposição sobre as experiências educativas realizadas pelo pedagogo suíço, nas diferentes instituições nas que esteve e dirigiu.
Escolher uma, para lê-la entre todos, das obras básicas, e de maior aplicação à Didática nas aulas, escritas por Pestalozzi, publicadas na nossa língua, como: As Horas Noturnas de um Ermitão, Leonardo e Gertrudes, Como Gertrudes ensina as suas crianças ou O canto do cisne. Podemos optar também por ler algum livro dedicado a estudar a sua pedagogia. Entre eles temos Vida de Pestalozzi, de Agostinho da Silva, Pestalozzi. Educação e ética, de Dora Incontri, Pestalozzi, um romance pedagógico, de Walter Oliveira Alves ou A Pedagogia na “era das Revoluções” – Uma Análise do Pensamento de Pestalozzi e Froebel, de Alessandra Arce. Depois de lida a obra eleita, organizar um “Livro-fórum” para comentá-la e debater sobre as palavras, ideias educativas e propostas práticas que o pedagogo suíço faz na mesma.
Fonte:https://pgl.gal/pestalozzi-o-educador-da-humanidade-documentario-da-serie-grandes-educadores/
Johann Heinrich Pestalozzi, a trajetória e a
fundamentação da pedagogia moral (1746/1827)
Anderson
Claytom Ferreira Brettas
Instituto Federal do Triângulo Mineiro –
IFTM, Brasil
RESUMO
Nascido
em Zurique, na Suíça, em 1746, Johann Henrich Pestalozzi é, por excelência, um
dos fundadores da educação contemporânea. Leitor de Jean Jacques Rousseau,
influenciado pelo naturalismo e pelo romantismo, ativista sintonizado com as
lutas políticas de seu tempo, Pestalozzi conjugou como poucos autores a prática
pedagógica com a produção e sistematização teórica, com a atuação, tanto na
fundação e direção de escolas, quanto na publicação de uma vasta literatura.
Entre vários aspectos, ressaltou a questão social e a democratização da escola
com a defesa do ensino público, ideias que influenciaram a organização
educacional de vários sistemas nacionais de ensino. O presente artigo trata das
passagens biográficas mais relevantes e os aspectos
conceituais das contribuições de Pestalozzi no
campo das reflexões pedagógicas. O presente artigo visa resgatar e apresentar,
a partir de análises bibliográficas, a trajetória de J.H.Pestalozzi e os
elementos teóricos e conceituais de suas obras que circunstanciam a construção
de uma pedagogia com ênfase na formação moral.
PALAVRAS-CHAVE: Johann Heinrich Pestalozzi. Pedagogia moral. Educação contemporânea
JOHANN
HEINRICH PESTALOZZI, THE TRAJECTORY AND THE FOUNDATION OF MORAL PEDAGOGY
(1746/1827)
ABSTRACT
Born
in Zurich, Switzerland, in 1746, Johann Henrich Pestalozzi is, by excellence,
one of the founders of contemporary education. Reader Jean Jacques Rousseau,
influenced by romanticism and naturalism, activist attuned to the political
struggles of his time, Pestalozzi conjugated as few authors the pedagogical
practice with the production and theoretical systematization, with the
performance in both e foundation, direction of schools, and publication of a
great literature. Among several aspects, he stressed the social issue and the
democratization of school with the defense of public education, ideas that
influenced the educational organization of several national education systems.
This article is about the most relevant passages biographical and the
conceptual aspects of the contributions of Pestalozzi in the field of
pedagogical reflections. The present article aims at retrieving and
demonstrating, based on bibliographical analyzes, the trajectory of
J.H.Pestalozzi and the theoretical and conceptual elements of his works that
circumstantiate the construction of a pedagogy with an emphasis on moral
formation.
KEYWORDS: Johann Heinrich Pestalozzi. Moral pedagogy. Contemporary education.
JOHANN
HEINRICH PESTALOZZI, LA TRAYECTORIA Y LA FUNDACIÓN DE LA PEDAGOGÍA MORAL
(1746/1827)
RESUMEN
Nacido
en Zúrich, Suiza, en 1746, Johann Henrich Pestalozzi es, por excelencia, uno de
los fundadores de la educación contemporánea. El lector de Jean Jacques
Rousseau, influenciado por el naturalismo y el romanticismo, activista sintonizado con las luchas políticas de su tiempo, Pestalozzi conjugó como pocos
autores la práctica pedagógica con la producción y sistematización teórica, con
la actuación, tanto en la fundación y dirección de escuelas, como en la
publicación de una vasta literatura. Entre varios aspectos, resaltó la cuestión
social y la democratización de la escuela con la defensa de la enseñanza
pública, ideas que influenciaron la organización educativa
de varios sistemas
nacionales de enseñanza. El presente artículo
trata de los pasajes biográficos más relevantes y los aspectos
conceptuales de las contribuciones de Pestalozzi en el campo de las reflexiones
pedagógicas. El presente artículo tiene por objeto rescatar y presentar, a
partir de análisis bibliográficos, la trayectoria de J.H.Pestalozzi y los
elementos teóricos y conceptuales de sus obras que circunstancian la
construcción de una pedagogía con énfasis en la formación moral.
PALABRAS CLAVE: Johann Heinrich Pestalozzi. Pedagogía
moral. Educación contemporánea.
1 INTRODUÇÃO
“Mas
onde se deve procurar a liberdade é nos sentimentos. Esses é que são a essência viva da alma.”
Goethe
Três anos depois da promulgação, pela
Assembleia Constituinte francesa, da “Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão”, redigida a partir das concepções iluministas em sua face mais
popular, inspirada nas ideias de Jean-Jacques Rousseau, o suíço Johann Heinrich
Pestalozzi (1746-1827) recebia,
a 26 de agosto de 1792, numa Paris repleta
de estampas da nova bandeira tricolor, o título de cidadão francês.
Neste mesmo ano, o deputado filósofo,
Marquês de Condorcet, apresentava seu “Plano de Instrução Pública” (2008),
buscando estender, a todos os cidadãos, o ensino público e gratuito, assim como
um saber técnico necessário à profissionalização. O projeto não foi aprovado,
mas, no ano seguinte, num momento da Revolução mais inclinado aos setores
populares, Louis Michel Le Pelletier (1760/1793), presidente do Parlamento,
elaborou um “Plano Nacional de Educação”, encomendado por Robespierre, líder
dos jacobinos.
Eram tempos de ebulição e
transformação; se, na época da expansão ultramarítima, a modernidade fincava
seus alicerces, o mundo de Pestalozzi assistia à consolidação plena desse
projeto.
Em que pese a pouca difusão no Brasil,
Pestalozzi é o educador e filósofo da educação mais discutido no mundo. Quando
da ocasião do primeiro centenário de sua morte, Édouard Claparède contou pacientemente o número de linhas e páginas dedicadas a catorze pedagogistas modernos, em três
enciclopédias pedagógicas (Buisson, Rein e Monroe) e de quatro histórias gerais
da pedagogia, editadas entre 1910 e 1920. Nesse estudo de Claparèd, o nome de
Pestalozzi era, de longe, o primeiro em citação, o dobro de Rousseau, que o
seguia posteriormente (CHÂTEAU, 1978, p. 209-10).
Um dos
precursores, também da psicologia moderna, Pestalozzi inspirou importantes
pensadores da educação como Fröbel e Herbart. Todas as correntes de reforma
educacional do século XIX estão vinculadas, de alguma forma, à sua figura.
O pensamento pestalozziano transita
entre os ideais da Ilustração, notadamente no desenvolvimento de uma pedagogia
engajada politicamente e os esforços para a laicização do ensino e a educação
do século XIX, da sociedade urbana e industrial, com os projetos para a
implantação da escola universal, laica e gratuita.
2 O ATIVISMO POLÍTICO E A JORNADA EM STANS
Em 1798 eclodiu a
“Revolução Suíça”, movimento inspirado pelos ventos da liberdade propagados
pela Revolução Francesa, desencadeado, sobretudo, contra a corrupção das ricas
casas reinantes. Concomitante com o movimento francês, ocorreram levantes
revolucionários em Lausanne (1790), Genebra (1792), Grisons (1794) e Vaud
(1797).
Entre a cobiça geopolítica francesa,
com as ambições napoleônicas; as contradições de classes e a fragilidade da descentralização política
do território, a Revolução de 1798 proclamou a “República Helvética”, com a
união dos diversos Cantões em Argóvia. As leis foram padronizadas, a maior
parte segundo o modelo francês - dezenas de moedas foram unificadas no franco suíço
e a confederação composta por cidades e vales autônomos foi centralizada em uma
República de cidadãos iguais (HISTORY, 2004).
Desde a década de 1760, quando tinha 17
anos, Pestalozzi fazia parte da “Sociedade Helvética” ou “Patriotas”, como
também eram conhecidos - movimento intelectual contra o poder aristocrático que
clamava por reformas liberais na Suíça.
Com a deflagração da Revolução Suíça,
tornou-se, em 1798, redator da “Folha Popular Helvética” (“Helvetisches
Volksblatt”), jornal que propunha a disseminação das ideias culturais,
educacionais e sociais da nova ordem política implantada.
As lutas pela independência e a
presença de tropas francesas intervencionistas de Napoleão Bonaparte
na Suíça deixaram
muitas crianças que vagavam sem pais, sem casa e sem
comida em torno do Lago de Lucerna.
Paralelamente à lide jornalística,
Pestalozzi dirigiu em Stans, em 1798, um instituto destinado a esses órfãos de
guerra.
O orfanato foi instalado em um convento
abandonado e a estrutura para seu funcionamento foi garantida pelo governo
suíço. Pestalozzi esboçou a instituição como uma família, com o propósito de
educar intelectual e moralmente os rapazes afiliados. Nessa experiência
pedagógica, desenvolveu os princípios fundamentais de seu ensino, o “método
intuitivo” e o “ensino mútuo” (CAMBI, 1999, p.417). Numa combinação entre as
atividades educacionais e o trabalho manual, Pestalozzi, além de professor,
posicionava-se ccomo pai das
crianças.
Em junho de 1799, porém, o invasor
francês solicitou o prédio para a instalação de um hospital. A instituição foi fechada - o que representou uma dura decepção
para Pestalozzi. Além das conjunções políticas, com a
população dividida diante da intervenção estrangeira - afinal o governo que Pestalozzi representava
apoiou a invasão francesa que massacrou uma rebelião local - e as contradições
religiosas, com a resistência católica contra uma administração laica e pública do orfanato, foram fatais para
seu insucesso (INCONTRI, 1997, p.85-6).
Acolhido por amigos nos Alpes, para
recobrar a saúde debilitada pelos desgastes da experiência, escreveu as “Cartas
de Stans” 1 (1996), com pensamentos acerca das questões pedagógicas
e revelações a respeito dos aspectos de seu cotidiano com as crianças, a
cumplicidade, os laços afetivos. Entre relatos contundentes e reflexões
comoventes, numa passagem, descreveu2:
Eu ficava desde a manhã
até a noite, praticamente sozinho
entre eles. (...) Cada
socorro, auxílio em cada sofrimento, cada lição que receberam, vinha
imediatamente de mim. Minha mão descansou em suas mãos, meus olhos repousaram
sobre os seus olhares. Minhas lágrimas escorriam com as deles, e meu sorriso acompanhado do deles. Eles
estavam fora do mundo, eles eram de Stans, eles estavam perto de mim e eu
estava perto deles. Sua sopa era a minha, a bebida era a minha bebida. Eu não
tinha nada, eu não tinha nem família nem amigos,
nem empregados em torno de mim, eu tinha eles. Quando
eles estavam em boa saúde,
eu estava entre eles, quando
eles estavam doentes,
1 Texto aqui utilizado: « Lettre de Stans » (1995).
2Tradução nossa a
partir da edição francesa: « J'étais, du matin jusqu'au soir, pratiquement seul
au milieu d'eux [...]. Chaque aide, chaque secours dans la détresse, chaque
leçon qu'ils recevaient, venait immédiatement de moi. Ma main reposait dans
leur main, mon regard était posé sur leur regard. Mes larmes coulaient avec les
leurs, et mon sourire accompagnait le leur. Ils étaient hors du monde, ils
étaient hors de Stans, ils étaient près de moi et j'étais près d'eux. Leur soupe était la mienne,
leur boisson était ma boisson.
Je n'avais rien, je n'avais
ni famille, ni amis, ni domestiques autour de moi, je
n'avais qu'eux. Lorsqu'ils étaient en bonne santé, je me tenais debout au
milieu d'eux; lorsqu'ils étaient malades, j'étais à leur chevet. Je dormais au milieu
d'eux [...]. Quand ils étaient couchés, je priais encore avec eux et je les
instruisais jusqu'à ce qu'ils fussent endormis : ils le voulaient ainsi.»
eu estava à beira do leito. Eu dormia no meio deles.
(...) Quando eles estavam
na cama, eu orava com eles e novamente transmitia ensinamentos até que eles
dormissem: e eles me pediam também (1996, p.21-2).
Em outro trecho
do documento, reitera suas crenças sociais:3
A
completa falta de educação escolar era precisamente o que me inquietava, no
mínimo; confiante nas forças da natureza humana que Deus igualmente depositou
nas crianças mais pobres e abandonadas, não somente tinha aprendido há muito
tempo pela minha experiência anterior que a natureza se desenvolve, no meio do
lamaçal da grosseria, da selvageria e da decadência, as disposições e as
habilidades mais sublimes, mas eu vi também em meus filhos que a força viva da
natureza vem de várias direções no meio de sua rudeza (1996, p.15-6).
A difícil experiência em Stans, no
entanto, reforçou e difundiu a imagem de Pestalozzi vinculada à pedagogia do amor, exemplo
da abnegação e da entrega,
valorizando o papel
social da educação. A pintura a seguir, em óleo sobre tela, datada de
1879, é de Konrad Grob (1828/1904), pintor suíço impressionista:
3"L’absence
totale d’instruction scolaire était d’ailleurs justement ce qui m’inquiétait le
moins; confiant dans les forces de la nature humaine
que Dieu a également déposées
dans les enfants
les plus pauvres
et les plus abandonnés, non
seulement j’avais appris depuis longtemps par mon expérience antériere que la
nature développe, au bear milieu de la fange de la grossièreté, de la
sauvagerie et du délabrement, les dispositions et les aptitudes les plus
sublimes, mais je voyais également chez mes enfants cette force vivante de la
nature surgir de toutes part au beau milieu de leur grossièreté »
3 A EXPERIÊNCIA EM BURGDOF E A DISSEMINAÇÃO DO MÉTODO
Contando com o apoio do ministro
Stápfer, um amigo e protetor, Pestalozzi obteve a licença para ensinar nas
escolas oficiais em Burgdof, próximo a Berna, em 1800. Recebeu um antigo
castelo do povoado e ainda contou com uma gratificação mensal do governo de 160
francos mensais (PESTALOZZI, 2003). Nesse ano, Stápefer e alguns admiradores de
Pestalozzi fundaram uma “Sociedade de Amigos da Educação”, que procurou ajudar,
de diferentes maneiras, o pedagogo, com o estudo
e aplicação de seu método,
intervenções junto ao Governo
e à sociedade para angariar recursos para a publicação de livros elementares,
entre outros apoios.
Em Burgdorf, Pestalozzi recebeu a
incumbência da Câmara Municipal para que ensinasse em uma escola infantil onde
eram assistidas vinte e cinco crianças. Ali o
professor experimentou seu método de instrução elementar.
Com a ajuda financeira recebida do Governo
suíço e de seus amigos, consagrou sua dedicação a uma escola normal para a
formação de professores - jornada que catapultou a influência de Pestalozzi
pela Europa.
Envolvido nesses empreendimentos,
Pestalozzi escreveu uma de suas obras primas, lançada em 1801, “Como ensina Gertrudes a seus filhos”
(“Wie Gertrud ibre Kinder Lehrt“)4, acentuando suas
preocupações com a questão da prática pedagógica e psicologização da educação.
A experiência em Burgdorf durou quatro anos, período em que esteve ausente em
duas ocasiões: primeiro, por ter sido nomeado deputado da representação suíça em
Paris (entre outubro de 1802 e fevereiro de 1803), depois, pela fundação de uma
escola em Yverdon. Nesses ínterins, o instituto foi dirigido por professores
próximos a Pestalozzi.
Na estada na França, em missão oficial,
tentou convencer Napoleão Bonaparte sobre a importância da educação elementar,
o que não despertou interesse no então cônsul da França, nem tampouco em seus
auxiliares diretos.
Os cinco anos de existência de Burgdorf
foram significativos. A instituição foi visitada por personalidades estrangeiras
- dentre elas, o filósofo alemão Johann Friedrich Herbart (1776/1841), fundador da pedagogia
como disciplina acadêmica. O modelo Burgdorf deu origem a outros similares na Europa.
4Tradução nossa a partir de
“Como enseña Gertrudis a sus hijos” (PESTALOZZI, 2004).
Experimentou ainda uma quinta e breve experiência pedagógica em Múnchenbuschee
(entre 1804 e 1805), nos moldes de Burgdorf, mas preferiu vender sua parte da
instituição a um colaborador: Féllenberg.
A partir dali, seguiu para Yverdon, no
Cantão de Vaud, onde instalou, num antigo castelo medieval, um Instituto - sua
mais longa experiência, permanecendo ali até 1825.
Foi nessa jornada que Pestalozzi melhor organizou seu
método educativo, com projeção internacional, recebendo a visita de importantes
personalidades.
Animosidades com alguns professores,
dificuldades financeiras, além do peso da idade – completou, em 1816, setenta
anos - levaram o Instituto ao declínio, que foi fechado em 1825.
O incorrigível professor
ainda empenhou recursos
da publicação de suas obras para
a instalação de um orfanato para crianças pobres; primeiro em Clynd, depois foi
trasladado para Yverdon, o que aprofundou suas dificuldades econômicas.
Em 1826, publicou sua autobiografia, o
“Canto do Cisne” (2003) e faleceu no ano seguinte, quando vivia em Neuhof.
4 ILUSTRAÇÃO E ROMANTISMO NA PEDAGOGIA DE PESTALOZZI
Johann
Heinrich Pestalozzi, embora
nascido do século XVIII (1746),
foi um pensador que viveu, absorveu e, efetivamente, contribuiu para a
construção da pedagogia contemporânea a partir das balizas da sociedade
industrial do século XIX.
Teórico liberal e filósofo político,
foi um reconhecido democrata, haja vista a homenagem da Assembleia Nacional
revolucionária, concedendo-lhe, em 1792 a cidadania francesa e a adesão à
República Helvética na Suíça em 1798.
Na esfera pedagógica, Johann Heinrich Pestalozzi foi um dos principais expoentes
da pedagogia romântica, revivendo as lutas travadas pelo ensino – os
sonhos, os projetos, a militância – e reativando uma noção espiritual da
educação, animada pelo “amor”.
Sua principal influência foi o filósofo
genebrino Jean-Jacques Rousseau, e conjugou também pressupostos de Immanuel
Kant (1724/1804) sobre a educação moral e a questão premente na consolidação da
modernidade - a laicização do ensino -, além dos de Johann Bernhard Basedow
(1724/1790), pensador social alemão que fundou, em 1774, o “Philanthropinum”,
ou "Escola de Filantropia”, educandário progressista que, apesar de um
trajeto relativamente curto (durou até 1793), exerceu influência significativa
em outras escolas do gênero na Alemanha e em outros países (MANACORDA, 2010, p.
299).
O Romantismo abarcou terrenos distintos
como a literatura, a filosofia, a arte, a historiografia, a música, além da
pedagogia. O espírito dessa “revolução cultural”, entoado pelas vozes mais
contestadoras do Iluminismo, como Rousseau e Kant, e também o ímpeto
transformador da Revolução Francesa, articulada à noção de liberdade,
consubstanciaram essa tendência contra a razão setecentista e sua centralização
no indivíduo. No bojo do sentimentalismo, que por vezes remetia suas raízes à
Europa cristã medieval, eram expostas críticas aos aspectos periféricos da
modernização (como o tecnicismo, a massificação e a exclusão).
Rousseau foi o grande inspirador dos
autores românticos. Efetivamente, foi o único pensador da Ilustração que não
focalizou a propriedade privada como direito inalienável, voltou-se contra
as injustiças sociais
da época e fundamentou a categoria da “vontade geral”, cerne da definição do corpo civil
e da constituição da moderna democracia (ROUSSEAU, 2003).
Suíço de origem humilde, Jean-Jacques
Rousseau nasceu em Genebra em 1712 - um dos quinze filhos de um relojoeiro. O
mundo das letras nos tempos do Iluminismo era marcado pela presença de
intelectuais oriundos de abastadas famílias burguesas, como Voltaire
(1694/1778) dentre outros. Mesmo com condição social inferior, e também avesso
às cortes, demarcou um campo mais progressista no projeto político das luzes.
No “Discurso sobre a origem
e fundamentos da desigualdade entre os homens”,
texto que assinala sua posição, acentuou:
Concebo na espécie humana duas formas de desigualdade: uma a que
chamarei natural ou física, porque é estabelecida pela natureza e que consiste
na diferença de idade, de saúde, de força corporal e de qualidades do espírito
ou da alma; outra que se pode chamar desigualdade moral ou política, porque
depende de uma espécie de convenção e porque é estabelecida, ou pelo menos
autorizada, pelo consentimento dos homens. Esta consiste nos privilégios de que
gozam alguns em prejuízo dos outros, como o ser-se mais rico, mais honrado,
mais poderoso que os outros, ou mesmo o fazer-se obedecer por eles (1976,
p.15).
Sua principal obra na literatura
pedagógica foi “Emílio ou Da Educação” (1999), referência nas análises da
educação moderna, que conjugada com o romance “Júlia ou Nova Heloísa” (1994),
trabalho que teorizou sobre a reforma da família a partir da ênfase no amor e
na virtude, e com o clássico “Do Contrato Social” (2003) - os três textos,
produzidos num espaço de quinze meses (entre
1761 e 1762) - apresentam a filosofia política
e a educacional, em estreita conexão, do pensamento rousseauniano.
Embora muitas vezes analisadas
separadamente, com a ênfase em suas ideias políticas e a minimização de sua
contribuição no debate educacional, política e pedagogia são complementares:
uma é o pressuposto e o complemento da outra.
O aspecto central
de “Emílio” é o romanceamento do crescimento de um jovem em que Rousseau constrói a aplicação
de uma educação considerada ideal do homem natural – e não o homem cidadão
corrompido pela sociedade. Afastado do convívio
coletivo e acompanhado de um preceptor ideal,
a educação deve ocorrer de modo “natural”, possibilitando um retorno às faculdades originais, afastado
da escravidão, livre das convenções sociais e hábitos exteriores. Trata-se,
dessa forma, da valorização das necessidades espontâneas da criança e do
processo livre de crescimento.
O espírito dessas regras está em conceder às crianças mais liberdade
verdadeira e menos voluntariedade, em deixá-las com que façam mais por si
mesmas e exijam menos dos outros. Assim, acostumando-se desde cedo a subordinar
seus desejos às suas forças, elas sentirão pouco a privação do que não estiver
em seu poder (id, op. cit., p.47).
Em aprofundamento às questões do “Contrato Social”,
o escopo da proposta social do
“Emílio” é a apresentação de uma alternativa para a reforma ética e política da
sociedade: “Saindo de minhas mãos, ele não será, concordo, nem magistrado, nem
soldado, nem padre; será primeiramente um homem” (Id, p.15).
Rousseau, já no início da obra, estabelece
seu desafio intelectual: “(...) Nosso verdadeiro estudo é o da condição
humana”. A pedagogia remete, portanto, à integração do homem à sociedade moral,
e os objetivos propostos da educação são inseparáveis dos da filosofia, da
política e da religião: “Nascemos fracos, precisamos de força; nascemos
desprovidos de tudo, temos necessidade de assistência; nascemos estúpidos,
precisamos de juízo. Tudo o que não temos ao nascer, e de que precisamos
adultos, é nos dado pela educação” (Id, p.9).
O filósofo genebrino operou a chamada
“revolução copernicana” na pedagogia – referência ao estudioso polonês Nicolau
Copérnico que inverteu o centro do sistema astronômico - ao ressaltar
a criança como centro de sua teorização, com suas especificidades essenciais:
[...] a educação
começa com a vida. Ao nascer, a criança já é discípulo, não do governante e sim da natureza. Nascemos capazes de aprender, mas não
sabendo nada, não conhecendo nada. A alma, acorrentada a seus órgãos
imperfeitos e semiformados, não tem sequer o sentimento da própria existência
(id, p.44).
O alcance de “Emílio”, embasado na
proposta do modelo da educação libertária e natural, remete para a constituição
do cidadão, homem ativo e soberano
capaz de almejar a liberdade. Por outro lado, é também súdito, na medida em que
se submete às leis que ele mesmo contribuiu para a constituição.
Franco Cambi, historiador italiano da
educação, destacou as três contribuições mais decisivas de Rousseau à pedagogia
(1999, p.346-7): a descoberta da infância como idade autônoma, dotada de
características específicas; o elo entre motivação e aprendizado, colocado no
centro da formação intelectual do Emílio, e que exige a premissa de que, no
ensino de qualquer noção, é necessária a referência precisa a sua experiência
concreta; e a atenção do educador quanto ao equilíbrio entre liberdade e
autoridade, no cuidado para que a aprendizagem “natural” não signifique mero
espontaneísmo da criança.
A partir do Iluminismo, a consolidação
do individualismo da sociedade liberal burguesa foi paradigmática, mas, por
outro lado, em diversos campos, inclusive na pedagogia, emergiram reflexões
sobre as finalidades sociais da educação, a inserção da criança na sociedade, a questão da cidadania. Os projetos educacionais se tornavam nacionais e a expansão das escolas
públicas foi notável, com ênfase na educação básica e elementar –
diferentemente dos enfoques verificados até então nos níveis secundário e superior.
O pensamento de Jean-Jacques Rousseau
fundamentou as proposições dos românticos do
século XIX, principalmente na Alemanha, sobretudo nos aspectos que tangem o
sentimento da natureza, a busca pela solidão
e a defesa de que todos os homens nascem
livres, sendo que a liberdade faz parte da natureza.
Na pedagogia, o período romântico
produziu uma renovação teórica que ativou uma ideia de formação (o
desenvolvimento espiritual por meio da cultura); vinculada a uma nova concepção de espírito humano (posto
como centro do mundo, como presença ativa) e uma reafirmação da educação, da
relação educativa, da escola e da família como momentos centrais da formação
humana (CAMBI, op. cit., p.415).
5 CONCEPÇÕES PESTALOZZIANAS
Johann Henrich Pestalozzi foi um
pensador que buscou, como poucos, a articulação entre as teorias e as práticas,
acreditando com vigor no papel da educação pública, e que a renovação do ensino
era fundamentalmente uma questão social.
Quando Rousseau apresentou seus
postulados em educação, a Europa estava em transição - uma sociedade organizada
nos moldes de um capitalismo pré-industrial, e suas
ideias foram concebidas naqueles limites. Um importante
avanço e diferencial de Pestalozzi foi o esforço efetivo para a implantação de
uma nova pedagogia, com suas intuições acerca da psicologia da criança e na
didática - seguramente, postulados e experiências que deram um importante
impulso para a educação do século XIX.
A premissa fundamental do pensamento pestalozziano é a existência de uma natureza, uma essência humana,
independente da categoria social ou de circunstâncias externas. Na trilha do
contratualismo de Rousseau, a ideia de uma condição do homem que almeja a
realização da felicidade possível, permeada pela paz interior que todos
anseiam. A educação verdadeira,
acreditava ele, é a educação segundo a natureza, que conduz por sua essência a
aspiração à perfeição, à realização de todas as faculdades.
Como apresentado, ao longo de sua vida
insistiu na educação elementar, com um interesse especial no ensino das
crianças pobres. Em “Carta sobre educação infantil” 5, Pestalozzi
reitera, como bom rousseauniano, sua crença no ser humano e a pureza contida
nas crianças:
Em minha última carta, expus minha sincera convicção de que, na
criança, se dá uma disposição que, com a ajuda divina, pode capacitá-la a
cumprir - e não com o objetivo de distinguir-se com isso entre as demais
pessoas - o máximo mandamento de seu Criador, isto é: caminhar sob a luz da fé,
com o coração pleno daquela caridade sobre a qual está escrito que ‘tudo
tolera, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. A caridade jamais acabará’ (I Coríntios,
13,7-8). A esta disposição, tal como se manifesta no primeiro estágio da vida
humana, eu a tenho chamado de capacidade de amor e de fé (2003b, p.26).
Avesso
ao ensino autoritário tradicional, acreditava que o estímulo
era suficiente para o desenvolvimento espontâneo da
criança - uma psicologia infantil ainda incipiente e permeada pelo Romantismo.
Ainda nesse texto, enfatizou sua crença no papel da educação para a busca da felicidade:
Se passarmos a considerar o homem como ser individual, há que se afirmar
que a educação deveria fazê-lo feliz.
O sentimento de felicidade não nasce de circunstâncias externas; é um estado de
alma caracterizado pela consciência de harmonia entre o mundo interior e o
exterior. Impõe aos desejos, os limites que lhes correspondem, e assinala às
faculdades do homem os objetivos mais elevados. Pois feliz o é aquele que é
capaz de acomodar suas necessidades aos meios de que dispõe e de renunciar aos
desejos pessoais e egoístas, sem perder por isso, sua alegria e sua paz [...].
(Id., p.131-2).
5Tradução nossa a partir da edição espanhola:
“Cartas sobre la educación de los niños.” (2003c)
Em 1801, como mencionado, “Como
Gertrudes ensina a seus filhos”
(2003b) foi uma de suas principais obras na pedagogia,
organizada em forma de cartas. Nesses escritos, focalizou o papel da mãe na
vida da criança, sustentando que o amor a humanidade é aprendido com o
aconchego materno, que deposita em seu coração os gérmens do amor por todo o
ser humano. A rigor, no sistema pestalozziano, a mãe da família é o tipo e o
modelo natural da educação, compreendido em seu verdadeiro sentido6:
A obediência e o amor, a gratidão e a confiança reunidas, fazem brotar
na criança os primeiros gérmens da consciência. Ele começa a sentir, muito
vagamente no princípio que, não é justo ter raiva contra sua mãe que o ama. Ele começa a sentir vagamente que sua
mãe não é única no mundo e somente para ele. Ele desperta
a primeira tênue sombra do vago sentimento de que o mundo
não existe só para ele, e com esse sentimento nasce também outro:
que ele mesmo não existe no mundo, só por si; é a primeira e vaga ideia do
dever e de direito, que começa a germinar. Estas são as primeiras
características fundamentais do desenvolvimento da personalidade. Eles surgem das relações naturais
que existem entre a mãe e o filho que cria (op. cit., p.142).
Pestalozzi não idolatrava a priori uma ingenuidade infantil. Sua
concepção de natureza humana operava numa dupla percepção, uma natureza animal
e outra, ao mesmo tempo espiritual - uma natureza inferior e outra melhor. E o
amor materno é a força mais poderosa para dominar esses sentimentos primitivos
do homem.
Em “Cartas de Stans” reitera a
importância da família - fundamento de toda a educação por ser o espaço do
afeto e do trabalho comum:7
Minha convicção e meu objetivo eram um só. Na verdade, eu pretendia
provar, com minha experiência, que as vantagens da educação familiar devem ser reproduzidas pela educação pública
e que a segunda só tem valor para a humanidade se imitar a primeira. Aos meus olhos,
ensino escolar que não abranja todo o Espírito, como
exige a educação do homem, e que não seja construído sobre a totalidade viva
das relações familiares, conduz
6Tradução nossa a partir da obra em espanhol: «La obediencia y el amor, la gratitud
y la confianza reunidas, hacen brotar en el niño los primeros
gérmenes de la conciencia. Él comienza a sentir, muy vagamente al principio
que, no es justo rabiar contra su madre que lo ama. Él comienza a sentir
vagamente que su madre no está en el mundo única y solamente para él. En él se
despierta la primera tenue sombra del vago sentimiento de que no existes todo
el mundo para él, y con este sentimiento nace también este otro: que él mismo
no existe en el mundo, únicamente
para si; es la primera y vaga idea del deber y del derecho, que principia a
germinar. Éstos son los primeros rasgos fundamentales del desarrollo de la
personalidad. Ellos nacen de las relaciones naturales que se establecen entre
la madre y su hijo que cría.»
7Tradução nossa a
partir do francês: « En fait, je voulais prouverpar mon expérience, que les
avantages de l'éducation familiale devrai têtre joué parl'éducation du publicet
la seconden'a de valeur quepour l'humanitéà imiterle premier. A mes yeux, la scolarisation necouvrent pas la totalitéde l'Esprit, tel que requis parl'éducation de l'homme, et qui n'est pas construit sur la totalité vivante
des relations familiales ne conduit qu'à une méthode artificielle de retrait de
nos espèces. Chaque bonne éducation exige que l'œil moniteur maternelle, à
l'intérieur de la maison, chaque jour, chaque heure, chaque changement dans
l'état de l'âmede votre enfant, de le lire en toute sécurité dans vosyeux,
votre bouche, sur son front ».
apenas a um método artificial de encolhimento de nossa espécie.
Toda a boa educação exige que o olho materno acompanhe, dentro do lar,
a cada dia, a cada hora, toda a
mudança no estado de alma de seu filho, lendo-o com segurança nos seus olhos,
na sua boca, na sua fronte (op. cit., p.18).
Portanto, Pestalozzi concebia a
educação escolar como complemento da educação doméstica e a preparação para a
educação para a vida.
Com uma pedagogia fundamentada no
“espírito da benevolência e da firmeza”, buscava a elevação do homem a uma
dignidade espiritual. Mas, firmeza em Pestalozzi não pode ser confundida com a
educação repressiva dos métodos tradicionais de ensino que ele refutava.
Pestalozzi enfatizava as conexões
entre a pedagogia e sociedade pela disciplina e pelo
trabalho, bem como a formação do homem, vista como exercício de liberdade, e da
participação na vida coletiva, econômica e social.
Esse enfoque na liberdade, verificado
posteriormente nas formulações políticas e pedagógicas de Fichte (que se tornou
reitor da Universidade de Berlim - a primeira
instituição universitária dita contemporânea) e em Fröebel, buscou
caracterizar a função sociopolítica e ideológica da educação, cujas ações devem
emancipar e integrar o sujeito, responsável na sociedade industrial e liberal a
caminho. Na Alemanha, a reformulação da escola elementar (cujas tradições
remontavam a Lutero) foi efetuada por influências de Pestalozzi.
Pestalozzi valorizou a religião como
princípio universal, comum a todos os ramos da educação, posto que seus atos
reproduzem o pensamento e a presença da divindade. Mas é importante assinalar
que, tanto Pestalozzi quanto Rousseau, em que pese a origem em um país
protestante - a Suíça - palco de importantes reformas religiosas, adotavam a
posição filosófica do “deísmo” - postura que admite um Deus criador, sem negar,
no entanto, a realidade do mundo regido pelas leis naturais,
captadas pela razão científica. Seus postulados
para a educação são de um tipo de religiosidade íntima, não confessional e não
submetida a dogmas e seitas.
A educação pestalozziana é
primordialmente moral e lógica - princípio vital de seu sistema. O indivíduo é
um todo, cujas partes devem ser cultivadas e a unidade espírito- coração-mão é
análoga à tríplice atividade conhecer-querer-agir, por meio da qual ocorre o
aprimoramento da inteligência, da moral e da técnica (ARANHA, 2006, p.211). A
educação deve ser essencialmente prática, focada na existência e empregada em todas as circunstâncias
da vida.
Na didática, Pestalozzi desenvolveu o método intuitivo, em que a aprendizagem é um
produto da observação e da percepção, ou seja, é a visão
mental ou a faculdade de ver e
discernir o que não pode perceber por meio dos sentidos. A
criança parte da observação de um objeto - pelos sentidos, alimenta a intuição
(ou a mente) de conteúdos, permitindo a formulação de hipóteses, ou seja, a
produção do conhecimento. O método é denominado como "intuitivo” diante da
premissa de que a intuição é uma parte ativa da mente, que age diante das
sensações.
Em oposição ao ensino livresco, o
método intuitivo parte do pressuposto de que toda educação começa pelos
sentidos. Em “Livros de Educação Elementar” (2003d), Pestalozzi escreve o
prefácio dirigido às mães, recomendando a atenção especial aos sentidos: 8
Eu poderia parar por aqui, mas eu ainda imploro aos meus leitores a
considerar algumas advertências relativas aos sentidos, especialmente aquelas
relacionadas à visão, audição e tato, bem como aqueles relativos à linguagem,
para tomá-los como parte do prefácio e, como propósito de facilitar a
implementação dos mesmos. [...] (2003, p.255).
O livro é composto de três textos,
“Livro das Mães”, “ABC da Intuição” e “Doutrina da visão das relações dos
números”. Ao explanar sobre a melhor forma do ensino da geometria, assinalou9:
Primeiro, que é absolutamente necessário fazer com que as crianças
delineiem, até fazê-lo com perfeição. [...] Em segundo
lugar, o desenho
das crianças deve reproduzir precisamente as figuras indicadas pelo
professor. [...] Em terceiro lugar, que deve pedir-lhes que façam combinações,
para alimentar sua imaginação. (id., p.255).
A intuição é o princípio, a base e o
meio da instrução. A educação, teorizava, deve empregar todos os meios que
favoreçam a intuição, oferecendo ao aluno uma visão clara e distinta do que se
ensina. Nessa lógica, o foco fundamental do ensino não é a simples transmissão
do conhecimento, mas o desenvolvimento da inteligência do aluno. A educação
deve ser gradual e progressiva, e o ensino começa pelo mais simples, avançando,
de acordo com o desenvolvimento da criança, para o mais completo.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
8Adaptação a partir do título em español: “Libros
de educación Elemental (Prólogos). Tradução da passagem: “Yo podría detenerme aquí, pero quiero
rogar aún a mis lectores que consideren algunas advertencias relativas a los
sentidos, especialmente las que se refieren a la vista, al oído y al tacto, así
como las que se refieren al lenguaje, para que las tengan como parte de este
prefacio y como a propósito para facilitar la aplicación de ellas”.
9Idem: “Primero, que
es absolutamente necesario hacer que los niños delineen, hasta hacerlo a la
perfeição. [...] Segundo, que el dibujo de los niños se ha de reducir
precisamente a las figuras indicadas por el maestro. [...]. Tercero, que se les
debe pedir que hagan luego combinaciones, para avivar su fantasía.”
No “Canto do cisne”, último desabafo do militante
incansável pela educação popular, Pestalozzi diz:
Meu caráter juvenil
era, como já disse, sentimental, poderosamente afetado
pela impressão dos acontecimentos de cada instante; e isto me levava a
trabalhar com precipitação e irreflexão. Eu vim ao mundo unicamente desde as limitações do lugar de minha mãe e as limitações não
menores da vida em minha escola; a vida real das pessoas eram, para mim, quase
tão estranhas como se eu não vivesse no mundo em que vivia. Acreditava que
todas as pessoas eram tão bondosas e confiáveis ao menos como eu mesmo; como o qual, naturalmente, desde
meus ternos anos fui a vítima de todos aqueles que quiseram me fazer objeto de
suas artimanhas (2003, p.229).
Em vida, Pestalozzi sofreu muitas vezes
com a incompreensão e a oposição ferrenha de críticos. A ênfase e o
reconhecimento da importância das crianças muitas vezes foram confundidos pelos
conservadores com a “valorização das classes inferiores” (MANACORDA, 2010,
p.318-9).
Quando faleceu, seus restos mortais
foram levados ao cemitério de Birr e carregados pelos ombros de seus
discípulos. Em 1846 o governo de Argóvia construiu um monumento funerário com a
inscrição10:
AO
PAI PESTALOZZI
Aqui repousa
Henrique Pestalozzi.
Nascido em
Zurique a 17 de janeiro de 1746. Morto em Brugg, a 17 de fevereiro de 1827.
Salvador dos pobres em Neuhof;
Pregador do povo
em Leonardo e Gertrudes; Pai dos órfãos em Stans;
Em Bugdorfe em
Münchenbuschee. Fundador da nova escola popular; Preceptor da humanidade em
Yverdun. Homem, cristão, cidadão.
Tudo para os outros,
para si nada. Bendito seja seu nome.
A Argovia
reconhecida MDCCCXLVI
Entre o final do século XIX e o início
do XX, o movimento escolanovista, também chamado como “Escola Ativa” ou “Escola
Progressista”, teve grande repercussão na renovação do ensino na Europa, nos
Estados Unidos e no Brasil, introduzido aqui por Rui Barbosa (1849/1923). As
transformações do capitalismo, advindas com o avanço urbano e industrial,
exigiam uma preparação mais sofisticada, e a educação foi percebida como o
elemento central para esse desenvolvimento.
10 Tradução nossa a
partir da edição em espanhol: Pestalozzi, 2003b, p.26.
Imbuídos das noções de igualdade entre
os homens e do ideal do acesso universal ao ensino, os intelectuais militaram
por um sistema educacional público, livre e democrático - um meio efetivo no
combate às desigualdades sociais.
O suíço Johann Heinrich Pestalozzi foi
um dos pensadores que mais inspiraram essa renovação do ensino, bem como seu discípulo Fröebel,
o filósofo estadunidense John Dewey, o
psicólogo genebrino Edouard Claparèd, dentre outros.
REFERÊNCIAS
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da educação. 3.ed. São Paulo:
Moderna, 2006.
CAMBI, Franco. História
da pedagogia. São Paulo: Editora Unesp, 1999.
CHÂTEAU, Jean. Os grandes pedagogistas. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1978.
CONDORCET, Jean-Antoine-Nicolas de Caritat,
Marquis de. Cinco memórias sobre a
instrução pública. São Paulo: Editora da Unesp, 2008.
FICHTE, Johann G. Por uma universidade orgânica: plano
dedutivo de uma instituição de ensino superior a ser edificada em Berlim, que
esteja estreitamente associada a uma Academia de Ciências. Rio de Janeiro:
EdUERJ, 1999.
INCONTRI, Dora. Pestalozzi: Educação e ética. São Paulo:
Editora Scipione, 1997.
MANACORDA, Mário A. História da educação: da antiguidade aos nossos dias. 13.ed. São Paulo: Cortez, 2010.
PESTALOZZI, Johann Heinrich. Mes recherches sur la marche de la nature
dans l’évolution du genre humain. Lausanne: Editions Payot, 1994.
. Cartas sobre educación infantil. Madrid:
Editorial Tecnos, 1988.
. El canto del cisne. Barcelona: Laertes,
S.A. de Ediciones, 2003a.
. Como Enseña Gertrudis a sus hijos.
México, DF: Editorial Porrua, 2003b.
. Cartas sobre la educación de los niños.
México, DF: Editorial Porrua, 2003c.
. Libros de educación elemental. Prólogos.
México, DF: Editorial Porrua, 2003d
. Leonard and Gertrude. Boston: J. S.
Cushing& Co., 1891.
. Lettre de Stans. Genève: Editions Zoé, 1996.
. Sobre legislación e infanticidio (1780-1783).
Barcelona: Herder, 2002.
. La velada de un solitario y otros escritos.
Barcelona: Herder, 2001.
ROUSSEAU Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os
homens. São Paulo: Nova Cultural, 1997.
. Do Contrato Social. São Paulo: Martin
Claret, 2003.
. Emílio ou Da Educação. 2. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1999.
. Júlia ou A Nova Heloísa. Tradução:
Fúlvia Moretto. Campinas: Hucitec, 1994. SOËTARD, Michel. Pestalozzi. Brasília: Ministério da Educação, 2010.
HISTORY of
Switzerland. Disponível em: <http://history-switzerland.geschichte-
schweiz.ch/>.
Acesso em: 20 mar.2012.
SOBRE O AUTOR
Anderson
Claytom Ferreira Brettas é Doutor em Educação pela Universidade Federal de
Uberlândia com pós-doutorado em História da América Latina
na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
e na Universidad del Magdalena, na Colômbia. Mestre em Educação, graduado em
Ciências Sociais e em História, é professor efetivo do Instituto Federal do
Triângulo Mineiro, campus Uberaba.
Recebido em 03 de setembro de 2018 Aprovado em 30 de novembro de 20
Fonte:http://www.revistasdigitais.uniube.br/index.php/rpd/article/view/1216/1415
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