VAMOS TODOS PARA A HORTA!

 

 
 

24 de abril de 2021

 

Vamos todos para a horta!


“Precisamos entender de uma vez por todas que tão imprescindível quanto ter um tecto para viver é ter um espaço para plantar a nossa comida. Por que é que temos acesso fácil a transportes e às facilidades da vida urbana e não a uma alface, uma árvore frutífera da qual podemos apanhar alguns alimentos?”. É uma pergunta simples, mas revolucionária, de Ron Finley, que se tornou conhecido como o “jardineiro gangster”, e que Rafael Tonon chama à baila num grande trabalho que nos leva por "uma revolução" que "brota nas cidades": "os portugueses põem mãos à horta". Uma tendência crescente nos últimos anos, a das hortas urbanas, particulares ou comunitárias, e que a pandemia parece ter tornado ainda mais premente. Tonon leva-nos por vários grandes projectos no mundo, até a "florestas alimentares urbanas", incluindo verdejantes passagens pelos incríveis projectos de hortas no Porto e Cascais. É graças a estes rurais urbanos que em 2022 um grupo de hortelões da cidade poderá provar a safra de 2019 de um Carcavelos produzido com as uvas cultivadas por eles. Das Terras de Cascais, via Quinta do Pisão, já chegam legumes e verduras às mesas do hotel Albatroz e às mãos do chef Frederic Breitenbucher. "É muito interessante ter uma iniciativa que permite beneficiar tanto o restaurador quanto o consumidor final", diz o cozinheiro. É tempo de meter os olhos à obra neste artigo imperdível e está visto que temos que meter todos as mãos à horta.

Foi, aliás, o que também fizeram Rui e Marília Borralho, e, uma vez mais, eis uma "revolução" mais particular causada pela pandemia. O casal tinha investido tudo num negócio de alojamento local, com vários espaços. Com a pandemia, “em 15 dias, as reservas foram canceladas e todos se esvaziaram”, contam à Mara Gonçalves, que foi conversar com eles porque deram a volta a essa derrapagem sentida por tantos empresários do sector dos alojamentos (e do Turismo em geral). É que Rui e Marília tiveram então tempo de olhar para a horta de graça, que já existia “pela graça de ter” alguns produtos para os hóspedes, e tornaram esta "decoração" viva o epicentro do seu negócio e da sua vida. Dedicaram-se à agricultura: multiplicaram a horta e começaram a vender os produtos em cabazes, sempre cultivados sem agroquímicos. E daí cresceram e pensaram: à falta de mais terra, que tal criar parcerias com proprietários de terras que não estavam a ser utilizadas? Nasceu assim a NaturHortas, uma espécie de Airbnb das hortas. Realmente, nada se perde, tudo se transforma. Uma história inspiradora e que deita muitas sementes à terra.

Mas as revoluções em tempos de pandemia não se ficam por aqui. Pelo Porto, também Vasco Coelho Santos, num duelo com a crise, decidiu “dar um passo”, que, conta Luís Octávio Costa, são muitos passos em frente. Com tudo meio parado, pegou na sala dos fundos do Semea by Euskalduna e transformou-a numa padaria, preparando-se para abrir uma peixaria onde a peixeira será um chef. Para já, temos uma "mina de pão quente". De trigo, de centeio, brioche, folar, baguetes, buns, entre muitas outras experiências. “Não quero que seja uma coisa monótona. Também é chato para quem está a fazer. Aqui é um ensaio daquilo que poderá vir a ser” a padaria, avança Gil Fortuna, que está à frente do projecto e que tem longa história nas farinhas: começou aos 12 anos, inspirado pela avó Ana.

E, em fim-de-semana de celebrações do 25 de Abril (a propósito, o nosso leitor Luís Pires evoca os passos de Salgueiro Maia aqui), parece mesmo que o espírito da revolução tomou conta de nós. Talvez seja algo que anda no ar. Veja-se que também damos um salto, via Bárbara Wong, ao restaurante lisboeta Bômau, nascido graças ao casal Kanan e Vijay Jayachandran, arquitectos de profissão, mas foodies de coração. Viveram metade da vida na Índia, outra metade nos EUA e chegaram a Lisboa em 2019 com um projecto social: precisamente este restaurante onde os empregados podem ser sócios e, por aqui, tanto servem à mesa como cozinham e escolhem o que querem oferecer aos clientes. Uma cozinha sustentável onde se produz tudo, nada de enlatados ou engarrafados, dizem. Sliders wraps, pratos com inspirações do mundo, mas também peixinhos da horta ou um cupcake de limão com sementes de papoila que nos ficou debaixo de olho...

Damos ainda um salto a Santarém, para descobrir o que anda a fazer Rodrigo Castelo enquanto conta os dias para reabrir a sua afamada Taberna Ó Balcão. Surpresa (ou não): anda a virar frangos. E na Galinha da Vizinha, garante Edgardo Pacheco, são mesmo bons. É uma casa "para os amantes do churrasco se divertirem". 

Se é carne a mais para si, voltemos à horta: também temos uma Ameaça Vegetal. É um restaurante virtual para take-away da autoria do chef Diogo Noronha (que fechou o Pesca no Verão) que traz uma "proposta flexitariana, ou seja, já um semivegetarianismo, que permite carne e peixe mas em menor quantidade". Há muito por onde escolher, até uma Sanduíche de Couve-Flor ou uma Sopa de Batata Doce e um Bisque de Camarão. Mas sendo virtual tem também casa: no seu espaço na Penha de França podem visitar-se exposições e comprar produtos e o projecto mete ainda artes várias e uma rádio.

Há ideias assim, sem preço. Ou será que tudo tem um preço? O melhor será pensarmos acompanhando o pensamento de MEC. "O preço pode ser só um número mas quem diz “só um número” não percebe nada de seres humanos e da nossa capacidade para dar significado a todas as coisas". E sendo que isto anda tudo à volta das histórias de três nêsperas, e da sua qualidade e valor, o melhor é mesmo ler o cronista do Gato das Botas, sempre impagável. 

Naturalmente, que, especialmente por estes dias, há mais gente preocupada tanto com qualidades como dinheiros. É o caso de Pedro Garcias: lembrando que é "incontestável" que "Portugal nunca fez tão bons vinhos como hoje", analisa também um dos grandes problemas do vinho português: "o seu baixo preço médio por litro". "Libertar o país da castradora imagem de produzir vinhos bons e baratos é o grande salto que falta dar", escreve, num fim-de-semana em que o Portugal do vinho vai estar à prova, numa organização conjunta do PÚBLICO com a revista Grandes Escolhas. A propósito, para espreitar este grande evento - que, começou ontem - e inclui provas e muitas conversas sobre vinho siga para aqui (e continuando no domínio do "preço do dinheiro": é de entrada virtual paga, com descontos para assinantes).

Se quer é esquecer o dinheiro, até os vinhos e comidas, o melhor é dar um passeio, nem que seja, por agora, com os olhos: vamos dar um passeio ilustrado pelos Açores graças à boa vontade de Tomás Reis, arquitecto e sketcher. Leva-nos às voltas pelo Faial, Pico, São Jorge, contando as suas deambulações e ilustrando-as. E na nossa cabeça continua a ecoar a sua proposta final: "Ainda no Peter, pergunto quanto tempo leva ir ao outro lado do mar. Das Caraíbas até ali são duas a três semanas; até à Europa são sete a dez dias. Fechados em casa, num ou noutro confinamento, é como se soubéssemos o que isso é. Saibamos reencontrar-nos, na Horta ou noutro lugar, como quem pinta no cais e parte à descoberta". 

Fonte:https://www.publico.pt/?utm_term=Fugas+-+Vamos+para+a+horta%2C+todos+para+a+horta&utm_campaign=58&utm_source=e-goi&utm_medium=email


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