Pobreza extrema na América Latina será a mais alta em 20 anos
por causa do coronavírus
Um em cada três latino-americanos vive em situação de pobreza e 80% são vulneráveis, segundo a CEPAL. A covid-19 agrava as históricas desigualdades estruturais da região
A pandemia da covid-19 aprofundou as já enormes desigualdades
estruturais da América Latina e do Caribe. Num momento de
“elevada incerteza, em que ainda não estão delineadas nem a forma nem a
velocidade de saída da crise”, a Comissão Econômica para a América
Latina e o Caribe (CEPAL) calcula que a pobreza extrema, a forma
mais intensa de escassez, na qual nem as necessidades básicas são cobertas,
terá chegado ao nível mais alto desde 2000. Um em cada oito latino-americanos
(12,5%) vive agora nessa situação, mais de um ponto percentual a mais que há um
ano, quando a crise de saúde era uma opção remota, e quase cinco pontos a mais
que em 2014, quando a cifra atingiu seu ponto histórico mais baixo (7,8% da
população). Antes da covid-19, a porcentagem de pessoas nessa situação já vinha
crescendo de forma contínua havia cinco anos. O vírus, no entanto, foi a gota
d’água para desatar essa preocupante tendência.
As medidas de proteção social de
emergência adotadas em praticamente toda a região contribuíram
para aliviar o duríssimo golpe do coronavírus sobre as sempre voláteis
estruturas econômicas e sociais latino-americanas. Mas não impediu um aumento
igualmente notável da pobreza moderada, que no final de 2020 afetava um em cada
três habitantes da região (33,7%), mais de três pontos percentuais a mais que
um ano antes. É preciso voltar a 2006, auge do “superciclo” das
matérias-primas, que permitiu que vários Governos latino-americanos
implementassem uma inédita série de medidas sociais, possibilitando uma
drástica melhora na qualidade de vida para milhões de pessoas, que ampliaram a
base da classe média.
A região da América
Latina e Caribe é uma das mais afetadas pelo
coronavírus, tanto em número de casos como de mortes. Com pouco mais
de 8% da população mundial, contabilizava até dezembro de 2020 quase 20% dos
contágios e mais de 25% de mortes em escala global. Cifras “tremendas”, nas
palavras da secretária-executiva do organismo, Alicia Bárcena. A tragédia levou a uma crise
econômica e social sem precedentes, agravada por problemas históricos como a
inequidade (a região continua sendo a mais desigual do mundo), a informalidade no trabalho (indicador
em que também é líder global), a desproteção social e a vulnerabilidade. Um
terreno fértil que amplifica qualquer choque e seus efeitos negativos sobre as
camadas menos favorecidas da sociedade, como afirma o Panorama Social 2020,
apresentado nesta quinta-feira em Santiago (Chile) pelo braço das Nações Unidas para
o desenvolvimento latino-americano.
Com uma curva
demográfica que ainda esboça uma inclinação positiva, em termos absolutos as
cifras são ainda mais impactantes. Segundo a CEPAL, o número total de pessoas
pobres chegou a 209 milhões no final de 2020, 22 milhões a mais que no final do
ano anterior. Desse total, 78 milhões estavam em situação de extrema pobreza,
oito milhões a mais que em 2019.
Oito em cada 10
latino-americanos vivem hoje em situação de vulnerabilidade, com renda
equivalente a três ou menos de três salários mínimos. Todas essas
tendências se intensificam nas zonas rurais e
nas de maior prevalência de população indígena.
Adeus à ascensão social
A maioria dos
países latino-americanos enfrentará forte deterioração distributiva, um flanco
sempre sensível na região: os que mais sofreram estão sofrendo ou sofrerão as
devastações da pandemia serão os que partiram de uma situação
pior. “Como sempre, os grandes perdedores são os pobres”, resumiu a
chefa da CEPAL na coletiva em que o relatório foi apresentado.
A perda de postos de trabalho e
a redução de renda serão maiores nas camadas de renda baixa, assim como no
setor informal e na população mais jovem.
Já as camadas de renda média sofrerão o sempre temido processo de mobilidade
descendente: retornar ao ponto de partida nunca é tão rápido quanto ser
deslocado dele. O relatório tem uma explicação para esse fenômeno: na América
Latina e no Caribe, as famílias das camadas médias e da parte superior das
camadas baixas não costumam ser destinatárias das políticas e dos programas de
proteção social, e a maior parte de sua renda vem do trabalho, um dos flancos
mais atingidos.
A CEPAL estima que,
entre 2019 e 2020, as camadas de baixa renda aumentaram 4,5 pontos percentuais
(cerca de 28 milhões de pessoas a mais) e as de renda média se contraíram numa
proporção similar (-4,1 pontos percentuais, ou seja, 25 milhões de pessoas a
menos).
Ao contrário de
outras regiões, a porcentagem de trabalhadores latino-americanos que podem realizar trabalho remoto é
muito baixa: para a maior parte dos empregados, o teletrabalho simplesmente não é uma opção.
“A região já vinha
com sete anos de baixo crescimento”, afirmou Bárcena, um ano após a
identificação do “paciente zero” de coronavírus nesta parte do mundo.
“Precisamos de políticas públicas para enfrentar essa emergência e conectá-la
com uma recuperação que seja diferente: não queremos chegar aonde estávamos, e
sim transformar nossa sociedade. E isso só se faz com políticas públicas.” A
urgência em avançar rumo a um verdadeiro Estado de bem-estar, disse ela, é hoje
“maior do que nunca”. Segundo seus dados, um terço das famílias com crianças ou
adolescentes não conta com nenhum tipo de proteção social. E
quase uma em cada três mulheres —sobretudo nas camadas mais pobres da
população— não participa do mercado de trabalho para sustentar sua família,
ampliando e aprofundando as diferenças iniciais.
Além de prever que
a desigualdade de renda total por pessoa aumentará com a pandemia, a CEPAL adverte
que o vírus ameaça aprofundar o mal-estar que havia se tornado visível em
diversos países da região antes da crise sanitária. “Abordar os fatores que
originam o mal-estar, avançando rumo a políticas sociais centradas no gozo de
direitos, na igualdade, no reconhecimento e no tratamento digno, juntamente com
a construção de acordos sociais destinados à construção de sociedades mais justas, inclusivas
e coesas, é fundamental para evitar níveis crescentes de conflito,
expressões de violência e crises de representação e legitimidade democrática
que impedem o desempenho econômico”, afirmam os técnicos da CEPAL.
Fonte: https://brasil.elpais.com/economia/2021-03-04/pobreza-extrema-na-america-latina-sera-a-mais-alta-em-20-anos-por-causa-do-coronavirus.html
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