ADELIA PRADO,A POETA BRASILEIRA QUE RETRATA O FEMININO,COTIDIANO COM PERPLEXIDADE E ENCANTO

O cotidiano nos versos de Adélia PradoFoto: Ana Carolina Fernandes/Folhapress

O COTIDIANO NOS VERSOS DE ADÉLIA PRADO

Domingo

 

Na minha cidade, nos domingos de tarde,

as pessoas se põem na sombra com faca e laranjas.

Tomam a fresca e riem do rapaz de bicicleta,

a campainha desatada, o aro enfeitado de laranjas:

‘Eh bobagem!’

Daqui a muito progresso tecno-ilógico,

quando for impossível detectar o domingo

pelo sumo das laranjas no ar e bicicletas,

em meu país de memória e sentimento,

basta fechar os olhos:

é domingo, é domingo, é domingo

 

Adélia Luzia Prado de Freitas nasceu em Divinópolis, Minas Gerais, onde vive até hoje. Escreveu seus primeiros versos em 1950, aos 15 anos, no período que seguiu o falecimento de sua mãe. Apesar de escrever desde jovem, foi aos 40 anos que publicou seu primeiro livro de poesia. Filósofa, professora, contista, escritora e poeta, talvez o segredo e também principal ensinamento de Adélia seja descobrir cada um o seu tempo e vivificar as coisas simples da vida. 

 

Foto: Nélio Rodrigues

 

"Deus é mais belo que eu. E não é jovem. Isto sim, é consolo."

 

SOBRE A OBRA

De escrita simples, na forma de escrever e no conteúdo, a obra de Adélia vai trazer o aspecto da religiosidade, desligado de pregação ou moralismos. O luto, a memória da infância e o afeto pela cidade natal são outros elementos que também fazem parte de sua escrita. Adélia respira o lugar geográfico e o lugar psíquico e os coloca para fora, em verso. Os acontecimentos ordinários do dia-a-dia são verdadeiras joias para a poeta mineira. Essa vai ser a atmosfera de sua obra, que trata ainda do feminino sob diferentes faces – o próprio feminino, a sexualidade e os papeis sociais, culturais e históricos da mulher.

Em Com licença poética, ela literalmente pede licença ao seu grande mestre, Carlos Drummond de Andrade, e parafraseia um de seus conhecidos poemas, fazendo uma espécie de antítese ao Poema de sete faces.

Com licença poética, interpretado por Marília Gabriela para a Revista Bravo!


“O que interessa mesmo é a sua vidinha, porque você não tem mais que ela, você não tem mais do que as vinte e quatro horas do dia, ninguém tem mais do que isso. E é nessa experiência pequenininha, miserável, limitada, carente, que eu vou dar uma resposta ao absurdo da minha existência e do mundo.” (trecho de entrevista)

 

Com formato e linguagem livres, os versos de Adélia vão abusar do coloquialismo e da oralidade, associando a sua obra ao modernismo brasileiro.

 

“A poesia da mineira percorre dois caminhos muito importantes: de um lado o cotidiano, olhando para a simplicidade da vida e das coisas com as quais a vida dialoga; de outro, a metafísica, esse esforço de compreender o sobrenatural [no sentido cristão do termo] a partir do pensamento abstrato. Esses dois caminhos se cruzam o tempo todo em sua obra, fazendo com que a complexidade do metafísico ganhe imagens do cotidiano, e a vida ‘comum’ seja compreendida em toda a sua extensão. Adélia escreve em versos brancos e livres, numa atitude prosaica que lembra muitas vezes a obra de Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa, mas mantendo a força das imagens”, Fernando Brum, Doutor em Letras (UFRGS).

 

CURIOSIDADES

Revelada por Drummond em uma crônica no Jornal do Brasil em 1975, o poeta dizia que São Francisco de Assis estava ditando poemas para uma dona de casa da pacata cidade de Divinópolis, em Minas Gerais.

Outros grandes poetas inspiraram Adélia Prado, principalmente aqueles a quem chama de Santíssima Trindade: João Guimarães Rosa, Clarice Lispector e Carlos Drummond de Andrade. A esse último, a poeta agradece pelo uso de versos livres (que não possuem métrica) e versos brancos (que não possuem rima), pois, afinal, a poesia é ritmo.

 

PREMIAÇÕES

  • A obra O coração disparado, de 1977, rendeu para autora o Prêmio Jabuti de Poesia em 1978.
  • Em 2007, recebeu o Prêmio ABL de Literatura Infantojuvenil, pelo seu primeiro livro infantil, Quando eu era pequena (2006).
  • Adélia, em 2014, foi condecorada pelo Governo Brasileiro com a Ordem do Mérito Cultural.
  • A autora recebeu duas vezes o Prêmio Alphonsus de Guimaraens da Biblioteca Nacional, pelas obras Duração do dia (2010) e Poesia reunida (2016).

 

DICAS:

Conheça mais sobre o pensamento da autora no especial feito pela Assembleia de Minas Gerais, em 2018. Na entrevista, Adélia fala sobre sua obra, religiosidade, o feminino e o momento político do Brasil. Clique aqui para assistir!


Adélia Prado fala sobre sua obra, feminismo e o momento político do Brasil (2018)

Em Poesia Reunida (2016), encontram-se todos os poemas de BagagemO coração disparado, Terra de Santa Cruz, O pelicano, A faca no peito, Oráculos de maio, A duração do dia Miserere. O livro também traz textos de Carlos Drummond de Andrade e Affonso Romano de Sant’Anna e posfácio de Augusto Massi. Disponível para compra em formato e-book na Amazon e Kobo.

Fonte:https://institutoling.org.br/explore/o-cotidiano-nos-versos-de-adelia-prado

A poesia de Adélia Prado

Cabelos brancos, um vestido preto com um discreto casaco claro estampado de flores. Um par de óculos de grau com delicados aros de metal e sapatos vermelhos como quem chega para dar um recado

Foto: Jackson Romanelli / Sempre um Papo

Cabelos brancos, um vestido preto com um discreto casaco claro estampado de flores. Um par de óculos de grau com delicados aros de metal e sapatos vermelhos como quem chega para dar um recado de amor. Assim entrou no palco principal do Palácio das Artes, em Belo Horizonte, em março, a escritora mineira Adélia Prado, aplaudida de pé por uma plateia que ocupou todos os 1.705 lugares do teatro apenas para ouvi-la.

Foram palmas de boas-vindas e gratidão por todos os versos que Adélia escreveu. Palavras que dizem respeito à nossa mineiridade, ao nosso sentimento universal e à força dos símbolos e crenças que habitam em nós.

A ocasião era especial: naquela noite se comemorava os 45 anos do Grande Teatro do Palácio das Artes, os 30 anos do projeto “Sempre Um Papo”, responsável pela presença da escritora, além dos 40 anos de carreira de Adélia, que lançava o livro “Poesia Reunida”. A obra agrega todos os seus poemas contidos nos livros “Bagagem”, “O Coração Disparado”, “Terra de Santa Cruz”, “O Pelicano”, “A Faca no Peito”, “Oráculos de Maio”, “A Duração do Dia” e “Miserere”.

São versos que dizem respeito ao universo de uma escritora de 80 anos, que nasceu em Divinópolis, no centro-oeste de Minas, filha do ferroviário João do Prado Filho e de Ana Clotilde Corrêa. E que, desde a infância, mostrou talento com as palavras.

Histórias de vida e carreira suficientes para fazer com que toda a plateia fizesse um silêncio respeitoso para ouvi-la. Levados pelo sotaque mineiro da autora, que nos remete a alguém querido, que lê para nós uma poesia na varanda de casa, foi possível ouvir palavras de amor, fé e cuidado a respeito de nós mesmos e do nosso modesto cotidiano. Mais do que isso, ter a oportunidade de encerrar a noite, com um pedido delicado de Adélia para que trocássemos os autógrafos e selfies por uma oração do Pai-Nosso, como pedido de proteção para o Brasil nesse momento de crise, e que deixou a escritora com a voz embargada. Em uníssono, a oração universal encerrou o evento, em que foi possível ouvir Adélia Prado recitando... Adélia Prado.

Confira, a seguir, algumas frases marcantes na carreira da escritora. Entre elas, algumas destacadas durante sua apresentação no Palácio das Artes:

Cotidiano

“Tudo isso que nós cremos e nos faz felizes, se trata de mistério.”

“Fazer um pão, ou qualquer outra tarefa simples, nos devolve simbolicamente o prazer de existir.”

 “As coisas mais corriqueiras nos dominam. Isso não pode!”

Ser mulher

“Vai ser coxo na vida é maldição pra homem. Mulher é desdobrável. Eu sou.”

Vida

“Viver a vida com sentido, com significado, é que nos torna cada vez mais humanos.”

“A vida cotidiana já é heroica e nós temos que aceitar. Eu vou dar birra com Deus? Seja pobre, seja rico.”

Depressão

“A ausência de significados é a depressão.”

Chuva

“Só melhoro quando chove.”

Sociedade

“Nossa civilização padece de símbolos. Está tudo igual. Os ritos religiosos estão banalizados.”

“Estamos padecendo de deficiência de atenção. Nós não olhamos para o outro.”

“Eu preciso me modificar para que eu veja o outro.”

“Como vou querer paz no mundo com uma guerra no coração?”

Beleza

“Ainda assim, a vida é maior, o direito de nascer e morar num caixote à beira da estrada. Porque um dia, e pode ser um único dia em sua vida, um deserdado daqueles sai de seu buraco à noite e se maravilha. Chama seu compadre de infortúnio: vem cá, homem, repara se já viu o céu mais estrelado e mais bonito que este! Para isso vale nascer.”

“A beleza é um dos valores mais consoladores que existem.”

Convivência

“Se você não pode tocar uma pessoa, mude seu olhar por essa pessoa.”

“Às vezes vou pregar lá na África e deixo meu pessoal aqui faminto de amor.”

Poesia

“A poesia ajuda porque ela repercute dentro de mim, fala a nossa alma.”

“A poesia é o rastro de Deus nas coisas.”

“Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra mesmo.”

Mar

“Quem carrega o mar nos seus limites tem carinho com o mar.”

“Para o desejo do meu coração, o mar é uma gota.”

“Tanto o poema, quanto a oração, exigem algo maior que precisa da minha aceitação.”

“Carl Jung dizia que devolvia seus pacientes para sua religião de origem: a semente da nossa vida simbólica.”

“A Bíblia é um livro de experiências profundas e humanas.”

“Eu não dou conta de aguentar minha velhice se eu não tiver uma fé.”

Deus

“Deus não é um fato teológico. Ele é para as pessoas uma experiência.”

“Quanto mais você descobre, mais o universo se alarga. Isso é Deus.”

“Perdoar Deus significa dizer: ‘Eu aceito, eu digo sim para a vida, para o meu corpo’.”

Velhice

“Hoje, temos a ideologia da juventude perpétua, que passa por remédios, ginásticas, plásticas e pelo desespero final, porque nada responde à nossa profunda fome humana, que é de ordem espiritual.”

Cidade natal

“Alguns personagens de poemas são vazados de pessoas da minha cidade, mas espero estejam transvazados no poema, nimbados de realidade. É pretensioso? Mas a poesia não é a revelação do real? Eu só tenho o cotidiano e meu sentimento dele. Não sei de alguém que tenha mais. O cotidiano em Divinópolis é igual ao de Hong Kong, só que vivido em português.”

Laranjas dominicais

“Na minha cidade, nos domingos de tarde, as pessoas se põem na sombra com faca e laranjas. Tomam a fresca e riem do rapaz de bicicleta, a campainha desatada, o aro enfeitado de laranjas: ‘Eh bobagem!’ . Daqui a muito progresso tecno-ilógico, quando for impossível detectar o domingo pelo sumo das laranjas no ar e bicicletas, em meu país de memória e sentimento, basta fechar os olhos: é domingo, é domingo, é domingo.”

Carreira

“Quando eu tenho uma carreira, posso estar triste ou alegre que tenho de trabalhar. Com a arte não é assim. O estatuto é dela.”

Compaixão

“Não tem ética nem salvação maiores do que estender a mão e doar o seu tempo. Quando estou escutando uma pessoa, tenho que escutar mesmo. Você não precisa dar esmola ao pedinte. Nem sempre a gente dá. Mas, olhe para ele, olhe-o nos olhos. Faça com que se sinta gente. Essa compaixão é a compaixão de Cristo, que chegou ao ponto de dizer: ‘Eu morro por vocês, eu me entrego’.”

Amor

“Amor pra mim é ser capaz de permitir que aquele que eu amo exista como tal, como ele mesmo.”

“O Cântico dos Cânticos, que faz parte da Bíblia, era proibido. As freiras não podiam ler. O erótico é aquilo que tem vitalidade.”

“A gente prega sobre o amor, mas o amor é coisa que se vive na poeira. É no encardido da vida que a gente prova as coisas. Quem não quer enfrentar está perdendo o tesouro da vida, porque é ali que sou provado. E a minha vidinha não tem diferença alguma da vida da Rainha da Inglaterra, porque ela é feita de cotidianos. Isso tira a pose de qualquer pessoa. Como é que eu posso ficar ‘posuda’ diante do outro, se somos todos farinha do mesmo saco? Somos humanos e temos que nos reconhecer nessa humanidade, no sentimento primeiro.” 

 

QUEM É ELA

Formada em Magistério e Filosofia, somente aos 40 anos, e cinco filhos depois, ela conseguiu lançar seu primeiro livro - “Bagagem”. A história desta obra começa quando Adélia envia, ainda na década de 1970, carta e originais de seus novos poemas ao poeta e crítico literário Affonso Romano de Sant'Anna, que os submete à apreciação de Carlos Drummond de Andrade. Em 1975, Drummond sugere a Pedro Paulo de Sena Madureira, da Editora Imago, que publique o livro de Adélia, cujos poemas lhe pareciam "fenomenais". O ano era 1976 e começava aí, publicamente, a carreira de uma das mais importantes escritoras vivas do Brasil, que teve seus textos também adaptados para o teatro. Entre eles, destaque-se o espetáculo “Dona Doida”, baseado no poema de mesmo nome e que foi protagonizado pela atriz Fernanda Montenegro, entre  as décadas de 1980 e 1990.

 

ONDE ENCONTRAR O LIVRO? HTTP://GOO.GL/EXSVWB

 

Assista ao vídeo completo do "Sempre um Papo" com Adélia Prado:

Texto publicado originalmente na Revista Ecológico.

Adélia Prado: Espírito em Corpo de Mulher

 | 26 Fev 19

Nestes últimos tempos de violência contra as mulheres, pela onda crescente de notícias sobre horror, tortura e morte, sofremos sinais de tragédia, de prantos e lutos, a ensombrecer-nos os dias. 

Atrevo-me, neste contexto, a dizer que a escritora brasileira Adélia Prado inspirou este meu pequeno texto, no sentimento divino das mais comuns circunstâncias da nossa humana condição. Mulher casada, professora primária, mãe de cinco filhos, moradora na pequena cidade de Divinópolis, no Estado de Minas Gerais, Adélia Prado foi de repente, aos 40 anos, a grande revelação na literatura brasileira do século XX, quando Carlos Drummond de Andrade a distinguiu e nomeou, em uma das suas crónicas do Jornal do Brasil.

“Adélia é lírica, bíblica, existencial, faz poesia como faz bom tempo: está à lei, não dos homens, mas de Deus,” escreveu Drummond. Impressionado o editor, naquele mesmo ano de 1976 era publicado com sucesso imenso, o primeiro livro “Bagagem”. Tive a sorte de viver esse raro momento, de acompanhar e de poder ler a obra de Adélia Prado. Em épocas lineares ou complexas por que passei, desde aí mantenho os seus livros ao alcance da mão.  

Em verso e prosa, Adélia descobriu a mistura entre as pequenas tarefas de casa, as pessoas que a rodeiam, as coisas e os bichos, o sentir e o pensar, o silêncio da dúvida, a presença de Deus imediata e consciente, na inteireza da sua história de mulher. No romance Cacos para um Vitral, há esse seu olhar sobre o mundo de dentro e de fora, há o sentido espiritual da vida, há a expressão do estado puro de sensualidade, na experiência jubilosa da alegria.

Vamos, assim, seguindo o percurso de Glória, a personagem principal desta história, quase real em tão perfeita ficção.

A mulher, em discurso interior que ganha voz e exclama : “Muitos anos mais tarde, muitos anos mesmo, num instante de graça, surpreendeu-se tão absolutamente em si mesma que não tinha mais a consciência de si, um momento em que escrevia. Sentiu-se visitada de Deus! Então é assim que se é! Eu também sou, possuo um ser perceptível aos outros e não há perigo de que me desintegre em fragmentos de areia. Que belo dia foi aquele de sua epifania. Glória lembrava-se e agradecia de novo, tinha um ser. Era ela mesma um ser.”

A mulher que descobre e afirma a sua fé com firmeza: “Quando dois se amam ninguém é devedor, porque o amor cobre a multidão dos pecados e eleva os humildes e abate os poderosos de seus tronos. Glória viu que recitava o Magnificat, por puro gosto literário, o que nela era também uma forma de rezar, sua melhor forma, talvez .”

A mulher no dom pleno da sua sensualidade: “Ao abraço da paz o homem virou-se e pegou na mão de Glória e bem explicitamente: “A paz de Cristo esteja com a senhora”. Um homem belo, piedoso, feliz, pegava sua mão com força e lhe desejava a paz. Há pessoas cujos corpos nos apelam. No futuro se poderá fazer sem escândalo o que desejei fazer agora, pensou ela, tocar o homem, reter sua mão, à toa, só porque é bom, porque o sangue gosta. Dentro da igreja ou não.”

Um sabor em espírito de mulher, na prosa de Adélia Prado. Aqui e em modo de ponto final, a sua evocação de Guimarães Rosa: “Ele dizia que a gente tem de escrever com a barriga. Ou é a vida que se está escrevendo, ou é nada”.

QUEM É A GRANDE POETA MINEIRA NORTEADA PELA FÉ CRISTÃ E PERMEADA PELO ASPECTO LÚDICO EM SUA BELA OBRA?

Adélia Luzia Prado de Freitas (Divinópolis, 13 de dezembro de 1935), mais conhecida como Adélia Prado, é uma poetisa, professora, filósofa, romancista e contista brasileira ligada ao Modernismo.

Sua obra retrata o cotidiano com perplexidade e encanto, norteados pela fé cristã e permeados pelo aspecto lúdico, uma das características de seu estilo único.[1] Em 1976,enviou o manuscrito de Bagagem para Affonso Romano de Sant'Anna, que assinava uma coluna de crítica literária no Jornal do Brasil. Admirado, acabou por repassar os manuscritos a Carlos Drummond de Andrade, que incentivou a publicação do livro pela Editora Imago em artigo do mesmo periódico.[2]

Professora por formação, ela exerceu o magistério durante 24 anos, até que a carreira de escritora tornou-se a atividade central. Em termos de literatura brasileira, o surgimento da escritora representou a revalorização do feminino nas letras e da mulher como ser pensante, tendo-se em conta que Adélia incorpora os papéis de intelectual e de mãe, esposa e dona-de-casa.

Biografia

Adélia Luzia Prado Freitas nasceu em Divinópolis, Minas Gerais, no dia 13 de dezembro de 1935,[3] filha do ferroviário João do Prado Filho e de Ana Clotilde Corrêa. Leva uma vida pacata naquela cidade do interior: inicia seus estudos no Grupo Escolar Padre Matias Lobato e mora na rua Ceará.

No ano de 1950, falece sua mãe. Tal acontecimento faz com que a autora escreva seus primeiros versos. Nessa época conclui o curso ginasial no Ginásio Nossa Senhora do Sagrado Coração.

No ano seguinte, inicia o curso de Magistério na Escola Normal Mário Casassanta, que conclui em 1953. Começa a lecionar no Ginásio Estadual Luiz de Mello Viana Sobrinho em 1955.

Em 1958 casa-se, em Divinópolis, com José Assunção de Freitas, funcionário do Banco do Brasil S.A. Dessa união nasceriam cinco filhos: Eugênio (em 1959), Rubem (1961), Sarah (1962), Jordano (1963) e Ana Beatriz (1966).

Antes do nascimento da última filha, a escritora e o marido iniciam o curso de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Divinópolis.

Em 1972, morre seu pai e, em 1973, forma-se em Filosofia. Nessa ocasião envia carta e originais de seus novos poemas ao poeta e crítico literário Affonso Romano de Sant'Anna,que os submete à apreciação de Carlos Drummond de Andrade.

Em 1975, Drummond sugere a Pedro Paulo de Sena Madureira, da Editora Imago, que publique o livro de Adélia, cujos poemas lhe pareciam "fenomenais". O poeta envia os originais ao editor daquele que viria a ser Bagagem. No dia 9 de outubro, Drummond publica uma crônica no Jornal do Brasil chamando a atenção para o trabalho ainda inédito da escritora. O livro é lançado no Rio, em 1976, com a presença de Antônio Houaiss, Raquel Jardim, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Juscelino Kubitschek, Affonso Romano de Sant'Anna, Nélida Piñon e Alphonsus de Guimaraens Filho, entre outros.

O ano de 1978 marca o lançamento de O coração disparado, que é agraciado com o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro.

Estréia em prosa no ano seguinte, com Soltem os cachorros. Com o sucesso de sua carreira de escritora , vê-se obrigada a abandonar o magistério, após 24 anos de trabalho. Nesse período ensinou no Instituto Nossa Senhora do Sagrado Coração, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Divinópolis, Fundação Geraldo Corrêa — Hospital São João de Deus, Escola Estadual são Vicente e Escola Estadual Matias Cyprien, lecionando Educação Religiosa, Moral e Cívica, Filosofia da Educação, Relações Humanas e Introdução à Filosofia. Sua peça, O Clarão, um auto de natal escrito em parceria com Lázaro Barreto, é encenada em Divinópolis.

Em 1980, dirige o grupo teatral amador Cara e Coragem na montagem de O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna. No ano seguinte, ainda sob sua direção, o grupo encenaria A Invasão, de Dias Gomes. Publica Cacos para um vitral. Lucy Ann Carter apresenta, no Departament of Comparative Literature, da Princeton University, o primeiro de uma série de estudos universitários sobre a obra de Adélia Prado.

Em 1981, lança Terra de Santa Cruz.

De 1983 a 1988, exerce as funções de Chefe da Divisão Cultural da Secretaria Municipal de Educação e da Cultura de Divinópolis, a convite do prefeito Aristides Salgado dos Santos.

"Os componentes da banda" é publicado em 1984.

Participa, em 1985, em Portugal, de um programa de intercâmbio cultural entre autores brasileiros e portugueses, e em Havana, Cuba, do II Encontro de Intelectuais pela Soberania dos Povos de Nossa América.

Fernanda Montenegro estréia, no Teatro Delfim - Rio de Janeiro, em 1987, o espetáculo Dona Doida: um interlúdio, baseado em textos de livros da autora. A montagem, sob a direção de Naum Alves de Souza, fez grande sucesso, tendo sido apresentada em diversos estados brasileiros e, também, nos EUA, Itália e Portugal.

Apresenta-se, em 1988, em Nova York, na Semana Brasileira de Poesia, evento promovido pelo Comitê Internacional pela Poesia. É publicado A faca no peito.

Participa, em Berlim, Alemanha, do Línea Colorada, um encontro entre escritores latino-americanos e alemães.

Em 1991 é publicada sua "Poesia Reunida".

Volta, em 1993, à Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Divinópolis, integrando a equipe de orientação pedagógica na gestão da secretária Teresinha Costa Rabelo.

Em 1994, após anos de silêncio poético, sem nenhuma palavra, nenhum verso, ressurge Adélia Prado com o livro "O homem da mão seca". Conta a autora que o livro foi iniciado em 1987, mas, depois de concluir o primeiro capítulo, foi acometida de uma crise de depressão, que a bloquearia literariamente por longo tempo. Disse que vê "a aridez como uma experiência necessária" e que "essa temporada no deserto" lhe fez bem. Nesse período, segundo afirmou, foi levada a procurar ajuda de um psiquiatra.

Estréia, em 1996, no Teatro Sesi Minas, em Belo Horizonte, a peça Duas horas da tarde no Brasil, texto adaptado da obra da autora por Kalluh Araújo e pela filha de Adélia, Ana Beatriz Prado.

São lançados Manuscritos de Felipa e Oráculos de maio. Participa, em maio, da série "O escritor por ele mesmo", no ISM-São Paulo. Em Belo Horizonte é apresentado, sob a direção de Rui Moreira, O sempre amor, espetáculo de dança de Teresa Ricco baseado em poemas da escritora.

Adélia costuma dizer que o cotidiano é a própria condição da literatura. Morando na pequena Divinópolis, cidade com aproximadamente 200 000 habitantes, estão em sua prosa e em sua poesia temas recorrentes da vida de província, a moça que arruma a cozinha, a missa, um certo cheiro do mato, vizinhos, a gente de lá.

Cronologia

  • 1950: Escreve os primeiros versos, após a morte da mãe.
  • 1951: Inicia o curso de Magistério na Escola Normal Mário Casassanta.
  • 1953: Conclui o Magistério
  • 1955: Começa a lecionar no Ginásio Estadual Luiz de Mello Viana Sobrinho.
  • 1958: Casa-se com José Assunção de Freitas.
  • 1959: Nasce o primeiro filho, Eugênio
  • 1961: Nasce o filho Rubem
  • 1962: Nasce a filha Sarah
  • 1963: Nasce o filho Jordano
  • 1966: Nasce a filha Ana Beatriz
  • 1972: Morre o pai
  • 1973: Forma-se em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Divinópolis e neste mesmo ano os poemas são lidos por Carlos Drummond de Andrade
  • 1975: Publica o primeiro livro Bagagem, após indicação de Drummond à Editora Imago. Em seguida, Drummond publica uma crônica no Jornal do Brasil destacando o trabalho ainda inédito de Adélia.
  • 1976: Lança Bagagem no Rio de Janeiro, com a presença de Juscelino KubitschekCarlos Drummond de AndradeClarice LispectorAffonso Romano de Sant'AnnaNélida Piñon, dentre outros.
  • 1978: Lança O Coração Disparado, com o qual recebe o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro.
  • 1979: Lança a primeira prosa, Soltem os Cachorros
  • 1980: Dirige a montagem de Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna pelo grupo de teatro amador Cara e Coragem.
  • 1981: Publica Cacos para um Vitral e Terra de Santa Cruz; neste mesmo ano é apresentado, no Departamento de Literatura Comparada da Universidade de Princeton, Estados Unidos, o primeiro de uma série de estudos sobre a obra.
  • 1983-1988: Exerce as funções de Chefe da Divisão Cultural da Secretaria Municipal de Educação e da Cultura da cidade natal.
  • 1984: Publica Os Componentes da Banda
  • 1985: Participa de um programa de intercâmbio cultural entre autores brasileiros e portugueses, realizado em Portugal, e do II Encontro de Intelectuais pela Soberania dos Povos de Nossa América, em Cuba
  • 1987: Estréia do espetáculo Dona Doida: um Interlúdio, baseado em textos de livros da autora, encenado por Fernanda Montenegro, no Teatro Delfim, no Rio de Janeiro.
  • 1988: Publica A Faca no Peito e participação na Semana Brasileira de Poesia em Nova Iorque
  • 1991: Publica Poesia Reunida
  • 1994: Publica O Homem da Mão Seca
  • 1996: Estréia da peça Duas Horas da Tarde no Brasil, adaptada da obra da autora pela filha Ana Beatriz Prado e por Kalluh Araújo, no Teatro Sesi Minas, em Belo Horizonte
  • 1999: Publica Oráculos de Maio e Manuscritos de Felipa
  • 2000: Estréia do monólogo Dona da Casa, adaptação de José Rubens Siqueira para Manuscritos de Felipa
  • 2005: Publica Quero Minha Mãe
  • 2006: Morre o irmão, Frei Antonio do Prado, OFM
  • 2010: Lança A duração do dia
  • 2011: Lança Carmela Vai à Escola
  • 2014: É condecorada pelo governo brasileiro com a Ordem do Mérito Cultural.

Silêncio poético

A literatura brasileira, além de ser fortemente marcada pela presença de Adélia Prado, também foi marcada por um período de silêncio poético no qual a escritora "emudeceu sua pena". Depois de O Homem da Mão Seca, de 1994, Adélia ficou cinco anos sem publicar um novo título, fase posteriormente explicada por ela mesma como "um período de desolação. São estados psíquicos que acontecem, trazendo o bloqueio, a aridez, o deserto". Oráculos de Maio, uma coletânea de poemas, e Manuscritos de Felipa, uma prosa curta, marcaram o retorno, ou a quebra do silêncio. Rubem Alves refere-se a esses silêncios em A Festa de Babette.

Influência

Citaram a autora como uma influência tanto o escritor brasileiro Rubem Alves[4][5][6] como o moçambicano Mia Couto.[7]

Lista de obras

No livro Cacos para um Vitral, Adélia Prado usa a metáfora do vitral para explicar a relação entre a vida e Deus.
No livro Cacos para um Vitral, Adélia Prado usa a metáfora do vitral para explicar a relação entre a vida e Deus.

Poesia

  • Bagagem, Imago - 1975
  • O Coração Disparado, Nova Fronteira - 1978
  • Terra de Santa Cruz, Nova Fronteira - 1981
  • O Pelicano, Rio de Janeiro - 1987
  • A Faca no Peito, Rocco - 1988
  • Oráculos de Maio, Siciliano - 1999
  • Louvação para uma Cor
  • A duração do dia, Record - 2010
  • Miserere, Record - 2013

Prosa

  • Solte os Cachorros, contos, Nova Fronteira - 1979
  • Cacos para um Vitral, Nova Fronteira - 1980
  • Os Componentes da Banda, Nova Fronteira 1987
  • O Homem da Mão Seca, Siciliano - 1990
  • Manuscritos de Filipa, Siciliano - 1994
  • Quero minha mãe - Record - 2000
  • Quando eu era pequena - 2009
  • Filandras, Record - 2018

Antologia

  • Mulheres & Mulheres, Nova Fronteira - 1978
  • Palavra de Mulher, Fontana - 1979
  • Contos Mineiros, Ática - 1984
  • Poesia Reunida, Siciliano - 1991 (BagagemO Coração DisparadoTerra de Santa CruzO Pelicano e A Faca no Peito).
  • Antologia da Poesia Brasileira, Embaixada do Brasil em Pequim - 1994.
  • Prosa Reunida, Siciliano - 1999

Balé

  • A Imagem Refletida - Ballet do Teatro Castro Alves - Salvador - Bahia - Direção Artística de Antônio Carlos Cardoso. Poema escrito especialmente para a composição homônima de Gil Jardim.
  • Cacos Para um Vitral - Rose Ballet Escola de Dança - Divinópolis - MG - Direção Artística: Mírian Lopes e Yan Lopes. Espetáculo baseado em referência dos poemas da escritora.
Em toda a obra de Adélia, fica evidente a fé católica.
Em toda a obra de Adélia, fica evidente a fé católica.

Parcerias

  • A Lapinha de Jesus (em parceria com Lázaro Barreto) - Vozes - 1969
  • Caminhos de Solidariedade (em parceria com Lya Luft, Marcos Mendonça e outros) – Gente - 2001.

Obras traduzidas

Para o inglês
  • Adélia Prado: Thirteen Poems. Tradução de Ellen Watson. Suplemento do The American Poetry Review, jan/fev 1984.
  • The Headlong Heart (Poesias de Terra de Santa Cruz, O coração Disparado e Bagagem). Tradução de Ellen Watson, New York, 1988, Livingston University Press.
  • The Alphabet in the Park (O Alfabeto no Parque). Tradução de Ellen Watson, Middletown, CT USA, Wesleyan University Press, 1990.
  • Ex-Voto (Ex-Voto). Tradução de Ellen Doré Watson, North Adams, MA, USA, Tupelo Press, 2013.
Para o espanhol
  • El Corazón Disparado (O Coração Disparado). Tradução de Cláudia Schwartz e Fernando Noy, Buenos Aires, Leviatan, 1994.
  • Bagagem. Tradução de José Francisco Navarro Huamán. México, Universidade Ibero-Americana, a sair.

Participação em antologias

  • Assis Brasil (org.). A Poesia Mineira no Século XX. Imago, 1998.
  • Hortas, Maria de Lurdes (org.). Palavra de Mulher, Fontoura, 1989.
  • Sem Enfeite Nenhum. In Prado Adélia et alContos Mineiros. Ática, 1984.

Leituras adicionais

Teses e dissertações

  • MOLITERNO, Isabel de Andrade. A poesia e o sagrado: traços do estilo de Adélia PradoUSP2002. (Dissertação de Mestrado).
  • CANALLE, Cecilia. Fundamentos filosóficos da poética de Adelia Prado: subsídios antropológicos para uma filosofia da educaçãoUSP1996. (Dissertação de Mestrado).
  • OLIVIERI, Rita, PhD.Poesia e oralidade na obra de Adélia Prado.
  • OLIVEIRA, Claudilis da Silva. Epifanias do real: o olhar lírico de Adélia PradoUEFS2004. (Dissertação de Mestrado).
  • BALBINO, Evaldo. Saudade de D(eu)s: escrita, mística e desejo em Adélia Prado e Santa Teresa de Jesús. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 2005 (Tese, Doutorado em Literatura Comparada).
  • BALBINO, Evaldo. Entre a santidade e a loucura – o desdobramento da mulher na bagagem poética de Adélia Prado. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 2001 (Dissertação, Mestrado em Literatura Brasileira).

Periódicos

  • BALBINO, Evaldo. "A poética do desdobramento: tradição literária masculina e ruptura na 'bagagem' de Adélia Prado". Poesia Sempre. v.13, p.24 - 51, 2005.
  • BALBINO, Evaldo. "Entre a santidade e a loucura: o desdobramento da mulher na bagagem poética de Adélia Prado". Em Tese (Belo Horizonte). v.6, p.181 - 186, 2003.
  • BALBINO, Evaldo. "Entre a província e o litoral: a bagagem poética de Adélia Prado". Revista do Centro de Estudos Portugueses (UFMG). v.22, p.275 - 296, 2002.
  • BALBINO, Evaldo. "Alberto Caeiro e Adélia Prado: do visível ao transcendente na imanência". In: Literaturas ibero-afro-americanas: ensaios críticos. 1 ed.Goiânia : Editora da Puc Goiás, 2010, v.1, p. 149-162.
  • BALBINO, Evaldo. "Luís de Camões e Adélia Prado: do epos renascentista ao não-lugar da poesia". In: Literaturas ibero-afro-americanas. 1 ed.Goiânia : Editora da PUC Goiás, 2010, v.1, p. 175-190.
  • BALBINO, Evaldo. "A dilatação do prazo comunicativo: metáfora, erotismo e subversão em Adélia Prado". In: Olhares críticos: estudos de literatura e cultura ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009, p. 70-81.
  • BALBINO, Evaldo. "Leituras sobre D(eu)s: Mística e subjetividade em Santa Teresa d’Ávila e Adélia Prado". In: X Congresso Internacional da Associação Brasileira de Literatura Comparada (Abralic), 2006, Rio de janeiro. Lugares dos discursos – X Congresso Internacional ABRALIC. Rio de janeiro: UERJ, 2006.
  • BALBINO, Evaldo. "O público e o privado em Adélia Prado: uma janela aberta para o mundo". In: IX Seminário Nacional Mulher e Literatura, 2001, Belo Horizonte. IX Seminário Nacional Mulher e Literatura. Belo Horizonte: 2001.

Referências a Adélia na obra de Rubem Alves


Referências

  1.  Nelly Novaes Coelho, Dicionário crítico de escritoras brasileiras: 1711-2001, 2002, Editora Escrituras, ISBN 978-85-7531-053-3, p. 25
  2.  «Aos 78, Adélia Prado não descansa: "O interessante da vida é a tarefa da vida"»Último Segundo - IG. 4 de maio de 2014. Consultado em 10 de setembro de 2014
  3.  Itau Cultural
  4.  «Pesar pela morte do escritor Rubem Alves»CRM-PR. 22 de julho de 2014. Consultado em 10 de setembro de 2014
  5.  «A Estilística Teopoética na obra de Rubem Alves»Maria Celeste de Castro Machado. 11 de fevereiro de 2001. Consultado em 10 de setembro de 2014
  6.  «UNICAMP perde Rubem Alves».Unicamp.br. 19 de julho de 2014. Consultado em 9 de outubro de 2014
  7.  «Opiniões acerca da obra de Adélia Prado»Tiro de Letra. Consultado em 19 de novembro de 2014
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9 poemas encantadores de Adélia Prado Analisados por Rebeca Fuks



Rebeca Fuks
Doutora em Estudos da Cultura

A escritora mineira Adélia Prado publicou o seu primeiro livro aos 40 anos. Intitulado Bagagem (1976), essa primeira publicação foi apadrinhada por Carlos Drummond de Andrade que, além de elogiar a autora estreante, enviou a série de poemas para a Editora Imago.

Assim que foi lançado, o livro chamou a atenção da crítica especializada e Adélia passou a ser vista com bons olhos. De lá para cá, a poeta vem publicando com certa regularidade, tendo se tornado um dos grandes nomes da poesia brasileira.

Dona de um estilo muitas vezes caracterizado como um romantismo crítico, Adélia Prado usa em seus poemas uma linguagem coloquial e pretende transmitir para o leitor novos pontos de vista sobre o cotidiano, muitas vezes o ressignificando.

1. Com licença poética

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas, o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida, é maldição pra homem.

Mulher é desdobrável. Eu sou.

Inserido em Bagagem, seu livro de estreia, Com licença poética é o poema que inaugura a obra e faz uma espécie de apresentação da autora até então desconhecida do grande público.

Os versos tecem uma clara referência (e homenagem) ao Poema de sete faces, de Carlos Drummond de Andrade. O poeta, aliás, foi de suma importância na carreira de Adélia. Drummond não só foi material de inspiração poética como ajudou a escritora mineira nos primeiros tempos da sua carreira, indicando o seu livro a um editor que veio a publica-la.

Encontramos nos versos acima um tom de oralidade, marcado pela informalidade e pelo desejo de proximidade com o leitor. É como se o eu-lírico generosamente se oferecesse ao leitor, entregando as suas qualidades e defeitos sob a forma de verso. No poema vemos também a questão do que significa ser mulher na sociedade brasileira sendo sublinhandas as dificuldades que o gênero costuma enfrentar.

2. Alfândega

O que pude oferecer sem mácula foi
meu choro por beleza ou cansaço,
um dente exraizado,
o preconceito favorável a todas as formas
do barroco na música e o Rio de Janeiro
que visitei uma vez e me deixou suspensa.
‘Não serve’, disseram. E exigiram
a língua estrangeira que não aprendi,
o registro do meu diploma extraviado
no Ministério da Educação, mais taxa sobre vaidade
nas formas aparente, inusitada e capciosa — no que
estavam certos — porém dá-se que inusitados e capciosos
foram seus modos de detectar vaidades.
Todas as vezes que eu pedia desculpas diziam:
‘Faz-se de educado e humilde, por presunção’,
e oneravam os impostos, sendo que o navio partiu
enquanto nos confundíamos.
Quando agarrei meu dente e minha viagem ao Rio,
pronto a chorar de cansaço, consumaram:
‘Fica o bem de raiz pra pagar a fiança’.
Deixei meu dente.
Agora só tenho três reféns sem mácula.

Alfândega é um título de poema bastante interessante e compatível com a escolha da poeta se pensarmos no livro em que está inserido: Bagagem. Ambas as palavras pressupõe a presença de um eu-lírico em trânsito, que se desloca, que leva consigo apenas aquelas coisas que considera essenciais.

É na alfândega que habitualmente os viajantes declaram os bens físicos que pretendem carregar, no entanto, o que o eu-lírico oferece nesse momento da sua viagem são sentimentos, impressões, lembranças, subjetividades.

As sensações parecem elencadas ao acaso, movidas por um fluxo de consciência que traz à tona emoções ao acaso. Ao final do poema o sujeito poético chega a uma conclusão inusitada: ele deixa para trás um dos bens (o dente) para poder seguir adiante.

3. Momento

Enquanto eu fiquei alegre,
permaneceram um bule azul com um descascado no bico,
uma garrafa de pimenta pelo meio,
um latido e um céu limpidíssimo
com recém-feitas estrelas.
Resistiram nos seu lugares, em seus ofícios,
constituindo o mundo pra mim, anteparo
para o que foi um acometimento:
súbito é bom ter um corpo pra rir
e sacudir a cabeça. A vida é mais tempo
alegre do que triste. Melhor é ser.

O poema acima trata da transitoriedade do tempo, do correr da vida e de como se deve escolher leva-la.

Para ilustrar as várias fases da existência, o eu-lírico faz uso de imagens simbólicas como o bule azul descascado e a garrafa de pimenta pelo meio. As duas imagens sublinham o processo de desgaste e uso inerente à vida.

Alinhado com os objetos estão signos aleatórios como o latido de um cão e um céu limpo, itens que ocupam espaço no nosso cotidiano repetitivo.

Após essa justaposição de matérias e afetos, o eu-lírico conclui o poema de uma maneira positiva e com um tom otimista, destacando o corpo que ri e a alegria que vence a tristeza.

4. A formalística

O poeta cerebral tomou café sem açúcar
e foi pro gabinete concentrar-se.
Seu lápis é um bisturi
que ele afia na pedra,
na pedra calcinada das palavras,
imagem que elegeu porque ama a dificuldade,
o efeito respeitoso que produz
seu trato com o dicionário.
Faz três horas que já estuma as musas.
O dia arde. Seu prepúcio coça.

Os versos acima fazem parte de um poema mais extenso, que tece uma crítica a determinado tipo de poeta descolado da realidade, preocupado com escolas, movimentos literários, normas e fórmulas. Trata-se de um poeta cerebral, focado no racional e na precisão.

A formalística possui um tom de provocação e ironia, ao longo desses primeiros versos encontramos já uma pequena amostra do tipo de composição que Adélia repudia e contra que gênero de poética ela combate.

Adélia Prado conduz a sua poética no sentido contrário ao personagem poeta mencionado: a sua lírica é baseada na simplicidade, na experiência do vivido, no cotidiano e na informalidade.

Encontramos aqui o exemplo de um meta-poema, isso é, versos que pensam a sua própria condição. A poeta tem uma série de versos escritos no sentido da reflexão sobre o próprio fazer literário. Ao longo da sua carreira literária Adélia investiu também na construção de uma investigação mais profunda sobre o papel da linguagem.

5. Fragmento

Bem-aventurado o que pressentiu
quando a manhã começou:
não vai ser diferente da noite.
Prolongados permanecerão o corpo sem pouso,
o pensamento dividido entre deitar-se primeiro
à esquerda ou à direita
e mesmo assim anunciou o paciente ao meio-dia:
algumas horas e já anoitece, o mormaço abranda,
um vento bom entra nessa janela.

O poema se inicia com a indiferenciação do dia e da noite e com o elogio aquele que teve sensibilidade para perceber quando o sol nasceu.

Há uma série de conflitos presentes nos versos: o tempo que passa e não passa, a noite que chega e não chega, o corpo que quer se movimentar mas afinal está em repouso, o pensamento inquieto com a posição do deitar.

Não sabemos quem é o paciente em questão que faz o anúncio da passagem das horas, mas podemos concluir que, apesar das angústias, o poema se encerra de uma maneira solar. Apesar das dicotomias apresentadas em Fragmento, o leitor termina a leitura apaziguado pela presença da brisa agradável que entra pela janela.

6. Casamento

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como “este foi difícil”
“prateou no ar dando rabanadas”
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.

Casamento narra a história de um casal aparentemente maduro, sereno, estável, que experimenta um amor tranquilo e sem sobressaltos.

O eu-lírico enfatiza o seu desejo de cuidar do parceiro e de estar ao seu lado, ainda que isso implique muitas vezes sair da sua zona de conforto. Ela levanta-se a meio da noite para estar junto dele na cozinha enquanto os dois, juntos, preparam a refeição do dia a seguir. Tudo acontece com profunda naturalidade. A relação de longo prazo se baseia nesses pequenos gestos de companheirismo cotidiano.

O casal partilha o silêncio e cada um dos membros parece confortavelmente acolhido na presença do parceiro.

7. Dona Doida

Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso
com trovoadas e clarões, exatamente como chove agora.
Quando se pôde abrir as janelas,
as poças tremiam com os últimos pingos.
Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema,
decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos.
Fui buscar os chuchus e estou voltando agora,
trinta anos depois. Não encontrei minha mãe.
A mulher que me abriu a porta riu de dona tão velha,
com sombrinha infantil e coxas à mostra.
Meus filhos me repudiaram envergonhados,
meu marido ficou triste até a morte,
eu fiquei doida no encalço.
Só melhoro quando chove.

O belíssimo poema se inicia com a narração de uma cena aparentemente banal, vivenciada no passado, na companhia da mãe. É de uma situação concreta - a princípio uma experiência do vivido - que surge uma reflexão mais ampla sobre a vida.

A repetição do cenário do lado de fora (a chuva forte) faz com que se estabeleça uma espécie de máquina do tempo. A mãe, tal qual uma poetisa, faz a sua escolha: enquanto a poeta escolhe as palavras a mãe vai a procura dos ingredientes para a receita. A menina sai para buscar os ingredientes e retorna à casa trinta anos mais tarde. Já não está lá a mãe e no lugar dela encontra a sua própria família.

Os versos se focam, portanto, na questão da memória e da relação do sujeito lírico com o tempo e com os familiares (estejam eles vivos ou mortos). As palavras recuperam o passado e fazem com que o eu-lírico experimente um tempo que mescla o ontem, o hoje e o amanhã.

8. Um jeito

Meu amor é assim, sem nenhum pudor.
Quando aperta eu grito da janela
— ouve quem estiver passando —
ô fulano, vem depressa.
Tem urgência, medo de encanto quebrado,
é duro como osso duro.
Ideal eu tenho de amar como quem diz coisas:
quero é dormir com você, alisar seu cabelo,
espremer de suas costas as montanhas pequenininhas
de matéria branca. Por hora dou é grito e susto.
Pouca gente gosta.

Um jeito é mais um exemplar da lírica amorosa de Adélia Prado. Ao longo dos versos o eu-lírico vai transparecendo a sua forma de amar: urgente, repleta de desejo e pressa, um jeito de amar que não se contém.

Para ilustrar o modo de amar ideal do sujeito poético ele se refere a exemplos práticos e cotidianos: a partilha da cama, o cafuné no cabelo, a mania de espremer as espinhas das costas do amado.

Os versos diferenciam as duas formas de amar: a que o eu-lírico sente e a que ele gostaria de sentir. O que ele almejava era um amor sossegado, pleno de segurança, estabilidade e afeto, o que ele sente, por sua vez, é um amor afoito, desengonçado e afobado.

9. Janela

Janela, palavra linda.
Janela é o bater das asas da borboleta amarela.
Abre pra fora as duas folhas de madeira à-toa pintada,
janela jeca, de azul.
Eu pulo você pra dentro e pra fora, monto a cavalo em você,
meu pé esbarra no chão. Janela sobre o mundo aberta, por onde vi
o casamento da Anita esperando neném, a mãe
do Pedro Cisterna urinando na chuva, por onde vi
meu bem chegar de bicicleta e dizer a meu pai:
minhas intenções com sua filha são as melhores possíveis.
Ô janela com tramela, brincadeira de ladrão,
claraboia na minha alma,
olho no meu coração.

A janela é um objeto poético extremamente interessante: divide o lado de dentro do lado de fora e, ao mesmo tempo, permite que esses dois universos se vejam.

A janela é também um lugar de onde se assiste o mundo: vê-se quem fica e quem vai embora, acompanha-se as fases da vida dos conhecidos. É da janela que o eu-lírico registra inclusive momentos importantes da sua própria vida (a chegada do amado e o pedido de casamento).

Os versos cunhados por Adélia Prado são um elogio a esse objeto cotidiano que tantas vezes passa despercebido. O tom da lírica é solar, otimista, positivo. Ao celebrar a janela o sujeito poético, de certa forma, também celebra a vida.

Fonte:https://www.culturagenial.com/poemas-adelia-prado/

Referências

  1.  Nelly Novaes Coelho, Dicionário crítico de escritoras brasileiras: 1711-2001, 2002, Editora Escrituras, ISBN 978-85-7531-053-3, p. 25
  2.  «Aos 78, Adélia Prado não descansa: "O interessante da vida é a tarefa da vida"»Último Segundo - IG. 4 de maio de 2014. Consultado em 10 de setembro de 2014
  3.  Itau Cultural
  4.  «Pesar pela morte do escritor Rubem Alves»CRM-PR. 22 de julho de 2014. Consultado em 10 de setembro de 2014
  5.  «A Estilística Teopoética na obra de Rubem Alves»Maria Celeste de Castro Machado. 11 de fevereiro de 2001. Consultado em 10 de setembro de 2014
  6.  «UNICAMP perde Rubem Alves».Unicamp.br. 19 de julho de 2014. Consultado em 9 de outubro de 2014
  7.  «Opiniões acerca da obra de Adélia Prado»Tiro de Letra. Consultado em 19 de novembro de 2014
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