CRISTIANISMO E BUDISMO: SEMELHANÇAS,DIFERENÇAS E ORIGINALIDADES

 AS FACES DO SAGRADO: BUDISMO E CRISTIANISMO: Convergências e divergências  entre duas religiões mundiais.

Cristianismo e budismo: semelhanças, diferenças e originalidades

POR PE. LEO PESSINI *

Há três anos (2014-2020), fui escolhido para o ministério de animar a Ordem Camiliana (São Camilo, 1550-1614) presente hoje em 41 países, nos cinco continentes do planeta. Nos países asiáticos, temos inúmeras obras de assistência e educação no âmbito da saúde, hospitais, centros de acolhida para deficientes (físicos e mentais), crianças vítimas do vírus HIV/Aids, órfãs de pais, idosos abandonados, ex-portadores do mal de Hansen (leprosos).

Nesta parte do planeta, única pela sua história, cultura e religiões, o cristianismo é minoria.

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Tomemos por exemplo três países onde estamos presentes: A Tailândia, com 67 milhões de habitantes, os católicos são apenas 300 mil. O Vietnã, com quase 100 milhões de habitantes, tem uma fervorosa população católica de quase 10 milhões, e Taiwan (antiga Formosa), com 27 milhões de habitantes, onde temos apenas, 200 mil católicos.

Ampla maioria da população é budista e nos deparamos com centenas de templos, com cores exuberantes, espalhados em todos os recantos destes países. Para entender um pouco deste “mundo tão diferente”, deste contexto histórico, cultural e religioso, onde somos chamados a sermos artífices do chamado “diálogo inter-religioso” ajudou-me muito a leitura e reflexão de um livro do teólogo católico, Hans Kung, intitulado, Religiões do Mundo: em busca dos pontos comuns (Verus Editora, Campinas, 2004), que recomendo a todos os desejam aprofundar um pouco o mundo das religiões asiáticas, para além de informações turísticas comerciais. Trata-se de um verdadeiro GPS, que nos ajuda a navegar e viajar neste mundo multicolorido de crenças religiosas.

O que significa ser missionário e estar em terra de missão, como cristãos, se hoje não mais entendemos “missão” como uma cruzada para conseguir convertidos ao cristianismo? Seria suficiente apenas praticar obras de misericórdia, promoção humana e solidariedade junto aos mais vulneráveis destas sociedades? Os questionamentos hoje são muitos, mas independentemente de credo, são pessoas humanas, seres humanos. Nossa visão de fé os vê como “imagem e semelhança de Deus”, e ouvimos isso hoje com muita frequência. Jesus também não exigiu ortodoxia de ninguém antes de fazer o bem, prestar alguma ajuda ou cura, por exemplo.

Hans Kung, com a autoridade de ser um dos maiores teólogos católicos do século XX, preparou esta obra para uma série de programas de televisão e discorre com muita simplicidade, mas com um profundo conhecimento, sabedoria humana e competência teológica, sobre as mais diferentes religiões daquela parte do mundo em particular: as religiões chinesas, o budismo, o hinduísmo (e suas várias tradições), o xintoísmo. Às religiões do mundo ocidental, discorre magistralmente sobre o judaísmo, o cristianismo e o islamismo (religiões monoteístas).

Kung destaca suas características fundamentais, seu desenvolvimento segundo as circunstâncias histórico e sócio-políticas, apontando suas idiossincrasias, mas, principalmente, realçando seus pontos comuns e o padrão ético subjacente a todas elas, que faz parte do seu projeto de ética global. Sem dúvida alguma, é uma obra que alcança o objetivo a que se propõe: ver no mundo a possibilidade de plantar a paz entre as pessoas, entre as religiões, entre as nações, em busca de uma ética mundial, de um etos universal. A tese básica deste livro é que “Não haverá paz entre as nações, se não houver paz entre as religiões".

Sigamos de perto as reflexões de Kung, vendo algumas características fundamentais do Budismo, começando pelas chamadas “quatro nobres verdades existenciais que buscam uma resposta para as perguntas fundamentais do ser humano, para entender e superar o mundo, assim como a própria vida.

1ª perguntaO que é o sofrimento? É a própria vida – nascimento, trabalho, separação, velhice, doença e morte. Tudo isso é sofrimento.

2ª perguntaDe vem o sofrimento? Ele vem da ânsia de viver, do apego às coisas, da ambição, do ódio e da cegueira. Mas isso leva a uma reencarnação após a outra.

3ª pergunta: Como o sofrimento pode ser superado? Desfazendo-se do desejo. Só assim é que se pode evitar um novo carma, que é resultado das boas e más ações; somente desta maneira se consegue impedir uma volta ao ciclo dos nascimentos.

4ª pergunta: Qual é o caminho para se chegar a isso? A via média da razão – sem ser escravo do prazer e nem da autopunição. As célebres oito ramificações que conduzem ao nirvana: Reto conhecimento e reta intenção: saber; reto falar, reto agir e reto viver: moralidade, ética; reto esforço, reta atenção e reta concentração

Neste artigo, vamos conhecer melhor algumas semelhanças entre Jesus e Buda, para ajudar-nos a entender melhor este mundo de valores cuja história se inicia nos séculos V e VI a.C., com a pregação de Sidharta Gautama, popularmente chamado de Buda.

Tanto Jesus como Gautama, em sua pregação, não se utilizam de uma língua sacra, mas sim da língua vulgar, ou seja, da linguagem do povo. Jesus usa o aramaico do povo judeu e Buda o dialeto indo-ariano. Ambos não codificaram e nem mesmo chegaram a lançar por escrito sua doutrina.

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Seus ensinamentos foram escritos de memória pelos seus discípulos, após suas respectivas mortes. Expõem seus valores utilizando provérbios, narrativas breves e parábolas simples, que todos entendem, tiradas da vida cotidiana acessíveis a todos, sem se prenderem a fórmulas ou dogmas.

Ambos se opõem à tradição religiosa e seus guardiões, à casta ritualista dos sacerdotes e doutores da lei, que são insensíveis com os sofrimentos do povo.

Ambos reúnem amigos, um círculo de discípulos e um grupo maior de seguidores em torno de si.

Para além destas semelhanças em suas condutas, temos também semelhanças em sua pregação. Eis algumas:

Ambos:

- Apresentam-se como mestres. A autoridade não vem de sua formação escolar ou acadêmica, mas sim da experiência extraordinária de uma realidade completamente diferente.

- Apresentam uma mensagem de alegria (o Dharma e o Evangelho), que exige das pessoas uma mudança de atitude (metanóia – “andar contra a corrente”) e uma confiança (shraddha – fé). Não se trata de uma ortodoxia, mas sim de uma ortopraxia.

- Partem da condição provisória e efêmera do mundo, do caráter transitório de todas as coisas e da não-redenção do homem. Tudo isso se evidencia na cegueira e na loucura, na situação caótica, no envolvimento com o mundo e na falta de amor para com os semelhantes.

- Não pretendem dar uma explicação do mundo, pôr em prática especulações filosóficas profundas ou uma casuística legal erudita.

- Apontam um caminho de libertação do egoísmo, da dependência do mundo, da cegueira. Isto se consegue não por uma especulação teórica nem pelo raciocínio filosófico, mas sim por uma experiência religiosa e por uma transformação interior.

- Para se chegar à salvação, ambos não exigem condições especiais de caráter intelectual, moral ou ideológico. Basta que o ser humano ouça, entenda, e daí tire suas conclusões. Ninguém é interrogado sobre sua fé, nem se exige nenhuma declaração de ortodoxia.

- O caminho é o do meio-termo entre o hedonismo e o ascetismo. Um caminho que permite que o ser humano se volte para o próximo com uma nova atitude de acolhimento. Para além dos mandamentos, que se correspondem amplamente em ambos, temos as exigências básicas de bondade e de alegria compartilhada, de compaixão amorosa (Buda) e de amor compassivo e samaritano (Jesus).

Desde seu início, o Budismo, que rejeita um deus criador todo-poderoso, se uniu em parte à religião popular e aos seus deuses, como à religião mago-xamanista oriunda do Tibete e ao tantrismo indiano. Os poderosos deuses da natureza, das montanhas, da tempestade e do granizo sempre precisam ser aplacados com invocações e dádivas. Os templos budistas muitas vezes são defendidos por dragões e serpentes, que no Oriente são venerados como seres sobrenaturais e benfazejos. Muitos estudiosos dizem que o budismo, na sua essência, trata-se fundamentalmente de uma disciplina moral de vida, antes de ser uma religião.

Professor, Pós doutorado em Bioética no Instituto de Bioética James Drane, da Universidade de Edinboro, Pensilvânia, USA, 2013-2014. Conferencista internacional com inúmeras obras publicadas no Brasil e no exterior. É religioso camiliano e atual Superior Geral dos Camilianos.


Segundo Hans Kung, a contribuição original do budismo para uma ética mundial seria a de que a pessoa sempre é desafiada a crescer e se auto-superar. Cada um tem que percorrer, por si próprio, o seu caminho. O que importa - e que também é decisivo - é esquecer o 'eu', exercitar-se na abnegação, renúncia e suscitar benevolência, em vez de rejeição e exclusão; compaixão, em vez de indiferença e insensibilidade; abertura e acolhida, em vez de inveja e ciúme; equilíbrio e segurança, em lugar de sede de poder, sucesso e prestígio.


Japão, China e Índia, encontram-se num profundo processo de transição para uma nova realidade. Nesta transição, é necessário que não sejam abandonadas as grandes conquistas da era moderna, mas superadas as limitações e suas desumanidades. Tal transição, que garanta um futuro para a humanidade nesta parte oriental do globo, tem de, obrigatoriamente, levar consigo como exigência não apenas ciência, mas também sabedoria, para evitar os abusos da pesquisa científica que transformam o ser humano em cobaia; não apenas tecnologia, mas também energia espiritual, para controlar os riscos imprevisíveis de uma tecnologia de alta eficiência; não apenas indústria, mas também respeito pela natureza e ecologia;  não apenas democracia, mas também uma ética que seja capaz de enfrentar os interesses das pessoas e grupos que estão no poder.

Num mundo sempre mais globalizado, temos pela frente como desafio fundamental elaborar uma ética de cunho global e mundial.  

*Professor, Pós doutorado em Bioética no Instituto de Bioética James Drane, da Universidade de Edinboro, Pensilvânia, USA, 2013-2014. Conferencista internacional com inúmeras obras publicadas no Brasil e no exterior. É religioso camiliano e atual Superior Geral dos Camilianos.

Fonte:https://www.a12.com/redacaoa12/igreja/cristianismo-e-budismo-semelhancas-diferencas-e-originalidades-i

https://www.a12.com/redacaoa12/igreja/cristianismo-e-budismo-semelhancas-diferencas-e-originalidades-ii


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