O Futuro da Influência (Foto: Arte: Victoria Polack)
O Futuro da Influência (Foto: Arte: Victoria Polack)
O futuro da influência digital: reflexões sobre conteúdo, responsabilidade e posicionamentos
- JULIA CARNEIRO (@CARNEIROJULIA)
O que são, onde vivem e do que se alimentam, isso todo mundo já sabe - as influenciadoras digitais não fazem questão de esconder. A pergunta é: para onde vão? Gabriela Prioli, Ma Tranchesi, Letticia Muniz e Anna Laura Wolff discutem os caminhos da profissão
Blogueira, blogueirinha, blogger, youtuber, videomaker, instagrammer, digital influencer, a menina do Instagram que desempacotava recebidos e fotografava o look do dia cresceu e agora é mulher: influenciadora digital, criadora de conteúdo e, a maior das responsas: formadora de opinião, seja qual for seu nicho.
"Acompanhar a vida dos outros sempre foi uma prática de comunidades, um jeito de estar em sociedade. Antigamente, se 'stalkeava' da janela da frente da casa, olhando as pessoas que passavam na rua e fazendo o mesmo tipo de interpretação que o advento das redes sociais proporciona atualmente", introduz a psicóloga Louise Madeira. As pessoas que influenciam se destacam desde sempre dentro de seus mundinhos. Mas, durante a quarentena, o trabalho delas ganhou holofotes fora das suas bolhas originárias, seja pelas ideias brilhantes, seja pela proporção das polêmicas. "O sucesso deste trabalho vem de ser relacionável: a influenciadora nasce para trazer identificação, proximidade com a vida do dia a dia. E as pessoas estão com muita vontade de voltar a esse lugar", reflete Iza Dezon, especialista em previsão de tendências e consultora do birô Peclers Paris. A pandemia, na opinião de Iza, foi só o agente catalisador de um comportamento que os "early adopters" (também conhecidos como as pessoas que pertecem ao grupo dos que "já conheciam/faziam/vestiam/comiam/ouviam tal coisa antes de ser mainstream") vêm adotando há algum tempo: a busca pelo o que é verdadeiro.
O universo do influencer digital nunca esteve tão palpável como em 2020. O Brasil entrou em um relacionamento (ainda mais) sério com os arrobas após o diretor de TV Boninho resolver confinar dez deles na mesma casa em seu Big Brother Brasil 20. Seria cômico se não fosse trágico o fato de que não demorou muito para que o resto do país estivesse também confinado e, do dia para a noite, se alimentasse de conteúdo criado por influencers, seja na televisão, seja no celular.
"Acompanhar a vida dos outros sempre foi uma prática de comunidades, um jeito de estar em sociedade"LOUISE MADEIRA
Com a licença da comparação ao BBB - é inévitável - as garotas que pareciam tão perfeitas no feed do Insta, durante o programa da Globo deram à sociedade um prato cheio do que ela queria: a verdade. Sem filtro, mega hair descolando, choro de soluçar e até pum em rede nacional. O fator humanidade fez com que Manu Gavassi e Rafa Kalimann, as duas influenciadoras que chegaram à final do programa, saíssem de lá com 14 e 13 milhões de seguidores no Instagram, mas que não foram suficientes para fazer nenhuma delas ganhar o prêmio. Sem a intenção de fama, Thelminha Assis, a grande vencedora da edição, tinha o fator "relacionável" mais relevante dentre os participantes: mulher, negra, bolsista, médica e, por conta de todas essas características, resiliente. E era exatamente disso que todo mundo precisava para se inspirar e seguir vivendo aqui fora. Fun fact: Thelma conseguiu mais votos tendo 6 milhões de seguidores no Instagram, menos da metade das outras duas finalistas. Você está pronta para essa conversa de números de seguidores versus engajamento?
CRIADORES DE CONTEÚDOS AUTÊNTICOS SÃO OS INFLUENCERS DO FUTURO
Se um dia a corrida por seguidores foi insana a ponto de empresas venderem perfis fakes para aumentar este número, hoje isso não faz o menor sentido. Não importa se você é uma influenciadora de viagem, política, moda ou comportamento, todas concordam neste aspecto. "Prefiro ter menos seguidores mas pessoas que de fato acreditam no meu trabalho e trocam experiências comigo!", disse Lettícia Munniz (@letticia.munniz) que usa seu Instagram principalmente para incentivar o comportamento body positive entre 539 mil pessoas. "Quanto mais fiéis e reais forem seus seguidores, melhor", opinou Marcella Tranchesi (@matranchesi), influenciadora de moda e lifestyle que começou de forma orgânica e hoje soma 504 mil seguidores no seu perfil. "Quanto mais engajamento, melhor. Porque aí quer dizer que seus seguidores se identificam com o que você fala de fato", completa Anna Laura (@anna.laura) influencer especialista em viagens e que carrega mais de meio milhão de followers no seu Instagram. Mais uma vez, a busca pelo real neste território digital é o que mais pesa na balança.
Por definição, a palavra "engajamento" significa: "participação ativa em assuntos e circunstâncias de relevância política e social, passível de ocorrer por meio de manifestação intelectual pública, de natureza teórica, artística ou jornalística, ou em atividade prática no interior de grupos organizados, movimentos, partidos etc." Perguntei ao 'comitê de influencers' que consultei para escrever essa matéria se existia uma fórmula mágica para se manter relevante e conquistar o cobiçado engajamento. Ao mesmo tempo que todas disseram que "não", todas também frisaram o mesmo ponto que norteia seus trabalhos: criação de conteúdo autêntico. "Cada vez fica mais evidente a diferença entre ser influencer e ser criador de conteúdo. Famosos podem ser influencers sem nenhum esforço. Pessoas realmente dedicadas são criadoras de conteúdo", pontuou Anna Laura. E a pandemia separou o joio do trigo neste contexto da profissão: "Conteúdos caseiros são agora 100% do que criamos. O que aconteceu, na minha visão, foram marcas percebendo a importância e relevância de uma história com conteúdo de verdade, já que o fundo de tudo é uma casa", pontuou Ma.
"Prefiro ter menos seguidores mas pessoas que trocam experiências comigo"LETTÍCIA MUNIZ
Percebeu que a "verdade" sempre vem à tona quando falamos sobre o que é relevante? Isso porque a sociedade passou por um momento de despertar digital, analisou Iza. A "vida perfeita" fez sucesso por um tempo nas redes porque as pessoas não entendiam os processos por trás de edição, publi post, facetune e filtros. O jogo virou. Os novos consumidores são nativos digitais e os millennials que estavam boiando já tiveram tempo para aprender como a banda toca. Este despertar força marcas a buscarem influencers que sejam reais e transmitam isso de fato. Ninguém mais compra hiprocrisias e bomba: nenhuma hipocrisia será perdoada.
RESPONSABILIDADE EM FOCO
O grande desafio da profissão é aceitar que o engajamento funciona para o bem e para o mal. Uma imagem de menos de 15 segundos pode resultar na perda de contratos e muitos R$ na conta. Por que o erro das influenciadoras é mais grave que o seu, uma mera arroba anônima? Grandes engajamentos vêm com grandes responsabilidades. "Não interpretou o significado de ser um influenciador", apontou o rapper Emicida se referindo à Gabriela Pugliesi, no recente caso em que a influencer deu uma festa em sua casa no período de quarentena. "Acho que essa atitude, ainda mais para um monte de gente que te segue e se inspira na sua vida saudável, foi inadmissível", falou Tatá Werneck diretamente à ela. Sabe qual foi a réplica da blogueira? "Tem razão". Mas Gabi percebeu tarde demais e a tréplica já tinha sido dada pelo público que, rapidamente, julgou a musa fitness, fazendo-a percorrer todo o corredor dos cancelados: perda de seguidores e trabalhos, gestão de crise, vergonha.
"O influenciador é tudo o que o seguidor gostaria de ser"LOUISE MADEIRA
Mas o que é ser um influenciador e de onde vem essa responsabilidade de dar o bom exemplo? Bom, mesmo sem intenção, quando um influenciador oferece este ticket de entrada à sua vida, ele constrói uma relação social com sua comunidade baseada em três elementos que a psicóloga Louise explica (a mente humana tem uns comportamentos malucos, mas isso você deve saber): admiração, idolatria e identificação. É neste último que mora o dever social: "O influenciador é tudo o que o seguidor gostaria de ser. Nessa identificação, se eu fizer o que ela faz, minha vida será perfeita também. A autoridade fica, então, estabelecida, porque é essa pessoa que vai ditar as regras que eu preciso seguir para alcançar esse suposto modelo de vida ideal e feliz." Um bom comportamento é replicado por milhões de pessoas. O ruim também.
A forma extremista com a qual a internet lida com os erros da influencer é, muitas vezes, um reflexo de como as redes sociais condicionam o comportamento humano: "Os extremos são conceitos menos reflexivos. Refletir é um esforço que a sociedade pós-moderna se recusa a fazer porque demanda tempo, leitura, dedicação, e retarda o prazer imediato. Que prazer é esse? O prazer de pertencer a um grupo. A ilusão da atuação social. A rede social (que é o espaço maior de manifestação de posições pessoais) apresenta os conteúdos como questões de duas escolhas: Você curte ou não curte? Isso vai moldando nosso jeito de nos colocar diante das questões", analisa Louise. De uma forma muito chique, a especialista correlaciona o raciocínio à famosa "cultura do cancelamento", que, segundo ela, tem sua base em argumentos fraquíssimos e deveria ser cancelada já (rs).
Gabriela Prioli, advogada criminalista e recém-chegada à profissão de influenciadora com seus 1 milhão de seguidores, diz que não foi cancelada "ainda" - como a própria ponderou - mas não enxerga como essa mania da internet pode ser produtiva. "A crítica deve servir para construir. É por meio da crítica que alguém tem a chance de se aperfeiçoar. Pensar que alguém nunca vai errar é presumir que essa pessoa é perfeita. Isso não existe."
Para os que gostam de praticar o otimismo a qualquer custo, eis aqui então algo benéfico que pode sair do cancelamento: a movimentação tamanha traz à tona, com total clareza, a relevância da presença da influencer digital na sociedade. O influenciador do futuro tem que estar preparado para assumir esta responsabilidade.
É PRECISO SE POSICIONAR PARA SER RELEVANTE NO FUTURO?
Quer dizer então que para ser um bom influenciador eu sempre vou ter que ter uma opinião sobre tudo? Claro que não. Mas se certo assunto atinge a vida dos participantes da sua comunidade, ele entra no combo da responsabilidade de ser porta-voz de opiniões coerentes. Eu poderia tentar explicar, mas Gabriela o fez melhor: "Acho que faz parte do papel de todo cidadão se posicionar diante de assuntos relevantes para a sociedade, ainda que fora do seu nicho de trabalho. Devemos, entretanto, pensar no quanto isso deve ser encarado como um projeto público. Na minha visão, alguém deve usar a sua influência para defender um assunto - podendo ser ele um projeto político ou uma visão de mundo - só depois de se sentir seguro e confortável pra isso. Pode ser por ter estudado, pode ser por ter adotado a visão de alguém em quem confia. No geral, quando pressionamos alguém pra se manifestar ainda que essa pessoa não se sinta pronta pra isso, não pensamos nos efeitos negativos que isso pode produzir. Dou um exemplo: um artista que não entende absolutamente nada sobre medicamentos deveria falar para os seus milhões de seguidores sobre o uso de um medicamento durante uma pandemia? Eu acho que não. Prefiro que a influência seja exercida de forma responsável. E aí nós talvez precisemos conscientizar os artistas relevantes sobre o quão importante seria eles entenderem melhor pra ajudar num processo maior de conscientização."
" Famosos podem ser influencers sem nenhum esforço. Pessoas realmente dedicadas são criadoras de conteúdo"ANNA LAURA
Viver uma pandemia obriga todos, criadores e expectadores, a revolucionar a maneira de ver o mundo e ser mais seletivo quanto a tudo que consumimos, até o conteúdo. E sim, conteúdos de música, arte, moda, beleza, terapia, meditação, culinária, finanças, jogos etc seguem necessários. O que muda, daqui para frente, é que, se um dia eles foram insentos de responsabilidade, agora não são mais.
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