O que o isolamento tem trazido de positivo ao ser humano? (Foto: Pixabay)
Monja
Coen, pastor Henrique Vieira e outros religiosos: as lições do Coronavírus
O que o
isolamento tem trazido de positivo para a humanidade? Em meio a tantas notícias
negativas e tragédias provocadas pela pandemia de Covid-19, religiosos ligados
ao budismo, catolicismo, espiritismo, judaísmo, candomblé e de uma igreja
evangélica ensinam a lidar com o isolamento e a crise
RAPHAELA CUNHA
DO HOME OFFICE
06 JUN 2020 - 08H18 ATUALIZADO EM 06 JUN
2020 - 08H18
Nunca se disse tanto a
palavra isolamento. Desde que o
afastamento social foi recomendado como principal medida para evitar a
disseminação da Covid-19, um clima de insegurança se espalhou pelo planeta.
Histórias trágicas tomaram conta das manchetes, provocando uma onda de
angústia, tristeza e ansiedade, mas também revelando ações sociais, solidariedade
e empatia.
De países com Espanha e Itália, por exemplo, dois dos mais afetados pela pandemia de coronavírus, surgiram cenas como vizinhos dançando e cantando nas sacadas dos apartamentos para espantar a solidão. Na França, todas as noites, sempre no mesmo horário, as pessoas vão à janela para aplaudir os profissionais de saúde e, na Colômbia, policiais apareceram em vídeos dando aulas de cumbia.
De países com Espanha e Itália, por exemplo, dois dos mais afetados pela pandemia de coronavírus, surgiram cenas como vizinhos dançando e cantando nas sacadas dos apartamentos para espantar a solidão. Na França, todas as noites, sempre no mesmo horário, as pessoas vão à janela para aplaudir os profissionais de saúde e, na Colômbia, policiais apareceram em vídeos dando aulas de cumbia.
No Brasil, não está sendo
diferente. A sociedade civil se organizou para tentar minimizar o impacto da
epidemia entre pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade, criando
mutirões em comunidades, distribuição de cestas básicas, entre outras atitudes
essenciais para evitar que a tragédia seja ainda maior.
Mesmo isolados, podemos
continuar atuando (ou começar a atuar) em favor do próximo e refletir sobre
quais lições tirar desse momento, Para isso, Marie
Claire ouviu líderes religiosos de diversas práticas que dão
lições sobre o que aprender com essa pandemia.
Confira
os depoimentos:
Budismo
- Monja Coen
Monja Coen
(Foto: reprodução/instagram)
"Aprendemos
que não há fronteiras através da pandemia. Que somos uma única espécie - uma
única família biológica. Independentemente do país, da educação, da etnia, da
cultura, somos humanos. Sendo pessoas humanas somos semelhantes - não
iguais".
Todos podem
ser contaminados - jovens e idosos, ricos e pobres, independemente de posições
políticas e de pensamentos filosóficos. Somos todos seres humanos e todos
podemos contaminar ou ser contaminados. Sabemos muito pouco sobre o vírus e seu
comportamento, que varia de país a país. E só vamos passar por essa pandemia
com menos dores e sofrimentos se estivermos unidos e cooperarmos.
Ficar em casa. Usar máscara se precisar ir à rua. Há pessoas que não entendem a gravidade e continuam nas ruas como se nada houvesse. É uma situação gravíssima. Vai passar? Sim. Tudo passa. Mas, ao passar, levará muitas vidas e deixará muitas sequelas - físicas, emocionais e econômicas. Não adianta desesperar. A esperança nos estimula a continuar. O mais importante agora é reconhecer o perigo, sentir medo, sim, e, por isso, cuidar de si e de todos.
Seguir as orientações dos especialistas em saúde. O resto, cuida-se depois. Primeiro, a vida. Há movimentos solidários, pessoas compartilhando alimentos, outras produzindo máscaras. Empresas gerando respiradores, álcool em gel. Pessoas cantando. Bombeiro tocando música na escada alta. Há o amor crescendo. Há pessoas cumprindo as recomendações. Ruas vazias, lojas fechadas. Pois compreenderam a importância da vida, de cada vida.
Ficar em casa. Usar máscara se precisar ir à rua. Há pessoas que não entendem a gravidade e continuam nas ruas como se nada houvesse. É uma situação gravíssima. Vai passar? Sim. Tudo passa. Mas, ao passar, levará muitas vidas e deixará muitas sequelas - físicas, emocionais e econômicas. Não adianta desesperar. A esperança nos estimula a continuar. O mais importante agora é reconhecer o perigo, sentir medo, sim, e, por isso, cuidar de si e de todos.
Seguir as orientações dos especialistas em saúde. O resto, cuida-se depois. Primeiro, a vida. Há movimentos solidários, pessoas compartilhando alimentos, outras produzindo máscaras. Empresas gerando respiradores, álcool em gel. Pessoas cantando. Bombeiro tocando música na escada alta. Há o amor crescendo. Há pessoas cumprindo as recomendações. Ruas vazias, lojas fechadas. Pois compreenderam a importância da vida, de cada vida.
"Podemos apreciar este ficar em casa. Adentrar o mais íntimo de nós mesmas e apreciar cada instante da vida""
Monja Coen
Basta olhar.
Os pássaros continuam cantando, as plantas se reproduzindo, os animais
brincando. A vida continua. A vida é mais poderosa que o vírus. Embora este
seja muito poderoso e contagioso. O vírus, uma molécula de proteína com uma
capa de gordura, é frágil e quer viver. Sua sobrevivência depende de se
instalar numa célula humana. Isso causa uma grande confusão no nosso
sistema e pode levar até a morte".
Sabendo disso, as pessoas estão colaborando, cuidando dos idosos solitários, o governo de São Paulo fornece três refeições por dia de 50 centavos a R$ 1... Podemos apreciar este ficar em casa. Adentrar o mais íntimo de nós mesmas e apreciar cada instante da vida.
"Podemos ler, conversar, estudar, brincar, meditar e ser feliz. Nossa vida está onde estamos. Caminhe um pouco, agite os braços e sorria - aprecie sua vida!".
Evangélica - Pastor Henrique Vieira
Sabendo disso, as pessoas estão colaborando, cuidando dos idosos solitários, o governo de São Paulo fornece três refeições por dia de 50 centavos a R$ 1... Podemos apreciar este ficar em casa. Adentrar o mais íntimo de nós mesmas e apreciar cada instante da vida.
"Podemos ler, conversar, estudar, brincar, meditar e ser feliz. Nossa vida está onde estamos. Caminhe um pouco, agite os braços e sorria - aprecie sua vida!".
Evangélica - Pastor Henrique Vieira
Pastor
Henrique Vieira (Foto: reprodução/instagram)
"Podemos aprender sobre a vulnerabilidade da vida, a fragilidade da existência humana. Esta condição é permanente. Não temos controle sobre todas as variáveis da vida. Esta perspectiva não deve nos levar ao desespero, mas provocar em nós a valorização das coisas simples e singelas, do tempo presente. Deve nos levar ao cuidado conosco e com o próximo. Deve nos despir de toda vaidade e ganância e abrir nosso peito para um encontro fraterno com a humanidade. Diante da nossa fragilidade podemos dar um sentido mais intenso e amoroso para nossa existência. Olhar para dentro e acolher nossa fragilidade e olhar para fora e amar a humanidade e toda Natureza da qual ela faz parte.
"Podemos e devemos chorar com integridade, mas sem ceder ao desespero. Precisamos ter calma e olhar para o lado, para os que mais precisam, para os mais sofrem. O desespero é infrutífero""
Pastor Henrique Vieira
Não devemos
nos desesperar, mas refletir, olhar para dentro e para fora. O desespero nos
rouba a perspectiva de futuro, potencializa cenários trágicos, sequestra a
capacidade de atravessar a crise. A humanidade já passou por momentos assim e
atravessará esse também. Podemos e devemos chorar com integridade, mas sem
ceder ao desespero. Precisamos ter calma e olhar para o lado, para os que mais
precisam, para os mais sofrem. O desespero é infrutífero.
A calma é necessária justamente para que possamos ver o que de bom acontece em meio ao caos. Infelizmente tem morte, tristeza, perdas e rupturas. É preciso ter solidariedade e compaixão. Mas também tem recuperação, caminhos de saída para a crise, conhecimento humano acumulado ao longo da história nos ajudando a atravessar esse momento. Também tem manifestações de amor e de amizade, redes solidariedade e arte. E Deus, com sua presença solidária e amorosa, assumindo conosco a beleza e o drama da vida. Deus que é amor e com amor participa da nossa existência chorando nossas lágrimas, sorrindo nossas alegrias e cantando nossas canções. O sol não deixa de brilhar mesmo em dias chuvosos! Fé na vida, confiança na bondade e perseverança no amor!"
Espírita - Zumara Paiva - Presidente da Fraternidade Espírita Assistencial Obreiros da Caridade
A calma é necessária justamente para que possamos ver o que de bom acontece em meio ao caos. Infelizmente tem morte, tristeza, perdas e rupturas. É preciso ter solidariedade e compaixão. Mas também tem recuperação, caminhos de saída para a crise, conhecimento humano acumulado ao longo da história nos ajudando a atravessar esse momento. Também tem manifestações de amor e de amizade, redes solidariedade e arte. E Deus, com sua presença solidária e amorosa, assumindo conosco a beleza e o drama da vida. Deus que é amor e com amor participa da nossa existência chorando nossas lágrimas, sorrindo nossas alegrias e cantando nossas canções. O sol não deixa de brilhar mesmo em dias chuvosos! Fé na vida, confiança na bondade e perseverança no amor!"
Espírita - Zumara Paiva - Presidente da Fraternidade Espírita Assistencial Obreiros da Caridade
Espírita -
Zumara Paiva - Presidente da Fraternidade Espirita Assistencial Obreiros da
Caridade (Foto: Arquivo Pessoal)
"Na visão espírita, tudo o que acontece, pode trazer crescimento e aprendizado às pessoas, mesmo trazendo dor e sofrimento. É a forma que o Criador "Deus" tem para ensinar e fazer com que as pessoas evoluam. Lógico que o aprendizado não é unânime, porque cada um absorve as lições da vida e as exercita em seus limites, mas sempre é um passo a mais.
"O que está acontecendo é a lição, agora a prova será depois que tudo terminar, porque se não continuarmos a pensar uns nos outros vai ser mais difícil reestruturar o nosso país""
Zumara Paiva
A maior lição
que estamos tirando disso tudo é o olhar para o próximo, agir em prol do todo e
não só de si mesmo. Se você observar como estávamos envolvidos em nossas vidas,
sempre querendo e pensando só em benefícios próprios, todos tivemos que parar e
reavaliar muitas coisas. O que está acontecendo é a lição, agora a prova será
depois que tudo terminar, porque se não continuarmos a pensar uns nos outros
vai ser mais difícil reestruturar o nosso país.
Então a maior lição é "amar ao próximo como a ti mesmo". Se desesperar, jamais. Nossa fé em vidas eternas não nos permite isso, porque sabemos, e temos a certeza de que nada acontece por acaso. Sempre temos o amparo dos mentores espirituais que estão ativamente trabalhando em prol de todos. Temos sim que nos acalmar enviando energias de amor e luz para o planeta, para que o bem ocupe o seu lugar protegendo a tudo e todos. Enxergar coisas boas quando a dor está tão presente é uma virtude que deveríamos estar treinando a muito tempo. Não só as religiões, como grandes estudiosos da mente humana, sempre estão nos estimulando a ver o que de bom temos, para que possamos ter mais equilíbrio emocional, como não ver coisas boas em tudo que tantos estão se movimentando para cuidar de quem não conhece. A caridade está sendo incentivada".
Então a maior lição é "amar ao próximo como a ti mesmo". Se desesperar, jamais. Nossa fé em vidas eternas não nos permite isso, porque sabemos, e temos a certeza de que nada acontece por acaso. Sempre temos o amparo dos mentores espirituais que estão ativamente trabalhando em prol de todos. Temos sim que nos acalmar enviando energias de amor e luz para o planeta, para que o bem ocupe o seu lugar protegendo a tudo e todos. Enxergar coisas boas quando a dor está tão presente é uma virtude que deveríamos estar treinando a muito tempo. Não só as religiões, como grandes estudiosos da mente humana, sempre estão nos estimulando a ver o que de bom temos, para que possamos ter mais equilíbrio emocional, como não ver coisas boas em tudo que tantos estão se movimentando para cuidar de quem não conhece. A caridade está sendo incentivada".
Candomblé
- Pai Rodney de Oxóssi, babalorixá e antropólogo
Pai Rodney
de Oxóssi (Foto: Arquivo Pessoal)
"Tem muita coisa para a
gente aprender, mas o meu ensinamento vem dos Orixás. Há um Orixá no candomblé
que cuida da doença e da saúde. E é justamente o que comanda esses momentos de
pandemia e a saudação desse Orixá é Atotô, e o nome dele é Obaluaiê que
significa silêncio. Então, neste momento, Obaluaiê, que é O Senhor da Terra,
orixá saudado com Atotô, nos recomenda silêncio em momentos como esse. É um
momento de reflexão e recolhimento para todos nós. É hora de pensar em tudo o
que a humanidade tem feito.
É isso o que
eu tenho recomendado às pessoas nesta pandemia: a obrigatoriedade do
recolhimento e da introspecção para refletir sobre tudo o que a humanidade tem
feito e sobre os valores que nós temos levado adiante nessa sociedade de
consumo desenfreado. As questões da acumulação de bens e de capitais... Até que
ponto isso vale a pena. Eu acho que é um momento para a gente pensar nisso
também.
"O tempo é de cuidado, mas não de desespero. O momento da doença e pandemia nos ensina sobre empatia e solidariedade."
Pai Rodney de Oxóssi, babalorixá
Obviamente,
não é hora de se desesperar, mas não devemos abusar. O tempo é de cuidado, mas
não de desespero. Seguir as prescrições e cuidar por você e pelos outros. O
momento da doença e pandemia nos ensina sobre empatia e solidariedade. Então,
fica também esse aprendizado.
Nas religiões
de matriz africana, assumimos a morte e a doença. A gente assume que a doença
pode ser uma realidade na vida de qualquer um, assim como a morte é uma
realidade na vida de todos nós. Dizemos que a morte nos visita todos os dias. A
morte não precisa da doença, da idade. Ela pode vir por vários motivos. Ela
anda o tempo todo com a vida. Quando a gente assume a morte, a gente vive
melhor porque aproveita os momentos de felicidade e alegria.
No Candomblé, temos um período de reclusão durante os processos de iniciação. Neles, as pessoas são privadas de uma série de coisas de várias ordens: comportamentais, alimentares... Então, tem uma série de coisas que não podemos fazer e comer nesse período de reclusão. Por um certo tempo, a pessoa que está em reclusão não pode abraçar, participar de festividades ou eventos sociais. É um momento para redescobrir o sabor das coisas. Nós temos um período de reclusão e não podemos fazer certas coisas, que é mais ou menos o que está acontecendo na sociedade como um todo. No Candomblé, a gente já faz isso. E isso nos ensina a dar valor aos pequenos gestos e às coisas simples da vida. Acho que a pandemia vai ensinar isso às pessoas: dar valor as coisas simples da vida, a um abraço, à convivência com a família. Quanto a sociedade, vamos perceber que o dinheiro não é riqueza".
No Candomblé, temos um período de reclusão durante os processos de iniciação. Neles, as pessoas são privadas de uma série de coisas de várias ordens: comportamentais, alimentares... Então, tem uma série de coisas que não podemos fazer e comer nesse período de reclusão. Por um certo tempo, a pessoa que está em reclusão não pode abraçar, participar de festividades ou eventos sociais. É um momento para redescobrir o sabor das coisas. Nós temos um período de reclusão e não podemos fazer certas coisas, que é mais ou menos o que está acontecendo na sociedade como um todo. No Candomblé, a gente já faz isso. E isso nos ensina a dar valor aos pequenos gestos e às coisas simples da vida. Acho que a pandemia vai ensinar isso às pessoas: dar valor as coisas simples da vida, a um abraço, à convivência com a família. Quanto a sociedade, vamos perceber que o dinheiro não é riqueza".
Kabbalah -
Shmuel Lemle
Kabbalah -
Shmuel Lemle (Foto: Arquivo Pessoal)
"Desesperar
jamais. Despertar. Devemos nos despertar. A dor é uma mensagem. Alguém está
batendo na porta. Se você não abre logo, a pessoa bate cada vez mais forte.
Quando você ouve a mensagem e abre a porta, quer dizer, evolui e se transforma,
a luz entra e a dor desaparece. Tem que ouvir a mensagem e aprender a lição:
não há espaço para uma visão egoísta, cada um pensando somente em si mesmo. O
eu precisa ser trocado pelo nós.
"Quanto maior a luz maior a sombra. Saiba que se há muita escuridão - e há - com certeza há muita luz por trás""
Shmuel Lemle
A cura, muitas, vezes é amarga.
Estamos mesmo numa mudança de era. Com certeza sairemos disso mais evoluídos em
nível de consciência. Sempre que a luz se revela primeiro, vem um momento de
ocultação e aparente escuridão, para depois vir a revelação e a plenitude.
Quanto maior a luz, maior a sombra. Saiba que se há muita escuridão - e há -,
com certeza há muita luz por trás".
Católica
- Padre Júlio Lancelotti
Padre Júlio
Lancelotti (Foto: reprodução/instagram)
"Podemos
aprender a resistir. A cuidarmos uns dos outros. A superar as
desigualdades e ter compromisso com os mais pobres e abandonados. A
prática da solidariedade nos faz ver a solidariedade. A percepção é seletiva:
só percebemos o que queremos. O compromisso nos transforma".
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