Ondas cerebrais são lidas e transformadas em texto
Pesquisadores
traduzem os sinais elétricos do cérebro em palavras e frases completas
O sonho ou o
pesadelo, de acordo com o ponto de vista, de ler a mente está um pouco mais
próximo. Pesquisadores europeus conseguiram registrar ondas cerebrais e
transformá-las em letras, palavras e até frases completas. O sistema, formado
por uma interface cérebro-máquina, pôde reconstruir 50% das palavras de uma
frase, índice muito bom. A notícia ruim é que para consegui-lo é preciso abrir
a cabeça para colocar os eletrodos diretamente no cérebro.
Atrás de cada
pensamento, emoção e ação existe uma torrente eletroquímica nos neurônios do
cérebro. Esses sinais elétricos podem ser registrados e os neurocientistas há
décadas estudam as ondas cerebrais buscando o significado de cada sinal.
Criaram gorros cheios de eletrodos que, colocados sobre a cabeça, permitem, por
exemplo, uma espécie de comunicação telepática. Dessa forma, em 2014,
pesquisadores norte-americanos conectaram dois cérebros à distância. Mas é
possível ler a mente de uma pessoa em coma? Os humanos poderão se comunicar com
as máquinas somente com o pensamento?
Um grupo de pesquisadores alemães e
norte-americanos não conseguiu ler a mente, mas foi bem-sucedido em transformar
as ondas cerebrais em texto com um alto grau de acerto. Projetaram uma
interface cérebro-máquina que registra as mudanças de potência nos sinais
elétricos do cérebro. Mediante uma técnica de inteligência artificial (aprendizagem de
máquinas), o sistema foi sendo afinado até fazer com que cada mudança elétrica
correspondesse a um fone, segmento básico do som e que pode ser equiparado a
uma letra. Após o treinamento, a interface conseguiu decodificar palavras e até
frases.
“Nosso sistema decodifica frases completas”, diz o pesquisador
do Laboratório de Sistemas Cognitivos do Instituto Tecnológico de Karlsruhe
(Alemanha) e coautor da pesquisa, Christian Herff. “Conseguimos decodificar em
média 7,5 palavras em cada 10, mas somente quando existiam 10 palavras a
escolher. Se o sistema pudesse escolher entre 100, conseguimos acertar quatro
de dez”, explica. Sobre os fones, o sistema reconhecia por volta de 50%. “Mas
não é preciso acertar 100%”, diz Herff. “Ao usar um dicionário que nos mostra
como as palavras são produzidas (por exemplo, olá é o l á) e um modelo de
linguagem, isso nos oferece a probabilidade da palavra seguinte”, acrescenta.
Dessa forma usaram uma espécie de adivinhador de textos para completar as
lacunas.
A técnica utilizada para ler a mente é conhecida como
eletrocorticografia (ECoG) intracranial. É a melhor maneira que existe para
registrar as ondas cerebrais já que oferece maior resolução espacial e
temporal. Mas também é a mais invasiva. Ao contrário de outros métodos, como o
eletroencefalograma, os eletrodos não são colocados na cabeça, mas diretamente
sobre o cérebro, fazendo com que o sinal seja mais claro e não sofra
interferência do crânio e do couro cabeludo.
O estudo foi realizado com epiléticos nos quais foram colocados
eletrodos diretamente no cérebro
Os pesquisadores tiveram a rara oportunidade de poder realizar
várias sessões de ECoG em sete pessoas com epilepsia aguda que teriam o foco
epilético extirpado. Com uma janela aberta em seu cérebro, os voluntários
tiveram de ler em voz alta fragmentos de textos históricos, como o discurso de
posse de John Fitzgerald Kennedy. Os pesquisadores
gravaram tanto o áudio como a atividade de ondas gama de áreas cerebrais
conhecidas por seu papel no processamento da fala. O passo seguinte foi
parcelar em segmentos de 50 milissegundos os dois sinais e deixar que a
interface encontrasse correspondências entre a atividade cerebral e os sons.
“Focamos o estudo nas ondas gama de alta frequência (entre 70 e
170 hertz). Essa frequência é conhecida por refletir a atividade muito
localizada de funções especializadas do cérebro”, explica Herff. Das cinco
ondas cerebrais que a atividade elétrica do cérebro emite, a gama é a de maior
frequência e menor amplitude e reflete picos de grande atividade cerebral como
a produzida durante a fala.
O sistema traduziu ondas cerebrais em fonemas, palavras e frases
com até 50% de acerto
Para os pesquisadores, que publicaram seus resultados na revista
especializada Frontiers
in Neuroscience, é somente o primeiro passo para a comunicação
mental entre humanos e máquinas. Além disso, segundo Herff, “um sistema que usa
padrões de fala pode permitir aos pacientes incomunicáveis relacionarem-se de
novo com as pessoas ao seu redor, mas ainda falta tempo para isso”.
É preciso abrir a cabeça
Para o pesquisador da empresa Starlab, Giulio Ruffini, que não
tem ligação com essa pesquisa, os resultados são muito interessantes porque
demonstram que é possível traduzir a atividade elétrica em informação. “Não
deveria ser uma surpresa, já que o cérebro é um órgão elétrico e com o ECoG é
possível registrar bem essa atividade elétrica, mas não deixa de ser um bom
resultado mostrar que é possível extrair fones dessa maneira”, opina.
Ruffini, que trabalha no desenvolvimento de interfaces
cérebro-máquinas, já demonstrou em 2014 que é possível enviar pensamentos de um
cérebro a outro situado a milhares de quilômetros de distância. Para ele, não
se pode dizer que o pensamento esteja sendo lido no sentido literal, “é preciso
entender que é a atividade motora da fala que está sendo decodificada”, diz. O
avanço definitivo seria, segundo Ruffini, que um sistema como esse pudesse
decodificar no modo leitura silenciosa, sem mover um músculo da língua, ou
seja, os pensamentos: “Se isto for feito, já estaremos mais próximos de poder
dizer que estamos lendo a mente”.
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