CORONAVÍRUS PODE SE MULTIPLICAR NOS NEURÔNIOS,MOSTRA ESTUDO DA UNICAMP


Célula invadida pelo Sars-Cov-2. Foto: National Institute of Allergy and Infectious Diseases / AFP

Célula invadida pelo Sars-Cov-2. Foto: National Institute of Allergy and Infectious Diseases / AFP

Coronavírus pode se multiplicar nos neurônios, mostra estudo da Unicamp

Estima-se que 30% dos pacientes com Covid-19 apresentem algum tipo de sintoma no sistema nervoso

Ana Lucia Azevedo
08/05/2020 - 04:30 / Atualizado em 08/05/2020 - 08:05

Cientistas brasileiros conseguiram demonstrar que o coronavírus pode infectar e se multiplicar nos neurônios humanos. A Covid-19 tem sido associada a uma série de distúrbios neurológicos, que vão desde de desorientação a encefalites, indicadores de comprometimento do cérebro.
Estima-se que 30% dos pacientes com Covid-19 apresentem algum tipo de sintoma no sistema nervoso. Porém, não se sabe ainda se esses distúrbios são causados pelo ataque direto do Sars-CoV-2, pela reação descontrolada do sistema imunológico em resposta a ele ou às duas coisas.
O estudo com neurônios infectados pode ajudar a responder a essa questão e a melhorar o diagnóstico e o tratamento da Covid-19
O grupo de Daniel Martins-de-Souza, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), trabalhou com linhagens de neurônios humanos comumente cultivadas em laboratório e também com aqueles derivados de células-tronco pluripotentes (IPS). Esses últimos são resultado de uma colaboração com o grupo do neurocientista Stevens Rehen, da UFRJ e do Instituto D’Or de Ensino e Pesquisa.
O trabalho foi realizado em apenas um mês, resultado de um projeto da força-tarefa da Unicamp, financiada pela Fapesp, e continua em andamento.
- Estamos no início. Mas vimos que o coronavírus não só entra como se multiplica com facilidade nos neurônios em cultura. Nosso próximo passo será investigar as alterações que ele provoca dentro dos neurônios. Não sabemos como ele impacta o funcionamento dessas células e, por conseguinte, do sistema nervoso - afirma Martins-de-Souza.
O grupo também investigará a ação do coronavírus nas células da glia, os astrócitos. Essenciais para o funcionamento dos neurônios, eles são as células mais abundantes do sistema nervoso central.
A porta de entrada do coronavírus nos neurônios é a mesma usada para invadir as do sistema respiratório. São proteínas chamadas ECA-2 (enzima conversora de angiostensina 2). A proteína espícula (ou spike) do Sars-CoV-2 funciona como chave para entrar na célula humana. A ECA-2 é a fechadura.
Já se imaginava que o coronavírus pudesse invadir qualquer célula que tenha ECA-2 na superfície. E essas moléculas são abundantes não apenas em células dos pulmões, mas também nas de coração, fígado, rins, vasos sanguíneos e do cérebro.
- Ao que tudo indica, o coronavírus pode invadir qualquer célula que tenha ECA-2, mas precisamos entender como ele faz isso nos neurônios e por que só algumas pessoas manifestam sintomas neurológicos. Isso pode estar relacionado, por exemplo, à forma como ele entra no organismo humano - diz o pesquisador.

Porta de entrada para o vírus

Uma das hipóteses para a perda de olfato, agora considerada um dos sintomas mais característicos da Covid-19, é que o vírus entre pelo nariz, se multiplique no nervo olfatório e o use para chegar ao cérebro.
Uma das coisas que o grupo da Unicamp quer descobrir é se o Sars-CoV-2 infecta qualquer neurônio ou se tem preferência a se multiplicar dentro de algum tipo específico. O sistema nervoso tem uma multidão de neurônios com funções específicas, alguns estão ligados aos sentidos, outros à cognição e há aqueles relacionados a funções básicas do organismo, como respiração e batimentos cardíacos. A concentração de ECA-2 também varia entre eles.
Essa proteína está ligada ao controle da pressão sanguínea. Mas os pesquisadores suspeitam que ela possa desempenhar outras funções. Como o coronavírus impacta cada uma delas e o que isso representa para o desenvolvimento da Covid-19 são questões ainda sem resposta.
Outro desafio é que a ECA-2 pode não ser a única porta de entrada para as células.
- Há evidências que ele entra por outras portas em nossas células. Estamos no início - diz o neurocientista.



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