Agressividade,
desobediência, isolamento, distúrbios de sono, alteração de apetite e falta de
ar são alguns dos sintomas que crianças com estresse tóxico podem apresentar,
de acordo com a doutora em neuropediatria Liubiana Arantes de Araújo(foto: Pixabay
Crianças
podem sofrer estresse tóxico devido à pandemia
Pediatra diz que pais
devem priorizar atenção aos filhos e estar atentos a sintomas de ansiedade e
depressão
A Covid-19 é especialmente grave para
idosos e pessoas com determinadas comorbidades, mas a pandemia transformou a
vida de todos. Mesmo sendo o grupo com menor chance de complicações
relacionadas à doença, as crianças também têm sofrido com as consequências
sociais do novo coronavírus, com o isolamento em casa, falta de convívio com
colegas e escola, mudança repentina da rotina, afastamento de familiares e
amigos queridos e restrição de espaço para brincar, correr, tomar sol - fora a
tensão geral relativa às incertezas do momento.
A doutora em
neuropediatria Liubiana Arantes de Araújo: "O isolamento social repentino
e drástico pode ter consequências graves, caso os cuidadores não deem a devida
atenção e ajudem os filhos a passar pelo processo"(foto: Arquivo pessoal)
Conversamos com a doutora em neuropediatria
Liubiana Arantes de Araújo, presidente do departamento científico de
desenvolvimento e comportamento da Sociedade Brasileira de Pediatria, segundo
quem as crianças têm apresentado sintomas de estresse tóxico (aquele que é
contínuo ou muito elevado e que supera a capacidade da pessoa de lidar com essa
adversidade) no confinamento. Algumas das alterações indicadas pelos pais são
agressividade, desobediência, isolamento, distúrbios de sono, alteração de
apetite, falta de ar. A pediatra está conduzindo uma pesquisa, no momento, para
se aprofundar nesse aspecto da pandemia. "O isolamento social repentino e
drástico pode ter consequências graves, caso os cuidadores não deem a devida
atenção e ajudem os filhos a passar pelo processo", explica. "Se a
família não tiver olhar cuidadoso para essas crianças, vamos ter consequências
irreversíveis nessa geração". Confira:
Qual o
impacto do isolamento social nas crianças?
A pandemia causou mudança muito abrupta e acentuada
para todas as famílias, ninguém teve tempo de se organizar para lidar com
situação tão adversa. Acumulamos atividades dentro de casa, o cuidado em
período integral, home office, sem poder contar com rede de apoio, além da
preocupação com questões financeiras, familiares. Isso gera elevação do
estresse nos pais, e quando eles estão estressados, isso abala diretamente as
crianças. Temos visto sintomas de estresse tóxico, que é quando se vivencia um
estresse contínuo ou muito elevado, que supera sua capacidade de lidar com essa
adversidade. A criança não tem estratégias para superar isso, pela própria
imaturidade neurológica. Então, se família não tiver olhar cuidadoso para essas
crianças, vamos ter consequências irreversíveis. Isso porque o estresse tóxico
faz perder conexões cerebrais, o que pode acarretar, no futuro, aumento de
transtornos, depressão, mas também aumento de alcoolismo, drogas ilícitas,
redução da capacidade cognitiva.
Quais são os
sintomas do estresse tóxico?
Podem ser tanto sintomas externalizantes, como
agressividade, desobediência, grito, choro irritado, nervosismo, quanto
sintomas internalizantes, como isolamento, ficar sem querer conversar, chorando
muito, diminuindo interação, além de distúrbio do sono, alteração do apetite,
dores inespecíficas, falta de ar. Pacientes de diferentes idades estão tendo
sintomas.
O que se
pode fazer para diminuir esse impacto nos filhos?
Temos que entender que todo mundo está mais
preocupado do que o habitual, mesmo. Mas temos que controlar o quanto isso vai
impactar a vida no dia a dia. A primeira dica é organizar a rotina dos adultos
(horários de trabalho, se possível intercalando os expedientes dos adultos,
reserva de ambientes para o home office, etc). Depois organize a agenda dos
filhos, afinal, ninguém está de férias. Tenha horário das atividade escolares
online, horário para acessar a telas, evitando ao máximo o excesso desse uso.
Reserve momentos divertidos e prazerosos de brincar junto, momentos de
atividade física e tarefas de casa, tente colocar a criança perto de um lugar
onde bate sol e tenha espaço para que ela possa dialogar sobre angústias e
sentimentos. Proporcione encontros virtuais com familiares e amigos. E,
sobretudo, não a deixe ver matérias de TV sobre a pandemia - estas foram feitas
para adultos.
A senhora
diz que é importante conversar com as crianças, desde pequenas, sobre o que
está acontecendo. Elas não ficarão mais ansiosas assim?
Elas estão percebendo que há algo acontecendo,
então o melhor é conversar. Desde pequeno a gente pode falar, mas com linguagem
mais simples: "tem um bichinho que faz dodói e temos que ficar em
casa". É preciso explicar com linguagem clara, mas também falar que vai
passar, que daqui a pouco vamos poder brincar lá fora, encontrar os avós. E
também enfatizar que é por isso que temos que lavar sempre as mãos - e, no caso
dos maiores de 2 anos, usar máscara. Tem de haver equilíbrio: explicar que em
casa pode tocar nas coisas, nas pessoas, etc. E que lá fora é preciso mais
cuidado. Temos que passar uma forma de lidar mais leve.
O que os
pais devem fazer caso identifiquem sintomas de que algo não vai bem,
emocionalmente, com os filhos?
Comportamentos diferentes dos habituais são sinais
de que o filho está precisando ser mais escutado, mais acolhido. Podemos
conversar, dizer que é ruim mesmo ficar sem ir à pracinha, sem encontrar com o
vovô. Mostrar que o sentimento dele é real e lhe ajudar a nomear esses
sentimentos. Não se deve deixar de fazer consultas pediátricas, que podem ser
feitas de maneira remota e, se os sintomas forem de estresse tóxico, é
importante procurar atendimento com psicólogo infantil, também de forma remota.
Comentários
Postar um comentário