ASSIM OS APPS DE ENTREGA LUCRAM COM O COVID-19 NO BRASIL


Assim os apps de entrega lucram com o covid-19

O conforto tem custo: trabalhadores sem bônus, salários ou planos de saúde arriscam-se à contaminação. Para Rappi e iFood, proteção é apenas ao cliente, com opção de “zero contato” – já aos entregadores, faltam máscaras e produtos de higiene
Publicado 24/03/2020 às 18:48


Por Bruna de LaraNathália Braga e Paulo Victor Ribeiro, no Intercept Brasil
Ficar em casa. Essa é uma das principais recomendações para a contenção da pandemia do novo coronavírus, que já tem 1.620 casos confirmados e matou 25 pessoas no Brasil, segundo dados da manhã desta segunda-feira. Governadores e prefeitos começaram a agir para reforçá-la. Fecharam escolas, universidades, shoppings, casas noturnas, academias, pontos turísticos, praias, comércio, limites municipais e divisas estaduais – decisão anulada por regras decretadas em seguida por Jair Bolsonaro. Mas, nas ruas esvaziadas das próximas semanas, duas figuras não irão desaparecer: as de trabalhadores circulando em motos ou bicicletas munidos de mochilas com as palavras Rappi, iFood, Loggi ou Uber Eats.
Quando sair de casa significa colocar a saúde em perigo, a comodidade oferecida pelos aplicativos de entrega se torna ainda mais sedutora. Na outra ponta, porém, há pessoas expostas aos riscos que os usuários buscam evitar usando os apps. E as marcas que elas carregam nas costas não estão tomando medidas eficazes para protegê-las do contágio.
O Intercept entrou em contato com as quatro empresas para saber que políticas foram criadas para evitar que seus entregadores contraiam a covid-19, doença causada pelo novo coronavírus. Ainda que todas aleguem estar trabalhando em diversas providências para protegê-los, a única medida em comum não é específica para a situação singular dos entregadores. Trata-se do mero compartilhamento de informações de prevenção divulgadas pelo Ministério da Saúde à população (como lavar as mãos com frequência, cobrir o rosto ao tossir ou espirrar, fazer uso de álcool gel e higienizar veículos).
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“São eles [os entregadores] que farão uma série de coisas circular para garantir o nosso isolamento. E para isso eles estarão na linha de frente e expostos [ao coronavírus]”, analisou a pesquisadora do Instituto de Economia da Universidade de Campinas, a Unicamp, Ludmila Abílio. Ela acompanha há quase uma década as condições de trabalho de motoboys e tem certeza de que a demanda pelo trabalho deles irá crescer durante a pandemia. Sozinho, o iFood já recebia mais de 600 mil pedidos por dia em 2019. A Loggi – que faz busca e entrega de produtos a pedido de usuários e empresas – afirmou em nota enviada ao Intercept, por exemplo, que “está preparada e tem capacidade para atender até três vezes mais o seu volume médio de entregas”.
No estado do Rio, o governador Wilson Witzel, do PSC, assinou um decreto que recomenda que restaurantes, bares e lanchonetes trabalhem com no máximo 30% da sua capacidade. “A nossa recomendação é que a comida seja comprada através do serviço de entrega“, disse o político. Quando relatamos a sugestão de Witzel, a pesquisadora da Unicamp não escondeu a incredulidade ao telefone. “‘Vamos priorizar o delivery’, como se ele fosse automático”, disse, em seguida. “Ele é feito por pessoas. Então, se é para priorizar, vamos ter que pensar em formas de proteção para esses trabalhadores”.
Entregadores do iFood usam máscaras, compradas do próprio bolso, para tentar se proteger durante a pandemia de coronavírus. Entre uma entrega e outra, é comum que eles se juntem para conversar e descansar, contato que também os coloca em risco
Mas o que as empresas vêm fazendo parece pouco para proteger trabalhadores autônomos que não ganham um tostão caso não consigam ir para a rua. A Loggi decidiu medir a temperatura de todo mundo que frequenta seu centro de distribuição em Cajamar, na Grande São Paulo. Quem não passa por lá, contudo, não é testado. A empresa diz que também distribuirá luvas “em suas principais agências”.
A Rappi afirma que dará álcool gel e panos desinfetantes aos entregadores. Carla*, entregadora de 28 anos que trabalha para a Rappi, foi avisada sobre a iniciativa pelo aplicativo da empresa, mas até agora não recebeu o prometido álcool gel. A solução foi se virar para comprar o produto, já em falta na cidade de São Paulo, onde trabalha, e vendido a preços abusivos. De janeiro para cá, o valor cobrado por uma garrafa de 800 ml aumentou 20%.

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