Com um mix de pinturas em tela, móbiles e esculturas, a “ToTa Machina” tem como objetivo fazer com que o espectador entre na arte e vice-versa
A inteligência artificial invade o mundo da arte
“Sempre quis que minhas obras saltassem da tela”, diz Katia Wille, 49, artista plástica formada em arte e design pela Universidade de Amsterdã. Durante mais de 20 anos de sua trajetória, aproximou-se desse desejo trabalhando como designer de moda. Com estampas e tecidos, enfeitava corpos e peles e fazia sua veia artística transcender o limite das telas. Mas, em 2015, Katia se voltou para a arte visual, e, além de pincéis e tintas, direcionou sua produção para algo que mudaria todo o conceito de interatividade com o espectador que conhecia até então: a inteligência artificial.
Foi por meio de seu marido, Hans Blankenburgh, que ela se aproximou da tecnologia e viu uma ligação entre mundos julgados tão distantes. Blankenburgh sempre trabalhou com softwares e programação, e, em contato com pessoas de empresas como IBM e Microsoft, descobriu uma possibilidade de mercado que ligasse o seu trabalho e o de sua esposa. “Foi um casamento que fizemos, arte e tecnologia”, destacou.
A ideia se desenvolveu, e a primeira exposição aconteceu no Rio de Janeiro no ano passado, pioneira em solo nacional. O Brasil ainda não tinha visto de perto a aproximação da inteligência artificial com o mundo artístico, e o sucesso fez com que, apenas um ano depois, Katia voasse até São Paulo para apresentar suas obras mais uma vez. Com curadoria de Bianca Boeckel, a exposição “ToTa Machina” abre amanhã (25), aniversário da capital paulista, no Museu de Arte Sacra de São Paulo, e conta com 15 obras, entre elas duas instalações tecnológicas.
Em parceria com o Clube da Robótica, um makerspace de Evando Kafka e dos serviços cognitivos da nuvem, o Azure da Microsoft , Katia pôde dar vida às suas obras e transcender a mensagem que deseja passar com suas criações. Com um mix de pinturas em tela, móbiles e esculturas, a “ToTa Machina” tem como objetivo fazer com que o espectador entre na arte e vice-versa. As obras têm uma sequência e mostram movimentação de corpos, representando um redemoinho de emoções. Nas obras não cognitivas, os materiais, as luzes, as camadas e as texturas trabalham para dar essa sensação, até finalmente chegar às instalações tecnológicas.
Essas realmente se movem e levam o conceito da exposição para o nível da interatividade. A primeira, “ToTa Machina Vortex”, tem uma câmera que focaliza o espectador e segue seus movimentos, já a segunda se utiliza da robótica para permitir a movimentação da obra de arte de acordo com as reações do público. “Ela reage a emoções faciais. Foi programada para ler oito emoções, mas estamos calibrando para que ela leia um pouco menos e não se confunda”. Além de tudo, quando detecta um rosto, seu coração começa a bater.
Com estímulos visuais e faciais, as máquinas se aproximam do ser humano e despertam a emoção das pessoas. Katia revela que o público fica muito mais tempo na exposição: as crianças curiosas para saber o que há dentro da estrutura de eco látex e os adultos criando afeição e conversando com as instalações como se realmente fossem algo próximo de indivíduos.
Para a artista, a reação do público responde muitas das polêmicas acerca da relação arte versus inteligência artificial. O que muitos se questionam é se a tecnologia pode prejudicar o trabalho do artista e a forma como o público lida com tudo isso, tornando tudo mais frio e maquinário, sem a alma e subjetividade da área.
Segundo Brendan Burns, diretor da Sotheby’s Institute of Art, a tensão entre os dois mundos é de longa data e há uma diferença de visão entre artistas e curadores, “por mais que os curadores e colecionadores gostem de ser provocativos, muitas vezes eles jogam pelo seguro. Parte do progresso e experimentação que vimos nos últimos anos é resultado de artistas assumindo riscos e testando limites pré-definidos.”
Segurança é algo que se ganha com o tempo, então Burns acredita que a tendência ainda é algo que tem muito a evoluir. Para ele, a questão principal sobre o assunto é saber implementar a tecnologia de forma a estimular a criatividade e criar mais acesso aos artistas e ao público. O benefício nasce do desejo de “ultrapassar limites e desafiar suposições e o status quo, como os artistas fizeram com sucesso ao longo da história”, destaca Burns.
A galerista Luisa Strina adiciona o fato de que “arte de qualidade não segue tendência”. Para ela, a diferença na exposição de obras com ou sem o uso de inteligência artificial está na intenção e mensagem do artista. Se ele realiza algo apenas porque está na moda, sua criação perde a veia artística. Já o artista que utiliza a tecnologia para alimentar e atualizar suas próprias inquietações dá sentido e vida à sua obra. “Usada com coerência conceitual e estética, as novas tecnologias abrem uma porta para pesquisas que ainda não foram feitas na arte”, revela.
Para Luisa, o público enxerga e sente tudo isso. “Ele reage à potência da arte; responde à qualidade (formal, técnica e conceitual), não ao aparato utilizado”. Assim, o sucesso do casamento entre os dois mundos ainda depende do homem e de sua criatividade e senso crítico.
A temática ainda trata de pioneirismo. Mesmo com exposições no MoMa (Museu de Arte Moderna), em Nova York, e a expansão pelo mercado, a tecnologia nesse campo ainda é muito nova. Katia conta que ainda depende de muitas influências externas que atrapalham no funcionamento perfeito da tecnologia. Luz, internet, barulho, lotação, tudo isso influencia na forma como a obra cognitiva vai lidar com o espectador e por isso ela sonha com futuros trabalhos autônomos.
“Melhorar um pouco a cada exposição”, diz. Seja na fase de calibramento, na colocação do motor ou nos estudos para criação de uma máquina que não dependa de nenhuma influência externa, Katia olha para o futuro, mas também enxerga beleza nos pequenos defeitos do presente. “A instalação não deve ser perfeita, assim como o ser humano não é. O ser humano é frágil e a arte também pode ter essa vulnerabilidade. Isso aproxima ainda mais o público da obra”, finaliza.
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