A ERA DOS QUBITS: A NOVA ETAPA DO PROCESSAMENTO QUÂNTICO
Tubos para refrigeração e pulsos eletromagnéticos do IBM Q System One
IBM
A era dos qubits
Computadores
da IBM e D-Wave abrem nova etapa do processamento quântico, mas ainda há muito
o que evoluir
Os computadores quânticos – que utilizam as propriedades de
partículas subatômicas em seus sistemas de processamento – finalmente estão
saindo dos laboratórios de pesquisa para o mundo comercial. Um importante
movimento nesse sentido foi realizado recentemente pela norte-americana IBM,
com o lançamento do IBM Q System One. Primeiro computador quântico universal
disponível ao público, ele está apto a fazer vários tipos de operações. É um
dado importante. A canadense D-Wave Systems apresentou seu processador quântico
pioneiro há pouco mais de uma década. Mas o equipamento realiza apenas tarefas
específicas, como equacionar problemas de otimização – a escolha da melhor
solução entre inúmeras variáveis.
No final de setembro, o jornal britânico Financial Times anunciou
que o Google pode ter atingido a “supremacia quântica”, ponto em que um
computador quântico teria realizado uma operação que uma máquina tradicional
não seria capaz de fazer. Nesse caso, o chip Sycamore, projetado pelo Google,
teria executado em pouco mais de três minutos um cálculo que o mais poderoso
supercomputador da atualidade, o IBM Summit, levaria 10 mil anos para realizar.
Um artigo detalhando o experimento deve ser publicado em breve pelos
pesquisadores do Google em uma revista científica.
A trajetória em laboratório dos computadores quânticos é antiga
e ainda está longe de chegar a um estágio satisfatório, mesmo com os avanços
recentes da IBM e da D-Wave. Nos anos 1980, os físicos norte-americanos Paul
Benioff e Richard Feynman, ganhador do Prêmio Nobel de 1965, e o israelense
David Deutsch demonstraram que a mecânica quântica poderia dar origem a um novo
tipo de computação. Em nanoescala, as partículas apresentam propriedades
particulares como sobreposição – a combinação sobreposta de diferentes estados
– e emaranhamento – quando
duas ou mais partículas interagem e exibem comportamento distinto do esperado
do modo clássico.
Enquanto na computação clássica os
bits (ou dígitos binários) podem assumir apenas um valor, 0 ou 1 – em que o 0
representa um sinal sem corrente elétrica e o 1 com corrente –, a computação
quântica trabalha com 0, com 1 e com combinações de 0 e 1 ao mesmo tempo. São
os bits quânticos ou qubits.
Essas características permitem ao
computador quântico realizar cálculos simultâneos em uma ordem de magnitude
muito superior à dos supercomputadores atuais. Como explica o físico teórico
Frederico Borges de Brito, do Instituto de Física de São Carlos da Universidade
de São Paulo (IFSC-USP), a proposta da computação quântica não é substituir a
clássica, mas oferecer um novo caminho para solucionar problemas, como
simulações complexas e questões probabilísticas, para as quais os computadores
atuais têm dificuldades de dar respostas. Brito trabalhou no projeto dos
equipamentos da IBM, durante um estágio de pós-doutorado entre 2006 e 2008, e
da D-Wave, como pesquisador de 2008 a 2009.
“Fatorar um grande número primo é
uma tarefa que pode durar anos em um computador clássico. Em um quântico, há
potencial para levar apenas segundos”, exemplifica Brito. Com um computador
quântico, quebrar códigos criptográficos, usados para a segurança de operações
bancárias, pode deixar de ser um desafio. Outra operação em que essas novas
máquinas são mais eficientes é a simulação do comportamento das moléculas.
Espera-se, com isso, ganhos no enovelamento de proteínas (processo químico no
qual elas assumem sua configuração funcional), gerando novas possibilidades
para o desenvolvimento de produtos farmacêuticos. A nanotecnologia e a pesquisa
de novos materiais também devem ser beneficiadas, assim como o setor
financeiro. A computação quântica pode ser usada para a análise de carteiras de
investimento e o comportamento de ações de empresas nas bolsas de valores ao
longo do tempo.
Construir um computador quântico, entretanto, é uma tarefa
complexa. As máquinas atuais têm o tamanho de uma sala de 10 metros quadrados (m2) e seus qubits são altamente instáveis e suscetíveis a perderem
suas características quando expostos à natureza. Qualquer interferência, como
vibração ou ruído de outras fontes de energia, pode levar a erros de cálculos.
Dessa forma, é preciso isolá-los. Para manter suas propriedades, os qubits
operam em uma temperatura negativa de 273,15 graus Celsius – muito próximo ao
zero absoluto. Quanto mais qubits, mais sofisticada a engenharia exigida. IBM e D-Wave criaram soluções
distintas para enfrentar o problema.
O IBM Q System One é uma máquina
com 20 qubits que combina sistemas quânticos e clássicos da computação. O
aparato, apresentado ao público em janeiro, está disponível em nuvem para uso
comercial e científico. Segundo Ulisses Mello, diretor do Laboratório de
Pesquisas da IBM Brasil, o objetivo da empresa com o equipamento é mostrar que,
mesmo que a capacidade de processamento ainda seja limitada, o computador
quântico é viável e está disponível ao público. Não é apenas um experimento de
laboratório.
A companhia trabalha em seu centro
de pesquisa em Nova York em versões de 50 e 70 qubits. Ainda será pouco,
reconhece Mello, mas faz parte de uma trajetória em que se pretende atingir a
casa do milhar. “Chegar a 150 ou 200 qubits, quando as aplicações já poderão
ser significativas para várias áreas, pode não estar tão distante”, avalia o
executivo. “Modelar a molécula de cafeína demanda algo como 1.048 bits, algo
impossível hoje. Com 160 qubits será possível”, afirma.
A IBM disponibiliza ao público de forma gratuita uma plataforma
em nuvem chamada IBM Q Experience, que já tem mais de 100 mil usuários. A
empresa conta também com mais de 60 parceiros empresariais que experimentam a
tecnologia por meio do IBM Q Network. A fabricante de automóveis Daimler, a
petroleira ExxonMobil e o banco JPMorgan Chase & Co. estão entre eles.
Nenhuma empresa brasileira integra a rede, por ora.
Infográfico e ilustração
Foco em aplicações
O laboratório brasileiro da IBM não participou do desenvolvimento do hardware do IBM Q System One. O foco dos pesquisadores no país é desenvolver aplicações. A fase atual é de identificar problemas que podem ser equacionados pelo computador quântico e buscar parceiros interessados em contratar esses serviços. Os trabalhos iniciais buscam oportunidades no mercado financeiro, na área de logística e na indústria química. Uma aplicação em desenvolvimento é uma investigação da própria IBM, que tenta determinar como expandir a extração de petróleo nos reservatórios a partir do estudo do comportamento de moléculas de óleo líquido em contato com um material sólido.
Quando revelou a primeira versão
de seu computador quântico em 2007, a canadense D-Wave surpreendeu os
pesquisadores acadêmicos por apresentar uma solução inesperada de
processamento, que adota um protocolo adiabático – em que o equipamento
trabalha no menor nível possível de energia – e não de circuito, como o da IBM.
A vantagem, segundo Frederico Brito, é que esse sistema pode ser ampliado
incorporando uma quantidade muito maior de qubits. Por outro lado, o computador
só realiza tarefas específicas. Ele é especializado em problemas de otimização,
como, por exemplo, a definição da rota logística mais eficiente para um
caminhão realizar a entrega de sorvetes em uma cidade congestionada como São
Paulo, levando em conta todas as variáveis, como número de localidades a serem
visitadas, o tempo gasto na operação e os custos envolvidos.
Suscetível a erros
Outra limitação das máquinas da D-Wave é que, por enquanto, o sistema utilizado ainda é passível de erros. Ele é indicado para a computação probabilística, em que a resposta apresentada é a mais provável, e não determinista, como ocorre com os computadores clássicos.
Ao contrário da IBM, que tem como estratégia a venda de tempo de
computação em nuvem, a D-Wave decidiu pela comercialização de seus
equipamentos. O primeiro foi comprado em 2011 pela fabricante norte-americana
de sistemas de defesa Lockeed Martin. Com 128 qubits, a máquina ocupa uma sala
de 10 m2 e
tem um sistema criogênico capaz de resfriar a unidade central de processamento.
O Google e a agência espacial norte-americana (Nasa) estão entre os clientes do
computador, que em sua versão atual – o D-Wave 2000Q – oferece 2 mil qubits. A
empresa não divulga o valor do equipamento, mas reportagem da revista Time de 2014
estimou seu preço em US$ 10 milhões.
As limitações das máquinas atuais
fazem com que sejam classificadas como Noisy Intermediate-Scale Quantum (Nisq),
ou seja, computadores quânticos de escala intermediária e ruidosa. A
denominação ruidosa indica que são sujeitos a erros para os quais eles ainda
não oferecem sistemas de correção. “Um dos temas de fronteira é o
desenvolvimento de algoritmos capazes de lidar com essas limitações e projetar
o que poderá ser explorado em um futuro próximo”, destaca o físico Leandro
Aolita, do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ).
O pesquisador explica que as
possibilidades de criação de algoritmos quânticos oferecidas pelos computadores
hoje ainda são limitadas. Para driblar esse obstáculo, a maioria dos projetos
envolve operações híbridas que empregam em conjunto computação clássica e
quântica. “Com algoritmos clássicos é quase impossível estabelecer padrões. Mas
processamentos híbridos podem acelerar significativamente esse processo”, diz
Aolita.
No Brasil, cerca de 200
pesquisadores estão associados ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de
Informação Quântica (INCT-IQ). Eles se agrupam em atividades em 12 laboratórios
de tecnologias quânticas. Não existem no país projetos de desenvolvimento de
computadores quânticos; o que há é uma iniciativa do Laboratório de Física em
Circuitos Supercondutores para Dispositivos Quânticos da Universidade Estadual
de Campinas (Unicamp), que planeja criar em 2020 o primeiro dispositivo
brasileiro dotado de qubits supercondutores. “No início, não serão mais que 3
qubits”, informa o físico Francisco Paulo Marques Rouxinol, coordenador do
laboratório.
A unidade da Unicamp foi criada
para estudar regimes de comportamento da natureza que possam ser usados
futuramente no desenvolvimento de tecnologias quânticas, como simuladores e
memórias. “Queremos contribuir para o estudo da mecânica quântica no limite
macroscópico e entender por que existe uma divisão entre o mundo quântico e o
que observamos diretamente, o mundo da mecânica clássica”, explica Rouxinol.
Segundo ele, a disponibilidade de
computadores quânticos com capacidade de processamento mais elevada será
fundamental para a equipe do laboratório testar as hipóteses estudadas. Como
diz Frederico Brito, do IFSC-USP, a computação quântica ainda está em sua fase
inicial e as possibilidades que irão surgir a partir de seu desenvolvimento são
imprevisíveis. “A única coisa que sabemos é que estamos no limiar de uma
possível revolução”, afirma.
Projeto
Desenvolvimento de dispositivos supercondutores quânticos para o estudo de estados quânticos de movimento em sistemas eletromecânicos híbridos (nº 17/08602-0); Modalidade Jovem Pesquisador; Pesquisador responsável Francisco Paulo Marques Rouxinol (Unicamp); Investimento R$ 5.972.013,19.
Desenvolvimento de dispositivos supercondutores quânticos para o estudo de estados quânticos de movimento em sistemas eletromecânicos híbridos (nº 17/08602-0); Modalidade Jovem Pesquisador; Pesquisador responsável Francisco Paulo Marques Rouxinol (Unicamp); Investimento R$ 5.972.013,19.
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