"SOMOS NÓS QUE CRIAMOS A NOSSA PRÓPRIA REALIDADE",DIZ NEUROCIENTISTA

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"Somos nós que criamos a nossa própria realidade", diz neurocientista


Frederick Travis, especialista em meditação transcendental, explica como esta prática realizada por artistas como David Lynch e Paul McCartney muda nossa forma de percepção


Ter uma mente tranquila em meio à agitação e aos estímulos que estamos expostos na era da informação pode parecer um luxo. Mas, segundo o neurocientista norte-americano Frederick Travis, este é um luxo que qualquer um pode arcar: basta praticar meditação, mais precisamente a meditação transcendental — ou MT, para os íntimos —, na qual ele é especialista.
Mestre em psicologia, Travis é um dos porta-vozes mundiais desta vertente, que é uma das mais praticadas no mundo, seja por pessoas comuns que querem mudar a percepção que têm da realidade, ou por artistas que querem trabalhar a criatividade, como Jerry Seinfeld, David Lynch, Paul McCartney e Ringo Starr.
Os benefícios em relação à mente — que, além de criatividade, incluem memória, foco e outras habilidades — também atraem administradores para os cursos do Centro de Cérebro, Consciência e Cognição da Universidade de Gestão Maharishi, do qual o Travis é diretor. 
Para explicar à prática, que tem base no Oriente, o neurocientista recorre à uma analogia: “Nossa mente é como uma faca. Conforme você a usa, ela fica cega. Assim, você precisa forçá-la cada vez mais para que ela funcione. Então, alguém se oferece para amolar essa faca. Na correria, você diz que não tem tempo, e continua usando-a com dificuldade. O que você não sabe é que só leva vinte minutos para afiar a faca e que quando ela voltar tudo vai ficar mais fácil e rápido. É o que a MT faz com a nossa mente”.
Para entender melhor como a MT funciona, a GALILEU conversou com o especialista, durante sua passagem pelo Brasil, em um evento da Unifesp e a Associação Internacional de Meditação (SIM). Acompanhe a conversa:
O senhor acha que alguns conceitos de física e filosofia podem ajudar na compreensão da MT?
Na verdade, não. A MT é quase como um processo mecânico, não um processo intelectual. Fazendo uma analogia: é como nossa habilidade para correr ou andar. Com a MT acredito, no entanto, que podemos ficar mais preparados para entender o que a física está querendo nos dizer, por exemplo, porque os conceitos da mecânica quântica estão muito além da nossa experiência — como o princípio da incerteza que, afirma que os elétrons podem estar em vários lugares ao mesmo tempo.
Qualquer um que ouça isso vai pensar que é loucura. Mas, uma vez que você transcende sua mente para além do tempo e do espaço, você tem a sensação de que talvez este seja mesmo o caso. Talvez, o mundo em que vivemos seja só uma superfície, embaixo dele pode existir algo mais conectado, mais expandido.
Isso tem a ver com a analogia que David Lynch faz com a MT: “As idéias são como peixes. Se você quiser pegar o peixe pequeno, pode ficar na água rasa. Mas se você quiser pegar o peixe grande, tem que ir mais fundo”. Isso é cientificamente preciso?
Sim. Por exemplo, enquanto nós estamos falando agora, pequenas áreas do seu cérebro estão se ativando. Você tem que entender inglês, pensar em como vai traduzir isso para o português e em como as pessoas vão entender tudo.
Quando você transcende, o que você vê é que as áreas do cérebro se conectam, e o cérebro todo passa a funcionar como se fosse um. É o que acontece naquele momento “eureka”, em que você soluciona um problema, você tem a reestruturação completa de uma ideia. As palavras poéticas de Lynch vem dessa experiência que observamos na ciência.
Você acha que é possível entender melhor de MT assistindo às obras de David Lynch?
Há algum tempo, estive com ele conversando sobre o cérebro e a criatividade. E ele costuma dizer que, se você quiser ter algum envolvimento com MT, “não assista aos meus filmes”. [Risos.]
O que ele faz é explorar os sentidos e para algumas pessoas isso pode ser muito perturbador. Mas ele vai para além das emoções. É como se dissesse: O que aconteceria aqui se isso acontecesse ali? Como seria isso? O que acontece quando as pessoas saem da sua zona de conforto e começam a pensar de um jeito diferente? A maioria dos filmes dele não são sobre MT, mas sobre o que a MT pode fazer.
No filme A Montanha Sagrada, do cineasta chileno Alejandro Jodorowsky, aparece a frase: “Nossos pensamentos têm formas, e existe um monstro em nossa mente”. A neurociência pode explicar isso ou é puramente poesia?
Não sei sobre a parte dos monstros, mas, em relação às formas, o que se sabe é que quando lembramos de algo, em certo nível, é possível ver a forma dos pensamentos em termos de distribuição pelo cérebro e espaço, e como essa função de distribuição muda no tempo.
Então acho que essa ideia de pensamentos tendo formas pode ser verdade. As formas não são feitas de carbono e de átomos, não seria uma coisa que você pega na mão. Seria mais como uma distribuição de atividade, com análises de sinais você pode aproximar esse fluxo do tempo e ter uma noção da forma.
Em vários livros — como em Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?, que inspirou Blade Runner —, o escritor Philip K. Dick brinca com a forma como percebemos a realidade. Em várias de suas histórias, a "realidade" sequer é real. Com a MT podemos ter esse tipo de percepção também?
Sim. Na verdade, somos nós que criamos a nossa própria realidade. Ela não é formada por objetos concretos externos. O que acontece com esses objetos é que podemos conectá-los  com o nosso entendimento de mundo, com experiências e impressões do passado. Constantemente estamos criando este tipo de realidade.
Quando você vê um indivíduo, você não o vê só como um objeto neutro, você o vê com toda carga emocional que temos dele. O problema é que essa carga emocional pode ser errada. E como isso se relaciona com a MT? Quando você acalma a mente, entende que existe um outro estado de consciência, um quarto estado, que não é o acordado, o dormindo e nem o sonhando. Para meditadores regulares, isso pode se tornar parte da vida diária.
Então, a pessoa passa a ter referências estáveis e começa a perceber o mundo de forma diferente. Em estados elevados de consciência, você passa a ver a natureza da mecânica quântica em tudo o que te cerca, você vê que tudo é criado a partir de um campo fundamental, e esse campo fundamental também é você.
Trouxe isso para falar que o mundo permanece o mesmo, mas, conforme mudamos, começamos a percebê-lo de uma forma diferente. Por exemplo, quando vamos ao trabalho e tem alguém que sempre critica o que fazemos, inicialmente, se você não medita, você vai ficar nervoso. Mas quando você se acalma, percebe que aquele é só o jeito como aquela pessoa funciona, e assim passa a percebê-la de outra forma.
Não é que você passa a pensar que tudo vai dar certo, que você tem que ter atitudes positivas. O que acontece é que você começa a perceber as coisas menos em termos de ameaças e mais em termos de que as pessoas tentam ser o melhor que elas podem. Então, você precisa dar o espaço necessário para que elas mudem.
Recentemente, estamos vivendo um boom nas pesquisas com psicotrópicos, que também são responsáveis por causar estados alterados de consciência. Esse tipo de estudo se relaciona com a TM?
Essa questão é de extrema importância. O que essas drogas fazem é aumentar o tamanho de um neurotransmissor específico do cérebro chamado serotonina, o que leva a uma mudança de percepção da realidade. O que elas fazem é dar esse senso de que existe alguma coisa a mais ali. Se você observar o cérebro durante uma experiência com ayahuasca, vai ver um crescimento de raios gama, por exemplo. Com a MT, temos outra frequência, a alfa. O resultado pode até ser parecido, mas fisiologicamente há diferenças.
Quando falo disso com meus estudantes, peço para eles imaginarem estar assistindo uma TV com uma fita que cobre 90% da tela. Com ayahuasca ou LSD, é como ver por baixo da fita, você percebe que existe mais coisa ali do que só os 10% que está vendo. Já com a MT, é como se você tirasse a fita e conseguisse ver tudo por completo. E essa habilidade de transcender é uma coisa que todos podem fazer, basta aprender.

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