NEUROBIOLOGIA: MECANISMOS DE REFORÇO E RECOMPENSA E EFEITOS BIOLÓGICOS COMUNS ÀS DROGAS DE ABUSO


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NEUROBIOLOGIA: MECANISMOS DE REFORÇO E RECOMPENSA
E EFEITOS BIOLÓGICOS COMUNS ÀS DROGAS DE ABUSO

O CÉREBRO E O MEIO AMBIENTE NA VULNERABILIDADE À DEPENDÊNCIA DE SUBSTÂNCIAS


A dependência de substâncias pode ser entendida como alterações cerebrais (neurobiológicas) provocadas pela ação direta do uso prolongado de uma droga de abuso. Essas alterações são influenciadas por aspectos ambientais (sociais, culturais, educacionais), comportamentais e genéticos.
 
Figura 2: Fatores que influenciam no desenvolvimento da dependência de drogas. Fonte: NUTE-UFSC (2016).


As teorias diferem quanto ao peso atribuído aos fatores que influenciam o estabelecimento da dependência de drogas.

UM POUCO DE HISTÓRIA

Em meados do século XIX, algumas teorias sobre motivação afirmavam que o comportamento dependente resultava de instintos subconscientes. Contudo, nenhuma dessas teorias conseguia explicar adequadamente todos os elementos envolvidos na dependência de substâncias, incluindo os aspectos psicológicos e neurobiológicos. Foi no início da década de 40, no século passado, que surgiu uma nova explicação para a dependência, abrangendo conceitos tanto da Psicologia como da Psiquiatria. Essa teoria, chamada de teoria do reforço, testada em laboratórios de pesquisa, teve como pioneiro o trabalho realizado por Spragg. O pesquisador demonstrou em seus testes que,  após o estabelecimento da dependência de drogas, os chimpanzés trabalhavam voluntariamente para ter acesso à substância.
Após receberem repetidamente drogas opioides, os chimpanzés “pediam” a droga ao pesquisador, isto é, assumiam a posição própria para receber as injeções da droga, contrariando o esperado de seus comportamentos instintivos programados geneticamente. Assim, essas pesquisas aguçaram a curiosidade da comunidade científica pelo tema.

Em 1954, os pesquisadores Olds e Milner observaram que ratos com eletrodos (fios elétricos) introduzidos em certas regiões profundas do cérebro batiam as patas em barras para receber um estímulo elétrico naquela região. Eles apresentavam o comportamento de autoestimulação de forma tão exagerada que, às vezes, deixavam de comer e dormir para continuar batendo suas patinhas e, assim, continuar recebendo os estímulos. Observou-se, no entanto, que somente um número limitado de regiões cerebrais desencadeava tais comportamentos de dependência, outros ratos recebiam as mesmas estimulações elétricas nessas regiões e apresentavam comportamentos naturais de consumo de água e comida, implicando apenas em sensações de recompensa e motivação.

Com as pesquisas, os cientistas descobriram que as mesmas regiões cerebrais que podem provocar a autoestimulação também são as regiões ativadas pelas drogas de abuso, sendo, portanto, as vias mesolímbica e mesocortical as principais vias neurais envolvidas nesse circuito motivacional. Logo, as drogas de abuso estimulam as mesmas regiões do cérebro que induzem a autoestimulação elétrica em animais, ativadas em situações prazerosas.

SISTEMA DE RECOMPENSA CEREBRAL

Cada droga de abuso tem o seu mecanismo de ação particular, mas todas elas atuam, direta ou indiretamente, ativando uma mesma região do cérebro: o sistema de recompensa cerebral. Esse sistema é formado por circuitos neuronais responsáveis pelas ações reforçadas positiva e negativamente. Quando nos deparamos com um estímulo prazeroso, nosso cérebro lança um sinal: o aumento de dopamina, importante neurotransmissor do sistema nervoso central (SNC), no núcleo accumbens, região central do sistema de recompensa e importante para os efeitos das drogas de abuso.
Normalmente existe um aumento de dopamina com estímulos prazerosos, causados muitas vezes por alguns alimentos, pela atividade sexual e por estímulos ambientais agradáveis, como olhar para uma paisagem bonita ou escutar uma música da qual gostamos. As drogas de abuso agem no neurônio dopaminérgico, isto é, neurônios cujo principal neurotransmissor é a dopamina, induzindo um aumento brusco e exacerbado de dopamina no núcleo accumbens, mecanismo comum para praticamente todas as drogas de abuso. Esse sinal é reforçador, associado a sensações de prazer, fazendo com que a busca pela droga se torne cada vez mais provável.
 
Figura 3: Neurônio dopaminérgico da via mesolímbica, que parte da área tegmentar ventral (lado esquerdo da figura) e inerva o núcleo accumbens (lado direito da figura). Fonte: NUTE-UFSC (2016).

Inúmeros estudos demonstraram que as drogas de abuso ou estímulos ambientais naturais (comer, beber água, fazer sexo, ouvir uma boa música), reconhecidos pelo organismo como prazerosos, geram mudanças no cérebro, mais precisamente nas substâncias químicas chamadas neurotransmissores e seus receptores, responsáveis pela comunicação entre os neurônios.
Assim, as drogas de abuso, além de agirem sobre muitas estruturas do sistema nervoso central, agem também sobre o sistema mesolímbico e o sistema mesocortical, que juntos constituem o sistema de recompensa cerebral,  sendo essa relação de fundamental importância.
Figura 4: Representação de um corte sagital médio do encéfalo humano com a marcação das principais áreas do sistema de recompensa cerebral.  Fonte: NUTE-UFSC (2016).

sistema mesolímbico (seta em verde na figura acima) é composto por projeções dopaminérgicas que partem da área tegmentar ventral e chegam, principalmente, ao núcleo accumbens. A área tegmentar ventral é onde se localizam os corpos neuronais dopaminárgicos e é responsável também pelas projeções desses neurônios para as demais estruturas do sistema de recompensa. Já o núcleo accumbens é responsável pelo aprendizado e pela motivação, bem como pela valorização de cada estímulo. É importante salientar que existem projeções dopaminérgicas para outras estruturas cerebrais, tais como o hipocampo, estrutura associada com aprendizagem e memória espaciais; e a amígdala, estrutura responsável pelo processamento do conteúdo emocional de estímulos ambientais. O sistema mesolímbico está relacionado ao mecanismo de condicionamento ao uso da substância, bem como à fissura, à memória e às emoções ligadas ao uso.

Já o 
sistema mesocortical (seta em azul-claro na figura 4) é composto pela área tegmentar ventral, pelo córtex pré-frontal, pelo giro do cíngulo e pelo córtex orbitofrontal. O córtex pré-frontal (em destaque na cor roxa na figura 4) é responsável pelas funções cognitivas superiores e pelo controle do sequenciamento de ações. O giro do cíngulo, por estar localizado acima do corpo caloso, tem conexões com diversas outras estruturas do sistema límbico e tem as seguintes funções: atenção, memória, regulação da atividade cognitiva e emocional; já o córtex orbitofrontal é responsável pelo controle do impulso e da tomada de decisão. As alterações que ocorrem no sistema mesocortical em decorrência do consumo de substâncias psicoativas estão relacionadas com a compulsão e a perda do controle para o consumo de drogas.

Ambos os sistemas, mesolímbico e mesocortical, funcionam paralelamente entre si e com as demais estruturas cerebrais configurando o sistema de recompensa cerebral, sendo que a dopamina é o principal neurotransmissor presente nesse sistema, porém, não o único. Neurotransmissores como a serotonina, noradrenalina, glutamato e o ácido gama-aminobutírico (GABA) são responsáveis pela modulação do SNC e também estão presentes no sistema de recompensa.

A ação das drogas de abuso sobre o sistema de recompensa cerebral pode levar ao desenvolvimento da dependência



O circuito cerebral do prazer

O circuito cerebral do prazer, também chamado de circuito mesocorticolímbico, é formado por um pequeno grupo de regiões cerebrais nas quais são produzidos os maiores níveis de dopaminaEste circuito se ativa quando recebemos estímulos que nos dão prazer, como comer chocolate, fazer sexo, fazer compras, etc. Inclusive uma simples ideia pode ativá-lo.

Este circuito permite associar atividades relacionadas com a nossa própria sobrevivência a situações prazerosas, de modo que tem uma função adaptativa. Este circuito também pode ser ativado com substâncias prejudiciais, como é o caso das drogas. Falemos, por exemplo, da cocaína que está ligada à produção artificial de dopamina no cérebro.
A Universidade de John Hopkins descreve o processo de recompensa como uma experiência que nos agrada de forma imediata ou não demorada no tempo. Associamos essa experiência a estímulos sensoriais externos visuais, olfativos ou auditivos e a outros estímulos internos, como pensamentos e sensações. Ao fazer essa associação, a conduta que nos provocou o prazer se repetirá provavelmente em uma situação familiar.

Processo do mecanismo de recompensa

Tudo começa quando observamos no entorno alguma coisa que nos incita a realizar alguma atividade concreta que no passado nos proporcionou prazer e/ou satisfação. Existem emoções que se movem em nós e que nos empurram a desejar realizar essa ação. Neste momento aparece a dopamina, de modo que já podemos nos imaginar realizando a ação.
Depois da fase de desejo, queremos torná-lo realidade. Quando passamos à ação entram em cena as substâncias adrenalina e noradrenalina, que colocam o organismo para funcionar com o objetivo de estar preparado para agir. A ação é recompensada com uma sensação de prazer no final ou enquanto é realizada.
Por fim, uma vez completada a ação, fecha-se o circuito da recompensa com uma sensação de satisfação. Quando é chegado este ponto, aparece a serotonina que está relacionada com o estado de ânimo e com o desejo de experimentar a sensação novamente. Graças à satisfação proporcionada, quando aparecer um sinal que ativar o desejo, o sujeito terá a tendência de repetir a ação.
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O percurso do prazer no cérebro

O centro do prazer está formado por várias áreas cerebrais especificas, como a área tegmental ventral (ATV), que projeta as conexões dos seus neurônios para outras áreas implicadas no processo. Estas áreas são o núcleo accumbens, o corpo estriado, o córtex cingulado anterior, o hipocampo, a amígdala e o córtex cerebral.
Cada um dos centros envolvidos no processo de prazer ou recompensa está relacionado a diferentes funções. Por exemplo, o corpo estriado está relacionado à formação de hábitos, o córtex cingulado anterior e a amígdala estão relacionados às emoções, o hipocampo à memória e o córtex pré-frontal ao raciocínio e o planejamento.
A dopamina é o neurotransmissor que media a comunicação entre a ATV e o resto das áreas. Quando determinadas experiências ativam os neurônios da ATV e liberam dopamina, estas experiências serão classificadas como prazerosas e serão posteriormente relembradas e associadas a eventos positivos. Uma coisa que propiciará a repetição da ação no futuro.

O papel do circuito do prazer nos vícios

Certas atividades que realizamos e que são vitais para a sobrevivência disparam o circuito do prazer, mas estas atividades não são as únicas capazes de nos dar essa sensação. Também existem hábitos, como o consumo de drogas, que colocam em funcionamento o mecanismo de recompensa.
A grande maioria das substâncias viciantes ataca o sistema de recompensa do cérebro, liberando dopamina. Tal neurotransmissor está em diferentes regiões do cérebro que regulam o movimento, a motivação, a emoção e a sensação de prazer. A liberação de dopamina – através das drogas – pode super estimular o sistema, provocando uma sensação de euforia que estimula o consumo.
Quando se faz uso de drogas, como a cocaína, é possível que se liberem de 2 a 10 vezes mais quantidade de dopamina do que com uma recompensa natural (comida). Além disso, o efeito é imediato e pode ser mais duradouro. A tolerância às drogas, provocada pelo consumo repetitivo, pode levar a mudanças profundas nos circuitos do cérebro, já que de alguma forma tem o poder de inutilizá-los.
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Quando é disparado o circuito do prazer?

Existe uma grande quantidade de situações nas quais fazer alguma atividade pode ativar o circuito do prazer, fazendo nos sentir bem. A seguir listamos exemplos de algumas das atividades que provavelmente irão ativar este circuito.
  • Comer alimentos com muitas calorias.
  • Ter relações sexuais.
  • Ouvir música.
  • Praticar esporte.
  • Consumir certas drogas.
  • Ajudar os outros.
  • Ouvir opiniões positivas dos outros.
Os cientistas veem o sistema cerebral de recompensa como uma função que garante a nossa sobrevivência, já que está vinculado às atividades necessárias para a subsistência, mas também é uma armadilha para os vícios. A associação que fizemos de certos estímulos, como sair para a balada e beber álcool, pode reforçar a ação a ponto de transformá-la em vício.

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